Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 4- Zero


Zero

Desde que passou pela minha cabeça o pensamento de que algo poderia ter acontecido com Davi, eu não conseguia deixar de lado essa sensação de impotência que havia se formado na minha garganta.

—Eros, a gente precisa fazer algo — comentei, sem pensar duas vezes. Ele se sentou na cama, e eu não tinha certeza qual expressão facial estava fazendo.

Coloquei meu óculos para poder olhá-lo melhor.

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Eros apenas me observava em silêncio, confuso.

—A gente não pode fazer nada sobre isso, Zero.

Nos encarávamos de lados distintos do quarto, cada um sentado em sua cama, sonolentos. Por algum motivo, eu sentia que ele também estava assustado.

—Mas… e se ele estiver precisando de ajuda? E se alguém fez algo com ele, Eros?

Eros passou a mão pelos cabelos loiros e suspirou, frustrado.

—Se alguém fez algo, então a gente não tem nada a ver com nada disso… — murmurou, e afastou o olhar do meu. Algo na forma como seus ombros estavam encolhidos e suas mãos se apertavam uma na outra me dizia que ele não estava tão indiferente quanto queria fazer parecer.

Eu, por outro lado, não fazia nem questão de esconder a ansiedade em minha voz.

—Como a gente não tem nada a ver com isso? Ele estuda com você tem anos. É namorado da sua amiga. Como você pode ser tão insensível?

Eros pareceu ofendido.

—Eu não sou insensível, só não quero surtar por causa de nada. Até onde sabemos, ele pode tá na casa dele, dormindo tranquilamente, e sem peso na consciência por não ter avisado a nenhum de vocês que ia sair.

—Não! Davi não é assim, eu conheço ele. Ele teria avisado.

Ele revirou os olhos, parecendo estar de saco cheio do assunto.

— Você pode falar com Alice se quiser. Como eu disse, eu não tenho nada a ver com isso.

—É, eu não sei porque eu imaginei que pedir ajuda a você fosse chegar a algum lugar. Você é incapaz de olhar pra qualquer coisa que não seja seu próprio umbigo — respondi, ríspido.

— Por que você precisa da minha ajuda de qualquer forma? — falou, aumentando o tom de voz.

Porque eu estava assustado. E ele estava bem ali na minha frente. Por um segundo, pensei que Eros pudesse agir como um ser humano decente, mas lá estava a prova de que eu julguei errado.

Esquece.

Eros bufou e deitou na cama, colocando o cobertor acima da cabeça como uma criança mimada.

Antes que desse tempo de eu tirar o óculos, ele se descobriu devagar e virou para mim novamente, como se estivesse arrependo.

—Olha… — falou, com a voz levemente mais calma. — Eu acho que você tá se estressando por nada. Eu posso pedir pra Alice ligar pro celular dele ou pra casa dele mãe dele, se isso te acalma.

Acalmava. Se conseguissem localizar Davi, se conseguissem algum sinal de que tudo tinha sido uma coincidência esquisita, um erro de digitação ou uma falta de comunicação, então estava tudo bem.

Mas, enquanto não conseguissem, eu saberia que não conseguiria dormir direito.

Passei os próximos cinco dias me enfiando em livros de física, e fiz cálculos e mais cálculos. Aprendi as matérias dos próximos bimestres, planejei com detalhes tudo sobre a nova turma do nosso projeto, comecei a fazer a maioria dos trabalhos que os professores haviam passado nos últimos dias. Era aquilo o que fazia quando algo me deixava nervoso, ou estressado: ia buscar alívio ocupando minha mente com contas. Quando eu sentia que tudo era incerteza, eu sempre podia contar com a física para me dar algumas respostas, e me fazer outras perguntas às quais eu nem sabia que precisava de respostas.

Eros certamente não estava ajudando. Eu não saberia dizer se foi a briga recente que tivemos, ou se foi só a convivência, mas ele estava se tornando duas vezes mais insuportável. Dormir no mesmo quarto que ele era quase uma tarefa impossível.

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Sempre havíamos coisas novas para reclamar um do outro.

—Para de esquecer essa luz acesa, Zero, que inferno!

—Só se você parar de jogar as coisas no chão do meu lado do quarto.

—Como assim seu lado do quarto? Que eu saiba nós dois dividimos esse espaço.

—Como se você soubesse o significado de dividir, suas coisas estão espalhadas por todos os lugares. Tipo, vai te matar dobrar suas roupas de vez em quando?

—E vai te matar apagar a porcaria da luz de noite? Você sempre é o último a entrar. É só apagar a luz. E você respira alto demais!

—E você ronca!

Nossas conversas não passavam disso. Se antes discutíamos de forma passivo-agressiva sobre assuntos meramente inteligentes, como notas ou quem sabia mais sobre algo, agora parecíamos duas crianças de 5 anos que faziam cara feia e não dividiam os brinquedos.

Entre as brigas com Eros, a preocupação com Davi, e eu focando nos estudos para não surtar, minha saúde ia de mal a pior. Tudo doía, qualquer esforço físico mínimo era demais e eu passava a noite inteira me revirando, tentando achar uma posição confortável. Desmaiei duas vezes, mas, felizmente, nenhuma delas foi no meio de outras pessoas.

Eu estava acostumado a esse tipo de coisa, mas, toda vez que algo me estressava além do normal, eu ficava pior ainda. Pelo menos Eros ficava quieto quando reparava que eu estava com dor ou mal, de maneira geral.

No dia de admissão dos novos calouros, Eros me chamou e disse que havia falado com Alice.

—Ela conseguiu falar com Davi. Ele tá na casa da mãe dele — disse, casualmente.

Parecia uma resposta simples para uma pergunta complicada.

—Tá, mas ele tá bem? Por que saiu de repente?

Eros desviou o olhar, pareceu travar por uns segundos e apenas disse:

—Não sei. Eu preciso ir, a Recepção dos alunos novos vai começar daqui a pouco. Falo com você depois.



Apesar de Eros ter agido mais esquisito do que o normal, a confirmação de que Davi estava bem, ou, pelo menos vivo, foi o suficiente para que eu passasse o dia com um pouco mais de paz. O dia de Admissão era quase como um ritual, todas as aulas eram canceladas para que pudéssemos dar as boas vindas e apresentar o local para os alunos novos. Eu não gostava de multidões, ou de pessoas em geral, então para mim era apenas um dia sem aula. Não podíamos ficar nos nossos dormitórios sem justificativa, porque era um evento obrigatório, e, embora eu estivesse tentado a apenas falar que não estava bem, resolvi ir dar uma olhada no rosto dos novos alunos.

Fui até o auditório, onde estavam dando uma palestra explicando sobre as regras da instituição, mas assim que pensei que teria que me enfiar naqueles cantinhos com a cadeira novamente, dei meia volta e saí. Meu plano era: ir até a biblioteca, escolher algum livro e passar o resto do dia lá. Aquilo parecia bom o suficiente.

A concentração de alunos estava toda no auditório e nos arredores do prédio principal, então me assustei quando vi um garoto, sem uniforme, sentado no chão no canto de um corredor vazio. Ele estava encostado na parede e parecia preocupado com algo.

Seria um aluno novo que tinha se perdido?

—Ei! - chamei. — Menino!

O garoto olhou para mim, assustado. Tinha feições infantis, como se fosse bem novo, olhos castanho-claros e cabelo muito loiro, incluindo nos cílios e sobrancelha. Eu só conhecia uma outra pessoa que tinha os cabelos assim, mas, ao contrário de Eros, naquele garoto, os cabelos davam um certo ar de inocência.

—Você tá perdido ou algo do tipo? - perguntei.

Ele negou com a cabeça.

—Não tá com o uniforme — comentei, já me arrependendo de ter falado com o garoto primeiramente. Ele murmurou algo que eu não consegui entender. — O quê?

—Aluno novo — repetiu.

Reparei que suas mãos tremiam e suas sobrancelhas se juntavam, como se estivesse prestes a começar a chorar.

Fui até mais perto do garoto.

—Tá tudo bem? — perguntei.

Ele soluçou e cobriu o rosto com as mãos, chorando.

Meu primeiro pensamento foi “ Ok. Fodeu. Tem uma criança que eu não conheço chorando. O que eu faço? Seria rude fugir?”

Encostei minha cadeira na parede, e então a empurrei para o lado, deslizando até o chão e sentando do lado do garoto.

—Quantos anos você tem? — perguntei.

Ele virou para mim e secou as lágrimas.

—16. Não sou uma criança, se é isso que tá pensando.

—Tá bom, eu não disse nada — falei, tentando não rir. Estendi a mão para ele. — Eu sou o Yan, mas pode me chamar de Zero.

Ele apertou minha mão, mas parecia confuso.

—Erick. Por que você tá sendo legal comigo?

Nem eu sabia. Só vi um pirralho magrelo parecendo que precisava de ajuda e não consegui evitar.

—Ué, por que eu não seria?

Ele deu de ombros.

—Sei lá.

Ficamos em silêncio por alguns segundos.

—O primeiro dia pode ser difícil mesmo — comentei.

Erick suspirou.

—Eu só… Lá dentro tava muito cheio. Muitas pessoas. Muito barulho. Eu comecei a me sentir esquisito e vim me esconder aqui. Eu me sinto tão pequeno no meio de toda essa gente.

—Eu acho que você é possivelmente o aluno mais novo que eu já vi por aqui.

—Isso não é muito reconfortante.

—Eu sei. Não era pra ser. Aqui não é um local muito acolhedor, mas você acha seu lugar, eventualmente.

Ele esboçou um sorriso pequeno, sem mostrar os dentes. Era apenas um pirralho de 16 anos, mas eu gostava da sensação de que estava fazendo um amigo, não era um evento recorrente para mim.

Eu me lembrava de chegar nesse colégio, exatamente um ano atrás. Eu, meus posters de star wars na mochila e minha cadeira de rodas. O local parecia tão grande e eu me senti tão assustado quanto esse garoto novo deve estar se sentindo. E não ajudou o fato de que as pessoas olhavam para mim e cochichavam coisas, riam de lado, ou simplesmente se afastavam. As pessoas viam a cadeira e ficavam… intimidadas, da pior forma. Como se eu fosse um ser de outro planeta ou algo do tipo. Então eu só me enfiei nos livros e me conformei que não faria amigos ali. Eventualmente, eu acabei me afeiçoando a certas pessoas, como Diana ou Davi, o que eram mais amigos do que eu tive por toda a minha vida, então eu estava satisfeito.

Erick estava perdido em seus próprios pensamentos, mas também parecia mais calmo, sem chorar. Ia me oferecer para mostrar o colégio a ele, atividade que seria realizada oficialmente com os outros calouros também, mas passos apressados vindo em nossa direção chamou minha atenção.

Olhei para cima e vi Eros, de cabelo solto e parecendo irritado, indo até onde o garoto estava sentado.

—Erick! — ele gritou, chegando perto. Então olhou para mim, confuso. — O que você tá fazendo aqui com meu irmão?

Eu bem que havia reconhecido aqueles cabelos loiros. Não me espantava nada que fossem irmãos, além do fato de que o garoto parecia agradável demais para ser irmão de Eros.

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—Vocês são amigos? — Erick perguntou.

Eros deu de ombros, olhando para mim,

—Algo assim.

Então voltou a atenção até o irmão.

—Eu te procurei por todos os cantos, Lelo! O que aconteceu? Tá tudo bem? — perguntou, sentando do lado de Erick. Agora éramos três, sentados no chão no meio do corredor. Se algum monitor passasse, provavelmente levaríamos uma bronca. —Erick, se alguém zoou com você, me fala que eu vou lá brigar com quem que seja.

Erick soltou uma risada baixa, mas parecia confortado pela presença do irmão.

—Deixa de ser desesperado, Leo.

Era esquisito ver Eros sendo genuinamente legal com alguém. Eu também não adivinharia que ele é do tipo protetor.

—Então tá tudo bem? — perguntou, novamente.

Erick assentiu com a cabeça, e depois apontou para mim.

—Seu amigo é legal.

Eros se desencostou da parede, procurando meu olhar. Ele parecia desconfiado, com uma sobrancelha levantada. Dei de ombros e Eros sorriu, um sorriso quase inocente, que dava a ele uma expressão facial completamente diferente das que eu conhecia.

Ele olhou para o irmão novamente.

—Você vai ficar confuso se perder a palestra, Lélo.

O garoto ficou vermelho e murmurou:

—Não me chama de Lélo na frente dos outros.

—Você tá perdendo a palestra mais importante da sua vida escolar aqui e é com isso que tá preocupado? — falou, e deu uma cotovelada amigável no irmão. — Anda, vamos voltar pra lá.

Erick sorriu, e, por uns segundos, eu meio que quis ter um irmão para dividir momentos sinceros assim.

—Não precisa ir comigo — o garoto falou, se levantando e saindo.

Pensei que Eros iria sair atrás, mas ficou lá sentado. Eu também não levantei, menos por vontade própria e mais por medo de sentir dor ao levantar para sentar na cadeira novamente. O que provavelmente aconteceria de qualquer forma, mas eu não queria que Eros estivesse lá para presenciar. Para que eu fui ter a maldita ideia de ir sentar no chão?

Enfiei minhas mãos no bolso do casaco, com frio. Estava ventando, e eu vi de canto de olho Eros prender seu cabelo grande em um coque. Olhei para ele, e reparei que respirava fundo, mas de maneira quase que forçada, como se estivesse tentando se acalmar.

—Fazem 5 minutos e você não falou nada irritante ainda — comentei, da forma mais gentil que se consegue enquanto chama uma pessoa de irritante. Eu não estava tentando o insultar, apenas queria saber se estava bem.

Eros pareceu ter entendido, porque virou o rosto para mim devagar e abriu a boca para falar algo, mas desistiu. Minha intuição me dizia que ele ia revidar de alguma forma estúpida, então eu estava feliz que tinha mudado de ideia.

—Obrigado por ter sido legal com Erick — falou.

Levantei o olhar, surpreso, e ele olhou para baixo. Eros parecia tão vulnerável que não tive coragem de fazer alguma piadinha.

—Seu irmão é uma criança agradável.

Vi uma ponta de sorriso quase imperceptível em seus lábios.

—Ele é. Eu tenho estado bastante preocupado sobre ele entrar aqui tão cedo — comentou, baixo. — Mas… acho que ele sobrevive, afinal de contas.

Aquela era a conversa mais longa que eu havia tido com Eros que não envolvia estarmos nos insultando. Ao vê-lo ali, preocupado com o irmão, genuinamente me agradecendo e parecendo perdido em seus próprios pensamentos, ao invés do Eros arrogante que eu estava acostumado a ver, me deixei pensar, por alguns segundos, que talvez ele não fosse uma pessoa horrível, no final das contas.

Foi quando ele murmurou:

—Eu sou um idiota.

O comentário me pegou completamente desprevenido.

—O quê?

Eros não era de evitar olhares, mas reparei que ele não havia me olhado diretamente desde que começamos a conversar.

Ele suspirou e soltou o cabelo.

—Você me ajudou com o lance da briga — comentou. Eu não sabia onde ele estava querendo chegar. — E foi legal com meu irmão. Quer dizer, você têm enchido meu saco mais do que o normal essa semana, isso é verdade. Mas você me ajudou. Você me ajudou e eu… Eu menti pra você, Zero.

Virei meu corpo para o lado dele, mas, mesmo assim, ele se recusou a me olhar.

—Do que você tá falando?

Ele parecia tão culpado, e eu não conseguia entender o porquê. Nem sabia que ele era capaz de sentir culpa por algo.

—Eu menti sobre o Davi. A Alice não conseguiu falar com ele.

O quê?

—Você parecia tão preocupado e eu… — gaguejou — eu não sei porque, mas eu pensei que se eu te falasse que ele tava bem, você não ia mais mencionar o assunto e que ia ficar tudo bem e…

—Você não tinha esse direito — o interrompi.

Ele escondeu o rosto com as mãos. Parecia genuinamente arrependido.

—Eu sei. Eu sei, me desculpa.

Eu não tinha planos em desculpar ele. Na verdade, nem me importava o suficiente. Eu só queria saber o que tinha acontecido.

—Então a Alice não conseguiu notícias?

Ele balançou a cabeça negativamente.

—Ela ligou pra mãe dele, mas ele e a mãe não se davam muito bem. Ele tinha um apartamento alugado perto de onde a mãe morava, mas ela disse que não viu ele lá. A gente… não sabe onde ele tá.

E você simplesmente decidiu não me contar nada disso?

Eu não sabia como reagir. Um dos únicos amigos que eu tinha estava, possivelmente, desaparecido, e Eros achou que tinha o direito de manipular a verdade e me contar apenas o que ele queria.

A dor que eu estive ignorando o dia inteiro, de repente, pareceu me incomodar mais do que o normal.

—Eu sinto muito. Eu… você tava certo, okay? A gente pode ir até o apartamento dele, falar com a polícia, com a escola, não sei — sugeriu.

Seu olhar se encontrou com o meu e eu consegui sentir a raiva subindo, como se tudo que ele tinha feito até agora estivesse borbulhando em mim.

A gente? A última pessoa da qual eu preciso de ajuda agora é você! — comentei, agressivo. — Não que eu te achasse confiável antes, porque você sempre foi um babaca comigo, mas... — falei, me levantando. — Mas… — meu coração doía. Me perdi no que eu estava falando. A cadeira estava do meu lado, eu só precisava sentar ali e sair. Eu só precisava dar alguns passos. Por que tudo parecia tão borrado?

—Zero?

Eros levantou a tempo de me segurar logo antes de eu cair. Eu estava consciente, conseguia ouvir a voz de Eros me chamando no fundo, mas tudo estava escuro e longe, como se eu estivesse embaixo d’água.

Senti ele me colocando na cadeira. Eu sabia que precisava ir até o quarto e deitar para que aquilo parasse, mas também sabia que eu morreria ali antes de pedir ajuda a Eros.

Aos poucos, tudo foi voltando ao foco. Eu conseguia ver Eros me olhando, em silêncio. Quis, mais do que tudo, estar sozinho. Eu teria gritado para ele sair dali, se conseguisse.

Eros perguntou se eu precisava de ajuda.

Ignorei.

Fui, com certa dificuldade, me empurrando até o quarto. Fiz uma nota mental de implorar ao meu médico permissão para usar uma cadeira motorizada.

Tomei alguns remédios e deitei. Eu estava me sentindo levemente aéreo, e bastante perdido. Eu só queria ficar longe de Eros, e queria entender o que tinha acontecido com Davi. Mas as duas coisas pareciam impossíveis: a situação com Davi parecia cada vez mais esquisita e eu sabia que não dava para fugir de Eros dividindo um quarto com ele.

De noite, quando Eros voltou para o dormitório, eu estava sentado na cama, lendo um livro. Não estava focado o suficiente para ler algo do curso, então apenas peguei um livro de ficção mas, para ser sincero, estava apenas passando os olhos pelas páginas sem absorver nada.

Ele sentou na sua cama e imediatamente me chamou.

—Zero?

Pensei que, se fingisse que não estava ouvindo, ele desistiria.

—Zero, eu sei que você tá me ouvindo. Tem como não agir como uma criança?

Lá estava ele novamente, o Eros que eu conhecia, agressivo e insuportável.

Bufei.

—O que você quer?

Levantei o olhar do livro, e Eros abaixou os ombros e suavizou sua expressão.

—Deixa eu ajudar — murmurou. — Eu sei que eu menti, e que aquilo foi errado, mas… Eu realmente quero ajudar. Eu quero te ajudar a descobrir o que aconteceu.

Eu não entendia. Dias atrás, ele brigou comigo por não querer se envolver. Mentiu para que eu não tocasse mais no assunto. E agora, do nada, tinha esse interesse repentino?

—Por que? —perguntei, soando mais agressivo do que pretendia.

—Escuta, seja lá o que for, se aconteceu algo com Davi… se alguém fez algo com ele enquanto ele estava aqui, dentro do Instituto… então nenhum de nós estamos seguros.

Por motivos estupidamente egoístas, exatamente o que eu quero esperava dele. Ele pareceu perceber minha decepção, porque continuou:

—Alice tá super preocupada. Eu sei como é perder alguém que você ama. Fico pensando que, se fosse com algum dos meus amigos, ou com o Erick, eu… Eu iria querer a verdade também.

Considerei por uns segundos, mas apenas disse:

—Se você tá tão interessado assim, pode só ajudar Alice.

—Não era você que estava tão decidido que tinha algo de errado e queria descobrir o que?

Revirei os olhos, chateado, mas sabendo que o que ele estava dizendo fazia sentido.

—Eu quero. Só não com você.

Pensei que ele ia desistir, mas Eros insistiu.

—Se juntarmos forças, tudo isso vai ser muito mais simples —disse. Ele tinha um tom amigável, o mesmo de mais cedo. — Além do mais… você tem que admitir que daríamos uma dupla e tanto — brincou.

Deixei um sorriso escapar. Me atentei ao fato de Eros, o ser humano mais orgulhoso que eu conhecia, ter, no mesmo dia, admitido um erro, pedido desculpas e agora estava ali, fazendo uma piadinha boba. Tecnicamente, ele só tinha precisado fazer essas coisas por ter sido um idiota e mentido antes.

Mas aquela piadinha me parecia um pedido de trégua, que eu resolvi aceitar.

—Tá bom. Só vê se não enche o saco por enquanto, pode ser? Você é fisicamente capaz de fazer isso? — brinquei.

Eros sorriu.

—Não posso garantir.

Reparei que, sentado na cama, ele balançava as pernas, como se estivesse agitado. Mas, julgando pelo seu olhar despreocupado e postura relaxada, parecia feliz.

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—Por onde a gente começa? — perguntou.

Era quase como se ele sentisse certa diversão em brincar de detetive. Como se não estivéssemos presenciando uma tragédia se desenrolar, na frente de nossos olhos. Admito que, de certa forma, pelo breve tempo em que fomos permitidos, subestimamos a gravidade da situação.

Nenhum de nós dois sabia onde estava se metendo.