Always Lost, Always Confusing

O início de uma amizade verdadeira.


Sentei na cama e olhei o relógio, hoje eu não estava atrasada, podia fazer tudo sem pressa. Ontem de noite fiquei pensando no lugar que Lieve havia me falado, como será que ele é? Não é que eu queira realmente ir, eu só estou... Curiosa. E também, surpresa. Faz alguns dias que ela já está falando comigo e não me abandonou, isso foi meu recorde de tempo ao lado de uma pessoa. Mas minha solidão... Parece que eu ainda a sinto.

Levantei-me da cama e comecei a me arrumar calmamente,pegando minha mochila e agora conferindo tudo atentamente. Dessa vez faltava meu sanduíche e o suco, estavam na geladeira. Desci as escadas e olhei para a sala vazia, às vezes eu ficava um pouco triste pelos meus pais estarem sempre trabalhando, nem parece que moramos na mesma casa. Peguei o sanduíche e o suco da geladeira, colocando-os na bolsa.

Saindo de casa comecei a andar lentamente pela calçada, parecia ser um dia bem calmo. Ou era apenas o horário? Tomara que continue assim. Ao chegar à escola abaixei minha cabeça e comecei a andar em direção da sala, desviando de todas as pessoas que passavam ao meu lado. Na sala estavam todos conversando, o sinal ainda não havia tocado. Fui direto para a minha carteira, Lieve ainda não tinha chegado. Estranho, ela sempre chega cedo.

O sinal de inicio as aulas bateu e a professora entrou, estava esperando lá fora faz pouco tempo.

– Bom dia alunos. –ela olhou para mim um pouco surpresa, era raro eu não chegar atrasada. – Vamos começar a aula com uma matéria um pouco difícil, então não conversem e prestem atenção em mim.

Ouvi o barulho da porta se abrindo e, rapidamente, levantei a cabeça e olhei para a porta. Era Lieve.

– Desculpe professora!

– Foi por pouco. Sente-se, já íamos começar, Lieve.

– Certo! O-Obrigada! –Lieve foi até sua carteira, parecendo exausta.

A olhei confusa, esperando que ela me explicasse alguma coisa, mas ela apenas sorriu. Virei à cabeça e fiquei olhando para a professora. Isso me irritava. Irritava-me quando Lieve apenas sorria em vez de responder com palavras.

Dessa vez as aulas passaram bem rápido, não sei se foi porque eu prestei um pouco mais de atenção ou porque eu me distrai às vezes. O sinal do intervalo bateu e todos saíram. Peguei minha bolsa e me levantei, dando de cara com Lieve.

– Verloren! Vamos?

Suspirei, desviando dela e apenas andando para chegar ao pátio e tomar rumo ao meu lugar de sempre. Lieve estava me seguindo, agora ela senta comigo embaixo daquela árvore.

– Dessa vez você trouxe?

– Uhum. –retirei o sanduíche e o suco, mostrando para ela.

Ela riu e tirou seu lanche também.

–Ainda bem, porque hoje estou com muita fome para comer só metade. –ela sorriu.

Comecei a tomar alguns goles do suco e comer o sanduíche.

– Hmm... Lieve... –olhei para ela.

– Sim? –ela desviou o olhar para o céu e começou a olhar para mim.

– Porque chegou atrasada hoje?

– Hm, está preocupada? –ela riu.

– Não! –corei rapidamente. – Mas só... Só quero saber.

– Ah, eu passei mal ontem a noite e quando acordei continuava a mesma coisa.

– E então porque veio na escola?

– Eu te prometi levar a meu lugar especial, não prometi?

A olhei espantada. Ela estava passando mal e veio só para cumprir uma promessa... Uma promessa que fez para mim?

– E além do mais, não queria levar um soco seu. –ela riu.

– Não era só se eu não gostasse do lugar?

– Ah, então você lembra?

– Como posso esquecer essa oportunidade?

Ela riu novamente, me fazendo rir junto. Droga... Eu estava rindo... Rindo com ela. Isso é quase um sorriso, não é? Que surpresa.

– Você riu! Uau! Vamos, agora só falta sorrir para mim! Vamos, sorria! –ela se aproximou de mim e colocou suas mãos em minha bochecha, as puxando para cima tentando parecer um sorriso.

– Não, Lieve! Saia daqui! –a empurrava de leve, mas ela não se afastava.

– Ahm... –ela se afastou e fez uma cara emburrada. – Vamos, é fácil e vai ficar lindo em você!

– Não! –desviei o meu olhar do dela.

– Eu não irei desistir! –ela deu mais uma mordida no seu sanduíche.

– Ham? É apenas um sorriso, nada demais.

– Um sorriso no qual eu poderia enxergar sua felicidade e fazer parte dela. –ela sorriu. – Não vê?

– Sua... Felicidade?

– Sim! Está no meu sorriso! Você está nele, Verloren!

Abaixei a cabeça e logo depois olhei para o céu. Era um pouco confuso para mim, eu não enxergava a felicidade e não conseguia achá-la dentro de mim para formar um sorriso. Com a Lieve falando desse jeito, também não parecia ser tão fácil.

O som do sinal quebrou aquele silêncio.

– Certo, hoje é sua vez de jogar o lixo no lixo! –ela levantou, se espreguiçando. – Te vejo na sala! –ela saiu de lá.

– Eu não! Espera! Lieve! –a olhei correndo pelo pátio. – Eu vou caprichar naquele soco se não gostar do lugar! –gritei para ela ouvir.

Ela parou no caminho e sorriu para mim, afirmando com a cabeça e voltando a correr.

Recolhi os papeis dos nossos sanduíches no chão e as caixinhas de suco vazias, levando até o lixo e tacando-os fora. Caminhei até a sala de aula, chegando antes que a professora e indo até o meu lugar.

– Fez tudo certinho? –Lieve riu a me ver chegando perto da minha carteira.

– Calada.

– Parece que sim. –ela riu mais uma vez.

Quando a professora chegou, todos ficaram em silêncio e a aula continuou normalmente. Essas aulas passaram bem mais devagar, será por causa da minha curiosidade para conhecer o lugar? Que droga, quando você nem liga para a aula ela passa bem rápido, mas quando você quer que ela acabe logo tudo vai bem devagar.

Olhei para todos ao meu redor, aquelas garotas nunca mais vieram falar com Lieve, na verdade, ninguém nunca mais veio falar com Lieve. Mesmo assim, ela parecia tão feliz perto de mim. Não sei se ainda a chamo de praga ou... Amiga? Ah, não.

Depois de algum tempo a aula finalmente acabou e o sinal tocou, ainda bem que hoje era uma sexta feira. Andei calmamente para fora da escola tentando disfarçar minha super curiosidade pelo lugar. Quando eu me afastei um pouco da escola, Lieve parou do meu lado de bicicleta.

– Ei Verloren! Devia ter me esperado!

– Desculpe, você é muito lerda.

– Claro, diz a garota que sempre chega atrasada. –ela riu. – Então, vamos?

– Hm, claro. –continuei caminhando.

– Ei, aonde vai?

– Ué, no lugar que você tanto está falando.

–Suba na garupa da minha bicicleta, é um pouco mais longe que sua casa. –ela se aproximou de mim com a bicicleta.

– Como sabe aonde é minha casa?

– Eu não sei, só sei a rua porque já te vi indo para escola lá perto, eu moro mais longe que você. Vamos logo, Verloren.

– Não vou subir.

– Por quê? Tem medo?

– Não! É por que... Eu não quero.

– Você está parecendo uma criança. –ela riu. – Não vou te derrubar, sei bem andar de bicicleta. Vamos, por favor!

Eu realmente estava agindo como uma criança, o que me fez ficar irritada comigo mesma. Na verdade, eu tinha um pouco de vergonha. Ah, deixa disso, vergonha de que?

Aproximei-me dela e subi com cuidado na garupa da bicicleta, sentando de lado.

– Segure firme! –ela colocou seus pés no pedal e começou a pedalar sem nenhuma dificuldade.

– Ah... Eu realmente não gosto muito de andar de bicicleta... –fiquei me segurando em uma das partes da garupa.

– É bem legal quando acostumado a andar, eu sempre gostei. É um ótimo hobbie.

De repente, Lieve passou por cima de um buraco, fazendo a bicicleta pular um pouco.

– Lieve! –segurei na cintura dela.

– Desculpe! –ela riu. – Não é nada, e isso vai acontecer mais vezes!

– Sei... Está fazendo de propósito!

– Ah, olhe, é divertido! –ela passou por cima de mais buracos.

– Ei! Pare! –apertei a cintura dela.

– Ai!

– Se não parar, vou continuar.

– Eu tenho cosquinhas! –ela riu. – Assim eu me distraio e iremos cair!

– Então você continua a pedalar bem e eu fico quieta, ok?

– Ok, certo! Logo chegaremos!

Fiquei olhando a rua, era muito agradável andar de bicicleta. Aquela brisa estava tão fresca, foi muito bom. Lieve permaneceu quieta, às vezes ela passava por cima de uns buracos de propósito e eu continuava fazendo cosquinhas nela para ela parar.

– Vamos subir um morro! –ela começou a pedalar com mais dificuldade.

Olhei para baixo, parecia que a bicicleta ia sair andando para trás a qualquer momento.

– Iremos cair! –abracei a cintura dela.

– Eu sou experiente nisso, não vou deixar a gente cair! –ela riu.

Abaixei a cabeça e fiquei quieta, tentando não olhar para baixo, apenas para cima. Era um pouco estranho para mim estar me segurando nela, mas eu realmente tinha medo de andar de bicicleta. Mas, de alguma forma, eu me sentia segura assim.

Depois de alguns minutos chegamos a um lugar aonde não tinha mais casas e aos poucos a calçada ia terminando, era o topo daquele pequeno morro. Um gramado verde cobria-o e uma pequena grade de metal ficava no fim. Desci rapidamente da bicicleta, me aproximando da grade. Uau! Era lindo! Dava para ver a cidade inteira! O vento era muito mais forte e refrescante lá encima, mais puro e tudo mais agradável.

– E então, o que acha? –ela foi ao meu lado.

– É lindo! –segurei firme na grade de metal, olhando para baixo e depois para o céu. – É o lugar dos meus sonhos...

– Então não vou merecer nenhum soco? –ela riu.

– Dessa vez, não. –ri também.

– É... Um lugar especial para mim... Sempre venho aqui pensar em tudo, tudo que está em minha volta e o que eu estou fazendo. –ela sorriu.

Ela... Ela pensa igual a mim? Pensei que eu era a única a fazer isso.

– Eu também faço isso... –tomei coragem para falar.

– Sério? Que ótimo! Então, você pode vir aqui quando quiser.

Eu tinha muitas perguntas sobre isso tudo, eu precisava falar... Rápido.

– Por que, Lieve? –me virei para ela e abaixei a cabeça.

– Hm, o que? –ela me olhou, confusa.

– Se é um lugar especial para você, por que me trouxe aqui?

– Um lugar especial com uma pessoa especial. –ela sorriu.

– Por que... Por que eu? Eu não era rude com você? Por que você decidiu ficar perto de mim?

– Por que... Eu vi uma coisa diferente em você.

– Diferente?

– Você parecia guardar muita coisa para você mesma, você parecia estar procurando um jeito de sair de uma solidão... E eu, estava procurando alguém para mostrar o mundo. Mostrar tudo isso, sorrisos, risadas... Eu fiquei te observando, e você só precisava de alguém para despertar sua felicidade. Você é uma ótima amiga, Verloren.

– Não, eu não sou! –me afastei e levantei a cabeça, olhando para ela. – Olhe para mim, Lieve, você não vê? Eu sou uma pessoa horrível. Eu não sei amar, não sei ter amigos, eu nem sei o que é amizade! Ah sim, eu sei, é aquela coisa passageira na vida que sempre tem um fim, certo? É a coisa mais falsa do mundo! É algo que as pessoas usam para espantar a solidão! Eu cansei de procurar uma amizade verdadeira para mudar minha opinião, cansei! –abaixei a cabeça novamente.

– Mas Verloren, eu...

– Não, Lieve. Eu vejo no seu sorriso... Eu consegui ver... Você é uma boa pessoa, Lieve, merece uma amizade verdadeira, mesmo eu achando que ela não existe. Eu sou uma pessoa que já está quebrada. Já me afoguei demais na solidão, eu já desisti de quase tudo. Nesse tempo, eu estava olhando o caminho que eu estava construindo para seguir... Eu já o destruí. Sabe por que eu percebi isso? Por que eu não sei mais caminhar nele. Eu estou perdida. Não sei mais no que acreditar, não sei mais onde está a verdade desse mundo. Estou confusa.

Eu finalmente tinha dito tudo, agora tinha certeza que Lieve nunca mais ia querer falar comigo ou ficar perto de mim. Mas, eu também estava triste... Não queria que ela se afastasse... Mas, não tinha jeito, não vou destruir o caminho dela e nem interferir. Afinal, eu sou uma pessoa que não sabe como lidar com sentimentos. Eu realmente não sei o que são eles.

– Verloren... Vamos construir um caminho juntas. Um caminho no qual só a gente vai saber como seguir, um caminho que vamos construir com sorrisos e risadas, um caminho que podemos começar e terminar juntas. Sabe, é isso que é uma amizade.

Olhei para ela mais espantada do que nunca. O que era isso que ela acabara de dizer? Era algo que eu desconhecia e nunca tinha passado pela minha cabeça.

– Um começo de uma amizade, Verloren. Eu sei que... Nossas vidas não são compridas... –ela fez uma pausa nesse momento, mas continuou. – E chega de solidão, o mundo não foi feito para só abrigar solidão, Verloren. Você é a minha amiga. Abandono, solidão, tristeza... Isso não existe mais, certo?

Eu realmente não sabia o que dizer. Que reação foi essa? Não foi como eu esperava. Abaixei a cabeça novamente, não sabendo ao certo o que dizer.

– Isso é... Uma promessa?

– Sim, eu prometo. Juntas para sempre, certo? –ela sorriu.

Levantei a cabeça lentamente, fazendo algumas lágrimas caírem dos meus olhos. Nunca chorei na frente de ninguém.

– Verloren... Por que está chorando? Não, isso não, por favor.

– Idiota... –sorri. – Você é minha amiga?

– Verloren... Você sorriu...

– Sim... Consegue ver no meu sorriso o que significa?

– Você está feliz. –ela sorriu e me abraçou.

Abracei-a também. Sabem todas aquelas minhas conclusões? Elas estavam bagunçadas em algum lugar da minha cabeça. Eu não conseguia mais encontrá-las, eu não conseguia mais fazê-las ter sentido nesse momento. Talvez... Amizades verdadeiras existem. Eu fiquei na solidão por muito tempo até descobrir isso, minha cabeça era o Inferno. Mas agora... Sinto-me tão... Livre... Feliz... Ah sim, esse é o caminho que eu estava procurando saber construir... Eu irei seguir nele. Não, nós iremos seguir nele.

Isso é o início de uma amizade verdadeira.