Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 14- Zero


Zero

No banco de trás do Uber, Eros tentava me convencer de que ele estava completamente sóbrio.

Ele falava, e falava, e falava. Quanto mais Eros embolava as palavras e se perdia no sentido, mais nervoso eu ficava. A adrenalina de ter conseguido finalmente entrar no celular de Davi tinha o deixado menos fora do ar, mas acho que era essa mesma adrenalina que não o permitia calar a boca.

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Eu queria gritar para ele parar. Minha mente estava girando, como se todas as coisas estivessem acontecendo ao mesmo tempo, e não importava o quanto eu tentava me focar em qualquer outra coisa que não fosse a sensação de insegurança de Eros estar bêbado do meu lado, ou do medo do que veríamos no celular, era como se eu estivesse preso em um loop.

A voz de Eros era como uma música de fundo irritante que eu não conseguia abaixar o volume, mas eu não confiava em mim o suficiente para o pedir para ficar quieto sem ser grosso.

Eu não poderia ter ficado mais feliz de quase todos estarem dormindo -ou, pelo menos, em seus quartos- quando chegamos, porque significava que Eros precisava falar baixo para não acordar ninguém. Provavelmente foi a mudança de ambiente que o fez perceber que eu não estava participando naquela conversa, porque foi parando de falar aos poucos.

Eu estava dividido entre pedir desculpas um milhão de vezes e me fechar na minha própria culpa. No bar, eu o prometi que nada mudaria entre nós. No entanto, eu estava, novamente, falhando em agir naturalmente com ele.

Assim que subimos, Eros se jogou no colchão que havia colocado no chão e murmurou algo, reclamando, o rosto abafado pelo travesseiro.

Eu fui direto até o computador, mas suspirei e virei para Eros, no colchão do outro lado do quarto.

—Você precisa tomar banho — falei.

Eros se virou no colchão até que estivesse de frente para mim.

—Mas eu estou com sono — reclamou, o tom de voz de uma criança birrenta. — Você vai mexer no computador? — perguntou, confuso.

—Eros. O celular. Lembra? Eu consegui entrar.

—Ah, é. Verdade — murmurou. — Eu… estou indo aí te ajudar. E tomar banho também. Só… — colocou o braço em cima dos olhos — daqui a pouco.

Eros ficou em silêncio novamente, e eu suspeitei que tivesse caído no sono.

Eu tinha planos de acordá-lo, mas também não gostava da sensação de ter alguém bêbado e quase inconsciente perto de mim. Não quando todas as minhas memórias que envolviam pessoas bêbadas também envolviam minha mãe. Às vezes desmaiada no sofá com caras desconhecidos e drogas espalhados pela casa, ou me batendo e me falando como eu era o culpado por tudo aquilo.

Conscientemente, eu sabia que, não importava quão bêbado Eros estivesse. Sabia que ele nunca me machucaria.

Mesmo assim, era uma sensação tão intrusiva e instintiva, a de ficar alerta e esperar algo dar terrivelmente errado.

Respirei fundo, me forçando a deixar esses pensamentos de lado. Deixei a cadeira do lado do computador e fui sentar do lado de Eros, que dormia jogado no colchão.

Eu tinha descoberto por conta própria que acordar Eros encostando não era uma boa ideia- ele ficava assustado e desorientado. Qualquer tipo de toque que o pegava de surpresa parecia o deixar assim. Imaginei que talvez tivesse a ver com o que aconteceu com ele e com a irmã, mas nunca perguntei. Também nunca perguntei sobre as coisas que ele falava dormindo.

Felizmente, o sono leve de Eros me permitiu o acordar apenas chamando algumas vezes.

—Eros, não me faça ter que te arrastar até o banheiro, nós dois sabemos que isso não vai dar nada certo — falei, e ele abriu um sorriso sonolento.

—Você ganhou — murmurou, e levantou tropeçando.

—Espera, espera — falei, e Eros virou. Eu estendi a mão, forçando um sorriso — Você vai ter que me ajudar a levantar daqui. Sem cair também, de preferência.

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Eros segurou minha mão e me puxou para cima, antes que eu pudesse falar “devagar! ”.

Tudo ficou escuro por uns segundos.

As coisas voltaram a ter foco bem devagar, minha consciência voltando aos poucos. Eu não havia desmaiado, mas tinha chegado muito perto.

Senti a mão de Eros passando pela minha cintura, me segurando.

—Eu deveria ter imaginado que isso aconteceria — falei.

Ele me olhava intensamente, preocupado, os cabelos loiros caindo pelo rosto.

Eu não estava familiarizado com a sensação de confiar em alguém, mas me sentia estranhamente seguro com Eros me segurando daquela forma.

O que, essencialmente, me levava de volta a pergunta estúpida que tínhamos desenterrado no planetário:

O que realmente sentíamos um pelo outro?

Eros soltou uma risada nervosa, desviando o olhar do meu.

—Posso soltar? — perguntou.

Assenti, me assegurando de que estava bem novamente, apesar do coração acelerado.

—Você é tão estupidamente alto — Eros murmurou, me soltando e indo até o banheiro.

Voltei para o computador e o levei comigo até a cama, ficando mais confortável. Mandei mensagem para Alice, contando a ela que havia conseguido entrar nos arquivos. Também contei que Eros estava bêbado e quis contar falar o que quase havia acontecido no planetário, mas assumi que desabafar sobre Eros com a melhor amiga dele não era uma escolha muito sábia.

Eu estava anormalmente agitado e ansioso, um milhão de coisas insistindo em passar pela minha mente sem permissão.

Precisava desesperadamente me acalmar e, mesmo sabendo que aquela não era exatamente uma atividade relaxante, voltei minha atenção para o computador, acessando as mensagens de Davi.

Olhei as últimas mensagens recebidas, mas não havia nada de estranho. Perguntei para Alice sobre as mensagens que ela havia mencionado, se ela tinha certeza e se lembrava do horário. Não havia nenhuma mensagem nas últimas 24 horas antes de Davi desaparecer.

Apagadas.

—Isso é tão estúpido — murmurei, frustrado. Eros saía do banheiro bem no momento.

—O quê? — perguntou.

Olhei para o garoto, que estava com o cabelo molhado e apenas de short.

—Dá para colocar uma roupa primeiro? — falei, tentando não olhar.

Eros me olhou, confuso.

—Você me vê sem camisa o tempo todo.

Abri a boca para falar “É, mas agora é diferente” e felizmente percebi o erro que seria antes que as palavras saíssem.

Dei de ombros, e contei sobre as mensagens apagadas.

—Toda vez que eu penso que chegamos em algum lugar, me dou de cara com outro maldito beco sem saída. E agora vou ter que tentar recuperar essas porcarias de mensagens, e…

—Primeiro, — Eros interrompeu, e eu vi sua mão indo em direção ao meu pulso, no monitor cardíaco que eu esquecia que usava — acho que você deveria ir deitar. Dormir um pouco, de preferência. Seu coração está muito acelerado até para você. E… — ele olhou para meu braço novamente — você está tremendo?

Puxei meu pulso rapidamente, escondendo o monitor.

—Eu estou acostumado — murmurei, fechando a cara.

Mesmo assim! Vai fazer 24 horas desde a última vez que você dormiu.

—Não estou com sono — falei, mas vendo a expressão preocupada de Eros, tentei suavizar a situação. — Eu vou dormir assim que conseguir recuperar as mensagens apagadas. É sério. Além do mais, a gente não tem todo o tempo do mundo. Daqui a pouco vamos ter que voltar para o Instituto.

Ele não parecia feliz com a resposta, mas deu de ombros. Eros sentou no colchão, do lado da cama onde eu estava, e pegou o celular.

—Eu vou te esperar acordado, então — avisou, irritado.

Eu conseguia ver o quanto seus olhos estavam pesados, e abri a boca para falar que ele não deveria, mas fui interrompido.

—O quê? — falou. — Você vai falar que eu deveria ir dormir? Que eu deveria fazer isso ou aquilo? Nem tenta. Você mesmo nunca me escuta, de qualquer forma — reclamou, e cruzou os braços.

Eu sabia que era verdade. Sabia que ficava agressivo ou evasivo todas as vezes que Eros mostrava preocupação. Eu estava tão acostumado a me virar por conta própria que era conflitante alguém me falando o que eu deveria fazer, mesmo que seja um conselho de alguém que está preocupado comigo.

Em menos de 15 minutos, Eros havia dormido sentado, apoiado na cama. Não protestou quando eu o acordei suavemente e o disse para deitar direito.

Me arrependi imediatamente, porque assim que ele estava dormindo na própria cama, longe de mim, comecei a ficar ansioso novamente. Minhas mãos tremiam enquanto eu digitava, e eu conseguia sentir meu coração batendo contra meu peito.

Estava quase conseguindo recuperar as mensagens, quando me assustei ao ouvir uma batida na porta.

Olhei para o corredor e vi Erick, jogando em um Nintendo switch, com roupa de dormir e um olhar sonolento.

Mudei a tela do computador para a tela das mensagens.

—Eu vi a luz acesa — murmurou. — Pensei que o Léo estivesse acordado.

—Jogando o quê? — perguntei, tentando o distrair.

Erick sorriu e me mostrou a tela do videogame.

—Animal Crossing. Posso… — Erick olhou para baixo. — Posso ficar aqui um pouco?

Achei a pergunta inusitada.

—Você está literalmente na sua casa.

Ele foi até o colchão onde Eros estava dormindo e sentou, prestando atenção no jogo, mas eu sabia que conseguia ver a tela do computador.

—O que você está fazendo? — perguntou.

—Tentando recuperar os dados do meu celular antigo que eu perdi — falei, e logo depois pensei que andar com Eros estava me deixando um mentiroso melhor do que o normal.

—Ah — Erick respondeu, e voltou a prestar atenção em seu jogo.

Eu não tinha certeza se conseguia conversar com ele e prestar atenção no computador ao mesmo tempo, mas eu precisava achar formas de me manter na realidade. Principalmente com Erick ali acordado, eu não poderia me permitir perder o controle.

—E você, acordado ainda por quê? — perguntei.

Ele ficou em silêncio por uns segundos até que virei o rosto para o ver encolhido, tímido.

—Se eu te contar uma coisa, você promete não contar para o Léo?

Me virei, analisando a situação. Eros sabia me ler como ninguém e eu já me conhecia para saber que não era bom em manter informações dele.

—Depende — foi o que respondi. — Por que eu não deveria contar?

Erick deu de ombros.

—Você sabe como o Léo é. Qualquer coisa, ele surta. Eu só não quero deixar ele preocupado.

—Nesse caso, pode falar. Mas ele tem o sono mais leve do que você imagina, então não garanto que esteja dormindo com a gente falando.

Erick sorriu e olhou para o irmão, conferindo, mas logo eu me lembrei que a bebida deveria ter deixado o sono de Eros mais pesado, porque ele não havia acordado com o barulho da porta.

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—Eu não sei… — Erick disse, baixo. — É só que… é besteira minha. Eu sei que é. Mas eu fiquei feliz que a gente veio aqui esse final de semana. Eu tenho me sentido tão esquisito lá no Instituto.

—Difícil de se adaptar?

Ele juntou as sobrancelhas.

—Não. Quer dizer… sim. Sim, mas não é isso. É só… não sei, acho que o nervosismo está me deixando doido. Mas eu posso jurar que estou sendo observado — todos os meus músculos se tensionaram assim que ele falou, mas tentei não transparecer o nervosismo. — Eu sei que é paranoia, mas... mesmo assim, é tão ruim.

Eu não conhecia Erick o suficiente para dizer se aquilo poderia ser da cabeça dele ou não. Mas a imagem do homem observando Eros em múltiplas ocasiões era o suficiente para me fazer ter medo por Erick.

—Por isso você veio aqui no quarto?

Ele assentiu, envergonhado.

—É. Eu não tenho essa sensação aqui em casa, mas… é algo como se lembrar de um pesadelo. Eu só quis ver se vocês estavam acordados.

Eu sabia que o que eu estava prestes a dizer não ajudaria nada na paranoia do garoto, mas eu precisava falar.

—Erick, você acha que tem a possibilidade de realmente estar sendo observado?

Ele balançou as mãos um pouco, como se dissipasse uma onda de energia.

— Sim — falou, derrotado. — É que… hum… não sei, depois do que aconteceu com o Eros e com o Henrique uns anos atrás, acho que não tenha uma pessoa nessa família que não seja levemente paranoico.

—Henrique? — perguntei, confuso.

—Gêmeo de Hugo — respondeu, e eu me lembrei do que havia lido na internet sobre um dos sequestradores ter sido um dos irmãos.

—Foi ele que…?

—É — Erick interrompeu, como se não quisesse que eu terminasse a frase. — É só… minha mente imaginando coisas. Acho que o Léo se sente assim também, às vezes. Não sei, ele não fala sobre comigo.

Olhei para Erick encolhido, e pensei em como ele estava desabafando comigo apesar de não sermos tão próximos, e em como a situação com Eros deveria ter afetado o resto da família também.

—Então vocês nunca falaram sobre? — perguntei.

Erick negou.

—Não. Eu tentei, mas… — suspirou, frustrado. — É inútil, de qualquer forma. Todos nós passamos pelo trauma de perder Wendy, mas… Léo estava lá. É egoísta eu ficar com raiva por ele nunca ter me deixado perguntar as coisas que quero perguntar.

—Não é egoísta. É normal querer dividir essas coisas. É normal querer que quem a gente gosta confie o suficiente para compartilhar as coisas — respondi, quase que fisicamente sentindo o peso da hipocrisia nas minhas palavras.

Erick concordou com a cabeça.

—Eu realmente queria que ele confiasse em mim. Mas, ao mesmo tempo, meio que entendo. Fazem anos e ainda é difícil processar que, de uma vez, a gente perdeu dois irmãos. Eu meio que confiava no Henrique, sabe? O que me dá até nojo de falar agora.

Erick bocejou e pegou o videogame novamente.

—Desculpa por te perturbar essa hora — falou, se espreguiçando.

—Pode falar comigo sempre que quiser. Mas, Erick, eu preciso que você me faça um favor — falei, lembrando o motivo daquela conversa ter começado.

—O quê?

—Você precisa me avisar quando sentir que estiver sendo observado. Só por precaução. Eu realmente preciso que você faça isso. Tudo bem?

Ele assentiu com a cabeça.

—Não precisa, mas…

—Mas você vai avisar — falei, mantendo a voz firme.

Era fácil esquecer que, mesmo já estando na faculdade, Erick ainda era praticamente uma criança, e eu diria que um tanto inocente. Ele não brigou ou reclamou. Dei meu número de telefone para o garoto e o fiz prometer me mandar mensagem.

Erick começou a levantar, mas Eros se mexeu na cama.

—Dorme aqui — sussurrou, quase que reclamando pelo garoto estar saindo.

Erick não respondeu, e Eros o puxou devagar até que os dois estivessem deitados no mesmo travesseiro. Consegui ouvir Eros falar, baixinho: — Me desculpa, Lelo. Você sabe que eu te amo. Não sabe?

Erick abriu um sorriso fechado e respondeu:

—Você precisa parar de me chamar de Lelo, eu não sou mais uma criança.

—Se você reclamar, eu juro que posto uma foto sua bebê na internet com “Lelo” na legenda.

Assumi que, se Eros havia ouvido a parte da conversa que Erick não queria que ele ouvisse, decidiu apenas ignorar. Mesmo que não tivesse, eu sabia que precisaria contar uma hora ou outra.

Olhando Eros ali deitado, os cabelos molhados, e implicando com o irmão, eu simplesmente sabia que não poderia deixar nada de ruim acontecer com ele.

Mas também me sentia estupidamente indefeso diante da sensação horrível que se instalou depois do que Erick tinha dito.

Eu queria proteger eles, mas não sabia como. Também tinha falhado em proteger Davi.

Menos de cinco cliques depois, consegui recuperar as mensagens.

Minha pele ficou gelada e eu mal conseguia focar nas palavras enquanto lia as últimas mensagens, de um número desconhecido.

“Eu espero que você esteja satisfeito

Parabéns, Davi

E agora, o que você vai fazer?

Sabe, era até que divertido te observar se iludir pensando que você era esperto o suficiente para que eu não te descobrisse

Mas acho que vai ser mais divertido ainda agora que eu te achei

Eu realmente espero que você esteja feliz

Porque você não vai ficar nada feliz com o que vou fazer com você :) ”

Eu queria vomitar. Ou gritar. Eu sabia que tudo o que havia acontecido levava inevitavelmente à conclusão de que ele, obviamente, não tinha se matado e que havia alguém por trás daquilo tudo. Nada disso era novidade.

Mesmo assim, ver a mensagem ali, tão fria e direta, assinada com uma carinha feliz, fazia meu estômago revirar.

Fui no número que enviou, sem foto e não salvo nos contatos. Assim que peguei o celular e liguei, recebi a mensagem de que o número não existia. Tentei jogá-lo em todos os bancos de dados que eu tinha conhecimento, e nada.

Um número temporário. Como esperado, a pessoa não era estúpida o suficiente para usar o próprio número.

Todos os pensamentos giravam na minha mente, se embolando- a imagem de Davi morto, e as dúvidas sobre o passado de Eros, e minha mãe desmaiada no sofá. O passado, o futuro e o agora, me esmagando lentamente.

Aos poucos, era como se eu estivesse sendo enfiado embaixo d’água. Como se os pensamentos que me atormentavam agora estivessem se afastando. Ainda lá, mas tão longe que eu mal conseguia sentir.

Eu conhecia aquela sensação. Começou como uma medida de defesa. Foi como eu sobrevivi durante longos anos, me desligando da realidade em momentos de estresse. Era útil quando eu precisava me dissociar da dor o suficiente para ligar a emergência no meio de um ataque cardíaco, ou quando precisava parar de ouvir as coisas que minha mãe falava.

Mas eu fui perdendo o controle, me dissociando um pouco mais a cada vez que precisava me desligar, não sabendo como voltar para a realidade, não controlando quando acontecia.

Desejei tanto desaparecer que, de vez em quando, desaparecia.

Era como me observar de longe. Não importava o quanto eu tentasse me forçar a focar nas sensações ou o quanto tentava me obrigar a falar algo ou me mexer, ainda me encontrava ali, com as emoções e sensações completamente desligadas.

Eu sabia que precisava chamar Eros, mas estava tão confuso que tudo que conseguia fazer foi olhar ao redor e me perguntando por que as coisas pareciam tão estranhas.

Sentir era horrível. Não sentir era pior.

Eu sabia que estava sendo cruel comigo mesmo, mas me forcei a propositalmente lembrar de coisas que eu sabia que seriam gatilhos, que eu sabia que me fariam sentir qualquer coisa, até que o nó na garganta se tornou tão sufocante que meu corpo não teve nenhuma outra opção a não ser começar a chorar.

Eu me encolhi, segurando os joelhos com os braços, soluçando. Não sabia quando conseguiria parar de chorar, mas deixei que o desespero viesse, e deixei que a dor viesse.

Eros acordou quase que imediatamente. Ouvi ele tropeçando, sentando na cama na minha frente.

—Zero? — chamou, assustado.

Ele colocou meu rosto entre suas mãos.

—Zero, eu preciso que você me diga se eu tenho que sair correndo e te levar para o hospital ou não — falou, firme

Balancei a cabeça negativamente.

—Zero, eu estou falando sério — repetiu. — Tem certeza?

Consegui me forçar a falar entre os soluços:

—Sim. Tenho — precisei respirar uns segundos, tentando colocar as coisas em palavras. — Fisicamente bem — murmurei.

—Nesse caso, — Eros sussurrou, levemente acariciando minha bochecha, sem se importar com as lágrimas — o que eu posso fazer para ajudar?

—Não sei — respondi, e solucei novamente. Estávamos sentados na cama, um de frente para o outro.

Eu não estava acostumado a desmoronar daquela forma na frente de alguém.

Ele moveu a mão até meu ombro e, antes que ele me puxasse, eu mesmo o abracei, segurando firme nas suas costas e apoiando o rosto em seu ombro. Ele tirou meus óculos com cuidado e afastou alguns cachos que caíam no meu rosto.

Eros me segurou com força, como se a intensidade do seu abraço pudesse anular todas as coisas ruins. Me deixei acreditar que realmente podia.

Mesmo depois que parei de chorar, continuamos ali, em silêncio, por uns bons minutos.

—Eu vou lá pegar água — Eros sussurrou. —Você definitivamente deve estar desidratado agora. Tudo bem?

Eu não queria que ele me soltasse, mas concordei, e deitei no travesseiro, sonolento.

Fechei os olhos e ouvi o barulho de Eros saindo.

Cochilei por uns segundos e só acordei com ele colocando a mão no meu ombro gentilmente, com uma garrafinha de água na outra mão.

Peguei a garrafinha, e Eros forçou um sorriso triste.

Eu queria o abraçar de novo.

Ao invés disso, na hora que ele foi levantar da cama, segurei seu braço gentilmente.

Minhas defesas estavam tão baixas que eu nem me importei com o que estava prestes a dizer.

—Você pode ficar aqui? — pedi.

Ele me olhou, confuso.

—Eu não vou a lugar nenhum.

Eu me empurrei um pouco para o lado, abrindo espaço na cama.

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Aqui.

Eros ficou em silêncio por uns segundos, me observando.

Então se aconchegou do meu lado e murmurou:

—E desde quando eu sei dizer não para você?

Dormimos um de frente para o outro, os braços se encostando, mas relativamente distantes. O que explica meu susto quando acordei e percebi que estávamos entrelaçados em um abraço bagunçado.

O braço de Eros passava pelo meu ombro, e eu estava para baixo do travesseiro, com o rosto da direção de seu peito, segurando sua cintura.

Puxei meu braço, me encolhendo para longe com vergonha. Eros acordou com o movimento, e me olhou sonolento por uns segundos.

Então ele soltou uma gargalhada.

—Esse definitivamente não é o contexto que eu imaginei quando pensei em acordar de ressaca e abraçado com você — disse, como se fosse a situação mais absurdamente engraçada do mundo. — E sem camisa. Meu Deus, se eu contar que não aconteceu absolutamente nada, ninguém vai acreditar.

Eu sorri, mas gaguejei tentando achar as palavras no meio de tanta vergonha.

—Não me olha assim — ele falou. — Foi você que me abraçou de madrugada.

—Eu- o quê? — perguntei, incrédulo.

—Zero, você subestima o tanto que é grudento.

Tampei o rosto.

—A gente pode fingir que isso nunca aconteceu?

—Zero, você vai precisar fazer mais comigo para poder falar essa frase com dignidade — respondeu, o bom humor e o sarcasmo escapando pela sua voz.

Eu não me aguentei e ri, destampando o rosto e olhando para Eros, que sorria com os olhos inchados de sono.

O empurrei devagar com o cotovelo.

—Você pode, pelo menos, fingir que não está gostando tanto dessa situação?

—Desculpa, desculpa — falou, sentando na cama, mas ainda sorrindo. — Nada demais. Dois amigos. Dormindo de conchinha. Durma de conchinha com o seu bro — brincou, enquanto levantava.

Me remexi na cama, ignorando a vontade de voltar a dormir e o enjoo por ter ficado muito tempo sem comer. Antes que eu pudesse reclamar comigo mesmo por ter esquecido de colocar meus remédios perto da cama ontem, para que eu pudesse pegá-los de manhã sem precisar me levantar, reparei na quantidade absurda de remédios que haviam espalhados na mesa de cabeceira.

Eros me viu olhando.

—Eu não sabia quais eram os de manhã, então eu joguei todos aí. Precisava me aproveitar da chance rara de eu lembrar de algo.

Soltei uma risada olhando a bagunça que ele havia feito.

—Você vai me ajudar a arrumar isso aqui de volta.

Ele cruzou os braços.

—Não ganho nem um obrigado?

—Obrigado, bagunceiro.

Eros trocou de roupa e então sentou na cama novamente, do meu lado.

Sua expressão estava séria novamente, um pouco desconfortável.

—Então, agora você vai me contar o motivo de ter chorado tanto ontem?

Senti meus ombros se encolherem.

Passei os olhos pelo quarto, e vi que Erick ainda dormia no colchão de baixo.

—Eu… — tentei, mas não consegui formular. — Acho que tudo. Não sei. Mas… hum… eu já estava meio… — parei, irritado comigo mesmo. ]

Minha habilidade de formular frases simplesmente havia resolvido desaparecer. Eu não conseguiria falar sobre ter lembrado da minha mãe, ou sobre o fato de ele estar sendo tão cuidadoso comigo me deixar tão inseguro. Não conseguiria falar sobre como quase ter beijado ele havia me deixado confuso, e nem sabia se queria tocar nesse assunto.

De todas as coisas, havia apenas uma que era inevitável de ser contada, o principal motivo por estarmos ali.

— O computador — pedi. Eros pegou e trouxe até mim.

Ele já havia entendido antes que eu mostrasse.

—Então você conseguiu recuperar as mensagens?

—É. E elas não eram nada agradáveis.

Coloquei na tela e entreguei o computador para Eros, que leu em silêncio. Ele continuou olhando para a tela do computador mesmo depois de ter terminado de ler.

—Isso é… isso é tão…

—Eu sei.

Eros levantou.

—Zero, seja quem for, essa pessoa sabe quem nós somos. A mensagem no quarto. Ela sabe. E se…? Eu… não. Não de novo. Não. Eu não consigo. Mas…

Eu conseguia ver o conflito interno acontecendo pelas suas expressões faciais.

—Eros, você não precisa se envolver nisso mais do que está envolvido se não quiser — foi o que eu falei.

Não — ele disse, imediatamente. — Não acho que eu tenho escolha agora, de qualquer forma. — Eros respirou fundo, ajeitando a postura, e olhou para as mensagens novamente. — Que horas você disse que viu Davi pela última vez mesmo?

Não entendi o motivo da pergunta, mas me forcei a lembrar para ter uma resposta exata. Me lembrei do relógio na parede, o ponteiro quase completando a volta.

—Alguns minutos antes de dar sete horas.

—As mensagens têm horários diferentes — Eros apontou. Eu estava tão abalado ontem que não tive tempo de olhar para nada daquilo. — As duas últimas foram enviadas seis e pouca. Vocês estavam juntos, não estavam?

—É. Arrumando as malas.

—Então ele provavelmente viu a mensagem e enfiou a pulseira na sua mochila por segurança. Ele estava te avisando.

—É, eu assumi que esse fosse o motivo mesmo — comentei, mas sentia que eu estava perdendo algo na linha de raciocínio de Eros.

—E se tiver algo na pulseira?

Pensei por uns segundos.

—Como uma mensagem ou algo assim?

—É. Algo feito para passar despercebido por qualquer pessoa que achasse que não fosse você.

Pensei por uns segundos.

Antes que eu pudesse falar algo, Eros já estava ligando para Alice.

Ele colocou no viva-voz.

—Alice, desculpa ser insensível, mas eu juro que tem um motivo. Você ainda tem a pulseira do Davi? — Eros perguntou, sem rodeios.

Enquanto ele falava, eu comecei a me perguntar se Davi já havia mencionado algo, qualquer coisa, que desse a entender que eu precisasse procurar algo na pulseira.

Agradeci silenciosamente minha habilidade de lembrar acontecimentos detalhados.

Eu conseguia me lembrar claramente de Davi, vestido com o uniforme, arrumando as malas enquanto ouvia um podcast alto. Tentei lembrar de seu pulso, a pulseira lá. Depois que fui ao banheiro e voltei, poderia jurar que a pulseira não estava mais lá.

O que ele me disse depois?

Que estava procurando sua blusa nova.

—Eu estou sempre perdendo as coisas.

—Terceira gaveta do guarda roupa — falei.

—Queria ter sua memória. Eu poderia te mostrar qualquer coisa por alguns segundos, e tenho certeza que você se lembraria. Principalmente quando se trata de números. Eu tenho que anotar tudo.

Tive sorte de ter você como meu colega de quarto — comentou, rindo. — Lembra daquele projeto nosso do primeiro semestre?

Foquei no “principalmente quando se trata de números”. Números.

—Alice? — chamei, me aproximando do telefone. — Você tem uma pulseira igual, não têm? — ela confirmou. — Coloca as duas lado a lado.

Peguei o telefone da mão de Eros, que observou em silêncio.

—Pode descrever elas para mim? — pedi. — Uma de cada vez.

Alice era pintora. Então ela era boa em descrições, o que ajudou.

As pulseiras eram feitas de pano com duas camadas de fios trançados, e eles encomendaram uma plaquinha com os próprios nomes. Eu não precisei nem falar para que ela percebesse que eu estava comparando uma com a outra. Antes que eu perguntasse se havia alguma diferença, Alice disse:

—A costura da dele é diferente. Parece que está… — ela parou uns segundos, como se analisasse novamente — ao contrário.

Tem que ter algo dentro. Eu sei que isso é algo importante para vocês, mas você acha que consegue…

—Rasgar? — ela interrompeu, antes que eu continuasse. — Já estou fazendo isso.

Se eu rasgar na costura, consigo colocar de volta depois. Só esperem um pouco enquanto eu tento fazer isso sem estragar completamente a pulseira.

Eu e Eros esperamos em silêncio, olhando um para o outro, enquanto Alice mexia na pulseira. Um minuto - que poderia muito bem ter sido uma hora - se passou.

—Zero! Zero, tem um papel. Eu vou te mandar foto.

—Não! — interrompi. — A gente não pode ter foto disso de forma alguma. Se ele se esforçou tanto para esconder, obviamente precisamos fazer o mesmo. Eu preciso que você me fale o que tem no papel sem me falar exatamente o que tem. Não dá para confiar em ligações.

—Um monte de números — foi o que ela disse.

—Algum padrão entre eles? — perguntei.

—Zero, eu sou de humanas. Eu não perceberia mesmo se tivesse.

—Quantos dígitos?

—Seis.

Eu estava tentando pensar em algum tipo de código que eu pudesse usar para fazer Alice me falar os números do papel sem me falar exatamente quais eram, mas decidi que era mais seguro ver pessoalmente.

—Tudo bem. Esconde isso e mantém o papel seguro até chegarmos de volta. A gente não faz ideia com que tipo de informação estamos lidando.

Como eu vou esconder isso?

—Você acha que consegue decorar os números? São só seis. Grava eles só por precaução. Como esconder, eu não sei.

Alice perguntou como chegamos à conclusão sobre as pulseiras, e eu decidi que era a hora de passar o telefone de volta para Eros.

“Conta você” ele fez com os lábios.

Balancei a cabeça negativamente. Eu era insensível demais com palavras para contar sobre as mensagens que achamos.

Eros e Alice ficaram no telefone por, pelo menos, umas duas horas.

Eu fui com Erick até o andar de baixo comer algo, e deixei os dois conversando.

Os outros dois irmãos de Eros começaram a sussurrar sobre mim, e não demorou muito até que eles viessem até a pequena mesa da varanda onde eu e Erick estávamos sentados.

Eu havia deixado a cadeira de rodas no andar de cima, ciente de que eu conseguiria me locomover pela casa de Eros sem ficar muito cansado, e dos milhões de sofás espalhados pelos cômodos. Já estava esperando ouvir alguém perguntar sobre. Eu só não contava com a agressividade dos irmãos de Eros.

—Então, você usa aquela cadeira para quê? É fingimento para as garotas sentirem pena de você? Eu faria isso — um deles falou.

—Aí, me empresta a cadeira algum dia para eu ver se consigo alguma buceta — o outro completou, rindo.

—Eu não teria tanto orgulho de admitir que, além de ser absolutamente burro, também não consegue transar por conta própria — respondi, desinteressado.

Erick me olhou, prendendo um sorriso.

—Não precisa se estressar, a gente só está brincando — o mais alto falou, sentando na mesa de frente para onde eu estava.

Todos os irmãos se pareciam, com os cabelos e cílios loiros, e olhos castanhos, mas todos os traços que deixavam Eros bonito pareciam deixá-los mais estranhamente desprezíveis.

As expressões de Hugo eram sempre um meio-termo passivo agressivo, mas algo me dizia que esses outros dois haviam herdado a mesma impulsividade de Eros.

Eles tentaram puxar uns assuntos aleatórios, mas a aproximação capacitista e machista já me dizia tudo que eu precisava saber para tomar a decisão que não queria socializar com eles.

—Por que é que os amigos de vocês são tão antipáticos, hein? — um deles reclamou, saindo da mesa.

—Talvez vocês devessem tentar começar conversas sem ofender ninguém. Acho que as pessoas seriam mais simpáticas, não? — reclamei.

Erick me olhava em silêncio.

—O que foi? — perguntei, baixo.

—Isso foi… hum… legal — Eu juntei as sobrancelhas, confuso. — Eles falaram assim comigo minha vida toda e eu nunca tive coragem de rebater — explicou, baixo.

—Eu fui assim também por muito tempo — comentei, lembrando o quanto costumava ficar calado ou rir junto de coisas que me ofendiam. — Não tem problema nenhum em ignorar se isso te faz melhor. Mas é necessário se defender às vezes.

—Eu sei — Erick falou, pensativo. — Vou pedir para o Leo me ensinar muay thai.

Soltei uma risada.

—Não foi isso que eu quis dizer. Quer dizer, é bom saber se defender, mas eu não usaria o Eros como exemplo nisso — falei. Ele não era muito de brigar fisicamente, eu só havia o visto bater em alguém duas vezes, e foi questionavelmente merecido. Mas Eros com certeza gostava de ameaçar em todas as oportunidades. — Ele luta? — perguntei.

Erick assentiu.

—Por que você acha que Eros não levou um soco na cara de Hugo ainda? — falou, rindo. — Ele é muito bom, na verdade. É meio assustador.

—Tem algo que esse garoto não saiba fazer? — reclamei.

—Matemática — Eros falou, aparecendo no corredor. — Fofocando sobre mim?

—É — concordei. — Fazendo seu irmão me contar seus segredos obscuros. Então você luta muay thai?

Eros deu de ombros e sentou em uma das cadeiras.

—É. Meu pai concordou em me deixar fazer aulas de ballet contando que eu entrasse no muay thai também. Acabou que eu não curti muito o ballet, na verdade. Mas ser uma vadia violenta compensou no muay thai. Eu podia gastar toda minha energia e, no tempo livre, ficar escondido com o treinador.

Soltei uma gargalhada, incrédulo.

—É sério? Você ficou com seu treinador? Meu Deus, você era maior de idade?

Ele virou para o lado, rindo.

Quase maior de idade. Mas ele nem era tão velho.

Virei para Erick.

—Eu disse que ele não é um bom exemplo.

—Tá bom, Sr. Certinho — Eros falou. — O importante é que eu sou responsável agora.

Erick ergueu a sobrancelha.

—Questionável.

—Lelo, você praticamente não saiu da chupeta ainda. Menos. — implicou. — E agora, na próxima rodada de Fatos Constrangedores, depois de eu ter admitido que fiquei com meu treinador, passo a palavra para você — disse, apontando para mim. — Vai.

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Eu dei de ombros.

—É difícil pensar em algo assim.

—Então eu te ajudo — Eros falou. — Com quantos anos você parou de assistir anime?

—Nunca?

—Constrangedor. Vez do Erick.

—Ei, ei, eu protesto! — Erick reclamou. — Anime não é constrangedor.

—Não para você, Lelo. Você tem 16 anos, é aceitável. Zero, tome vergonha na cara e tire o Naruto do seu papel de parede.

Continuamos a contar fatos bobos e aleatórios sobre nossas vidas, como se não houvessem traumas ou pesadelos, apenas três pessoas sentadas rindo dos seus próprios passados.

Quando voltamos à minha vez novamente, Eros virou para Erick e sussurrou:

—Me desculpa pelo que você está prestes a presenciar, mas eu preciso fazer isso.

Eros se debruçou contra a mesa, apoiando o braço na minha frente, perto o suficiente para que quase nossos rostos quase se encostassem.

Levantou a sobrancelha e perguntou:

—Garotos ou garotas?

Erick o empurrou de volta para a cadeira antes que eu pudesse falar qualquer coisa.

—Leonardo, não é assim que se pergunta a orientação sexual de alguém!

Ele levantou as mãos num sinal de rendição.

—Eu precisava perguntar.

Ser ousado não era algo que eu costumava fazer, mas aquele era o timing perfeito.

Eu pude ver a surpresa de Eros quando eu imitei o mesmo gesto que ele havia feito, e me debrucei para seu lado da mesa.

Ele me olhou, paralisado.

—Os dois — respondi. Meu coração estava acelerado, mas levantei uma sobrancelha tentando me manter corajoso. — Especialmente garotos que parecem que vão quebrar meu coração.

Eros gargalhou, delicadamente se afastando.

—Não! — reclamou, rindo. — Não tem graça quando é você que fica tímido.

Erick me olhou, confuso, e disse:

—Parabéns, você conseguiu deixar o ser humano mais sem noção do mundo constrangido. Isso é muito inédito.

Toda minha coragem havia murchado enquanto eu ria, o rosto completamente vermelho, arrependido. Apesar disso, eu gostava da versão de mim quando estava perto dele - uma versão um pouco mais espontânea e um pouco menos reprimida, que eu estava apenas recentemente começando a conhecer.

Conversar com Eros e Erick, sentados na mesa e rindo, era quase como entrar num universo paralelo. Um onde poderíamos fazer isso todo dia, despreocupados, como se nada no mundo pudesse nos afetar.

Meu telefone tocou e a alegria amarga que estávamos nos permitindo sentir sumiu tão de repente quando veio.

—Meu Deus, ainda bem que você atendeu! — Alice falou, a voz tensa. Eros ficou em silêncio, observando como meu rosto tinha mudado de expressão. — Eu liguei para o Eros umas trinta vezes, ele deve ter colocado esse estúpido celular no silencioso. Você está com ele agora?

—Sim.

Eu conseguia sentir o nervosismo na voz de Alice.

—Ele está bem?

Não entendi bem a pergunta.

—Sim. Eu… por quê?

Ela ficou em silêncio por longos segundos.

—Ah, meu Deus… — murmurou. — Vocês não viram, não é?