Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 21- Zero


Zero

Mesmo depois de noites e noites fora daquele lugar, se eu fechasse os olhos, conseguia sentir pequenas correntes elétricas correndo pelo meu corpo. Constantemente, eu sentia meu coração batendo forte como se algo ruim estivesse prestes a acontecer.

Eu tinha certeza que estava exagerando, que eu já deveria ter voltado ao normal ou algo do tipo, mas nada parecia certo.

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Nem mesmo estar de volta no meu quarto do Instituto, e finalmente fora do hospital, foi capaz de me proporcionar algum conforto. Eu sentei na cama, voltei para a cadeira de rodas, deitei na cama, fui para a biblioteca, e para o quarto novamente- o que era o suficiente para me deixar completamente exausto, sentindo como se tivesse acabado de correr uma maratona, o coração batendo em meus ouvidos.

Eventualmente, a exaustão ganhou e, quando comecei a me sentir mal, deitei na cama do Eros ao invés da minha. Tinha o cheiro dele e as coisas dele, os quadros pendurados que ele mesmo pintou eram muito mais visíveis daqui. Eu ainda me sentia horrível, tremendo, a visão ficando borrada mas, embora eu soubesse que não admitiria para ele, era um pouco menos pior ali, na cama de Eros.

Meu plano de sair assim que ele chegasse deu terrivelmente errado. Assim que Eros começou a conversar comigo, eu comecei a chorar. Todos os meus sentimentos vinham à tona quando Eros estava por perto e eu estava chegando a teoria de que o motivo era de que só com ele eu me sentia seguro o suficiente para me deixar ser vulnerável. Então eu chorei. E ele me abraçou. E ficamos ali o resto da noite.

Não fazia nem duas horas que eu tinha chegado à conclusão de que não estava pronto para ter um relacionamento e já estávamos dormindo abraçados. Normalmente, eu era muito firme em minhas decisões, mas, claramente, eu tinha um ponto fraco.

Mesmo com Eros me abraçando gentilmente, não consegui dormir. Na verdade, quanto mais eu pensava sobre, mais eu ficava desesperado sobre o fato de estarmos ali juntos. Me sentia terrível. Eu sabia que, definitivamente, tinha sentimentos por ele, mas só o pensamento de estarmos juntos me apavorava.

Se, por alguns segundos, eu me deixasse tentar imaginar como seria ter um relacionamento com Eros, minha mente passava os próximos minutos me falando sobre como eu estragaria tudo, e como eu, na verdade, não merecia aquele afeto. Eu nem sabia porque ele gostava de mim. Ou porque qualquer pessoa algum dia gostaria de mim.

Eu continuava pensando em como ele disse que me amava. E em como eu queria conseguir me permitir dizer de volta. Eu sabia que sentia de volta, mas admitir era... difícil. De alguma forma, eu ainda estava esperando Eros acordar e perceber que, no fundo, não gostava de mim de verdade.

Estar me apaixonando trazia à tona meus piores sentimentos e, no meio de toda a confusão, no meio de todas as outras coisas que também enchiam minha mente de perguntas, eu não tinha a capacidade de lidar com eles.

Respirei fundo, tentando me acalmar. Sentei na cama devagar, com cuidado para não acordar Eros.

Ele fechou a cara e estalou a língua.

—O que foi, hein? — reclamou, de olhos fechados.

—Eros, você tá dormindo ou acordado?

Silêncio.

—Dormindo — concluí.

Eros tinha a habilidade de se irritar comigo até mesmo sem estar acordado. Eu não sabia se ria ou se começava a chorar.

Ele passou o braço pela minha cintura, me puxando para perto involuntariamente.

—Isso é injusto — murmurei. — Eu realmente quero ser a pessoa que consegue te amar de volta sem ter tanto medo de que as coisas deem errado. Você é tão... — olhei para Eros dormindo, seus cílios loiros refletindo a luz que entrava da porta. Eros usava uma camisa de botões que estavam entreabertos, me permitindo ver algumas bandagens dos ferimentos que ainda estavam se recuperando. Seu cabelo estava bagunçado, espalhado pelo travesseiro. — Eu me sinto estúpido por pensar que eu poderia evitar meus sentimentos para sempre sem que isso te machucasse também. — senti minha garganta ficar apertada. — Queria que as coisas fossem diferentes. Que nossa única preocupação fosse nós dois e não se vamos estar vivos amanhã. Eu só queria ser... um pouquinho menos... — minha voz falhou, e me perdi no que queria dizer. Respirei fundo e coloquei minha mão do lado do rosto de Eros, mas sem tocá-lo. Naquele ponto, eu não sabia mais se ele estava dormindo ou não, mas continuei falando. — Eu acho assustador a forma como você se entrega aos sentimentos. É difícil aceitar eles depois de tanto tempo pensando que ninguém nunca fosse capaz de me amar. Acho que eu tenho que aprender a me amar antes. Mas a verdade é que você merece alguém capaz de te corresponder em voz alta. — Eu odiava o fato de estar tão emocional, mas me sentia tão insuficiente. — Eu não sei se algum dia vou conseguir ser essa pessoa para você, Eros. Mas eu prometo que vou tentar.

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Inesperadamente, e ainda meio dormindo, Eros sentou na cama e apoiou a cabeça no meu peito, envolvendo minha cintura com os braços.

Ele fechou os olhos, se aconchegando.

—Não precisa se preocupar — sussurrou. — A gente tem tempo.

—Eu... — gaguejei, sem saber como reagir. Encostei meu rosto em seu cabelo. — Mas e se a gente não tiver tempo, Eros? A gente quase morreu. Algumas vezes. Provavelmente tem algum maluco psicopata que está planejando algo para nos matar nesse exato momento e não tem nada que a gente possa fazer. E se...? — minha voz falhou novamente.

Eros se afastou um pouco, esfregando os olhos com sono, para me olhar diretamente.

—Vai ficar tudo bem — assegurou. — Eu não sei como. Mas vai.

Ele piscou lentamente, lutando para ficar acordado. Parecia cansado.

—Pode voltar a dormir, se quiser.

Não precisei falar duas vezes- Eros encostou em mim novamente e caiu no sono. Eu estava sentado na cama, com Eros dormindo jogado contra mim, o rosto apoiado em meu ombro. Passei meu braço ao redor de sua cintura e o observei por alguns segundos.

Não era lá uma posição mais confortável, mas não me mexi. Aquele momento me parecia com o tipo de memória que eu gostaria de guardar para sempre. Tinha medo de que, se me mexesse rápido demais, ele acabaria.

Eu, definitivamente, não estava preparado para tentar assistir às aulas no outro dia, mas não havia muito que eu pudesse fazer. Estávamos em um beco sem saída e, por um lado, éramos sortudos por estar vivos, mas, por outro, não sabíamos bem quando poderíamos ser surpreendidos.

Quando amanheceu, observei Eros enquanto ele se arrumava para a aula, procurando algum senso de normalidade e de rotina, que era perturbado pelas manchas roxas e curativos que se espalhavam pelo corpo de Eros.

Eu balançava a cadeira de um lado para o outro, enquanto tentava pensar em uma desculpa para ficar ali por mais alguns minutos.

—Me esperando? — Eros indagou, me encarando pelo reflexo do espelho.

—Depende, você vai acreditar se eu disser que não?

Ele sorriu.

—Não, não vou — Eros voltou a olhar para o espelho, abotoando a camisa. — Mas eu ia pedir pra você me esperar de qualquer forma. Me parece mais seguro.

—Ei, eu não preciso de uma babá.

Eros gargalhou, virando para mim.

—Mas eu preciso. Eu tava falando de mim.

O sorriso dele diminuiu um pouco, mascarando uma expressão de culpa.

—É que... — continuou, sentando na cama — não acho que seja novidade para você que eu sou um pouco paranóico.

—Você levantou ontem três vezes pra checar se a porta estava trancada.

Bastante paranóico — corrigiu. — Quando tenho que andar pelos corredores sozinho, minha mente começa a... fazer barulho. Sei lá. E depois do que aconteceu... tá cada vez pior.

—Eu sei. Eu também.

Cheguei perto da cama, e dei uma cotovelada amigável no braço de Eros.

—Mas, você sabe, — falei — pode ficar tranquilo. Se alguém tentar fazer algo com você, eu atropelo a pessoa com minha cadeira de rodas.

Ele sorriu novamente, concordando com a cabeça.

—Okay. Combinado.

Baseado nas nossas últimas experiências, Eros era a última pessoa que precisava de proteção e, mesmo assim, de alguma forma, eu sentia que precisava protegê-lo.

Lembrei do relógio que Diana tinha me dado, e fucei minha mochila em busca dele e do outro igual.

Eros cruzou os braços quando viu.

—Você deveria ter...

—Eu sei — interrompi. — Eu deveria ter colocado isso antes, e talvez metade do que aconteceu na última semana teria sido evitado. Eu já estou me sentindo culpado o suficiente, não precisa repetir — estiquei o receptor para ele. — Aqui. Coloca o outro. Assim a gente consegue se localizar caso aconteça algo.

Eros colocou o relógio e testou alguns botões. Lembrei que ele havia tido a ideia daquilo depois da minha parada cardíaca e então percebi que...

—Acho que eu não te agradeci — murmurei.

—O quê?

—Hã... sabe, por ter tido a ideia de adaptar uma pulseira médica para algo que eu possa usar. Foi... hã... — olhei para baixo, envergonhado. — Enfim, obrigado.

—Bom, você quase morreu na minha frente naquele dia. Do carro. Eu fiquei com medo de que algum dia algo acontecesse e você não conseguisse chamar ajuda — Eros pegou os livros em cima da cama, e abriu a porta. — Mas eu não me agradeceria tão cedo, sua decisão de me dar o receptor foi péssima — Ele apertou um dos botões, que automaticamente acendia outro no meu relógio. — Eu vou aprender código morse só pra te mandar umas mensagens super irritantes.

Passamos pelos corredores rindo enquanto eu falava que aquilo acabava com todo o propósito de só ser usado em uma emergência e Eros argumentava que o risco valeria a pena se ele pudesse me irritar a distância. Era um pouco mais fácil esquecer de todo o resto quando estávamos os dois concentrados em brigar de mentira e rir de verdade.

Ele me levou até a porta da minha sala, e, assim que estava saindo, antes de se misturar com as outras pessoas no corredor, mudou de ideia e me chamou.

—Zero? — falou, virando para trás. Ele parecia energético, e eu já o conhecia o suficiente para saber que estava prestes a fazer algo impulsivo. — Quer sair comigo? Um encontro de verdade dessa vez.

Engasguei, surpreso.

—O quê?

Ele deu de ombros e um fio de cabelo loiro caiu em seus olhos.

—Não faz essa cara, não tô te pedindo em casamento. É só um encontro.

Olhei para baixo, sem graça, mas achei que estivesse sorrindo.

—A gente nem pode sair daqui, Eros. Por um milhão de motivos.

—Não precisa ser fora daqui. A gente assalta a cozinha, coloca um monte de travesseiro no chão, e assiste um filme no celular. Eu deixo você colocar Star Wars, se quiser.

Consegui sentir meu rosto queimando, estranhamente consciente de que estávamos no meio do corredor e de que Eros tinha apoiado os dois braços na minha cadeira de rodas, me olhando de perto como se fosse me beijar a qualquer momento. Eu tinha certeza que todo mundo deveria estar olhando.

—Você é tão desinibido que é difícil de fugir de você... — sussurrei.

—E você quer fugir de mim? — perguntou, sorrindo.

Não importava o quanto eu achava que estava acostumado com Eros, eu sempre entrava no modo pânico quando ele flertava comigo.

Eu o olhei por um milésimo de segundo antes de dizer:

—Eu vou fazer você assistir Star Wars, essa parte não é discutível.

Eros se afastou, ajeitando o casaco e bagunçando o cabelo.

—É um sim então?

Revirei os olhos, segurando um sorriso e entrando na sala.

Eu estava começando a me sentir um pouco mais leve, mas, eventualmente, o peso da realidade bateu novamente, com a mensagem terrível que eu havia acabado de receber.

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Felizes? Espero que estejam. Mas vocês sabem que escaparam por pouco. Vamos ver até quando essa felicidade vai durar.