Amor

Capítulo 1


“Se você já encontrou a pessoa perfeita, por que se arriscar a conhecê-la?”

CAPÍTULO 01:

15 de janeiro

Assunto: Cancelamento

Gostaria de cancelar minha assinatura. Dá pra fazer por aqui?

Cordialmente,

K. Higurashi.

18 dias depois

Assunto: Cancelamento

Quero cancelar minha assinatura. É possível por e-mail? Solicito uma resposta rápida.

Cordialmente,

K. Higurashi.

33 dias depois

Assunto: Cancelamento

Prezados senhores e senhoras da editora Taishu.

Caso o fato de os senhores ignorarem insistentemente minha tentativa de cancelar uma assinatura tiver como objetivo não deixar cair o volume de vendas de seu produto, que está em lamentável e constante decadência, infelizmente devo lhes comunicar: eu não vou mais pagar!

Cordialmente,

K. Higurashi.

Oito minutos depois

Fw: A senhora se enganou. Este é um e-mail particular. Meu endereço eletrônico é woerter@taisho.com. A senhora certamente queria escrever para woerter@taishu.com. A senhora já é a terceira pessoa que me pede o cancelamento. A revista realmente deve ter ficado muito ruim.

Cinco minutos depois

Re: Oh, me desculpe! E obrigada pelo esclarecimento.

Saudações,

K. H.

Nove meses depois

Sem assunto

Feliz Natal e Próspero Ano Novo. É o que lhe deseja

Kag Higurashi

Dois minutos depois

Fw: Cara Kag Higurashi, nós mal nos conhecemos ou não nos conhecemos absolutamente. Contudo, agradeço pelo seu afetuoso e muitíssimo original e-mail coletivo! É preciso que a senhora saiba: eu amo e-mails coletivos, enviados a um coletivo ao qual eu não pertenço.

Sds, Inuyasha Taisho.

18 minutos depois

Re: Perdoe-me o aborrecimento por escrito, senhor Sds Taisho. O senhor entrou por engano na minha lista de clientes, porque eu, há alguns meses, quis cancelar uma assinatura e acidentalmente usei seu endereço eletrônico. Vou apagá-lo agora mesmo.

P.S.: Caso lhe ocorra uma maneira mais original de desejar a alguém "Feliz Natal e Próspero Ano Novo" do que usar "Feliz Natal e Próspero Ano Novo", por favor me diga. Até lá: Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

K. Higurashi.

Seis minutos depois

Fw: Eu lhe desejo uma festa agradável e torço para que o ano que se avizinha entre para os 80 melhores de sua vida. E, caso a senhora tenha, nesse meio tempo, feito a assinatura de dias ruins, cancele-os tranquilamente — por engano — comigo.

Inuyasha Taisho.

Três minutos depois

Re: Estou impressionada!

Abs, K.H.

38 dias depois

Assunto: Nem mais um centavo!

Prezada direção da editora Taishu, eu me desliguei de sua revista três vezes por escrito e duas vezes por telefone (com certa senhora Kaede). Se vocês continuam, no entanto, enviando-me a publicação, só posso encarar isso como piada interna. Vou guardar como suvenir a conta de 186 euros que acabou de chegar, para me lembrar da "Taishu" quando finalmente nenhuma edição for entregue. Mas, por favor, não conte receber sequer um tostão de minha parte.

Respeitosamente,

K. Higurashi.

Duas horas depois

Fw: Cara senhora Higurashi, a senhora faz isso de propósito? Ou a senhora fez a assinatura de dias ruins?

Sds, Inuyasha Taisho

15 minutos depois

Re: Prezado senhor Taisho, agora isso de fato foi extremamente embaraçoso. Eu cometo um erro crônico com "sho”. Quando escrevo rápido, um "o" sempre acaba escorregando. O que acontece é que as pontas dos meus dedos médios ficam brigando no teclado. O esquerdo sempre quer ser mais rápido do que o direito. A propósito, sou uma canhota de nascença, que foi forçada a escrever com a direita na escola. Até hoje minha mão esquerda não me perdoou por isso. Ela sempre enfia um "o" com a ponta do dedo médio, antes que a direita possa colocar um "u". Desculpe-me o incômodo, não vai (provavelmente) acontecer de novo. Espero que o senhor tenha ainda uma boa noite,

K. Higurashi

Quatro minutos depois

Fw: Prezada senhora Higurashi, me permite fazer uma pergunta? E aqui vai outra: de quanto tempo a senhora precisou para o seu e-mail com a exposição sobre o erro do "sho"? Abs, Inuyasha Taisho

Três minutos depois

Re: Duas perguntas de volta: quanto tempo o senhor acha? E por que pergunta?

Oito minutos depois

Fw: Suponho que a senhora não tenha gasto mais do que 20 segundos. Por isso eu a parabenizo: em pouco tempo, conseguiu escrever uma mensagem impecável. Me fez dar uma risada. E hoje em dia quase nada ou ninguém consegue isso. Quanto a sua segunda indagação, por que eu pergunto: atualmente eu também me ocupo, como profissional, da linguagem dos e-mails. E agora, mais uma pergunta: não foram mais do que 20 segundos, acertei?

Três minutos depois

Re: Ahã, o senhor trabalha profissionalmente com e-mails. Soa muuuito interessante. Na verdade eu me sinto agora como uma cobaia. Mas tudo bem. O senhor tem, por acaso, uma página na internet? Caso não tenha, gostaria de ter uma? Em caso afirmativo, gostaria de ter uma bela página? É que eu trabalho profissionalmente com isso. (Até aqui gastei exatamente dez segundos, mas foi uma conversa profissional.) No caso do meu banal e-mail com o erro do "o", o senhor infelizmente fez uma estimativa basicamente incorreta. Ele com certeza me roubou uns bons três minutos de minha vida. Pois então... sabe-se lá de que isso serviu. Mas agora me interessaria saber mais uma coisa: como o senhor pôde pressupor que eu gastei apenas 20 segundos com o meu e-mail do erro do "o"? E antes que eu lhe deixe em paz de uma vez por todas (a não ser que o povo da editora Taishu me envie de novo uma continha), mais uma coisinha me interessa. O senhor escreveu lá em cima: "Me permite fazer uma pergunta? E aqui vai outra: de quanto tempo... etc." Por conta disso, eu tenho duas perguntas. A primeira: quanto tempo o senhor gastou para fazer essa piada? A segunda: seu humor é assim?

Uma hora e meia mais tarde

Fw: Prezada desconhecida senhora Higurashi, eu vou lhe responder amanhã. Agora estou desligando meu computador.

Boa tarde, boa noite, seja o que for.

Inuyasha Taisho.

Quatro dias depois

Assunto: Perguntas em aberto

Prezada senhora Higurashi, perdoe-me por somente agora entrar e contato, no momento as coisas estão um pouco complicadas para mim. A senhora queria saber como eu erroneamente estimei que, para cometer seu erro do "sho", a senhora não havia necessitado de mais de 20 segundos. Pois bem, seus e-mails parecem ser "cuspidos", se me permite esta avaliação. Eu poderia jurar que a senhora era alguém que escreve e fala rapidamente, uma pessoa agitada, para quem o dia não decorre depressa o suficiente. Quando leio seus e-mails, não vejo aí qualquer pausa. Eles me parecem em termos de tom e ritmo, impulsivos, esbaforidos, enérgicos, acelerados, até mesmo aflitos. Do jeito que a senhora escreve, nunca seria uma pessoa com pressão sanguínea baixa. Parece-me que seus pensamentos espontâneos fluem desenfreados nos textos. E com isso destaca-se sua segurança com a língua, uma relação hábil e bem afiada com as palavras. Mas se agora a senhora esclarece que gastou mais de três minutos com seu e-mail com o "sho", então devo concluir que pintei, entretanto, um retrato falso da senhora. Infelizmente a senhora me perguntou sobre meu humor. Esse é um capítulo triste. Para poder ser bem-humorada, a pessoa precisa reconhecer em si mesma ao menos um sopro de graça. E para ser sincero: hoje em dia eu não reconheço nada disso em mim, sinto-me absolutamente sem graça. Quando olho em retrospecto para os últimos dias e semanas, a risada se esvaece. Mas isso é a minha história pessoal e não vem ao caso aqui. De qualquer maneira, obrigado pelo seu jeito estimulante. Foi muitíssimo agradável conversar com a senhora. Acredito que as questões agora já foram respondidas a torto e a direito. Vou me alegrar caso a senhora se perca de novo, por acaso, no meu endereço. Apenas um pedido: cancele de uma vez sua assinatura da Taishu. Isso já está me irritando um pouco. Ou será que eu devo fazer isso para a senhora?

Saudações,

Inuyasha Taisho

40 minutos depois

Fw: Prezado senhor Taisho, eu gostaria de lhe confessar algo: eu realmente não gastei mais de 20 segundos com o meu e-mail sobre o erro do "o". Só me chateei porque o senhor avaliou que eu rabisco meus e-mails de qualquer maneira. O senhor até tem razão, mas não tinha o direito de saber isso de antemão. Portanto ok: mesmo que atualmente o senhor não tenha humor, vê-se claramente que conhece bem os e-mails. Impressionou-me a rapidez com que me sacou! O senhor é professor de filologia?

Saudações,

Kag "A agitada" Higurashi

18 dias mais tarde

Assunto: Olá queria somente lhe dizer que o pessoal da Taishu não está mais me enviando qualquer exemplar. O senhor interveio? Aliás, o senhor também poderia ter feito contato ao menos uma vez. Eu ainda não sei, por exemplo, se o senhor é professor. O Google não conhece o senhor ou, em todo caso, sabe bem como escondê-lo. E o seu humor melhorou? Afinal, é carnaval. Assim fica praticamente impossível competir.

Saudações,

Kag Higurashi.

Duas horas depois

Fw: Prezada senhora Higurashi, que bom que a senhora me escreveu, já estava sentindo sua falta. Agora há pouco eu estava fazendo uma assinatura da Taishu. (Cuidado, humor de principiante!) E a senhora realmente me procurou pelo Google? Acho extremamente lisonjeiro. E o fato de que para a senhora eu poderia ser um professor não me agrada, francamente, tanto. A senhora me tem por um velho mala, não é verdade? Empertigado, pedante, sabichão. Pois bem, eu não vou me esforçar freneticamente para provar o contrário, senão será embaraçoso. Supostamente, ao escrever, eu apenas pareço mais velho do que de fato sou. E meu pressentimento é de que a senhora, ao escrever, parece mais jovem do que é. A propósito, sou consultor de comunicação e professor universitário assistente de psicologia da linguagem. No momento, estamos trabalhando num estudo sobre a influência do e-mail sobre nossa linguagem e — a parte essencialmente mais interessante — sobre o e-mail como meio de transporte das emoções. Daí minha pequena inclinação aos bate- papos sobre o assunto. Mas de agora em diante vou me conter, isso eu lhe prometo. Então espero que a senhora saia ilesa das festividades do carnaval! Imagino que a senhora deve ter arranjado uma boa quantidade de narizes postiços e cornetas. :-)

Com todo o carinho,

Inuyasha Taisho

22 minutos depois

Re: Prezado senhor Psicólogo da Linguagem, agora um teste para o senhor: qual das frases que acabei de receber o senhor acredita que achei a mais interessante, tão interessante que eu imediatamente tinha de fazer-lhe uma pergunta (eu não o testaria antes)? E aqui mais uma boa dica, que tem a ver com seu humor: achei que sua frase "Agora há pouco eu estava fazendo uma assinatura da Taishu" dá uma chance à esperança! Mas com seu comentário adicional ("Cuidado, humor de principiante!") o senhor botou tudo de novo a perder: deixe rolar, apenas! E o lance com narizes postiços e cornetas eu também achei engraçado. Está na cara que temos o mesmo tipo de não-humor. Confie em minha capacidade de reconhecer seu humor e deixe o Smiley de lado! Tudo de bom, eu acho realmente agradável bater papo com o senhor.

Kag Higurashi

Dez minutos depois

Fw: Cara Kag Higurashi, obrigado por suas dicas de humor. Ao final, elas farão de mim um homem engraçado. E ainda mais agradecido eu sou pelo teste! Ele me dá a oportunidade de mostrar-lhe que eu (ainda) não sou o tipo "velho professor autocrático". Se fosse, teria então pressuposto que a frase mais interessante para a senhora seria "No momento, estamos trabalhando num estudo sobre... o e-mail como meio de transporte das emoções". Mas estou certo de que a que mais lhe interessa é "E meu pressentimento é de que a senhora, ao escrever, parece mais jovem do que é". A partir daí, duas perguntas se tornam forçosas para a senhora: de onde ele pode tirar essa conclusão? E em seguida: que idade afinal ele acha que eu tenho? Estou certo?

Oito minutos depois

Re: Inuyasha Taisho, você é realmente um danado!!! Pois bem, proponha alguns argumentos e me esclareça por que eu devo ser mais velha do que sôo quando escrevo. Ou ainda mais precisamente: que idade pareço ter ao escrever? Quantos anos eu tenho? Caso você já tenha feito essas lições, então me diga que tamanho eu calço. É realmente divertido corresponder-me com você.

Com todo o carinho,

Kag

45 minutos depois

Fw: Pelo jeito que escreve, você tem 30. Mas deve ter em torno de 40, digamos 42. Por que eu acho isso? Alguém com 30 anos geralmente não lê a Taishu. A idade média de um assinante da Taishu está em torno de 50. Mas você é mais jovem, afinal é web designer e, por conta disso, poderia ter 30 ou até mesmo menos. Porém, alguém de 30 anos não envia e-mails coletivos para desejar "Feliz Natal e Próspero Ano Novo" a seus clientes. E por fim: você assina Kag, portanto se chama Kagome. Eu conheço três Kagomes, todas com mais de 40 anos. Aos 30, ninguém se chama Kagome. As pessoas voltam a se chamar Kagome com menos de 20, mas você não tem menos de 20, caso contrário usaria palavras como "cool", "muderno", "tesão", "básico", "sinistro" ou algo parecido. Além disso, você não usaria letras maiúsculas nem escreveria frases completas. E em geral você teria mais o que fazer do que conversar com um professor presunçoso e sem humor, e ainda achar interessante o quão jovem ou velha ele a imagina. E mais uma observação quanto a "Kag": quando alguém se chama "Kagome" e soa mais jovem do que é, porque, por exemplo, essa pessoa claramente se sente mais jovem, então ela não se nomeia "Kagome", e sim "Kag". Em resumo, cara Kag Higurashi: você escreve como se tivesse 30, mas tem 42 anos. Certo? Calça 36. É baixa, esbelta e agitada, tem cabelos escuros e curtos e fala pelos cotovelos. Certo?

Boa noite,

Inuyasha Taisho

No dia seguinte

Assunto: ? ? ?

Querida senhora Higurashi, a senhora ficou ofendida? Veja bem, eu realmente não a conheço. Como posso saber que idade a senhora tem? Talvez 20 ou 60. Talvez a senhora meça 1,90m e pese 100kg. Talvez calce 46 — e por isso mesmo tenha apenas três pares de sapato, feitos sob medida. Para poder pagar por um quarto par, teve de cancelar sua assinatura de Taishu e manter o bom humor de seus clientes com os votos de Natal. Portanto, por favor, não fique chateada comigo. Eu me diverti com a adivinhação, tenho apenas um retrato nebuloso da senhora diante de mim e tentei transmiti-lo à senhora com precisão exagerada. Eu realmente não quis ofendê-la.

Lembranças,

Inuyasha Taisho

Duas horas depois

Re: Querido "professor", eu gosto de seu humor. Ele está a apenas meio-tom da sisudez crônica, e por isso soa especialmente travesso!! Entro em contato amanhã. Já estou ansiosa!

Kag

Sete minutos depois

Fw: Obrigado! Agora posso ir dormir sossegado.

Inuyasha

No dia seguinte

Assunto: Magoar

Querido Inuyasha, agora vou deixar de lado o "Taisho". Por conta disso, você pode esquecer o "Higurashi". Curti muito seus e-mails de ontem e os li várias vezes. Eu gostaria de lhe fazer um elogio. Acho muito interessante que você se envolva assim com alguém que desconhece por completo, a quem nunca viu e provavelmente não verá, de quem tampouco espera qualquer coisa, visto que você não pode saber de jeito nenhum se algo adequado resultaria daí. Isso é algo muito atipicamente masculino, e isso eu aprecio em você. Isso era algo que eu queria dizer-lhe antes de tudo. Agora vamos a algumas questões: 1) Você tem uma psicopatologia relacionada a e-mails coletivos de votos natalinos já em estado avançado! De onde a desencavou? Pelo visto, fica ferido de morte quando alguém diz "Feliz Natal e Próspero Ano Novo". Bem, prometo que nunca, jamais direi isso. A propósito, acho surpreendente que queira poder estipular uma faixa etária a partir de "Feliz Natal e Próspero Ano Novo". Se tivesse dito "Feliz Natal e um Bom Ano Novo", eu teria sido então dez anos mais nova? 2) Perdoe-me, caro Inuyasha Psicólogo da Linguagem, mas dizer que uma mulher não pode ter menos de 20 porque não usa "cool", "tesão" etc. me parece um pouco professoral e alienado do mundo. Não que eu tenha menos de 20, que esteja aqui lutando para escrever como se tivesse, como você insinua. Mas sabe-se lá mesmo? 3) Eu escrevo como alguém de 30, você diz. Mas uma pessoa de 30 não lê Taishu, você diz. Quanto a isso tenho o prazer de lhe esclarecer: a revista Taishu havia sido assinada para minha mãe. O que você tem a dizer agora? Eu então sou mais jovem do que pareço quando escrevo? 4) Eu lhe deixo agora sozinho com essa pergunta-chave. Infelizmente tenho um compromisso. (De trabalho? Aula de dança? Manicure? Escolha com calma.) Que você tenha ainda um bom dia, Inuyasha!

Kag

Três minutos depois

Re: Ah, sim, Inuyasha, eu ainda queria te revelar uma coisa: quanto ao número que calço, você até que não se deu tão mal. Eu calço 37. (Mas você não precisa me mandar sapatos de presente, já tenho muitos).

Três dias mais tarde

Assunto: Falta algo

Caro Inuyasha, quando você fica três dias sem me escrever, duas coisas me ocorrem: 1) Sinto saudades. 2) Falta-me algo. Ambas não são nada agradáveis. Faça algo a respeito!

Kag

No dia seguinte

Assunto: Finalmente enviado!

Cara Kag, em minha defesa eu declaro: escrevi para você diariamente, apenas não enviei os e-mails, apaguei todos eles. Isso porque cheguei a um ponto delicado de nossa correspondência. Você, essa tal de Kag que calça 37, já começa devagarzinho a me deixar mais interessado, para além do que me permite esta moldura em que nos comunicamos. E se você, essa tal de Kag que calça 37, constata a priori: "provavelmente nós nunca iremos nos ver", então você tem toda a razão e eu divido contigo a mesma opinião. Considero muito, muito prudente, que nenhum encontro entre nós ocorra. Afinal, não quero que esse tipo de conversa que temos aqui descambe para o nível de um anúncio para contato entre solteiros ou de uma provocaçãozinha de sala de bate-papo. Então, eu finalmente mando este e-mail para você para que, com ele, esta determinada Kag que calça 37 tenha ao menos algo meu em sua caixa de entrada. (O texto não é muito interessante, eu sei, ele também é apenas uma fração daquele que eu gostaria de lhe escrever.) Com todo o carinho, Inuyasha

23 minutos depois

Re: Ahã, esse tal de Inuyasha Psicólogo da Linguagem também não quer saber como se parece essa tal de Kag que calça 37? Inuyasha, nisso eu não acredito! Todo homem quer saber como é a aparência de qualquer mulher que com ele se comunica, saber como ela se parece. Ele quer até mesmo saber o mais rápido possível qual é a sua aparência. Daí ele saberá se continua ou não a falar com ela. Ou não é assim?

Cordialmente,

a tal Kag tamanho 37

Oito minutos depois

Fw: Você agora desabafou mais do que escreveu, né verdade? Não quero saber de modo algum qual a sua aparência, se você me responde de tal jeito, Kag. Eu tenho você diante de mim de qualquer modo. E para isso eu não preciso em momento algum usar a psicologia da linguagem.

Inuyasha

21 minutos depois

Fw: Você está enganado, Inuyasha. Aquilo foi escrito com toda a tranquilidade. Você realmente deveria me ver quando reajo de forma exagerada. A propósito, você em princípio não tem a tendência de responder às minhas perguntas, né verdade? (Com que é mesmo que você se parece quando faz a pergunta "né verdade?") Agora me permita voltar ao e-mail que você atirou hoje pela manhã. Nada combina com nada. Recapitulando: 1) Você me escreve e-mails e não os envia. 2) Você já começa devagarzinho a se interessar mais por mim, "para além do que permite os e-mails da internet". O que você quer dizer com isso? Esses limites de nossa correspondência não são apenas ligados ao interesse mútuo que há entre duas pessoas que são completos desconhecidos? 3) Você considera prudente, até mesmo muito, muito prudente, que nunca nos encontremos. Tenho inveja de sua devoção apaixonada pela prudência! 4) Você não quer provocaçõezinhas de salas de bate-papo. O que quer então? Sobre o que devemos conversar, de modo que você não se interesse lentamente mais por mim, "para além do que permitem os limites do e-mail"? 5) E, para o caso nada improvável de que você não responda às perguntas agora mesmo feitas: você disse que há pouco mandou apenas uma fração do que queria realmente escrever. Escreva-me com calma o restante. Estou ansiosa por cada linha! É que eu gosto de ler o que você escreve, querido Inuyasha.

Kag

Cinco minutos depois

Fw: Querida Kag, se você não pudesse escrever 1) 2) 3) e por aí vai, então não seria mesmo você, né verdade? Amanhã tem mais. Ótima noite.

Inuyasha

No dia seguinte

Sem assunto

Cara Kag, você já se deu conta de que não sabemos absolutamente nada um do outro? Nós produzimos formas imaginárias virtuais, quadros fantasmagóricos acabados um do outro. Fazemos perguntas cujo encanto consiste no fato de não serem respondidas. Pois é, a gente faz disto um esporte: despertar a curiosidade do outro e continuar a atiçar de modo repetido. E ao fazer isso não satisfazemos de jeito nenhum tal curiosidade. Tentamos ler nas entrelinhas, entre as palavras, e logo tentaremos também entre as letras. Tentamos freneticamente avaliar corretamente o outro. E ao mesmo tempo estamos meticulosamente atentos para que não revelemos algo essencial sobre nós mesmos. O que quer dizer "essencial"? Nada, nós não contamos coisa alguma de nossas vidas, nada ligado ao cotidiano, algo que pudesse ser importante para um de nós. Nós nos comunicamos no vácuo. Gentilmente confessamos qual a profissão que seguimos. Na teoria, você criaria uma bela página de internet para mim, para tanto, eu coloco à sua disposição, na prática, péssimas elaborações de psicologia da linguagem. Isso é tudo. Graças a uma revista ruim sabemos que vivemos na mesma cidade. Mas fora isso? Nada. Não há outras pessoas ao nosso redor. Nós não moramos em lugar algum. Não temos qualquer idade. Não temos rosto. Não distinguimos entre dia e noite. Não vivemos em tempo algum. Temos apenas nossos respectivos monitores, rigorosos e sigilosos por si só, e temos um hobby em comum: interessamo-nos respectivamente por uma pessoa completamente estranha. Bravo! No que diz respeito a mim, tenho agora uma confissão: eu me interesso loucamente por você, querida Kag! Não sei o porquê, mas sei que houve uma ocasião marcante para isso. Mas também sei o quão absurdo esse interesse é. Ele não resistiria nunca a um encontro, pouco importa sua aparência, a idade que tenha, o quanto do charme de seus e-mails você poderia trazer para um eventual encontro e quanto de seu humor com as palavras reside em suas cordas vocais, suas pupilas, nos cantos de sua boca ou nas asas de seu nariz. Esse "interesse louco", suspeito, alimenta-se única e exclusivamente da caixa de entrada dos e-mails. Toda tentativa de evitá-la infelizmente falharia. Agora minha pergunta-chave, cara Kag: você ainda quer que eu continue lhe escrevendo e-mails? (Desta vez, uma resposta clara seria expressamente obrigatória).

Tudo de bom mesmo,

Inuyasha

21 minutos depois

Re: Querido Inuyasha, foi muita coisa de uma só vez! Você deve ter um bom tempo livre. Ou isso conta como trabalho? Você ganha um bônus em seu banco de horas por isso? Pode descontar do imposto de renda? Sei que tenho a língua afiada. Mas somente por escrito. E apenas quando estou insegura. Inuyasha, você me deixa insegura. Somente uma coisa é certa: sim, eu quero que você continue me escrevendo e-mails, se você não se importa. Se isso não foi claro o bastante, então lá vai: SIM, EU QUERO!!!!!! E-MAILS DO INUYASHA! E-MAILS DO INUYASHA! E-MAILS DO INUYASHA. POR FAVOR! EU ESTOU VICIADA NOS E-MAILS DO INUYASHA! E agora você tem de revelar de qualquer jeito por que não houve um motivo, mas sim uma "ocasião marcante", para que você se interessasse por mim. Porque eu não entendo isso, mas é algo que soa muito interessante.

Tudo de bom mesmo e mais "tudo" nisso aí,

Kag.

(P.S.: Seu e-mail lá em cima foi muito legal! Absolutamente sem humor, mas realmente legal!)

Dois dias depois

Assunto: Feliz Natal

Sabe de uma coisa, querida Kag? Hoje eu vou quebrar nossas convenções e contar algo de minha vida. Ela se chamava Sango. Há apenas três meses eu teria dito: ela se chama Sango. Hoje... ela se chamava. Depois de cinco anos de presente sem futuro eu finalmente me deparei com o imperfeito. Vou lhe poupar dos detalhes de nossa relação. O melhor nela sempre foi o recomeço. Porque nós dois gostávamos de recomeçar com paixão, era algo que fazíamos a cada dois meses. Éramos um para o outro "o grande amor de nossas vidas". Mas nunca quando estávamos juntos. E sim, justamente, sempre que nos esforçávamos para estarmos juntos. Então, no outono, aconteceu finalmente o seguinte: ela tinha outro, alguém com quem ela "se imaginava junta", não apenas ocasionalmente, mas para ficar junto mesmo. (Embora o tal cara fosse piloto de avião em uma linha aérea espanhola, faça-me o favor.) Quando eu soube, fiquei mais certo do que nunca de que Sango era "a mulher da minha vida". E que eu deveria fazer qualquer coisa para não perdê-la para sempre. Para tanto, fiz tudo e mais um pouco durante semanas. (Também nesse ponto vou poupá-la de detalhes.) E ela foi muito incisiva ao dar a mim e, com isto, a nós, uma última chance: Natal em Paris. Eu pretendia — ria baixinho de mim, Kag — pedi-la em casamento lá, eu, um completo idiota. Ela aguardava apenas o voo de volta do "espanhol" para dizer a ele a verdade sobre mim e Paris, era algo que ela devia a ele, disse Sango. Eu tinha uma sensação estranha, de suspeita... Ora, eu tinha algo como um Airbus espanhol em meu estômago, quando pensava em Sango e nesse piloto. Isso foi em 19 de dezembro. À tarde, recebi — não, nem sequer um telefonema —, recebi um e-mail catastrófico dela: "Inuyasha, não dá, eu não posso, Paris seria apenas uma nova mentira. Por favor, perdoe-me!" Ou algo assim. (Não, não foi algo assim, foi exatamente isso.) Eu escrevi imediatamente de volta: "Sango, eu quero me casar com você! Estou decidido quanto a isso. Quero ficar contigo para sempre. E sei agora que posso. Nós pertencemos um ao outro. Confie em mim uma última vez. Por favor, vamos falar sobre isso tudo em Paris. Por favor, diga sim a Paris." Então, fiquei esperando uma resposta, uma hora, duas horas, três horas. Enquanto isso, eu conversava a cada 20 minutos com a caixa postal surda e muda do celular dela, lia antigas cartas de amor salvas no computador, olhava nossas fotos de amor digitais, que eram feitas durante nossas incontáveis viagens de reconciliação. Daí eu olhava novamente, como obcecado, para a tela do computador. De seu breve e desalmado barulhinho, que indicava quando uma mensagem chegava, daquela ridícula cartinha na lista de símbolos do computador dependia minha vida com Sango e, portanto, do ponto de vista daquele momento, minha própria vida dali em diante. Eu dei a mim mesmo um prazo-limite de sofrimento até as 21h. Caso Sango não se manifestasse até aquela hora, estariam mortas Paris e provavelmente nossa última chance. Eram 20h57. E de repente: uma campainha, uma cartinha (um choque, um infarto), uma mensagem. Eu fecho os olhos por alguns segundos, reúno tudo que restava de meu pobre pensamento positivo, concentro-me na mensagem tão esperada, na resposta afirmativa de Sango, em Paris a dois, em uma vida para sempre com ela. Arregalo os olhos, abro a mensagem. Leio, leio, leio: "Feliz Natal e Próspero Ano Novo. É o que lhe deseja Kag Higurashi." Demais para minha "psicopatologia relacionada a votos natalinos coletivos em estágio avançado".

Boa noite,

Inuyasha

Duas horas depois

Re: Querido Inuyasha, essa é uma história maravilhosa. Fiquei encantada, sobretudo com o desfecho. Por pouco não fico orgulhosa de estar ligada a isso pelo destino. Espero que esteja claro que você revelou nesse momento algo extraordinário de sua "forma virtual imaginária", de seu "quadro fantasmagórico ilusionista". Isso agora foi realmente "vida particular do Inuyasha, psicólogo da linguagem". Hoje já estou muito cansada para dizer algo que preste a respeito. Mas amanhã você receberá de mim uma análise decente, se me permitir. Tipo com 1) 2) 3) e assim por diante. Durma bem e tenha sonhos razoáveis. Portanto, não com Sango, eu recomendo.

Kag

No dia seguinte

Assunto: Sango

Bom dia, Inuyasha. Posso ser um pouco mais dura com você? 1) Então você é o tipo de homem que só pode se interessar por uma mulher no começo ou no fim: quando quer tê-la e pouco antes de ela abandoná-lo definitivamente. O meio tempo — também chamado de o tempo em que passam juntos —, isso é muito monótono ou desgastante para você, ou ambos. Né verdade? 2) Como por um milagre, você dessa vez permaneceu descasado, embora para tirar um piloto espanhol da cama de sua ex-quase-mulher você até subiria de boa vontade ao altar. Isso demonstra pouca consideração aos votos matrimoniais. Né verdade? 3) Você já foi casado. Né verdade? 4) Consigo te ver direitinho diante de mim, o jeito como você, aquecido e suavemente deitado em auto piedade, lê as cartas de amor e vê as fotos antigas, em vez de fazer algo que levasse uma mulher a reconhecer em você um toque de amor ou um sutil desejo por alguma coisa mais duradoura. 5) Pois é, daí MEU e-mail-do-destino se atira sobre sua caixa de correio "ser ou não ser". Parece até que eu, no mais oportuno dos momentos, finalmente disse o que há anos devia estar na ponta da língua de Sango: INUYASHA, ACABOU O QUE NUNCA EXISTIU! Ou em outras palavras, mais rebuscadas, poéticas, com mais clima: "Feliz Natal e Próspero Ano Novo. É o que lhe deseja Kag Higurashi." 6) Mas agora, querido Inuyasha, faça um gesto magnânimo: responda a Sango. Parabenize-a por sua decisão. Diga: SANGO, VOCÊ TEM RAZÃO, ACABOU O QUE NUNCA EXISTIU! Ou em outras palavras, rebuscadas, mais enérgicas, contundentes: "Querida Kag Higurashi, a gente nunca se viu mais gordo. Eu agradeço a você, contudo, pelo seu cordial e extremamente original e-mail coletivo! Você tem de saber isto: eu amo e-mails coletivos enviados para grupos aos quais eu não pertenço. Sds, Inuyasha Taisho." Você é surpreendentemente um bom, nobre e estilizado perdedor, querido Inuyasha. 7) Agora, minha pergunta-chave: você quer que eu continue a te enviar e-mails?

Boa manhã de segunda-feira,

Kag

Duas horas depois

Fw: Bom apetite, Kag!

Quanto ao número 1) Não posso fazer nada se eu a faço lembrar de um homem que claramente — de modo elegante, como você descreveu no item 1 — a decepcionou. Por favor, não acredite que me conhece mais do que pode me conhecer! (Você simplesmente não tem como conhecer.) Quanto ao 2) No que se refere à minha última digressão sobre as promessas de casamento: não posso fazer mais do que chamar a mim mesmo de um "completo idiota". Mas a sarcástica e prática Kag, tamanho 37, vai ainda mais adiante pela defesa dos votos matrimoniais, supostamente com olhar de desaprovação e espuma saindo pela boca. Quanto ao 3) Desculpe-me, eu nunca fui casado! E você? Várias vezes, né verdade? Quanto ao 4) Aí aparece novamente o homem do item 1, de quem eu a faço lembrar, o homem que prefere ler cartas de amor ultrapassadas a provar a você um amor duradouro. Talvez tenha havido até mesmo vários homens em sua vida. Quanto ao 5) Sim, no momento em que seus votos natalinos chegaram eu me dei conta de que havia perdido Sango. Quanto ao 6) Eu respondi para você naquela época para me distrair do meu fracasso, Kag. E até hoje tenho encarado esse diálogo com você como parte de minha terapia para superar a perda de Sango. Quanto ao 7) Sim, claro, escreva para mim! Escreva toda a sua frustração quanto aos homens, do fundo de sua alma. Não tenha medo de ser francamente convencida, cínica e maldosa. Se depois disso você se sentir melhor, meu endereço de e-mail terá cumprido seu objetivo. Se não, então apenas se presenteie (ou a sua mãe) com uma nova assinatura de "Taishu" para depois cancelá-la.

Uma boa tarde de segunda-feira,

Inuyasha

11 minutos depois

Re: Caramba! Eu magoei você. Eu não queria isso. Pensei que você aguentaria. Superestimei você. Vou me recolher.

Boa noite,

Kag

P.S.: Quanto ao item 3: Eu me casei só uma vez. E continuo casada!