Depois que eu busquei as meninas na escola, e enfrentando uma chuva dando inveja a um simples temporal, cheguei finalmente em casa. Joguei as chaves em cima da mesa quando vi Steve no sofá assistindo televisão. Estranhei aquilo, normalmente chegava depois das meninas, isso em horário normal e sem transito e não com problemas na cabeça, uma chuva caindo lá fora e com trânsito até se perder de vista. Mas ele estava ali, olhando para mim, sério, e visivelmente chateado, dava para ver a simples linha fina que eram os seus lábios.

Hannah e Brianna cumprimentaram o pai com abraços e beijos, para depois, a pedido do mesmo, irem para o quarto. A morena reclamou, mas Steve soube contornar. E quando ele olhou para mim, ainda me vendo parada no mesmo lugar, voltou a se sentar no sofá sem mais nenhuma palavra.

—Pensei que você fosse chegar mais tarde – comento ainda plantada no chão parecendo mais uma árvore com os braços caídos ao lado do corpo, as pernas e a coluna retas, a semelhança era enorme.

—Você está melhor? – pergunta apoiado nos joelhos pelos cotovelos e ignorando completamente o meu comentário, pois sabia que daria uma discussão, de novo.

—Sim, estou, obrigada – respondo notando quão frio foi a resposta, e ele notou, com toda certeza, ele notou.

—De nada – diz simplesmente sem olhar para mim, com o olhar fixo num jogo de beisebol e olha que ele nem é tão fã assim, deve estar tentando evitar olhar para mim, e eu entendo perfeitamente.

Mas quando estou indo ao quarto, ou voltando ao quarto, ele me chama no último segundo antes de virar a maçaneta, suspiro ficando parada e me decidindo se atendo ao chamado ou se ignoro. Eu tenho certeza que ele irá querer discutir sobre o que está acontecendo e sei que é necessário, mas é a última coisa que eu quero fazer hoje. Mas espera, eu usei essa mesma desculpa para mim mesma ontem, e não posso fazer isso, tenho que encarar.

Me viro voltando para a sala ouvindo as sapatilhas batendo no chão, o encaro confiante de que isso vai dar certo e vai tudo se solucionar e que depois vou sentir um alivio nas costas depois.

—Sente aqui, por favor – pede educadamente, mas de maneira formal, batendo na almofada ao lado dele, aceito e me sento com cuidado. Minhas mãos estão suando horrores e meu coração está muito rápido. Até respirei fundo várias vezes tentando me fazer acalmar, mas que não deram certo.

—Acho que você quer discutir sobre a minha estranha reação ontem, acertei? – pergunto e ele nega com a cabeça – É o que então?

—Primeiro, não quero discutir – diz desligando a televisão e ficando um silêncio que está me incomodando, apenas a chuva batendo nas portas de vidro da varanda e alguns trovões de vem em quando – O que eu quero perguntar é algo que eu quero que você seja totalmente sincera comigo – responde e meu coração dá um pulo ainda maior e batendo ainda mais rápido. Sinto um suor escorrendo pela nuca depois disso.

Sempre esse tipo de pergunta me assustou, era do tipo que se eu desse a resposta errada, eu estaria ferrada, e agora, nesse clima, nada estava amenizando a situação.

Afirmei com a cabeça o escutando respirar fundo e provavelmente querendo reunir coragem para colocar para fora as palavras. Eu sei como ele se sente, se estou nervosa somente com essa eternidade de espera, imagina para responder, acho que vou ter um infarto depois.

—Você está querendo o divórcio? – pergunta de uma só vez e com dor nos olhos, pois eu vi aquilo, bem no fundo deles. Eu conseguia ver tudo através dos olhos dele, e dessa vez o que eu vi, eu não gostaria que estivesse ali, era dor, era algo que me machucava por estar provocando aquilo nele. Eu me senti culpada na hora, fui idiota a ponto de só ligar para mim mesma e não para o que ele estava sentindo, e por isso a pergunta.

Nego com a cabeça e pego na sua mão, mas ele não se sente aliviado com isso, apenas abaixa a cabeça olhando para as nossas mãos juntas.

—Eu não quero o divórcio – respondo nervosa e vejo seus ombros mais tensos do que nunca, ele também está nervoso. Mas uma pergunta aparece na minha cabeça, uma coisa que eu já pensava na possibilidade dele querer desde que comecei a assistir o segundo filme – Mas e você?

Depois que eu disse aquilo, levantou o olhar e fixou nos meus olhos.

—Não – responde simplesmente, mas não fico aliviada, apenas mais tensa – Seja sincera comigo, Emily – pede e assinto com a cabeça segurando sua mão com as minhas duas mãos – Você tem outra pessoa? – pergunta se referindo se eu tenho traído ele e não me assusto com ela, apenas fiquei olhando em seus olhos e vi a preocupação neles, e ela ainda estava lá, a dor.

—Não, nunca tive – digo com firmeza, e ao mesmo tempo, querendo acolher ele nos meus braços e expulsar toda aquela dor dentro dele, colocar tudo para fora como se coloca ratos para fora de casa. Como eu gostaria de abraça-lo, beijá-lo, e dizer que o amo, e bom, ele está bem na minha frente, e não distante, bem perto, mas ao mesmo tempo tão longe.

O loiro assente com a cabeça olhando para o próprio colo de novo. E quando ele respira bem fundo, eu coloco as minhas mãos em seus ombros, ele olha para mim, e finalmente lhe beijo, devagar e bem delicadamente como se fosse a primeira vez que fazíamos isso, apenas conhecendo um a boca do outro.

Eu só gostaria que ainda tivessem as borboletas na barriga quando eu o encontrasse, ou o beijasse, porque aí eu sentiria o momento como se fosse único. Mas eram tantas brigas e no final tantas reconciliações que até me acostumei com isso, quem me dera não tivesse.

Sua boca ainda está colada na minha quando o loiro me puxa para mais perto querendo mais beijos. E minha língua se encontra com a sua. Acaricio seus cabelos loiros com certeza bagunçando tudo, mas como sempre, ele não liga. Steve aperta tantas vezes a minha cintura, e nunca ligo. Eu só gostaria que ainda tivessem aquelas pequenas emoções se borbulhando dentro de mim, mas não estão, não tem mais, já se foram há muito tempo.

E quando paro com o beijo, olho em seus olhos, e depois a sua boca vermelha e entreaberta, mas volto para os seus olhos, me apoio com as mãos em seu peito a centímetros do seu rosto frente-a-frente com o meu.

—Desculpa, eu não estou bem – assumo, mas saiu tão depressa que até eu nem acredito que eu disse aquilo. Não era para eu dizer, na verdade, eu não sei o motivo, mas eu não queria contar... Apenas... Escapuliu. Fecho os olhos abaixando a cabeça com a vergonha cravada no meu rosto. Não é um medo dele saber que estou mal, de verdade, ou que sou fraca a ponto de deixar os meus medos me vencerem, é algo diferente, orgulho talvez.

Ele levanta o meu rosto com a ponta dos dedos voltando a olhar nos meus olhos, mas desvio tanto por causa da vergonha. Tento até sair de seu colo voltando a ficar sentada ao seu lado no sofá, mas ele não permite, segura a minha cintura de modo a me deixar em seu colo de lado.

—Emily, olha para mim, por favor – pede delicadamente, e receosa, olho, seus olhos fixos em mim, mas não tinham nada do que eu tinha medo de ter, eram confortáveis, me dava vontade de ficar olhando para eles por todo o resto da minha vida, de novo – O que você tem? – pergunta baixinho e diminuindo a força que está usando para continuar me prendendo no seu colo, agora era apenas carinho. Respiro fundo colocando uma mecha atrás da orelha.

—Eu não sei – digo incerta, talvez eu saiba, talvez não. Talvez o meu diagnóstico esteja errado, talvez ansiedade não seja o meu problema – Apenas fico mal por causa de tudo, e está dando tudo errado, e me deixa tão mal – confesso baixinho. Steve leva uma das suas mãos até o meu rosto fazendo carinhos ali, seguro a sua mão rapidamente e quase começo a chorar com aquilo, estava tudo difícil demais para mim, coisas pesadas demais para carregar.

Ele não diz nada, apenas me abraça, forte e reconfortante, como sempre fez mas que ultimamente parou e me pergunto o motivo, me fazia tão bem. Me passa pela cabeça que talvez tenha vindo de mim o porquê dele parar, porque talvez eu seja complicada demais, chata demais, e principalmente, negligente demais com ele a ponto de não conseguir ver que ele também está mal, que também está estressado. Quando nos separamos respiro bem fundo decidindo contar logo.

—Está tudo voltando, tudo o que passei, o que passamos, está voltando – aviso abaixando a cabeça, mas ele continua a me fitar – Quanto mais eu tento parar de pensar, mais eles voltam. Todos os dias, todas as horas – digo baixinho, saindo quase que um sussurro – Eu não sei o que fazer...

Quando finalmente olho para ele, ele só continua a me observar com um meio sorriso no rosto e seus dedos continuando a me fazer carinho e peço mentalmente para que não pare. Fica um silêncio tão incomodador entre a gente que quase pedi para ele falar alguma coisa, porém ele finalmente fala alguma coisa.

—Temos que fazer isso parar, porque senão, daqui a pouco, isso vai consumir você – avisa e concordo com a cabeça.

—E não já está? – pergunto ironicamente mais para mim mesma, mas ele ignora.

—Você deveria ter me falado isso antes – diz voltando a acariciar o meu rosto – Iria ser muito mais fácil.

—Mas não dava para falar na época. Nós mudamos muito nos últimos tempos, tudo mudou na verdade. Paramos de lembrar um do outro, paramos de nos importar um com o outro – justifico e ele parece concordar, pois desvia o olhar para outro lugar – Parece que não somos nada do que éramos antes.

—Você acha? – pergunta e assinto com a cabeça.

—Ficamos tão frios, e ignoramos as necessidades um do outro – acrescento e ele ainda olha para outro lugar – Steve, olha para mim – peço e vira o rosto na minha direção e lhe dou um sorriso pequeno – Não estou dizendo que a culpa foi exclusivamente sua, foi nossa, minha e sua deixar isso acontecer.

—É, mas se eu não tivesse...

—Para – peço colocando a minha mão sobre a sua boca o impedindo de falar – Nada disso é sua culpa, e ponto final – digo de maneira firme e retiro a mão.

O loiro olha para mim, sorri e beija a minha testa da mesma maneira como fazia antes, há muito tempo, anos atrás, e fecho os olhos querendo que aquela época volte. Sorrio e lhe beijo nos lábios mais uma vez, mas não ficamos apenas parados no sofá, fomos para a cama e ficamos horas e horas olhando um para o outro, nos beijando para no final nem dormimos a noite toda, e valeu a pena, pois quando terminamos o despertador começou a tocar, rimos indo aos tropeços ao banheiro para tomarmos banho juntos.

E quando finalmente terminamos ele já estava atrasado para ir ao trabalho e eu atrasada para levar as meninas a escola, que ainda bem que não bateram na porta reclamando pela demora.

Terminamos rapidamente para nos arrumar, fomos tomar um rápido e corrido café da manhã, para no final percebermos, e os carros? O do Steve foi rebocado, o meu está no depósito da prefeitura esperando ser liberado para leva-lo ao mecânico e consertá-lo. Demos de ombros pouco ligando para isso, nosso humor estava ótimo e até as meninas estranharam aquilo. Fomos todos juntos de táxi, deixamos as meninas com muitos beijos e abraços na escola, e depois deixei Steve no trabalho dele e demoramos um pouco além da conta na hora da despedida, mas valeu a pena. E no final pedi para que o motorista me deixasse no depósito de carros da prefeitura. A corrida não saiu nada barata no final, mas eu estava de ótimo humor.