Legolas soltou um “ai” abafado quando Amandil, sem querer, puxou seu cabelo com o pente:

— Desculpe, querido, achei que tinha desembaraçado tudo – explicou-se a rainha, abaixando-se e abraçando seu amado pelas costas, o queixo apoiado no ombro forte, um sorriso no rosto que pouco ou nada mudara em cinco mil anos.

— Meu amor, eu entendo que isso seja um agrado, mas sou capaz de pentear meus próprios cabelos, sabe?

— Capaz, talvez, mas jamais ficaria bonito como agora! – retrucou a dama, referindo-se à impecável trança com a qual prendera as mechas frontais de Legolas, antes de assentar o diadema real de prata nos cabelos dourados.

Legolas se virou para sua esposa, apaixonado, mas antes que dissesse algo alguém bateu à porta. De imediato a dama se empertigou e respondeu:

— Entre! – a porta da sala íntima do casal se abriu, revelando a figura de cabelos claríssimos, olhos azul-escuros e rosto indizivelmente bonito e delicado de Aireen.

Lady Aireen

— Como estão minhas crianças? – perguntou a moça, numa provocação.

— Mãe! – Legolas se levantou e abraçou a dama recém-chegada, que se afastou um pouco para fita-lo:
- Amandil fez um belo trabalho em você. Parece mesmo um rei! – deu um beijo no rosto do filho e se voltou para a nora – e você, Idril... Consegue ser mais linda do que sua Arwen, Celebrían e Galadriel juntas!

— É muito gentil, majestade – a mulher morena fez uma reverência elegante, ao que Aireen protestou:

— Francamente, Amandil! Eu posso até ser a esposa de Thranduil, mas você é a Rainha da Floresta! Não é porque eu renasci, depois de séculos, que você me deve o tratamento oque me dava quando menina!

— Força do hábito, senhora. – sorriu a Senhora da Luz.

— Considerando minha idade, nesta vida, e nossas posições sociais, seria eu quem a deveria chamar de Senhora, portanto, sem formalismos.

— Como preferir... Mãe. – Aireen sorriu:

— Mãe me parece bom. – e abraçou a outra, enquanto Legolas perguntou:

— Por que não avisaram que viriam? Teríamos mandado preparar mais um quarto!

— Oras, acabaria a graça da surpresa! – respondeu a esposa de Thranduil – e Thranduil pode se virar um pouco, sem toda a pompa e aparato de que ele gosta e que eu abomino!

Legolas e Amandil riram: nada mudara. Aireen podia ter morrido e reencarnado, mas continuava exatamente a mesma, sempre obrigando Thranduil a ser mais simples e menos arrogante, colocando-o em xeque com sua língua afiada, e apoiando-o incondicionalmente nos momentos em que precisavam. Eram totalmente opostos, mas também complementares... O tipo de união perfeita que, como haviam provado ao mundo, vencia a própria morte.

— E por falar em Ada – começou Legolas – onde ele está?

— Ocupado com Alassë e Aeriel, no estábulo. Disse que ia cuidar de nossos cervos, mas é só uma desculpa para mimar as netas – sorriu Aireen – inclusive, elas me pediram para lhe avisar que já estão arrumadas para o pôr do Sol. – a dama revirou os olhos, rindo – estavam bem vestidas, mas aposto que terão feno e folhas nos cabelos, na hora da festa.

— Nada de novo sob o céu... – Leogolas ria do modo de ser das filhas, e a própria Amandil apenas fingia zanga. Pois como ficar brava com jovens tão meigas e doces que, mesmo com suas travessuras constantes, eram o orgulho da rainha? – Bem, vou pedir a uma aia que prepare o quarto para você e Ada! Devem querer descansar e tirar o pó da viagem!

— Tirar o pó seria ótimo – agradeceu a rainha-mãe – não sei como uma simples rajada de vento pode carregar tanta terra! Meus cabelos ficaram duros com tanta poeira!

— Por sorte eu me antecipei e mandei preparar quartos a mais – riu Amandil – afinal, convidados de última hora costumam aparecer... Especialmente meus irmãos. Então, senhora Aireen, já tem acomodações prontas à sua espera! – anunciou Amandil, feliz por ter tido aquela ideia mais cedo.

— Bem, foi uma ideia excelente, de fato, porque teremos uma convidada inesperada, que cruzou conosco na estrada e nos acompanhou até aqui. – informou Aireen.

— Quem? – perguntaram os senhores das Florestas Cinzentas.

— Lynn Eredir. Talvez a conheçam como a Peregrina das Montanhas. – sorriu a elfa de cabelos brancos – quando subi, parecia muito entusiasmada em ser recebida por Anárion, com o qual iniciou uma disputa de versos.

— Ai, meus Valar! – exclamou Amandil – quando esses dois começam, só Erú consegue separá-los!

— Bem, querida, ao menos a diversão estará garantida – riu Legolas – Lynn tem o dom de atrair alegria e sorrisos aonde vai.

— Não é ela quem me preocupa. É um certo Filho das Estrelas sem travas na língua que adora importunar a pobre moça! – virou-se então para Aireen – mandarei uma ama leva-la a seus aposentos. Com sua licença, preciso separá-los antes que a disputa de versos torne-se acirrada demais, ou serão duas ausências na festa! – bem, talvez esse fosse, mesmo, um dos motivos para a rainha sair correndo, mas o sorriso compreensivo de Legolas mostrava que ele conhecia a verdadeira razão por trás de tanta pressa: não era sempre que a Senhora da Luz recebia uma de suas maiores, se não a maior amiga que possuía, e que tão raramente dava o ar de sua graça.

*

— Lynn! – Amandil não se parecia nem um pouco com a respeitável dama que supervisionara todos os preparativos para a Festa das Luzes quando, ao ver sua amiga de tantos séculos, ergueu as saias acima do joelho e correu com gritinhos de alegria, sem nem se importar quando seu diadema caiu no chão gramado. O mesmo se deu com a trovadora, uma mulher de aparência jovem, mas nascida antes mesmo da queda de Morgoth; tinha cabelos louros que esvoaçavam ao sabor da brisa, presos para trás por tranças entrelaçadas, olhos azul-acinzentados que eram a um só tempo um enigma profundo e um espelho de alegrias. Tomaram uma à outra num abraço apertado de saudades, extasiadas com aquele reencontro inesperado!

Lynn Eredir

— Maluquinha! – Lynn usou o apelido que dera a Amandil quando a conhecera na coroação do Rei Elessar, após saber que a elfa se atirara junto a Sauron na caldeira fervente da Montanha da Perdição. O tempo passara, e a moça apenas ratificara o quão acurada era tal alcunha!

— Ventania! – Retrucou Amandil, sorridente: dera o nome à amiga devido ao fato de esta, qual uma lufada de ar, surgir do nada, desaparecer misteriosamente e sem aviso, e sempre agitar as coisas por onde passava!

— Bom ver que algumas coisas não mudam! – sorriu a elfa loira, afastando-se o bastante para observar melhor a amiga – linda como sempre!

— É fácil estar bonita passando os dias no palácio – sorriu Amandil, passando o braço pelos ombros da outra – gostaria de saber é como você consegue estar sempre linda, viajando por todos os lados!

— Tenho meus truques! – respondeu a Peregrina das Montanhas, com uma piscadela brincalhona – agora, “majestade”, por favor, vá receber seu sogro.

— Imagino se isso vem de uma preocupação genuína com meu sogro, ou se é derivado de interesse num certo mago de cabelo e barba castanhos... – provocou Elalmië, o que lhe rendeu uma cotovelada da outra.

— Boba! Anárion é só um menino!

— Se considerou a idade dele, é porque a hipótese passou por sua cabeça! Não negue, Ventania! – as duas amigas agora riam de pura alegria, enquanto a mulher loira empurrava a morena para dentro do estábulo. Ali, acompanhado de Alassë e Aeriel, Thranduil escovava seu estimado cervo. Cuidar de sua montaria era algo que ele decididamente não delegaria a qualquer outro, a não ser as duas meninas que paparicavam o animal com cenouras e capim-doce. Ao perceber a presença da nora, contudo, o elfo largou a escova e abriu um largo sorriso:

— Amandil! – abraçou-a com enorme carinho – sempre uma visão inspiradora, minha rainha!

— Ah, pare com isso, Thranduil! – protestou a rainha, sem deixar de sorrir – apesar de sua irritante insistência em me tratar com títulos formais, fico muito feliz que tenham vindo! Parece que a família está reunida! Ah, a propósito, Lady Aireen já está acomodada em aposentos devidamente preparados. Pode se juntar a ela para descansar um pouco.

— Descansarei depois de ver todos os meus filhos. – ele quase tropeçou ao ser abraçado pelas duas netas – embora não possa dispensar o mesmo tempo aos netos, já que isso levaria uma tarde inteira, para encontrar todos. – como se Alassë e Aeriel não pesassem nada, ergueu as duas alguns centímetros do chão, apenas para fazê-las rir – meninas, com sua licença, tenho que procurar seu pai e sua tia Tauriel.

Alassë

Aeriel

— Não precisa mais, Ada – uma mulher ruiva entrou no estábulo, seguida por um cavalo baio. Não mudara nada nos últimos cinco mil anos, a exemplo dos demais, e recebeu o pai com enorme alegria. – Surgindo do nada, assim? Andou aprendendo com Lynn!

Amandil apenas fitava a cena, feliz: desde que Aireen retornara à vida de Thranduil, ele tornara a ser o homem que a elfa conhecera quando menina, e ainda mais alegre! E apesar dos problemas que vinham enfrentando com o mundo externo – especialmente os humanos – os momentos de reunião familiar faziam a vida parecer perfeita.

— Onde estava, Tauriel? - perguntou Amandil – procurei por você a manhã inteira!

— Rastreando sua sobrinha mais velha, que quis provar ao irmão ser uma caçadora tão boa quanto ele e foi atrás de um javali.

— Como ela está? – perguntou a rainha, subitamente preocupada, o que fez sua conselheira cair na risada:

— Teremos javali, hoje à noite, e Thorin perdeu uma aposta.

— Sério? – um sorriso maroto e algo maldoso surgiu nos lábios de Aeriel – com licença, vovô, mãe, tia... Lynn. Preciso ir atrás de meu noivo e fazê-lo engolir isso! – a moça desapareceu em passos rápidos, deixando todos rindo de seu entusiasmo.

— Certo, Melian estava caçando, e imagino que tenha querido levar o javali até as cozinhas por conta própria. E Anairë?

— Ajudando a irmã a carregar o javali. Embora, honestamente, seja Melian quem está carregando a caça E Anairë.

Melian

Anairë

Alassë revirou os olhos: já perdera as contas das brigas com Thorin e Melian para que NÃO caçassem nas cercanias; uma vez que ela era senhora dos animais, e o primo o senhor da caça, mais de uma vez seu tio Kili e seu pai haviam precisado literalmente separá-los em suas brigas de socos e chutes.

— Alassë – começou Thranduil – sabemos que não gosta da morte de animais, mas sabe que esta é a lei da natureza. Tudo na floresta tem um tempo para viver, e também para morrer; a caçada nos torna parte das cadeias que controlam a vida da floresta, tornando-nos caçadores, mas também presas. Um javali macho é muito capaz de matar um caçador com seus chifres, e assim...

— O equilíbrio é mantido. Eu sei, vovô. – suspirou a mais velha da segunda geração Elenië. Como o Lorde da Floresta antes de Legolas, Thranduil compreendia as leis que regiam o mundo natural, e fora responsável por considerável parte do treinamento da jovem Filha das Estrelas. – Mas não me sinto muito mais feliz sabendo que meus primos podem morrer em uma dessas loucuras que gostam de cometer.

— Eles sabem se cuidar – Lynn deu um beijinho na testa de Alassë – agora, que tal me mostrar meu quarto? Eu realmente preciso vestir algo decente!

As duas elfas deixaram os estábulos, e pouco depois foi a vez dos demais. Com a tarde caindo e o Sol indo se esconder em breve atrás dos montes, logo seria o momento de todos se reunirem no Grande Hall, quando a Senhora da Luz evocaria o brilho das estrelas para acender cada um dos cristais cintilantes posicionados em todo o palácio, o qual se acenderia como uma grande joia prateada, suas sete torres convertidas em flamejantes pináculos brancos.

*

Lynn Eredir desceu as escadas rumo ao Grande Salão, encantada com o modo como os últimos raios de Sol douravam toda a estrutura do palácio de gemas cristalinas; é claro que já estivera ali muitas vezes antes, mas certas belezas jamais se tornavam enfadonhas! E nunca havia passado uma Festa das Luzes tão especial naquele local: como sempre, ocorria no dia do Equinócio de Outono, mas esta seria uma noite de Lua Cheia! Ou seja: Sol, Lua e estrelas apresentar-se-iam em toda a sua glória num único dia!

Encantada com a mágica luz dourada que banhava todo o espaço, alisou a seda de seu vestido roxo – bordado com dezenas de minúsculas estrelas prateadas – e pôs atrás da orelha uma mecha rebelde; sua imagem refletiu no cristal, e ela sorriu em aprovação: conseguira um bom resultado com apenas um banho, roupas limpas, um pente e alguma paciência. Amandil cortesmente lhe fornecera joias, maquiagem e adereços para os cabelos, mas a trovadora não fazia o tipo excessivamente vaidoso: prezava a própria aparência natural, e verdade era que não havia motivo algum para não o fazer.

O Hall principal estava lotado: todos os que viviam na Cidade das Estrelas – mais ou menos mil pessoas – se haviam reunido no grande salão abobadado, por cujo cimo penetravam as últimas luzes diurnas em matizes cor de ouro, avermelhadas, alaranjadas e róseas; a mente de Lynn já trabalhava apressada, compondo versos em verdadeira enxurrada de inspiração por tanta beleza: os sete pináculos haviam sido projetados de modo a refletir a luz que incidia em sua superfície diretamente sobre o domo, a fim de captar completamente a luz dos astros. E quão magnífica era tal visão!!! Não parecia menos fascinante para os que a tinham quase todos os dias, pois um mar de olhares fascinados contemplava o ouro líquido que parecia escorrer pelas paredes naquele momento, quando a barreira mágica era baixada e deixava de filtrar a luminosidade, permitindo que este se exibisse em todo o seu esplendor.

— É magnífico – sussurrou para si mesma, encantada, antes de tentar alguns versos improvisados, apenas para testar sua sonoridade:

— Laivos de Sol em pináculos dourados,

Cravos de prata com ouro coroados,

Qual chuva escorrem na pedra cintilante,

Domo eterno de puro diamante... – Não era o ideal, mas servia de base para alo que poderia ser aperfeiçoado até a hora de cantar...

— Como água da pedra a escorrer,

Fios de luz que se faz entretecer,

Timidamente descem para banhar

A pura beleza que ao Sol faz corar. – Eredil foi surpreendida pelos versos declamados na voz que tão bem conhecia: Anárion. Voltou-se e fitou o bardo, que nesta noite trocara a túnica e calças marrons gastas por uma camisa de linho branco com gola em V, calças brancas e colete azul-escuro, que combinava perfeitamente com seus olhos. Tinha os cabelos penteados, por algum milagre, e a barba cuidadosamente aparada em um comprimento decente, em vez de se assemelhar a um anão recém-saído de uma batalha, e seu sorriso era algo um tanto contagiante ao fitar a trovadora – boa noite, milady.

Anárion

— Anárion – sorriu a elfa – não sou uma lady, sabe disso – era a mentira mais deslavada do mundo, mas ninguém precisava saber disso, a não ser os que já sabiam. – mas agradeço por seus versos. – ela o fitou com algum atrevimento e provocou – quem seria esta beleza capaz de ruborizar o Sol?

— A sua, minha senhora. – disse ele, franco e direto – costumeiramente temos entardeceres dourados, mas hoje o astro-rei sente-se tímido e constrangido por não poder competir com sua beleza, então tinge-se de rubro.

Ela ia retrucar, mas neste momento a última pessoa chegou ao salão: a Senhora da Luz, envergando um vestido que era a própria encarnação do céu noturno com sua cor azul-ébano e milhares de estrelas prateadas em tamanhos variados. No decote, uma Lua branca, enquanto longa cauda se arrastava atrás da rainha, bem como as mangas longas. Os cabelos estavam presos em uma coroa de tranças às quais estrelas de cristal haviam sido presas, mas nenhuma outra joia adornava a dama, além do Cetro das Estrelas – um objeto esculpido em marfim branco, em cuja ponta cintilava um cristal mesclado de azul e prata. E se no dia a dia Amandil fazia o possível para se misturar às outras pessoas como apenas mais uma elfa comum, agora ficava bem claro quem realmente era: a herdeira de Varda.

vestido Amandil

Lynn Eredir sorriu misteriosamente: a maioria ignorava completamente como agia a “incompreensível” magia da Senhora, mas ela, uma elfa mais antiga do que todos os demais presentes, familiarizara-se bastante com forças superiores benignas e malignas. Pudera vê-las em confronto, nos tempos de Morgoth, e adquirir entendimento que fora restrito a poucos. Era por isso, principalmente, que admirava Amandil: porque a compreendia, e sabia o quanto custava à mulher simplesmente ser o que era. Mesmo cercada de parentes e amigos, a dama poderia bem ser a mais solitária das criaturas, pois mesmo os outros Elenië, crescidos em tempos de paz, ainda não haviam chegado ao ponto de compreender completamente a própria natureza, ou a dos outros de sua raça. Não. Lynn era, nos presentes dias, a única que compreendia o que era ser um Ainur, ainda que não fosse uma, e a única a entender, especialmente, o que significava ser a Senhora da Luz.

A dama morena se posicionou sobre o círculo branco desenhado no centro do salão e dirigiu-se a todos os presentes:

— Boa noite, meus irmãos e minhas irmãs. Sejam todos bem-vindos, quer residam nesta cidade, quer tenham chegado de surpresa: a cidade das estrelas os acolhe como parte de nossa família. – ela aguardou um pouco, sempre serenamente sorridente – todos os anos celebramos, na noite em que o verão se torna outono, a Festa das Luzes. Fazemos isso não apenas como homenagem ao que nos guia em nossa jornada nesta vida, mas para nos lembrar, às vésperas de meses frios e escuros, que a luz há de retornar sempre, se a mantivermos acesa em nossos corações. Por isso, nesta data em que dia e noite se igualam, antes de a escuridão se tornar predominante, reunimo-nos para acender em nós mesmos as luzes que todos possuímos. Hoje, contudo, trata-se de uma festa ainda mais especial, por coincidir com uma majestosa Lua Cheia que nos brindará com a força de todos os astros.

Alassë se posicionou ao Norte, Aeron a Leste, Varniel a sul. Nerwen deveria estar no Oeste, como a Senhora da Vida, mas, misteriosamente, a moça não dera sinal de aparecer, tampouco enviara qualquer mensagem. Isso, obviamente, preocupara a todos, mas não podiam interromper a celebração que – embora poucos soubessem disso – não se tratava de uma mera festa, mas de um real encantamento para manter despertos dentro dos seres viventes suas próprias luzes internas, os “pequenos atos de bondade que mantinham as Trevas afastadas”, como um dia dissera Mithrandir. Deste modo, Celebrían ocupara o lugar da outra Elenië como a própria representação do Oeste. Thorin, como poucos sabiam, era também o senhor do Fogo, e postava-se diante da rainha com um orbe de obsidiana nas mãos. O Sol já ocultara metade de si atrás das montanhas quando Alassë declarou, iniciando o encanto:

Aeron

Thorin III

Celebrían

Varniel

— Senhora da Luz, o Sol já se põe no Ocidente. As últimas luzes do verão além do mar desaparecem. As feras em suas tocas estão prestes a adormecer. – era o anúncio do inverno, a contagem regressiva dos últimos instantes de verão. O salão começou a vibrar de modo imperceptível, e Aeron tomou a palavra:

— A escuridão assomará sobre o mundo, mas não há de ser eterna; a esperança, porém, pode ser falha, e precisa ser alimentada para que o inexorável Tempo não a consuma. – Varniel seguiu com sua vez, olhos fixos na luz dourada que se tornava mais pálida:

— As flores murcharam, e a Terra expele de seu ventre os últimos frutos da colheita, parto e sacrifício final antes de seu repouso sob o branco manto da neve. A luz, assim como o solo, nos conceda sua graça final.

Celebrían nada disse por um longo minuto, até que o astro estava prestes a desaparecer atrás da cordilheira:

— Nos últimos raios a esperança é captada; é a hora, minha Senhora. – com a última sílaba, o derradeiro raio luminoso incidiu sobre os pináculos de modo certeiro, e um feixe de luz se concentrou no zênite da abóbada, irradiado pelas sete torres. A luz desceu como uma cascata, direto sobre as cabeças de Amandil e Thorin, o qual ergueu o orbe para receber aquela luz intensa. E quando o fluxo se encerrou, o que restava era um orbe negro em cujo interior dançavam chamas com todas as cores do entardecer.

— O Inverno se inicia. – declarou Aeron – a escuridão chegou.

Amandil recebeu a esfera das mãos do sobrinho, e dirigiu-se à multidão:

— o inverno começou, mas todos aqui conhecem a lei: é na sombra mais escura que a luz se torna mais brilhante. Não permitam que seu ânimo esmoreça, pois guiados somos até mesmo quando as trevas parecem reinar. – ela manipulou o orbe e o cetro de tal modo que um fino fio de ouro se estendeu do primeiro para o segundo, a pedra negra esvaindo-se de seu conteúdo, que fluía para o cristal azul e branco. Concluída a transferência, agradeceu – obrigada, senhor do fogo, que cede a nós o calor do verão.

— Senhora das Estrelas – anunciou Alassë – no firmamento despontam as emissárias de seu poder.

A primeira estrela brilhou nos céus ainda cor de lavanda; outra surgiu, depois outra e mais duas, à medida que o teto celeste se tornava mais e mais escuro. Agora as paredes de cristal já não reluziam como ouro, mas como se fina camada de prata as revestisse. Silêncio total reinava enquanto, no Leste, uma luminosidade se fazia presente. A voz de Aeron soou séria e imponente:

— O coche de prata inicia sua cavalgada pelos céus. Ergue-se a primeira luz do Inverno, prova de que a Escuridão não reina absoluta.

O primeiro raio de luar cruzou os céus, incidindo no lado oposto das torres, cuja curvatura fez convergir a luz do mesmo modo que antes. Agora, contudo, era uma luz de prata, que banhava Amandil e a fazia reluzir; os cabelos da dama já não pareciam escuros, mas brilhavam brancos como uma pérola; o encanto estava quase em seu momento final! As estrelas brilhavam intensamente no céu, sete delas destacando-se sobre as demais... E uma a uma a Rainha as invocou, chamando-as por seus nomes ancestrais, ininteligíveis aos ouvidos que não haviam escutado a canção da Criação. E uma a uma elas responderam, enviando sobre cada torreão seu próprio facho brilhante. Sete raios de imaculada alvura, redirecionados para o centro onde a luminosidade lunar já vertia. Um fluxo de gelo e prata que descia em espiral para o centro do salão, e o qual era captado pelo cetro luminoso da Senhora, que continuava o monocórdio cântico dos setes nomes ancestrais. Um último som difícil de reproduzir, um último aceno do cetro, e o feixe prateado foi completamente sugado para o interior do cetro. Silêncio total, enquanto ouro e prata se combinavam dentro da gema preciosa, retirada do coração das Montanhas da Névoa. Um instante de fôlegos suspensos e então, com um barulho surdo, o cetro cintilou com a força de mil sóis, obrigando todos a cerrarem os olhos. Amandil ergueu o objeto, e de sua ponta verteu toda a luz captada na meia hora anterior: um único raio branco, direto para cima, para o centro. E como fora projetado para fazer, o domo enviou a energia para os sete ápices agudos, que brilharam qual faróis iridescentes, raios de luz cruzando a noite em uma teia de brilho e energia!

Era a luz cedida pelos astros elevada ao máximo de sua potência, refletindo nos cumes dos aguilhões e espalhando-se pelas sombras! Prata, ouro e marfim pareciam escorrer pelas paredes, que se tornavam misto das três cores durante a explosão de energia concentrada!

Por quase um minuto, a Cidade das Estrelas foi um farol reluzente sobre Arda, antes que enfim o poder concentrado se desvanecesse. E à medida que as paredes se ‘apagavam”, os cristais das lanternas se acendiam sozinhos, estimulados pelo encanto; o mesmo com os cristais portados pelos presentes, que viam acender em suas mãos uma fagulha de esperança e magia a refletir o mesmo brilho despertado em suas mentes e almas.

A Senhora da Luz

Finalmente baixando o cetro ao ver sua cidade iluminada pelas lanternas, a Senhora declarou com autoridade e gentileza:

— os céus foram gentis para conosco. A luz continuará a brilhar durante as longas noites. Que tenha início a celebração do Equinócio!

O salão se tornou iluminado por centenas de cristais brilhando em tom branco-dourado que pendiam do céu em fios tão finos de prata que mal podiam ser vistos. Assim, o salão se tornou dia, enquanto acima as estrelas brilhavam vivamente e a Lua fazia seu percurso pelos céus. Música começou a tocar, comida e bebida começaram a ser servidas, e aos poucos o ar de solenidade se dispersou.

*

Legolas tomou sua esposa de surpresa nos braços, fazendo-a sorrir quando a ergueu do chão num rodopio; a rainha sorriu sem pudor e beijou seu amado antes que ele lhe tomasse a mão direita na sua e a enlaçasse pela cintura com o braço livre, conduzindo-a na alegre valsa que os músicos tocavam! Dançavam quais os apaixonados que eram, como se o tempo não houvesse passado e ainda fossem dois jovens experimentando as delícias e alegrias do primeiro amor. A música parecia carregar seus pés no compasso, fazê-los flutuar em alegria, levitá-los em amor com sorrisos e olhares tão extasiados que o mundo parecia se resumir apenas a eles, ao som e a seu amor.

Com o fim da valsa veio a satisfação agitada que acompanhava o término de uma dança, marcada por mais um beijo apaixonado que uma voz grave veio interromper, divertida:

— Espero não ser inconveniente, majestades – o casal se separou apenas um pouco e olhou para Thranduil, que trazia sua adorada esposa pela mão, Aireen parecendo tão radiante quando a própria Amandil... Eis ali outro casal cujo amor ultrapassava todos os limites!

— milorde – responderam Amandil e Legolas em uníssono – milady.

— Meu filho, permite-me que lhe roube sua adorável esposa nesta próxima dança?

— Apenas se me conceder a honra de bailar com minha mãe. – as damas anuíram, concedendo com um gesto sua permissão. A Senhora aceitou a mão do sogro, enquanto a dama de cabelos brancos segurava os dedos do filho delicadamente.

Outra música começou, esta mais suave, algo similar a um minueto, e Legolas elogiou sua mãe ao tocar a palma dela com a sua, os braços direitos dobrados a 90° do corpo e encontrando-se entre ambos enquanto os dançarinos descreviam um círculo um ao redor do outro:

— Está belíssima, nenith. Nem mesmo a longa viagem consegue deixa-la menos encantadora.

— Diz isso porque sou sua mãe, seu galanteadorzinho barato – riu a mulher, acariciando o rosto do filho – tornou-se um homem tão bonito, meu filho – ela se deixou levar quando ele a girou delicadamente, antes de tomar ambas as mãos de Aireen nas suas – sabe o orgulho que seu pai e eu temos de você?

— E por que não teriam? – ele fingiu arrogância, provocando a mãe – Afinal, o que há em mim para não se orgulhar?

A dama riu, e continuaram dançando com elegância, como se flutuassem pelo salão. Enquanto isso, Thranduil conduzia Amandil com misto de ternura paternal e reverência: amava aquela moça com todo o seu coração, mas também a temia, e só um tolo não o faria... Pois embora fosse um dos corações mais puro em Arda, Amandil possuía uma força que ele não era capaz de compreender, e isso o fazia reverenciá-la com misto de adoração e temor. Para ele, a Senhora era como uma estrela descida dos céus, e como tal ele a conduzia em rodopios, passos para frente e para trás, breves saltos nos quais a amparava.

— Melhorou muito suas habilidades dançarinas – provocou o outrora senhor de Mirkwood, e atual Primeiro Ministro das Florestas Cinzentas – pelo menos não pisa mais em meus pés.

— Eu não piso em seus pés desde que tinha mil anos, Thranduil – censurou a mais moça.

— Apenas porque estava ocupada pisando nos de Legolas. – ele sorriu e parou de dançar, abraçou a rainha e beijou sua fronte – senti saudades.

— Eu sei, ada. Vinte anos são pouco para nossas vidas, mas uma eternidade para as saudades. Mas eu precisava viajar pelas terras, e você...

— Tenho minhas obrigações nas Florestas, especialmente no norte.

— Se não houvesse assumido tais responsabilidades, nem sei o que Legolas e eu teríamos feito... Enlouquecido, provavelmente.

— Shhhh – o elfo pousou um dedo nos lábios de Amandil – sem falar de trabalho hoje, minha senhora. Hoje é a Festa das Luzes, e não uma recepção formal, portanto... Sem assuntos oficiais, certo?

Ela anuiu com um sorriso e, de braços dados com o sogro, iniciou um passeio pelo hall, conversando com todos e observando os pequenos grupos que se formavam. Anárion começara a se cerca de jovens damas, e foi quase impossível não rir quando Lynn Eredir enxotou todas as adolescentes, dizendo que Anárion era sinônimo de corações partidos. Porém, a própria trovadora não parecia preocupada em partir seu coração, pois logo iniciou uma conversa animada com o bardo, e a eles se juntaram os meios-irmãos deste, Tuor e Huor. Um quarteto singular, sem dúvidas, e provavelmente o mais animado da festa.

Tuor

Huor

Mais além, Varniel, Melian, Valavë, Gilraen, Arwen, Aredhel e Alassë se haviam juntado em seu próprio grupinho, numa dança circular elegante e suave como as próprias moças. Celebrían e Barahir também dançavam, enquanto Aeron parecia entretido em uma conversa particularmente interessante com Fili, Beleg e Kili, o Embaixador dos Povos e esposo de Tauriel, pai de Thorin III, Melian e Anáirë. E por mencioná-los, Thorin III e sua noiva, Aeriel, mimavam a pequena Anáirë - uma linda garotinha metade elfa, metade anã, com os olhos verdes da mãe e os cabelos escuros do pai, pele clara e feições delicadas, porém travessas, de apenas 350 anos de idade, o equivalente a cerca de seis anos, para um humano.

Valavë

Gilraen

Arwen

Beleg

Fili

Aredhel

Barahir

Tudo estava tranquilo, mas o coração materno de Amandil se inquietava: onde estava Nerwen? Onde estava sua menina que, mesmo quando desaparecia, ao menos lhe enviava um pássaro mensageiro para tranquiliza-la? Já procurara por ela na luz das estrelas, mas nada encontrara, então talvez a garota estivesse nas profundezas das montanhas... Não estava morta, isso a Senhora sabia, pois sentia em seu sangue quando qualquer dos outros Elenië – especialmente suas filhas – sofria de alguma doença ou ferimento, quanto mais se algum deles viesse a falecer!

— onde está você, minha filha? – perguntou mais para si mesma do que para Thranduil, que a segurou pelas mãos ternamente:

— Amandil, sei como o coração de um pai ou mãe se desespera com as ausências dos filhos. Mas você criou bem cada um desses jovens, e todos são mais do que capazes de se defender; afinal, não há nada mais poderoso do que um Elenië plenamente treinado, nos dias de hoje, estou errado?

— Rezo para que não esteja. – respondeu a mulher com um suspiro – sinto muito, Thranduil, creio que hoje sou uma péssima companhia.

— Então tratemos de coloca-la com pessoas que elevarão seu ânimo – o sorriso do elfo era quase maldoso quando sinalizou para os magos mais jovens – Anárion, Tuor, Huor; creio que Lady Amandil precise se divertir um pouco!

Ao ver o trio – além de Lynn Eredir – vir em sua direção, a Senhora da Luz rosnou para o sogro:

— Fico lhe devendo uma morte lenta e dolorosa, Thranduil Greenleaf.

— Vai me agradecer por isso, depois, majestade. – sorriu o elfo mais velho, enquanto a nora era arrastada pelo quarteto, que falava sem parar. Lynn parecia especialmente feliz em poder arrancar Amandil de seu desânimo, mesmo que à força.

Afinal, após piadas ruins, cançonetas satíricas improvisadas e danças tresloucadas nas quais fora praticamente arrastada por Tuor e Huor, a rainha enfim conseguiu relaxar e rir, brincar e dançar de verdade. Com humor mais leve, conversou com a Trovadora, que lhe contou de suas viagens e andanças pelo mundo, e perguntou à rainha o que ela própria vira em seus caminhos pela Terra Média. Ante o semblante obscuro que tomou o olhar de céu estrelado, a poetisa imediatamente mudou de assunto. Ao que parecia, as coisas não haviam ido bem, e ela sabia o que era: para o bem ou para o mal, os humanos eram a raça preponderante na Terra Média, agora. A despeito da existência de muitas cidades de elfos, hobbits, anões e mestiços, estes não chegavam a metade do contingente humano. Rohan, Gondor, Dale – que hoje configurava um pequeno reino independente – e Ered Luin... Reinos humanos que começavam a desconfiar das outras raças e a ver como indesejadas as influências dos Elenië, aos quais acusavam de desejar o controle sobre toda a Terra-Média por meio de seus encantamentos. Não podia haver maior inverdade, nem maior injustiça. E as consequências passíveis de advirem com tal desconfiança não perturbavam apenas a Senhora da Luz. Porém, ao menos por hoje, esses fatos podiam ser esquecidos em nome da alegria e júbilo da reunião com amigos e familiares.

Encontraram em meio à festa os irmãos de Amandil, Elladan e Elrohir, com as respectivas esposas; referindo-se a um evento de muitos anos atrás, a Trovadora provocou o primeiro:

— Bem, senhor, vejo que não foi um cavalo, um poste ou uma árvore por quem se enamorou, afinal.

— Por favor, Lynn, este episódio ficou no passado – respondeu o moço, mais vermelho que uma cereja ante o olhar indagador de sua esposa. Com uma gargalhada, a peregrina tomou pelo braço a elfa de cabelos cor de mel e olhos cinzentos, e riu:

— Deixe-me lhe contar as desventuras do desafortunado rapaz que não sabia por quem, ou pelo que, se apaixonou no dia da coroação do Rei Elessar!

— Adoraria saber isso e muito mais – riu-se Morwen, cúmplice – ele sempre tenta me esconder os detalhes inconvenientes de sua juventude... Oras, logo os detalhes mais divertidos!

— Meus Valar, Amandil! – exclamaram os gêmeos – você juntou duas feras!

— Três – corrigiu Nimrodel, segurando o braço livre de Lynn, cujas gargalhadas ecoavam como sininhos de cristal:

— Ah, adorarei contar os podres escondidos dos gêmeos de Lorde Elrond! Aqueles que não presenciei, soube pela melhor fonte possível: Lady Amandil!

Morwen

Nimrodel

Os homens fitaram um ou outro, revirando os olhos, e a irmã passou os braços pelos ombros deles:

— Venham, meninos: uma bebida vai ajudar com tamanho desconsolo.

— A menos que eles confundam as esposas com uma árvore, não é, maluquinha? – riu Lynn uma última vez, antes e sumir com as duas outras moças.

Amandil se sentou em uma das mesas vazias com os dois irmãos, os três se servindo de um licor forte de cereja; pouco depois Legolas, Aireen e Thranduil se juntaram a eles, e a conversa se tornou mais e mais agradável. Em certo momento, Tauriel parou ao lado do grupo e perguntou, preocupada:

— Alguém viu Anáirë?

— Estava com Aeriel e Thorin, a última vez em que a vi – respondeu Thranduil.

— Vou matar aqueles dois – declarou a ruiva claramente zangada – obrigada, Ada.

— parece que haverá um assassinato duplo – riu Elrohir – quem diria... Tauriel casada e mãe superprotetora.

— Nem parece a mesma garota que quebrou seu nariz, quando você pediu a mão dela em noivado, não é? – provocou seu gêmeo.

— Não se esqueça de que ela detonou você numa briga de bastões, pensando que era eu. – redarguiu o esposo de Nimrodel. Ah, sim, o passado tinha grandes momentos para lembrar!

— Se a virem no pátio de armas, treinando os soldados, vão descobrir que ela mudou bem pouco – informou Amandil – em verdade, nem eu gosto de treinar com ela, dadas as dores generalizadas que acompanham o pós-treino.

— Além de eventuais ossos partidos e tendões rompidos – comentou Legolas displicentemente, bebericando sua taça de licor – ela não se importa nem um pouco com títulos, e nos massacra do mesmo modo.

— Vou querer ver isso, amanhã.

— Melhor daqui a dois dias – interveio Aireen – não haverá vivalma sem uma bela ressaca, amanhã cedo.

— Como existem as poções e preparados curativos de minha esposa e filha – começou o soberano das Florestas Cinzentas – não me sinto nem um pouco culpado por isso.

— Beberrão – acusou Amandil, leantando-se com um sorriso e beijando o esposo – vou ajudar Tauriel com a pequenina.

— boa sorte encontrando a praguinha.

As irmãs de armas se dividiram na procura à garotinha: até mesmo embaixo das mesas verificaram, mas não havia sinal dela. Enfim, a Conselheira voltou seus olhos para o filho e a futura nora, e decidiu tentar a sorte.

— Thorin, Aeriel, viram Anaire por aí?

— Ela passou por aqui agora há pouco, tia - respondeu a elfa - desapareceu de novo?

— Ela e uma bandeja de tortinhas doces. - a Mestre de Guerra cruzou os braços - não estão acobertando aquela monstrinha, estão?

O casal se entreolhou numa tentativa de se manter sério, mas uma risadinja veio de baixo da mesa. Uma carinha redondinha apareceu sob a toalha, emoldurada por cachos castanhos, os olhos verdes e grandes brilhando divertidos, a boca suja de geleia de framboesas. Nem mesmo Tauriel conseguiu ficar séria, e gargalhou:

— achei você, diabinha!

— Oi, mamãe! - falou a pequena, engatinhando para fora do esconderijo, revelando o vestido azul-cobalto que, para alívio da mãe, estava intacto. Atrás dela estava uma bandeja, agora vazia.

— quem mandou você se empanturrar, garotinha? - perguntou a ruiva - agora não vai ter fome para o jantar!

— papai deixou - riu a pequena - e falou para Thorin pegar a bandeja para mim!

— Oras, sua traidorazinha! - o caçador pegou a irmã no colo, fazendo-lhe cócegas - entregando-me para mamãe! – as gargalhadas da pequena eram música para os que a conheciam; como a mais nova de toda a família, Anáirë acabava sendo bastante mimada por todos, mas isso não chegava a ser um mal, visto que tinha um temperamento naturalmente bondoso e travesso, não sendo dada a grosserias ou intransigências típicas de algumas crianças. Sabia respeitar os limites impostos... Ao menos na maioria das vezes; era curiosa e encantava a todos que a conheciam. Quando o irmão enfim a pôs no chão, Tauriel lhe perguntou, limpando com a barra de seu vestido a geleia no rosto da pequena:

— por que não vai brincar com as outras crianças? Sabe que seu irmão é uma péssima influência.

— Não é, não! – protestou a garotinha, agarrando-se às pernas do irmão – é meu irmão!

— Ah, certo. – a ruiva beijou a fronte da filha – você e seus irmãos formaram uma verdadeira quadrilha! Que Erú tenha pena de nós quando você também crescer.

— Deixe que eu cuido dela – ofereceu-se uma voz suave, e Tauriel se voltou para ver sua filha mais velha, Melian, com os cabelos ruivos e olhos claros da mãe, alta e de musculatura bem definida pela caça e treino com armas. O rosto, porém, tinha feições gentis e expressão suave, e a voz melodiosa muitas vezes encantava a todos em melodias ensinadas a ela por Lynn Eredir. – Prometo que não serei má influência.

— Antes você do que seu irmão delinquente. – Tauriel riu da expressão zangada do filho – e nem me olhe desse jeito, pois sabe que é verdade.

— Nem eu posso discordar, amor – disse Aeriel, com um beijinho no rosto do noivo. Ia dizer algo mais, mas de repente todo o salão tremeu, provocando gritos e derrubando alguns dos presentes. Um vento intenso se formou, provocando uma espécie de redemoinho, e as luzes dos cristais se tornaram rubras ou alaranjadas, piscando. Anáirë deu um gritinho de medo e escondeu o rosto no colo da mãe, que a abraçou protetoramente. Os convidados emitiam gritos abafados e exclamações de espanto enquanto Amandil e Legolas corriam para o epicentro de tudo aquilo: uma esfera de luz alaranjada se formava no centro do salão, como um orbe flamejante que aos poucos tomava forma... A forma de um homem.

As chamas desapareceram, o vento cessou, assim como o breve terremoto, enquanto as flamas deixavam em seu lugar um homem de cabelos dourados, pele bronzeada e olhos celestes, vestido com uma armadura que parecia reunir todos os metais da terra, desde o simples e maleável cobre até o duro mithril; seu elmo se compunha de todo tipo de joias, e uma luz alaranjada emanava de seu corpo trêmulo. Estava de joelhos, apoiado nas mãos como se enorme fraqueza o tomasse, e foi com um espanto que os Elenië exclamaram:

— IMRAHIL! – o Elenië não se materializava há mil anos, então a forma física certamente estava-lhe sendo um terrível tormento. Ainda trêmulo, não se opôs quando Amandil o envolveu nos braços e o deitou em seu peito, encostando uma taça de água aos lábios do moço, que bebeu avidamente.

— Filho, o que faz aqui?! – perguntou a Senhora. Imrahil era filho de sangue de Éowin e Faramir, mas, como Elenië, seu crescimento levara séculos; assim, Amandil o tomara como seu filho após a morte dos pais do garoto.

— Mãe... – ele arfou, desacostumado à sensação de respirar, de ter um corpo sólido, mas aliviado por outra vez sentir o toque gentil e o abraço cálido da mãe adotiva – É Nerwen... Ela... Ela... – o ar parecia encher seus pulmões como brasa, e aquelas poucas palavras desesperaram todos que a ouviram.

— O que houve com Nerwen? – perguntou Aeriel, ajoelhando-se ao lado do irmão adotivo – por Ilúvatar, Imrahil, o que houve?

— Posso sentir... Cada criatura sobre a terra, ou debaixo desta... Mas algo aconteceu... – ele começava a se recompor, reunindo suas forças e e levantando devagar, amparado por Legolas e Thorin – está viva, mas não posso mais senti-la. Algo parece envolve-la... Como um escudo de energia que a deixa além de minha percepção... – ele se colocou em pé, finalmente firme sobre os pés, quase um gigante com seus 1,95 – Algo negro, obscuro. Nerwen está em grande perigo.