Eu a olhava pelo espelho retrovisor a caminho de casa. Estava com roupas, que mesmo com dezesseis anos, eu não deixaria usar. Uma calça preta com rasgos gigantes nas coxas, um cropped preto de couro que apertavam os seios até deixá-los bem visíveis, e uma jaqueta de couro que era minha mas que eu havia dado a ela há muito tempo. Isso e seus tênis all star pretos de sempre.

Revisei o olhar entre a estrada e ela, que finalmente olhou para mim, depois de fitar a janela todo o tempo. Seus olhos estavam cobertos de maquiagem preta, do tipo olho esfumado, e boca vermelha com gloss. Suspirei com aquela imagem. Tudo bem que minha filha tivesse um visual mais rebelde, mas aquilo ultrapassou os limites.

Desviei do olhar e continuei concentrada na estrada. Teríamos uma conversa bem longa, aproveitando que ainda eram somente nove horas. Teríamos uma longa noite, e provavelmente, eu perderia a paciência várias vezes. E ainda teria que contar ao Steve o que aconteceu. Porém, uma ideia me veio à cabeça.

Dirigi rapidamente e em silêncio todo o tempo. Chegamos ao estacionamento de casa, e Brianna foi a primeira a sair do carro, meu pai e eu nos entreolhamos, ele sabia o que eu estava pensando, e respirou fundo se apoiando no teto do carro.

—Tem certeza mesmo que quer fazer isso? – pergunta num suspiro cansado. Apenas dei de ombros fechando a porta.

—Não sei, sinceramente, acho o certo a fazer, ele também merece saber disso – respondo hesitando mais do que eu gostaria. Eu sabia que o moreno se referia a eu ligar para o Steve e resolvermos essa confusão juntos, afinal, mesmo depois de tudo, ele ainda é pai da Brianna, apesar de que as vezes não merece o cargo.

—Eu acho, como pai, que é o que você deveria fazer mesmo, ainda que ele tenha mancado feio com você e ela – ele aconselhou e confirmei com a cabeça olhando para os meus tênis sujos e fedendo provavelmente. O moreno deu a volta no carro e pegou nas minhas mãos – Ainda quero acertar aquele Picolé por ter feito isso com você, mas agora, a situação é diferente.

—Me explique melhor – peço e meu pai suspira apertando o laço das nossas mãos.

—Agora, ele não é seu marido que te traiu – explica calmamente – Agora, nesse exato momento, ele é o pai da Brianna, e você é a mãe dela, precisam passar por isso juntos mesmo que não se aturem – aconselha novamente e confirmo com a cabeça receosa se aquilo fosse dar certo mesmo.

Não tenho certeza se eu gostaria conversar com o Steve agora. Foi anteontem quando desliguei o telefone na cara dele, e ainda não me arrependo por isso. As coisas que ele me disse foram absurdas demais para continuar ouvindo sem fazer nada. E nada do que eu disse me arrependo também, nada.

—Acho que agora preciso me preparar psicologicamente para isso – comento risonha, e ele ri também.

—Deixa essa parte comigo, o resto é com você – responde risonho me levando até as escadas de volta para a sala.

—E de onde você tirou esse seu lado aconselhador? – pergunto curiosa, porque o que eu me lembro, ele nunca foi desse jeito.

—Digamos que criar uma criança desde que é bebê muda um homem – responde, e novamente, concordo com ele. Hannah e Brianna me mudaram totalmente, então eu sei como o meu pai se sente agora.

Me sento no bar esperando o meu pai preparar aquele drinque que ele diz ser milagroso para essas horas, e eu apenas ri quando ele disse isso. Coloquei os cotovelos por cima do balcão, e logo em seguida, ele colocou um copo grande demais para eu tomar e ficar sóbria depois.

—É muita coisa – digo receosa, eu não queria conversar com o Steve e a Brianna totalmente bêbada, e pelo o que ele colocou, seria fácil demais ficar.

—Não vai, você é bem resistente para uma mulher, e além do mais, essa bebida é fraca – explica e se senta no banco ao meu lado. Concordo confiando no meu pai e tomo tudo de uma vez, fazendo uma grande careta ao colocar o copo vazio no balcão. Meu pai me dá batidinhas nas costas me parabenizando enquanto eu me segurava para não rir, pois eu sabia que vomitaria tudo se fizesse.

Saio do balcão agradecendo ao moreno, que apenas assentiu com a cabeça, corri para as escadas abrindo a porta da Brianna, e a encontrando na cama, ela mal me olha, ainda com aquelas roupas ridículas. Respiro fundo e fecho a porta indo para o meu.

Peguei o celular ligando para o Steve, e antes que ele pudesse dizer alguma coisa, peço para ele estar pronto em dez minutos para uma vídeo-chamada. E antes que ele pudesse reclamar ou perguntar o porquê, desligo jogando o celular na cama e indo ao banheiro.

Tomei um rápido banho, tão rápido que mal deu tempo de aproveitar direito. Eu apenas queria tirar aquele cheiro de maconha de cima de mim e das minhas roupas. E pelo o que eu senti depois, não deu muito certo. Peguei roupas de ficar em casa e vesti. Voltei ao quarto da Brianna, que ainda estava por cima da cama de qualquer jeito no celular.

Entro e ela reclama por falta de privacidade. A ignoro enquanto peço ao J.A.R.V.I.S para contatar o Steve, e Brianna ameaça sair do quarto, mas a impeço mandando ficar sentada na cama quieta. No fim, ela acaba por obedecer. E assim que a imagem do Steve aparece na tela holográfica, e a sua maior cara de sono, percebo que foi a pior hora possível para isso.

—Quer contar ao seu pai o que você fez? – pergunto para Brianna, que dá de ombros voltando ao seu celular. Sei o que eu disse foi clichê, mas eu não sabia direito como começar isso, apesar de já ter feito várias vezes, mas só que o Steve estava aqui, e não do outro lado do país.

Que roupas são essas? – ele pergunta estranhando, e assinto com a cabeça. O loiro me olha preocupado – O que houve?— pergunta preocupado e apontando para a adolescente nos ignorando quase por completo.

—Simples, fugiu de casa, foi a uma festa cheia de bebidas e maconha – respondo esperando por uma reação calma do Steve, mas foi algo diferente, ele bufa passando as mãos pelo cabelo irritado – E ainda a encontrei no meio de tantos maconheiros num quarto – acrescento e Steve se levanta.

Droga! – ouço ele dizer em voz alta depois de algo cair no chão quebrando, e ele volta a ficar na frente do computador em seguida –Porque você fez isso Brianna? — pergunta e posso ver que seus punhos estão se apertando com força. Engulo em seco preocupada com aquilo.

A morena mal olha para nós dois, apenas continua concentrada no celular. Perco a paciência e pego o seu celular colocando no meu bolso, ouvindo suas reclamações, mas ignora de novo abrindo a gaveta e retirando o tablet dali, pego o tablet também.

—Responda – mando e ela me olha enraivecida, com o seu olhar com a pura raiva incandescente. Eu até podia sentir a sua raiva sendo descontada em mim, como se eu ligasse para aquilo.

—Quer mesmo que eu conte, mãe? – pergunta num sorriso irônico esticando as pernas por cima da cama, assinto com a cabeça pagando para ver o que ela quer contar. Mas pela maneira como ela me diz, como me olha, ou até mesmo sorri, não vou gostar disso.

Contar o quê? – pergunta Steve confuso, olhando para nós duas, sabendo que está por fora de alguma coisa que está acontecendo, e provavelmente está, pois tanta coisa aconteceu que ele nem sabe, e prefiro que continue sem saber.

—Porque não me surpreende que você tenha omitido algumas coisas do papai? – pergunta irônica, e começo a perder a paciência. Respiro bem fundo enquanto sinto o olhar do Steve em cima de mim.

Emily, do que ela está falando? – pergunta Steve novamente, e dessa vez, bem mais de maneira acusatória, mas continuo encarando a morena, que me fita com um sorriso irritante no rosto e me olhando vitoriosa.

—Ouvi algumas coisas vindo do quarto da mamãe, simplesmente isso – responde retirando da gaveta do criado-mudo uma lixa de unha e começando a lixar. Olho confusa para Brianna, que coisas são essas? Mas pelo olhar do Steve, ele pensou o pior.

—Que coisas são essas Brianna? – pergunto retirando a cadeira da escrivaninha e usando para me sentar, pelo o jeito, a conversa vai ser bem longa mesmo, melhor economizar a energia para o foco principal.

—Vamos ver se o papai adivinha – ela desafia novamente, e olha para a imagem do loiro, que me observava com atenção e frieza. E percebi que ele pensava que eu tivesse o traído, apesar de a nossa situação estar um pouco enrolada e confusa, eu não faria uma coisa dessas. Me levanto de súbito.

—Não é nada disso que você está pensando Steve, definitivamente não é – tento explicar, mas parece que ele não dá ouvidos.

Explicar o quê, Emily, estamos separados lembra? – pergunta frio, e fecho os olhos ouvindo aquelas palavras, e não me agradando em nada. Mas respiro fundo percebendo o que a Brianna estava fazendo, algo bem do feitio dela.

—Ah gente, não é nada disso não – nega Brianna sorrindo vitoriosa – A verdade é que a mamãe só encontrou um cara chamado Loki no quarto dela, e só conversaram, só isso, alguma coisa sobre ela ir a Asgard com ele – conta me deixando apavorada no momento seguinte. Ouço Steve perguntar o que raios era aquilo, enquanto eu sentava cansada na cadeira, e Brianna segurando a risada.

Pronto! Maravilha! Agora a minha vida vai virar fumaça depois disso! Onde está a minha filha? A minha verdadeira filha? Porque esse pequeno monstro não é a minha Brianna, definitivamente não é. O que aconteceu para ela ficar com tanta raiva de mim desse jeito?

Emily, que estória é essa? Me explique agora! – pede Steve irritado com a mão batendo na mesa a toda hora. Respiro fundo antes de me virar para a sua imagem projetada na parede, onde deveria estar uma televisão.

—Depois conversamos sobre isso – respondo o cortando – Não percebe o que ela está fazendo é tirar o foco principal no qual eu liguei para você? – explico e ele não parece acreditar em mim. Continuo a fita-lo pedindo silenciosamente para dar certo, não quero conversar sobre isso agora, principalmente na frente da Brianna.

—Ela está tentando fugir do assunto – Brianna diz concentrada nas unhas e na lixa. Pego a lixa, quebrando-a e jogando pela janela, ela nada diz, apenas sorri ainda mais vitoriosa. Respiro de maneira bem pesada olhando para ela, e raiva começando a subir muito. Eu não deveria ter bebido aquilo antes de ter vindo para cá.

—Depois conversamos sobre isso – digo firmemente, e me virando para o Steve lentamente, eu tinha medo da sua reação – Agora temos que conversar sobre a Brianna, e sobre o que ela fez, agora!

A tentativa de conversa foi um fiasco, totalmente. Acho que Brianna conseguiu o que queria, me irritar, me afastar do Steve e escapar do castigo, pelo menos a última coisa não conseguiu, pois eu mesma a coloquei de castigo por pelo menos dois meses, até o fim das nossas “maravilhosas férias”.

Depois de cinco minutos do impacto da “grande notícia” de que eu ia para Asgard, mandei Brianna sair do quarto para que eu pudesse conversar com o Steve em paz, e não foi muito produtivo, vamos assim dizer. Ele me acusou de estar o traindo com a única pessoa no universo que não atura.

E o que eu podia dizer? Que eu não estava? Quem iria acreditar naquilo? Mas eu tentei, e não desisti de fazê-lo perceber que aquela ideia era ridícula demais. Loki não era nada mais do que um grande amigo que esteve comigo quando eu precisei, enquanto ele... Bom, não foi de grande valia no momento.

E foi aí que começamos a cutucar um a outro, e não foi com gravetos, mas sim com facas. Lembrei das vezes que ele falhou horrorosamente comigo, e ele as vezes que omiti as coisas para ele. Eu não deveria ter ligado para ele, deveria ter decidido aquilo sozinha. Apesar que eu sabia que a verdade viria à tona de qualquer jeito. Brianna sabia de tudo mesmo, havia escutado tudo por de trás da porta.