Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 6- Zero


Zero

— Que esquisito, os dois estão no mesmo ambiente tem 10 minutos e ainda não estão se xingando — Alice comentou, enquanto andávamos até a casa da mãe de Davi.

Eros deu de ombros, distraído.

—Não foi por falta de vontade — falei.

Ele olhou para mim, um sorriso ofendido no rosto.

Ei! O que eu fiz agora?

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— Por enquanto, nada. Por enquanto.

O garoto riu, bagunçando o cabelo, e eu ri junto.

— Tá vendo? Por isso que não dá pra ser legal com você.

Alice olhou para nós dois, cuidadosamente, e eu me senti estranhamente consciente de que, apesar de tudo, eu estava realmente ficando mais confortável com Eros.

— Eu disse que vocês dois iam acabar virando amigos — ela falou, olhando para Eros.

Desviamos os olhares.

— É... não, isso não vai rolar.

— Impossível — concordei.

O clima entre nós três estava agradável, talvez estivéssemos rindo tanto para evitar pensar no fato de estarmos, praticamente, fugindo. Mas, ainda assim, era bom me sentir despreocupado por uns segundos.

O céu já estava todo escuro, e as ruas daquele bairro não eram lá muito movimentadas. Salvo algumas casas com luzes acesas e lojinhas abertas, não haviam muitas pessoas na rua. Me atentei ao horário, sabendo que, se demorássemos muito, o Instituto provavelmente desconfiaria de algo. E por eu ser, tecnicamente, o responsável pelo Projeto... não queria nem imaginar o que poderia acontecer. Eu estava ficando tenso, e cansado. Não era fácil percorrer longas distâncias com uma cadeira de rodas manual, principalmente quando se tem a força e o fôlego de um idoso de 100 anos. Eros pareceu perceber, porque vi ele me olhar de canto de olho, e logo depois começar a andar mais devagar.

Alice jurou que era perto, mas já estávamos andando tinham 10 minutos.

—Hã...Zero? — ele me chamou.

O olhei, tentando disfarçar que estava exausto.

—O quê?

—Será que tem como você... depois, tipo, me passar o endereço do colégio que a gente acabou de sair? — pediu. Eu poderia jurar que ele estava envergonhado, se não estivesse mantendo o olhar tão impassível.

Levantei uma sobrancelha, não entendendo a pergunta. Ao contrário de mim, Alice pareceu entender exatamente o que Eros queria, porque soltou uma risada e deu um tapa brincalhão em seu braço.

—Eu não acredito, Eros! — falou. — Quem? Não foi um aluno, né? Eros, aquele é um colégio de ensino médio! Pelo amor de Deus, me diz que não foi um aluno.

Eu estava mais confuso ainda, e Alice me olhou, rindo e disse, apontando para Eros:

—Esse aqui não consegue ir a lugar nenhum sem dar em cima de alguém.

Eu soltei uma risada, observando a situação inusitada.

—Isso é mentira — ele disse, e fez silêncio por alguns segundos, antes de dizer, baixo: — Foi um professor.

Me lembrei de um professor sorrindo sugestivamente para Eros, e de ter sentado do outro lado da sala para assistir a palestra, embora parecesse que estava assistindo outra coisa.

Olhei de relance para Eros, em pé do meu lado, os cabelos loiros caindo até o ombro e o os olhos castanho-claros, e meio que entendia o porquê. Se ignorar completamente a personalidade questionável, Eros era muito bonito. O tipo de bonito que parece que saiu de uma revista, ou de uma pintura.

Ele me viu o olhando, e sorriu enrugando o nariz, brincando. Desviei o olhar. Aquele era um Eros amigável que eu não estava acostumado a ver. Alice também estava sendo muito legal comigo.

Eu me sentia inadequado no meio dos dois, enquanto conversavam e riam, mesmo quando me incluíam na conversa. Era quase como se eu não estivesse acostumado com a ideia de fazer amizade com outros seres humanos. E... bem, não estava mesmo.

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Me peguei levemente feliz, os observando em silêncio. Alice avisou que estávamos chegando, apontando para uma rua quase sem iluminação nenhuma.

— Aqui não me parece muito seguro — Eros comentou, desconfortável.

— Burguês safado — Alice murmurou, sorrindo. — Não tem nada de perigoso aqui, só é escuro.

Ele pareceu confiar nela, e os dois foram conversando alto, as vozes e risadas ecoando pela rua silenciosa. Pareciam um grupo de adolescentes escandalosos, mas eram só eles dois. A calçada não cabia nós três, então eu fui atrás, tentando acompanhá-los para não ficar muito distante.

A rua era longa e teríamos que andar mais uns três minutos até chegar no final. Senti algo esquisito, como se estivesse sendo observado. Olhei ao redor, mas parecíamos ser as únicas pessoas ali. Tentei prestar atenção na conversa de Alice e Eros, convencido que eu estava apenas sendo paranoico.

Mas a conversa que, antes parecia acolhedora, agora parecia um alvo. Comecei a prestar atenção nos sons ao redor, certo de que estava ouvindo passos que não eram os nossos. Era como um som de fundo, daqueles que você mal ouve, mas que, uma vez que presta atenção, não consegue parar de ouvir.

Olhei para trás, rapidamente, conseguindo uma outra pessoa no final da rua, usando uma máscara preta e uma touca. Tinha cabelos pretos longos e lisos, mas estava longe o suficiente para que eu não conseguisse ver nada além disso.

Talvez fosse só um morador voltando para sua casa, mas algo na forma que ele parecia olhar diretamente para nós três não me parecia certo.

Fiquei aliviado quando finalmente chegamos, e a mãe de Davi, uma senhora gentil e baixinha, abriu a porta para entrarmos.

— Dona Renata, desculpa aparecer sem avisar — Alice disse.

— Que nada, minha linda, eu tava morrendo de saudade de você. Entrem, entrem.

Alice apontou para mim e para Eros e nos apresentou, dizendo que eu costumava ser o colega de quarto de Davi.

— Ele falou de você, menino. Meu filho gosta muito de você.

Abri um sorriso tímido, encolhido.

A casa era pequena, mas agradável. Ela nos ofereceu café e sentamos todos na sala, Eros e Alice sentaram no sofá e eu coloquei a cadeira perto da janela. Nós dois olhávamos para Alice, esperando que ela, por ser mais próxima da mulher, começasse a falar algo.

A senhora perguntou para Alice como ela estava, e Alice enrolou um pouco antes de ir até o ponto.

— E o Davi? — Perguntou. — Nenhuma notícia até agora?

— Não, minha filha. Não apareceu nem aqui, nem na casa dele. Fica ali atrás, mas eu não falo com ele desde a última vez que me ligou, mês passado.

— A senhora não acha esquisito ele ter trancado a faculdade assim, do nada?

Dona Renata pensou um pouco.

— Sabe, Alice, eu e ele nos desentendemos esses dias, não sei se ele te contou. Mas não nos falamos depois, então eu não sei de muita coisa. Ele não me atende, mas ele também não estava me atendendo.

Alice não pareceu satisfeita com a resposta.

— É, mas... Davi também não me falou nada. E a casa dele fica aqui dentro do quintal, né? Ele não apareceu aqui, certo? Por que motivo ele trancaria a faculdade, e sumiria do mapa assim? Ele sequer tinha dinheiro pra, sei lá, se hospedar em algum lugar?

A mulher parecia um pouco preocupada, mas já fazia mais de uma semana que ela não conseguia contato com o próprio filho, e estava completamente calma. Talvez o relacionamento deles fosse pior do que julguei ser.

Olhei pela janela, que estava aberta, e dava visão para uma parte da rua. Na janela da casa em frente, vi o mesmo homem que estava caminhando atrás de nós na rua. A luz do cômodo estava apagada, mas eu tinha certeza que era a mesma pessoa. Um arrepio percorreu meu corpo ao perceber que ele olhava diretamente para mim.

— Eu acho que aconteceu algo — murmurei, baixo, desviando o olhar da janela. — Na última vez que eu vi Davi, tudo parecia tão... normal. Ele parecia tão normal.

— E tinha um erro no horário que disseram que ele saiu do Instituto — Eros lembrou. — Tudo que acontece lá é registrado, quem entre e quem saí. Tudo. Mas isso foi registrado errado. A gente acha que pode ter sido falsificado.

Eros parecia confiante falando, apesar de não conhecer a mulher. Senti uma pontada de inveja da forma como ele se expressava sem problemas.

Ela olhou para nós dois, e depois para Alice, em silêncio. Como se a ficha estivesse caindo que o filho dela poderia estar em perigo.

— Mas... — murmurou. — Mas se... então... — então parou por uns segundos. — Então o que eu faço?

Alice nos olhou, como se pedisse ajuda, então disse:

— A senhora deveria falar com a polícia, dona Renata. Já faz uma semana e ninguém tem notícias.

A mulher concordou, em silêncio. Mas então olhou para Alice, o olhar quase como se estivesse com medo.

— Você vai até a delegacia comigo?

Alice apertou os olhos, se encolhendo um pouco e então olhando para Eros.

— A gente... precisa ir voltar até a escola...

Nós três trocávamos olhares confusos. Não queríamos arrumar problemas com o Instituto, mas também não queríamos negar o pedido da mulher. Aquilo era, obviamente, difícil para ela.

—Alice... — chamei. — Eu fui a última pessoa que o viu, basicamente. Eu preciso ir junto.

Eros prendeu o cabelo, parecendo desconfortável.

—Isso não vai dar nada certo...— murmurou. — Mas acho que nós três deveríamos ir. Zero, você falou pra Diana falar que precisava da nossa ajuda, né? Vai ser esquisito se não voltarmos juntos.

Decidimos os três irem. Antes de sairmos, enquanto a mulher se arrumava e Alice ajudava, chamei Eros.

—Você viu o cara na janela? — perguntei, baixo. Eros estava do outro lado da sala, então balançou a cabeça negativamente. Olhei para o homem, que ainda estava lá. — Vem cá.

Enquanto Eros chegava perto, o homem saiu, rapidamente, desaparecendo nas sombras do cômodo apagado.

Suspirei, frustrado, e disse:

—Deixa pra lá.

Enquanto saíamos, Alice era quem mais parecia despreocupada e confortável com quebrar regras. Eros mantinha uma expressão neutra, mas eu reparei que não parava de morder os lábios e se mexer desconfortavelmente.

Por sorte, a delegacia mais próxima ficava a apenas algumas ruas dali. Infelizmente, fomos andando.

A esse ponto, eu já estava ofegante e tonto, ter que subir aquelas escadas mais cedo havia acabado com toda minha energia pelo resto do dia.

Quando chegamos na delegacia, fiquei quase que feliz quando tivemos que esperar antes de conseguirmos registrar o boletim de ocorrências, porque eu tive tempo de parar um pouco e descansar. Eu estava com fome também, mas não havia trazido insulina o suficiente. Eu já estava me arrependendo de todas as escolhas do dia.

Senti Eros me cutucar, devagar. Ele estava sentado do meu lado, em silêncio.

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—Tá tudo bem? — perguntou, baixo.

Estranhei a pergunta, mas só assenti com a cabeça.

—Aham.

Depois de alguns minutos ali esperando, finalmente conseguimos ir registrar o boletim de ocorrência. Foi um processo confuso, todos nós falamos o máximo que sabíamos, contando sobre como o vimos da última vez e todas as informações que tínhamos. O atendente, por vez, anotava tudo em fichas de papel. O que me pareceu estranho, porque eles claramente tinham um computador ali.

Depois de minutos demorados e tensos, tudo estava registrado. O desaparecimento de Davi era oficialmente problema da polícia, e não nosso. Não mais. Mas, enquanto saíamos, olhei para o lado, devagar, a ponto de ver o policial que havia nos atendido pegando os papéis que havia anotado e os amontando.

Na lixeira.

Senti todo meu corpo tensionar. O homem me olhou diretamente, como se não tivesse medo de que eu tivesse o visto claramente jogando os arquivos no lixo. Algo na forma como ele me encarou, quase como se me ameaçasse apenas com o olhar, foi o suficiente para que eu apenas congelasse e seguisse em frente, subitamente ansioso

Ele havia jogado os papéis no lixo, eu tinha certeza absoluta. Mas por que? Não fazia sentido. Eu estava tremendo.

Aquelas coisas não poderiam ser coincidência.

Além de tudo, provavelmente estávamos encrencados com o Instituto. Já estávamos fora por quase duas horas, demoraria mais uma hora para voltar, e eu não tinha certeza o quanto a desculpa que inventei daria certo.

Pedimos um Uber, na esperança de chegarmos o mais rápido possível.

Eros estava sentado do meu lado, e eu continuei me questionando se deveria contar para ele o que aconteceu, ou se eu deveria ignorar e fingir que nunca tinha acontecido.

À primeira vista, poderia ser que ele tivesse apenas decidido que aquele não era um caso importante o suficiente. Eu não sabia como essas coisas funcionavam, mas também tenho certeza que não deveria ser daquele jeito. E a forma como ele me olhou...

Era como se fosse de propósito. Como se nada daquilo tivesse sido coincidência.

Depois de alguns minutos de ansiedade, cedi.

—Eros? — chamei, baixo. Ele me olhou, parecendo distraído. — Eros, quando a gente tava saindo... quando... hum...— me embolei.

Senti Eros ficar tenso, então ele olhou para baixo e murmurou:

—Eu vi.

Nos encaramos por uns segundos, parecendo igualmente assustados, agora que sabíamos que tínhamos presenciado a mesma coisa.

Eros balançou a cabeça, passando a mãos pelos cabelos, e desviou o olhar.

Algo me dizia que ele se sentia tão impotente sobre aquela situação quanto eu.

Fomos no resto do caminho em silêncio, o clima pesado contrastando com o caminho alegre de ida. Quando chegamos no Instituto, eu não consegui evitar a sensação boa que passou por mim, de que finalmente estava seguro.

Mas, assim que passamos pela porta, o porteiro olhou nossas carteirinhas, com cuidado, e disse:

—Luciana mandou os três irem diretamente pra sala dela quando chegarem.

Nos encaramos, assustados. Já estava de noite e as salas de aula estavam com as luzes desligadas. Apenas as duas bibliotecas, as salas de estudo e o refeitório estavam abertos ainda, mas a maioria dos alunos tinha ido até o prédio dos dormitórios.

—Fodeu — Alice falou, séria. — É, foi bom conhecer vocês.

—Vai dar tudo certo — Eros afirmou. — Zero, o que você mandou Diana falar pra eles?

—Que eu precisei resolver umas coisas no colégio que a gente foi, e pedi ajuda de vocês. Eu achei que a gente ia ficar só uns minutos fora e eles nem iriam perceber — admiti, culpado.

—Eles controlam absolutamente tudo, é claro que iriam perceber! — ele reclamou.

—Foi só o que eu consegui pensar!

—É, e agora...

Ei! — Alice interrompeu. — Não é hora de brigar.

Eros me olhou, a cara fechada, mas parecia mais chateado com a situação do que comigo.

—Só vamos — concluiu.

Assim que chegamos na sala de Luciana, estávamos preparados para sentar do lado de fora, mas o lugar estava vazio e, assim que nos viu, nos mandou entrar, os três de uma vez.

Sentamos lá, em silêncio, enquanto ela nos olhava, irritada.

—Vocês gostariam de me explicar o motivo de estarem chegando três horas depois do horário que foi avisado?

O Instituto tinha uma postura um tanto rígida para uma faculdade, só podíamos sair em horários permitidos, ou se agendássemos com antecedência. Era um dos principais motivos pelos quais muitas pessoas criticavam o método daqui, e preferiam estudar em outros lugares, mesmo que o diploma de ter se formado no renomado Instituto Newton desse um milhão de oportunidades.

Eu normalmente não me sentia preso. Mas, em momentos como aquele, em que três adultos maiores de idade tinham que sentar e se explicar por apenas sair, eu não conseguia deixar de pensar nas pessoas que comentavam sobre aquilo ser um presídio.

—Ninguém? — Luciana repetiu. Eu percebi que eles também estavam calados.

—Eu... hã... o colégio que a gente foi... — comecei, gaguejando. Olhei para o lado a ponto de ver Eros revirando os olhos antes de começar a falar.

—Ah, a gente meio que fez uma baguncinha na palestra — disse, estranhamente seguro. — Não tava nos planos, mas eles tinham um laboratório de ciência ótimo, e Zero... digo, Yan, quis mostrar umas coisas pras crianças — Eros mantinha um sorriso tão confiante, os ombros para trás e cabeça erguida, que até eu quase acreditei no que estava falando. — Daí a gente se ofereceu pra ficar e ajudar a limpar. Só perdemos um pouco a noção do tempo, sinto muito. Mas estávamos apenas sendo educados, e limpando nossa própria bagunça.

Luciana encarou Eros, em silêncio.

—Você tá me dizendo que se eu pegar o telefone e ligar para lá, eles vão confirmar tudo que você acabou de dizer?

Eu desviei o olhar, envergonhado. Não gostava de onde aquilo estava levando.

Eros não hesitou.

—É. Se for ligar, aproveita e pergunta sobre as palestras, tenho certeza que eles vão contar do trabalho ótimo que Yan e Diana fizeram lá.

Tentei disfarçar a minha surpresa, e não olhar para ele com cara de: "Você endoidou? "

Luciane colocou a mão na mesa, e eu não sabia dizer se ela havia acreditado ou não.

Ela olhou para mim e para Eros.

—Vocês dois... principalmente você, Yan. Vocês têm sido os alunos-modelo dessa faculdade desde que entraram. O futuro de vocês é... honestamente, brilhante. Se não saírem da linha. Ninguém aqui nesse lugar perderia mais do que vocês se fossem expulsos. Então fiquem longe de problemas, entendido? Leonardo, sua família não ficaria nada feliz em ver mais um dos filhos expulso. Lembra do que aconteceu com seu irmão, certo?

Olhei para Eros, e vi seu olhar abaixando, com vergonha.

Luciana olhou para Alice, e continuou:

—Você já foi suspensa duas vezes, Alice. Sabe o que acontece na terceira. Vou reforçar pra vocês, novamente, que ao entrar aqui, vocês concordaram em seguir nossas regras. E sabem o que acontece se não cumpri-las. Eu vou fingir que acreditei no que você disse, Leonardo. Mas espero que saibam que vou ficar de olho nos três a partir de hoje — então suspirou, nervosa. —Só saiam daqui antes que eu mude de ideia.

Saímos da sala, sem ousar dizer uma palavra sequer. Eros tinha a mesma expressão facial do dia que brigou, como se fosse começar a chorar a qualquer momento, se escondendo atrás dos cabelos loiros.

Eu só queria ir até o quarto, tomar meus remédios, e esquecer daquilo. Esquecer que tínhamos feito tudo aquilo em vão, porque a polícia havia descartado os arquivos, ou do homem de máscara na janela ou que não sabíamos o que tinha realmente acontecido com o Davi e que, se alguém tinha feito algo com ele dentro das dependências do Instituto, então nenhum de nós estava seguro.

Eu só queria esquecer.

—Você é um ótimo mentiroso — murmurei para Eros, enquanto caminhávamos juntos até o dormitório.

Ele abriu um sorriso arrependido, mas logo voltou a sua pose confiante de costume.

—Eu sou um artista, mentir é tudo que eu faço.

Algo na forma que ele falou aquilo, como se estivesse tentando forçadamente soar despreocupado, me pareceu um pouco triste.

Mas tínhamos escapado sem nenhuma punição, então, pelo menos essa parte tinha dado certo.

Fomos lado a lado até o dormitório e eu estava preparado para entrar na lá, me jogar na cama e dormir.

Mas, assim que abri a porta, senti meu corpo ficar gelado quando vi o que nos esperava.

—Eros? — murmurei, enquanto ele entrava também.

—O quê... o que aconteceu aqui?

O quarto estava arruinado.

Nossas roupas, jogadas no chão, alguns dos meus remédios espalhados. No meio do quarto, como se estivessem estrategicamente posicionados, tinham alguns quadros que Eros havia pintado, que ele guardava do lado de sua cama.

Destruídos.

Ele foi correndo até os quadros, murmurando algo que não consegui entender. Percebi que Eros começou a tremer. Então ele me olhou, um desespero novo no olhar.

—Zero... — murmurou. — Yan. Vem ver.

Eu não entendi o quê Eros queria que eu visse. Não até que cheguei perto, e ele me entregou cuidadosamente um pedaço de uma das telas quebradas. Elas não estavam só quebradas, havia... algo escrito.

Embaixo, dava para ler, em letras rabiscadas:

"Parem de interferir ou os próximos serão vocês. "