Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 16- Eros


Eros

Eu conseguia lembrar de dois momentos da minha vida onde ser naturalmente impulsivo me deixou em vantagem.

A primeira foi quando eu precisei fugir.

A segunda vez foi quando o coração do Zero parou de bater.

Eu não conseguia sentir seu pulso, ou nenhum sinal de que ele estivesse respirando. Não me dei tempo nem de pensar na dor vindo do meu próprio ombro e pescoço antes de gritar para Erick chamar uma ambulância.

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Duas coisas martelavam na minha cabeça simultaneamente. A primeira era que, se não havia batimento cardíaco, Zero estava, tecnicamente, morto.

A segunda era que eu não sabia o que deveria fazer, mas que eu sabia que deveria fazer algo.

Qualquer coisa.

Por favor, implorei para mim mesmo, enquanto meu corpo tremia, paralisado pelo pânico.

Toda a adrenalina que fazia meu ouvido zumbir foi o suficiente para que eu empurrasse o banco de Zero para a posição deitada apenas com a força do meu braço e mal avaliasse os riscos antes de começar minha tentativa horrível de reanimação.

Minhas mãos estavam entrelaçadas enquanto eu as posicionei e comecei a empurrar o peito de Zero para baixo, desesperadamente. Eu definitivamente não sabia o que eu estava fazendo.

Eu não sabia o que estava fazendo, mas eu não poderia deixar…

—Zero, seu desgraçado, você não pode morrer agora! — gritei, sem conseguir reconhecer se o tom da minha voz era de raiva ou desespero.

—A ambulância está vindo! - Erick respondeu, parecendo tão apavorado quanto eu. Ele colocou o celular do meu lado, no viva voz. Do outro lado da linha, um socorrista começou a me passar instruções do que eu deveria fazer, reafirmando que eu deveria continuar a massagem cardíaca até que o socorro chegasse até nós.

Meu braço doía, a dor no ombro agora se espalhando. Não era só pelo movimento repetitivo e que exigia força, mas algo parecia errado. Algo parecia errado, mas eu não poderia me deixar pensar nisso.

Eu não conseguia achar um equilíbrio entre constantemente avaliar as condições de Zero - ele está respirando? mostrou algum sinal de estar respondendo? seu coração voltou a bater? eu estou fazendo algo errado? —, reportar tudo para o socorrista, não pensar no meu braço e, ao mesmo tempo, não surtar.

Por favor — murmurei, como se Zero conseguisse me ouvir —Por favor, Yan!

Eu tinha uma imagem formada de Zero na minha mente-os olhos azuis intensos e o sorriso que agora aparecia cada vez mais, as piadas sarcásticas, as sardas -principalmente as do pescoço, tão claras que eu me sentia privilegiado de ter chegado o perto o suficiente para vê-las-, o orgulho do tamanho do mundo e uma habilidade especial de caber no meu abraço.

Eu imaginava muitas coisas quando pensava em Zero, e nenhuma dessas coisas parecia com a pessoa que estava na minha frente, se é que estava.

Eu estava aterrorizado. Me lembrei vagamente de ler em algum lugar que uma RCP mal feita poderia fraturar as costelas de uma pessoa, o que não era nada reconfortante.

—E se eu quebrar as costelas dele? — perguntei para o socorrista do outro lado do telefone.

Ele perguntou meu nome.

—Leonardo, a ambulância está a caminho — me assegurou. —Você precisa continuar calmo, e manter o coração dele batendo até que ajuda chegue. Entendeu? Todo o resto dá para ser resolvido.

Meu desespero estava aumentando a cada segundo, embora eu me esforçasse para parecer calmo. Olhei para Zero novamente, me perguntando se aquela seria a última vez que eu veria. Se aquele era o fim.

Mas não podia ser.

Eu não sabia quanto tempo estávamos ali- parecia ter se passado, simultaneamente, menos de cinco minutos e mais de cinco horas.

De repente, senti um formigamento esquisito. Não parecia que era meu braço ficando dormente, era mais como um incômodo.

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O formigamento parou, e logo em seguida outra onda mais forte me atingiu. Foi na segunda vez que entendi o que era: um choque.

Eu tinha uma vaga memória de Zero me contando sobre algo que ele tinha implantado no coração que ajudava a manter a arritmia sobre controle. Embora ele nunca havia me falado nada sobre choques, só poderia ser aquilo finalmente fazendo algo.

Me embolei todo, mas o socorrista pareceu entender sobre o que eu estava falando.

Ele me perguntou se os choques estavam me machucando, ao que eu prontamente disse que não.

Eu não avaliei exatamente o quão incômodo eles estavam sendo para mim, mas eu sabia que, se eu parar significasse que Zero poderia morrer, então eu não me importava com a intensidade dos choques e nem mesmo com a dor em meu ombro.

Eu simplesmente não me importava.

Consegui ouvir a sirene da ambulância no fundo, de longe, mas perto o suficiente para que eu pudesse sentir que estavam quase chegando. Estavam quase chegando e ia ficar tudo bem.

Olhei para Zero, inconsciente, e eu não saberia dizer que sensação era aquela, um desespero tão forte e absoluto, como se nada mais no mundo importasse.

Precisava ficar tudo bem.

Foram cinco choques no total. Cinco choques antes de eu ver, de relance, a mão de Zero se mexer.

O olhei novamente. Senti seu peito mexer sozinho, devagar, e suas sobrancelhas se juntarem levemente.

—Acho que ele está respirando! — gritei. — Eu… ele… ele está respirando! — repeti, como se não acreditasse.

Eu conseguia sentir que o coração dele havia voltado a bater, sem precisar de mim mais.

Estava batendo.

Zero estava vivo.

Eu devo ter repetido isso em voz alta por, pelo menos, umas três vezes, mesmo depois que eu pude relaxar no meu banco e parar as compressões cardíacas.

Ele ainda estava inconsciente, e eu mantive minha mão em seu pulso, sentindo seus batimentos por tempo o suficiente para perceber que estavam muito mais lentos do que deveriam. Mas não importava. Zero estava vivo, e a ambulância havia chegado.

Eu não sabia se ele conseguia me ouvir não. Eu apostaria que não, mas, mesmo assim, antes de levarem ele para longe de mim, acariciei sua bochecha e sussurrei:

—Tá tudo bem. Você vai ficar bem. Eu prometo.

Eu, Erick e Zero fomos levados para o mesmo hospital. Mesmo depois de eu e Erick termos insistido que estávamos bem, eles ainda precisavam fazer um monte de exames para ter certeza.

Erick estava assustado. Ele havia se encolhido, tremendo, e não olhava para mim ou para ninguém. Eu queria ser um bom irmão, queria ter algo para falar que o acalmasse, mas eu mesmo estava assustado e confuso. Mesmo depois de a pior parte ter passado, a adrenalina ainda martelava na nossa cabeça das piores formas, e a dor no meu ombro aumentava cada vez mais.

Nós três estávamos longe de casa e sozinhos, e eu não conseguia ficar perto de Zero e de Erick ao mesmo tempo que eu mesmo era examinado, então tivemos que nos separar. Fiz Erick prometer que iria me procurar se o liberassem antes de mim, e que não ia a lugar nenhum.

—Você não precisa falar como se eu fosse uma criança! — reclamou.

—Você é menor de idade e no momento eu sou seu responsável legal. Só não apronta.

Ele cruzou os braços, irritado.

Envolvi Erick em um abraço desajeitado, e ele retribuiu o gesto, segurando minha blusa e respirando fundo como se estivesse aliviado.

—Não se preocupa, ok? — falei. — A gente já já vai para casa.

Olhei para os corredores do hospital, Zero já havia sumido da minha visão e eu não sabia absolutamente nada do que estava acontecendo com ele.

Por causa dos choques, eles tiveram que fazer mais exames em mim do que imaginei que fariam. Além disso, eu havia me feito o favor de deslocar o ombro. Depois de uma hora e meia no hospital, eu estava tão dopado de analgésicos que mal conseguia manter os olhos abertos.

Prometi para mim mesmo que não iria dormir, não até achar Erick, não até receber notícias de Zero. No final, acabei apenas pedindo para uma das enfermeiras ligar para Fernanda, minha irmã, para que ela pudesse vir e ficar com Erick, e adormeci contra minha própria vontade.

Quando acordei, Erick estava dormindo do meu lado, numa cadeira encostada à parede, e Fernanda falava no telefone. Ela usava o cabelo loiro preso em um rabo de cavalo bagunçado, e uma calça com uma blusa de pijama. Fernanda era muito vaidosa, então eu sabia que havia vindo correndo de madrugada. Ela desligou assim que viu que eu havia acordado, e abriu a boca para falar algo, mas eu interrompi.

—Que horas são? — perguntei, a voz rouca — Como o Zero tá? Erick não se machucou mesmo, né?

—Espera, espera, calma. Oi, como você está?

Eu estava cansado como se não dormisse por dias, mas não sentia muita dor. No meu braço, havia uma tipoia que garantia que eu não mexesse o ombro machucado, e estar restringido daquela forma, sem poder mexer o braço, me deixava ansioso.

Mas mais do que isso, eu estava desesperado. Eu precisava saber se o Zero estava bem.

—Fernanda, eu estou bem. Você sabe alguma coisa do Yan?

Ela balançou a cabeça, negativamente.

—Não muito. Da última vez que Erick perguntou, ele ainda estava inconsciente.

—Por que você não levou Erick para casa? — perguntei, apontando para o garoto dormindo.

—Ele não quis ir. Ficou aqui passeando entre seu quarto e o lado de fora da UTI onde seu amigo está.

—Isso me lembra — falei — que é hora de eu ir dar um passeio e perturbar as enfermeiras até alguém me dar alguma informação.

Demorei alguns minutos até convencer a enfermeira que eu estava bem o suficiente para andar. Aquela camisola de hospital e a tipoia no braço certamente não estavam fazendo bem para minha autoestima, mas ignorei os olhares nos corredores e fui direto para os corredores do CTI.

Pensei que teria que me esforçar mais para conseguir alguma informação, mas, assim que cheguei, um médico de meia idade, alto e com cabelos grisalhos, me olhou por uns segundos, procurou entre um amontado de fichas e então veio até mim.

Ele olhou para a ficha, como se confirmasse.

—Leonardo Mendes, não é? — perguntou, ao que eu assenti. — Doutor Júlio, prazer. Eu sou o médico do Yan. A gente pode conversar?

Eu estava pronto para ouvir que ele morreu ou qualquer coisa catastrófica do tipo. Senti todo meu corpo ficar gelado, e o médico deve ter percebido meu pânico porque logo complementou:

—Eu fui informado que você estava com ele na hora da parada cardíaca e queria te fazer umas perguntas.

Conversei com doutor Júlio por mais de meia hora, contando os detalhes do que me lembrava. Doutor Júlio me explicou que Zero havia tido uma parada cardíaca outra vez, quando era bem novo, e que por isso ele tinha um desfibrilador implantado, que era para, supostamente, não deixar isso acontecer.

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—Os choques que você sentiu foram isso. Normalmente, se você estivesse em contato com ele quando o CDI liberasse um choque, não deveria sentir nada mais que um formigamento leve, mas a carga claramente estava alterada. O desfibrilador teve um tempo de resposta muito baixa e a voltagem dos choques foram desreguladas. Talvez estivesse dando problemas antes disso e ele não me contou — pensou, consigo mesmo.

—É, isso é a cara do Zero — concordei.

—Você fez muito bem em ter agido apesar do desespero, Leonardo. Suas ações podem ter sido essenciais para a recuperação do Yan.

Então fiz a pergunta que estava entalada.

—Mas… ele vai ficar bem?

—Estamos fazendo o possível.

—Isso soa como um não — falei, me encolhendo.

—As chances estão a favor dele, mas é muito cedo ainda para dizer algo. Sinto muito.

Depois de, mais ou menos, uns dois dias, Zero foi transferido para um hospital perto do Instituto, e eu e Erick voltamos junto.

Eu e Alice combinamos de nos encontrar em uma das salas comuns do prédio dos dormitórios, que tinham uns sofás e algumas mesas. Quando me viu, a garota me abraçou tão forte que eu senti dor.

Nos jogamos em um dos sofás vazios. Era bom passar tempo com ela fora das aulas, embora, tecnicamente, deveríamos estar em aula.

—Foi isso que você entendeu quando eu falei para não se meter em encrenca? — brigou.

Sentei do lado dela e abaixei o olhar, como se só aquilo fosse suficiente para me fazer começar a chorar.

—Ai meu deus, não faz essa cara — falou, assustada. — Não. Você vai chorar? Socorro.

—Não — respondi, ignorando o fato de meus olhos estarem enchendo de lágrimas. Encostei o rosto no apoio do sofá. — É só que… tanta coisa aconteceu. E eu não consigo parar de pensar no Zero. Faz quase dois dias, ele não deveria… não sei, o tempo continua passando e ele continua na mesma e eu estou ficando mais desesperado.

Contei para ela sobre como eu e Zero quase havíamos nos beijado, de quando ele dormiu na minha cama, da forma que nos abraçamos. Contei tudo que aconteceu naqueles dias entre eu e Zero, como estávamos ficando cada vez mais próximos e como eu achei que o mundo ia acabar no momento que pensei que ele estivesse morto.

—É tudo tão confuso. Eu não sei como ele se sente sobre mim e também estou com tanto medo de algo acontecer. E tanta saudade. Eu só quero poder ver ele, só por uns minutos, mas o hospital não permitiu nenhuma visita ainda. Eu só sei que… é tão esquisito. Não importa o quanto as coisas estejam desmoronando, eu fico tão feliz quando estou ele. E tão confortável. É como se eu finalmente conseguisse relaxar perto de alguém novamente — fiz uma pausa, a garganta apertada. — Eu realmente gosto dele. Mais do que deveria.

Ela suspirou.

—É difícil dizer que eu te avisei quando você está tão triste assim. Mas, honestamente, achei que isso já estivesse óbvio para você. Para vocês dois.

—Gostar de alguém não deveria ser tão doloroso — reclamei.

—Eros, se preserve. Só espera ele ficar melhor, porque ele vai ficar melhor, e aí fala isso para ele.

Ajeitei a postura, os olhos arregalados.

Falar para ele? Ficou doida?

Ela pareceu não entender.

—Leonardo, você dá em cima de tudo e todos, mas está me dizendo que vai amarelar para deixar claro que gosta do Zero quando ele obviamente já deve saber? Quer dizer, vocês dois não são lá muito discretos.

—Mas se eu falar para ele, corre o risco de estragar nossa amizade. De estragar tudo. Além do mais, eu te disse que ele não quis me beijar.

—É, mas você também falou que ele explicitamente te disse depois que estava com medo. Isso não me parece um “eu não quero te beijar” ou “eu não gosto de você de volta”.

—Ele não me dá sinal nenhum que corresponde! — falei, frustrado.

Alice revirou os olhos.

—Meu Deus, como duas pessoas podem ser tão burras?

Ela olhou para mim por uns segundos, como se considerasse algo, então falou:

—Leonardo, eu não vou te perdoar por me forçar a ter que dar conselhos sérios — reclamou. Alice me olhou por uns segundos, então ajeitou a postura. — Eros, eu… eu perdi o amor da minha vida — sussurrou. — Em condições terríveis. Não só pela parte trágica e confusa que ainda não desvendamos completamente, mas porque eu e ele havíamos brigado, e você sabe disso. Eu namorei com Davi por uns dois anos e, mesmo assim, eu sinto que tem tantas coisas que eu não disse. —ela mexeu na pulseira, a com o nome dele — Eu daria tudo para voltar e dizer. Agora mais do que nunca, você sabe como as coisas são imprevisíveis. Então, se você realmente gosta do Zero, deveria dizer para ele. Mesmo se acontecer dele não corresponder. Especialmente se ele não corresponder, na verdade, porque você merece uma chance de seguir em frente.

—Eu não gostei dessa última parte de seguir em frente — murmurei. — Mas você está certa. Eu só preciso esperar um pouco. Esperar ele se recuperar. Esperar as coisas se acalmarem. E, aliás, isso me lembra… — suspirei. — a pulseira.

Ela olhou ao redor, estávamos no meio de um monte de alunos.

—A gente deveria conversar sobre isso mais tarde, na sala de cinema. Sozinhos. Você me encontra lá depois do horário das aulas?

—Pode ser. Eu não faço a mínima ideia como vou fazer as aulas práticas com esse braço — falei, apontando para a tipoia. — O médico pediu para eu usar isso por 3 semanas, mas nem fodendo. Acho que vou tirar.

Alice tampou os olhos com a mão.

—Eros, a gente é da mesma idade, mas eu constantemente sinto que adotei uma criança. Não ouse tirar esse troço. O médico não te deu um atestado ou algo assim?

—Deu, mas eu não posso perder as aulas.

—Idênticos — ela falou, e revirou os olhos.

—O quê?

—Você e Zero. São iguaizinhos.

Como eu tinha um atestado, isso significava que eu não precisava necessariamente participar das aulas e automaticamente implicava na minha presença no Instituto não ser obrigatória. Era bom ter a liberdade de entrar e sair quando eu quisesse, porque eu me instalei permanentemente na sala de espera do hospital onde Zero estava.

Infelizmente, ficar sentado lá sem nada para fazer também significava que eu tinha muito tempo para pensar, e eu não gostava dos lugares que minha mente estava indo.

Primeiramente, eu estava convencido que aquele acidente não poderia ser coincidência. Henrique foi visto perto de onde eu estudo e aí, do nada, os freios do carro pararam de funcionar.

Mas também poderia ter a ver com quem quer que seja que mandou aquelas mensagens para Davi, a pessoa que havia prometido matar eu e Zero. Eu já era naturalmente paranoico, mas, com todas essas coisas acontecendo, havia piorado drasticamente.

Eu odiava o fato de não conseguir usar um dos braços e ficava imaginando o que faria se precisasse me defender. Odiava o fato da sala de espera ficar no terceiro andar porque eu não conseguiria sair dali rapidamente se precisasse e mais de metade do meu tempo era passado pensando em rotas de fuga e saídas de emergência, ou olhando para as pessoas ao meu redor desconfiado.

Eu sabia que estava paranoico, mas também sabia que eu havia motivos para tal.

A última coisa que eu queria era envolver mais gente naquilo, mas havia apenas uma pessoa que entendia de mecânica o suficiente para checar se os freios do carro não poderiam ter sido sabotados de propósito. Felizmente, era uma pessoa próxima o suficiente para eu saber que olharia o carro se eu pedisse. Infelizmente, ele também imediatamente desconfiaria o porquê.

Erick amava carros. Ele amava estudar como eles funcionam e desmontar e montar carros na garagem. Provavelmente saberia me ajudar.

Considerei o dia inteiro se deveria falar com ele ou não, mas acabei cedendo. Assim que voltei do hospital, um pouco antes do horário das luzes serem apagadas, fui até o quarto de Erick.

No caminho, enquanto passava pelo refeitório, consegui ver Hugo passando do outro lado.

Eu não havia o visto desde o acidente- desde que eu arrebentei o carro dele. Eu sabia que ele estava esperando o momento certo para gritar comigo e reclamar por duas horas seguidas, por isso, estava o evitando. Mesmo assim, quando nos vimos, um calafrio estranho percorreu pelo corpo.

Olhei para Hugo novamente, que atravessava o refeitório em silêncio. Seus olhos estavam grudados nos meus e sua expressão estava diferente das que ele normalmente tinha. Eu não conseguia decifrar qual era, e aquilo me assustava.

Andei mais rápido e torci para não nos encontrarmos nem tão cedo.

Quando cheguei no quarto de Erick, ele estava, como sempre, jogando algo no celular, os dois fones de ouvido tocando música. Olhei ao redor, observando os pôsteres de série na parede e um violão do outro lado do quarto que deveria ser da outra pessoa que dormia ali, e então bati na porta.

Ele se assustou, mas tirou um dos fones e me pediu para entrar. Fechei a porta atrás de mim.

Achei um pequeno espaço para mim na cama, e sentei.

—Eu estava querendo falar com você sobre algo.

—Pode falar — respondeu, sem tirar os olhos do celular.

—Meu Deus, como eu odeio adolescentes.

Erick tirou o outro fone.

—A partida já está acabando. Pode ir falando.

—Você parece cansado — comentei, reparando as olheiras. — Você não está passando a noite inteira jogando não, né?

—Pensei que você tinha algo para falar.

—Tenho, mas estou enrolando para você acabar aí porque vou precisar da sua atenção. Minha pergunta…?

—Não, não estou jogando a noite inteira. Nem dá, você sabe que o Instituto desliga o wifi para os alunos de noite. — ele desligou a tela do celular e olhou pra mim. — Só não consigo dormir — confessou.

—Bem-vindo ao time. Erick, eu quero te perguntar uma coisa sobre o que aconteceu, mas eu não quero que você fique muito paranoico sobre.

—Deixa eu adivinhar, você acha que o acidente não foi bem um acidente — falou, o tom monótono.

—Espera, o quê?

—É, eu estava querendo falar com você — Erick disse —, mas não queria que você achasse que eu estava me intrometendo. E também… acontece que eu posso ou não ter te desobedecido quando você falou para eu não ir a lugar nenhum depois de ser liberado do hospital.

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Revirei os olhos, nem um pouco surpreso.

—Continua. Eu brigo com você depois.

—Depois que a Fernanda chegou, ela foi resolver umas coisas muito chatas de registrar a ocorrência do acidente e falar com o seguro do carro. Eu achei muito esquisito a forma como os freios simplesmente pararam, porque normalmente, se tem algum vazamento de gás ou algo do tipo, eles ficam resistentes primeiro. Resistentes o suficiente para o motorista reparar antes de acontecer o que aconteceu. Daí eu inventei umas desculpas e pedi para ver as fotos que tinham tirado do carro.

—E…? — perguntei.

—E, realmente, parece ter sido acidental — falou, mas não parecia uma conclusão.

—Eu senti resistência nos freios mas pensei que estava desacostumado a dirigir — confessei.

—Mas mesmo assim — Erick continuou — aquele é um carro não é só extremamente caro como ele é um carro bom e novo. Foi com ele que fomos daqui até lá na ida e o carro estava em perfeita condição. Todo o resto estava em perfeita condição. E você não dirigiu por tempo o suficiente para sua direção ter causado dano aos freios, então… ou o universo realmente te odeia a ponto de um carro novo quebrar drasticamente do nada sem avisos prévios de uma forma absurdamente rara que parece ter sido projetada para causar um acidente ou alguém realmente sabotou os freios. Alguém bom, alguém que saberia como fazer de forma indetectável. Não é impossível, é o que eu estou dizendo. E não é nem um pouco improvável.

Fiquei em silêncio por uns segundos, pensando sobre aquilo, colocando as informações no lugar - e um pouco surpreso por Erick ter, não só ter considerado a opção antes de mim, como ter chegado a uma conclusão daquelas sozinho.

—Às vezes eu esqueço porque você está aqui mesmo sendo tão novo — murmurei.

—O quê?

—Nada. Se isso tiver algo a ver com Henrique… Erick, você precisa tomar cuidado. Pelo menos até termos notícias da polícia sobre ele. Não precisa se preocupar porque não deve ter nada a ver com você, mas, mesmo assim…

Ele concordou.

—Eu sei. Mas, se não tem a ver comigo, então tem a ver com você e eu não gosto nada disso.

—Nem eu, mas não precisa se preocupar. Só por precaução, tenta evitar de ficar sozinho por aí.

—Mesmo dentro do Instituto? — perguntou.

—Principalmente dentro do Instituto.

Mesmo que não fosse Henrique, qualquer pessoa pensaria em Erick como um alvo fácil para chegar até mim e eu não deixaria isso acontecer.

Eu sabia que meu pedido não ajudaria a deixar a consciência de Erick tranquila, mas era melhor do que a possibilidade de o deixar desavisado e ser surpreendido.

Quando todos foram dormir, fui encontrar com Alice na sala de cinema abandonada. Contei a ela o que Erick havia me dito.

—Eros, nós precisamos chegar ao fundo disso antes que alguém mais se machuque — falou.

—Eu concordo. Eu concordo, mas a única pista que temos agora é uma pilha de números. Você acha que a pessoa pode ter descoberto que eu e Zero achamos aquelas mensagens? Logo depois que acessamos o celular, aconteceu o acidente.

—Acho que não. Aquilo é informação comprometedora demais. Nós sabemos que Davi foi morto por saber algo. Com certeza estaríamos mortos agora se soubessem que vocês acharam aquelas mensagens.

—Isso significa que estamos um passo à frente — conclui.

—E que precisamos continuar assim se quisermos nos manter vivos.

Mesmo assim, eu ainda continuava com a sensação de que, quanto mais pistas achávamos, menos nós entendíamos, e a ideia de que estávamos constantemente em risco não ajudava em nada a me manter calmo.

Meus pesadelos estavam ficando cada vez piores e mais realistas, e eu sentia falta de Zero na cama do lado, pronto para me acalmar se eu precisasse. Pronto para fazer uma piada boba se eu precisasse rir ou me abraçar se eu pedisse.

Naquela noite, tudo que eu fiz de madrugada foi me mexer na cama, sufocado pelos pensamentos e tentando evitar uma crise de pânico o máximo que consegui. Quando meu corpo não aguentou de exaustão, adormeci e fui tomado pelos mesmo pesadelos de sempre.

Nada poderia explicar o alívio que senti ao chegar no hospital.

—Leo, bom dia! — uma das técnicas, Kelly, falou ao me ver. Ela falava comigo todas as manhãs, e era sempre ela que me atualizava sobre o estado de Zero. Kelly parecia ter mais ou menos uns 25 anos e era muito simpática. Perguntava como estava meu braço e parou umas duas vezes para conversar comigo depois que seu turno acabou.

—Bom dia, Kelly — respondi, sonolento.

Como eu não precisava assistir às aulas, corria para lá assim que acordava. Era inútil, mas eu me sentia melhor sabendo que Zero não estava sozinho lá, mesmo que ele não soubesse disso.

—Eu tenho boas notícias para você hoje! — anunciou.

—Por favor, eu preciso de boas notícias.

—Yan finalmente recuperou a consciência, e todos os exames mostram que não houve dano cerebral. Ele ainda precisa ficar no CTI para monitorarmos de perto, mas ele está oficialmente autorizado a receber visitas a partir de hoje.

—Espera — falei, sorrindo. — Espera, eu vou poder ir ver ele?

Ela assentiu.

Me explicou que o horário de visitação era de meio dia à uma da tarde, e embora eu estivesse insatisfeito que só poderia o ver por tão pouco tempo, não pude conter minha felicidade.

Meu coração poderia explodir de saudades.

Enquanto eu observava o relógio ansiosamente, uma mulher que havia acabado de chegar capturou minha atenção. A mulher chegou e sentou em um dos bancos da sala de espera, perto da janela, a expressão levemente entediada. Ela tinha cabelos pretos encaracolados e sardas fortes por todo o rosto. Olhos pretos que, em um segundo olhar, poderiam ser de um tom escuro de azul. Era nova e muito bonita.

Parecia tanto com ele.

Alguns segundos depois, uma outra mulher de cabelos marrons foi até ela e sentou do seu lado. Eu sentia que não deveria me meter, mas fui até lá mesmo assim.

Olhei diretamente para a mulher de cabelo enrolado.

—Oi, desculpa — falei — mas por acaso você é parente do Yan? Yan Dias.

—Não — falou, sem hesitar. — Não sei quem é.

Sim — a outra mulher respondeu. — Ele é nosso… — começou, então apontou para o lado — filho dela. — Ela estendeu a mão para mim. — Ana, prazer. Essa é minha esposa, Luiza, mãe do Yan.

—Eu adoro quando você fala da nossa vida para estranhos — Luiza reclamou, olhando para Ana.

—Eu não estou… dá para agir como uma adulta de vez em quando, por favor? — Ana virou para mim. — Desculpa por isso.

—Eu sou Leonardo, colega de quarto dele.

—E também a pessoa que estava dirigindo — Ana comentou, apontando para meu braço imobilizado. — Não é?

Sua pergunta tinha um tom raivoso de “então você foi a pessoa que causou isso a meu filho”.

—Sim — concordei. — Ainda bem que você está aqui, depois de quase quatro dias.

Ela revirou os olhos.

—Eu vim assim que pude. O que você quer, amigo do Yan?

Ana interrompeu, abrindo um sorriso simpático.

—Ela está estressada, mil desculpas.

Falei que estava tudo bem e voltei aonde estava sentado, longe das duas.

Conhecer a mãe de Zero claramente havia ocorrido perfeitamente bem, se eu ignorar o fato de eu ter passado dois minutos com ela e já a achar insuportável.

Não que eu estivesse surpreso, ela me parecia exatamente com como Zero havia descrito nas raras vezes que mencionou a mãe.

Quando deu o horário, nós três tínhamos uma hora no total para dividirmos, já que só poderia entrar uma pessoa de cada vez.

Elas me deixaram por último. Minha uma hora com Zero havia diminuído para 15 minutos e eu não gostava nada daquilo. Sabia que estava sendo egoísta, mas, mesmo assim, fui eu que fiquei sentado lá por dias esperando para ter certeza de que ele não estaria sozinho quando acordasse, enquanto a própria mãe dele demorou dias para aparecer mesmo eu sabendo que ela morava perto do Instituto.

Quando Júlia entrou para ver Zero, Ana sentou do meu lado.

—Ela é… difícil de lidar — comentou, olhando para a esposa que havia acabado de sair.

—Deu para perceber.

—Mas, você sabe, é a mãe dele. Ela se importa com ele, eu acho que não está sabendo lidar com isso muito bem. Então, você é amigo do Yan?

—É.

Eu não estava com energia para manter conversas, e não conseguia evitar de estender a impressão ruim que tive da mãe de Zero para sua esposa também.

—É bom saber que ele está fazendo amizades. Ele deve realmente gostar de você para ter voluntariamente viajado com você. Quer dizer, estou brava que ele não me avisou, mas é bom saber que está se soltando.

Olhei para ela por alguns segundos. A mãe biológica de Zero poderia ser a exata cópia física dele, mas, se eu tivesse que adivinhar, com certeza diria que Ana era a mãe.

—Você e a mãe dele são casadas há muito tempo? — perguntei.

—Sim e não. Oficialmente não, mas eu e ela temos uma longa história.

Quando me mostrei disposto a ouvir, Ana me contou que ela e Julia eram amigas de infância.

—Nós crescemos juntas, mas somos pessoas muito diferentes. Quando ela se envolveu com o pai do Yan e ficou grávida, eu fui uma péssima amiga. Acho que tínhamos 16 ou 17 anos. Julguei ela por ser irresponsável, culpei ela e me afastei. Me arrependo muito. Talvez eu tenha ficado com tanta raiva não por ela ter engravidado, mas por ela estar com outra pessoa. Com outra pessoa que não fosse eu. Acabou que perdemos contato, o pai de Yan sumiu, e ela teve que criar ele sozinha por uns bons anos. Quando nos reencontramos… não foi fácil deixar toda a mágoa de lado, mas nos aproximamos. Ela estava muito sobrecarregada e eu quis ajudar. Yan tinha uns 10 anos, acho. Eu diria que me apaixonei pelos dois. Ele era uma criança adorável — ela sorriu sozinha, com a lembrança. — Ela continuava impossível de lidar, mas...depois de tantos anos, ela finalmente correspondeu meus sentimentos. É uma montanha russa, mas… Julia é o amor da minha vida. Sempre foi — ela pensou por uns segundos e falou: — Me desculpa, acabei contando mais do que você perguntou.

Afirmei que estava tudo bem, mas algo não batia na visão apaixonada de Ana sobre Júlia e em como Zero ficava ansioso apenas de receber mensagens da mãe.

Zero me contou uma vez que teve que fazer tudo sozinho desde muito novo, e eu me lembrava de várias menções a atitudes extremamente duvidosas por parte da mãe dele, como trancar ele nos lugares ou se drogar na frente dele e eu estava convencido que as piadas de Zero sobre como a mãe o espancava não eram piadas.

Mas eu estava convencido que eram apenas ele e a mãe. Se Ana esteve presente em todas essas situações e, mesmo assim, continuou omissa…

Se Ana consegue demonstrar sentimentos tão verdadeiros por Yan e, mesmo assim, ser conivente com a forma que Júlia trata o próprio filho...

Suspirei. Eu conseguia entender o porquê de Zero ser tão confuso em relação a sentimentos.

Quando Ana entrou e eu fiquei sozinha com Julia, ela pareceu ter se esquecido completamente que estava reclamando de mim menos de duas horas atrás e começou a reclamar de Zero.

—Você acredita que ele não falou comigo? Muito ingrato.

Olhei para ela, incrédulo.

—Ele acabou de acordar depois de dias inconsciente. Depois de uma parada cardíaca. O que você estava esperando?

—O desgraçado ainda teve coragem de dormir.

—Ele obviamente deve estar cansado, você consegue ouvir o que está falando?

Respirei fundo. Pensei: se eu quero algum dia tentar algo além de amizade com Zero, não posso brigar com a mãe dele.

—Eu não queria ter vindo, de qualquer forma. Ana me arrastou. Não vou vir mais.

—Que bom.

Ela me olhou, irritada, e se moveu para a cadeira do lado, deixando um espaço entre nós dois.

Essas duas estavam me estressando e elas não eram nem minha família.

Finalmente, Ana saiu e eu pude entrar para ver Zero.

Era um ambiente assustador, e eu não estava acostumado com hospitais. Muitos tubos e aparelhos que faziam barulhos irritantes. No meio deles, Zero estava dormindo, os cachos desmanchados e olheiras fundas.

Apesar dos olhos fechados, ele parecia estressado.

Fechei meu casaco, sem saber se estava tremendo de frio ou de nervoso.

Puxei uma cadeira e sentei do lado de Zero.

Kelly olhou para mim enquanto saía de lá e fez o símbolo de um relógio.

—15 minutos — avisou.

Suspirei.

Olhei para Zero, e senti meu coração afundar.

—Quão injusto é que eu posso ficar só 15 minutos com você?

Ele abriu os olhos devagar ao ouvir minha voz, e piscou por uns segundos, sonolento, enquanto me observava.

Eu pude ver os músculos de Zero relaxando e seus olhos se encolheram no que eu pude jurar que era uma tentativa de um sorriso.

—Você, finalmente.

Sorri de volta, e pensei que fosse começar a chorar apenas de felicidade apenas por estar com ele novamente.

—Pensei que não quisesse falar com ninguém — impliquei.

—Só com você — sussurrou.

A voz de Zero estava rouca e parecia que só o esforço de falar o cansava. Ele passou a me responder apenas balançando a cabeça para indicar sim ou não.

—Sentiu saudades, então? — perguntei.

Sim.

—Eu também. Acho que me acostumei a ficar com você o tempo todo — confessei. — Você precisa descansar e se recuperar para eu poder grudar em você e voltar a te carregar comigo para todos os lugares. Posso… — hesitei, mas decidi perguntar mesmo assim. — Posso segurar sua mão?

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Sim.

Entrelacei meus dedos com os de Zero, e ele apertou minha mão bem de leve.

—Você quer que eu fique quieto?

Não.

—Ótimo, porque eu sou terrível em ficar quieto.

—Eu sei — respondeu, baixo, e tossiu.

—Você realmente se esforça para me perturbar, hein?

Sim.

Brinquei com seus dedos, e ele brincou com os meus de volta.

Parecia que não havia passado tempo nenhum quando uma enfermeira apareceu para me avisar que meus 15 minutos haviam acabado.

—Zero, eu tenho que ir —avisei.

Não.

—Fica — pediu.

—Desculpa, meu horário de ficar aqui acabou.

Não, fez novamente, apertando minha mão.

—Zero, você vai me fazer chorar — sussurrei. — Eu prometo que volto amanhã.

Ele soltou minha mão devagar, e olhou nos meus olhos, como se implorasse para eu ficar. Pisquei para ele e passei a mão pela sua bochecha rapidamente antes de sair, querendo desesperadamente ficar mais um pouco.

—Quer dizer que eu passo

Voltei no outro dia, como prometi. E no outro, e no outro.

Zero estava melhorando rapidamente, o que significava que estávamos conseguindo conversar melhor e os horários de visita estavam aumentando até que eu pudesse ficar quase o dia inteiro com ele.

Era o último dia antes que eu precisasse voltar a assistir às aulas no Instituto, embora eu ainda não conseguisse fazer muita coisa sem que meu braço doesse. Zero não estava mais na CTI, o que era bom, porque eu odiava o ambiente frio e assustador.

No primeiro dia que ele foi transferido para um quarto, eu acabei deixando meu casaco jogado na cadeira. Quando voltei para buscar, Zero havia dormido agarrado a ele, e eu não tive coragem de pegar de volta.

Ele conseguia roubar minhas roupas até quando não era de propósito.

Deixei o casaco com Zero pelo resto dos dias que ele ficou lá, mas não comentamos sobre.

—Você não precisa ficar aqui o dia inteiro — Zero reclamou.

—Aí está o Zero que eu conheço, tentando me afastar a qualquer custo. Fico feliz que você está melhorando.

Ele riu, revirando os olhos.

—Eu não estou tentando te afastar — se defendeu. — Eu gosto quando você fica aqui, só estou dizendo que não precisa ficar o tempo inteiro se não quiser.

—É o último dia que posso fazer isso, de qualquer forma — comentei. — Preciso voltar a assistir às aulas amanhã.

Zero fechou o rosto, e esticou os braços, se espreguiçando.

—Eu vou morrer de tédio sozinho.

—Você não estava reclamando? Se decida.

—Eu quero voltar logo.

—E eu quero que você volte logo.

Deitei a cabeça de lado, no travesseiro onde Zero estava deitado. Ele passou a mão pelo meu cabelo, fazendo cafuné por uns segundos até que eu entrelacei minha mão na dele para a tirar do meu cabelo.

—Fazem três dias que eu não penteio o cabelo. Você não quer fazer isso, acredite — avisei.

Nos dias em que Zero estava mal, ele sempre pedia por alguma forma de contato físico. Sempre queria que eu segurasse sua mão ou acariciasse seu cabelo, ou apenas mantivesse minha mão nele enquanto ele dormia.

Mas o hábito continuou mesmo quando ele foi melhorando.

Embora eu gostasse, era quase que torturante mantê-lo assim tão perto, sem poder beijá-lo ou realmente dizer o que eu sentia em voz alta.

Eu queria dizer, mas, mais do que o medo de estragar tudo, aquele era o último momento do mundo em que eu poderia estressar Zero ou colocar algum tipo de pressão emocional nele.

Fiquei pensando no que Alice me disse, e eu estava decidido em contar, mas nunca parecia o momento certo.

E o que eu falaria?

Parecia tão óbvio e tão surpreendente ao mesmo tempo que eu não sabia qual reação esperar.

Eu simplesmente não sabia se deveria interpretar as ações de Zero como ele tendo sentimentos românticos por mim ou se éramos apenas amigos muito próximos e ele não fazia nenhuma ideia do quanto eu queria ser mais que aquilo.

Pensei em quanto estávamos próximos nos últimos dias, em todos os sentidos da palavra.

Se havia um momento para confessar meus sentimentos, o momento era aquele.

Olhei para minha mão, entrelaçada com a de Zero.

—O que foi? — perguntou, percebendo meu silêncio repentino.

Tentar imaginar qual seria a reação dele não faria nada além de me deixar nervoso.

Eu precisava arriscar.

—Você é tão irritante — reclamei.

—Você também. Por que a ofensa repentina?

Mas, mesmo você me irritando tanto... — continuei, e as palavras travaram.

Respirei fundo.

—Você sabe, não sabe? — perguntei. — Que eu estou apaixonado por você.

Eu havia imaginado uma série de reações possíveis que Zero poderia ter. Mesmo com a imprevisibilidade da situação, eu achei que estaria preparado.

Mesmo assim, ele conseguiu me surpreender.