Almejar

Capítulo II - Relacionamentos


O céu ganhava colorações mais escuras quando Milena deixou o prédio junto de Mônica, que havia trabalhado sem parar para terminar as coisas do casamento que organizava e tentar pensar em algo para o de Carmem.

“Então a Carmem vai pedir o namorado em casamento? Que fofo!” a cacheada comentou.

“Não se engane, aquela lá só quer se casar por status. É tão triste isso, Milena... O último casamento que fiz foi o da Magali, e lá existia amor de verdade. Foi lindo!” a outra disse, suspirando ao fim.

“Eu lembro, o casamento dela foi lindo mesmo. Ela ainda está na Europa?” a cacheada perguntou.

“Sim! O marido dela tem residência europeia, aí facilitou ficar mais tempo. E eu, sendo a romântica que sou, sofro tendo que organizar um casamento sem amor.” Mônica respondeu.

“Mas todo casamento que você organiza o casal realmente está apaixonado?” perguntou.

“Até hoje, sim. Só que sou tão sortuda que o primeiro sem amor que vou pegar vai ser logo o da filha do chefe. Ela nem mesmo me disse do que gosta ou não, estou completamente perdida!” comentou e a outra riu.

“É… te desejo boa sorte!” desejou e a amiga sorriu.

“Vai direto pra casa? Posso te dar uma carona! A Agnes já deve ter chegado e limpado aquela sala duas vezes, pra gente nem poder pisar direito. Na boa, Mi… morar com alguém com mania de limpeza tem sido um desafio.” comentou.

Mônica e Milena haviam se conhecido na faculdade, quando a de cabelos curtos ainda cursava Direito e precisava dividir os custos do apartamento, conhecendo ela e Magali, a amiga que se casara há poucos meses. Quando Magali se casou, foi morar com o marido e surgiu uma vaga no apartamento, que foi ocupada por Agnes, que, embora sempre tenha deixado claras suas tendências hipocondríacas e mania de limpeza, era difícil de se adaptar.

“Ah… até onde eu sei, ela tem ido pra terapia, então é um avanço. E não vou direto pra casa, combinei de dar um rolê com o Cascão hoje.” respondeu e a outra sorriu maliciosa.

“Não sabia que ‘tava de rolo com alguém.” comentou maliciosa e a amiga riu.

“Não é rolo, é o nosso vizinho e amigo meu. Que foi padrinho de casamento da Magá, inclusive.” lembrou e Mônica pareceu se lembrar.

“Ah, lembrei! Nossa, eu nem vejo os vizinhos e você é até amiga deles!” comentou e Milena riu.

“É que você leva muito trabalho pra casa, Mônica. Quer vir comigo? Pelo visto, ele vai levar um amigo também. Vai que é seu príncipe encantado?” convidou e a amiga gargalhou.

“Fica pra próxima. Tenho que stalkear a patricinha pra descobrir o que ela gosta.” negou.

“Nos vemos depois então.” despediu-se, indo para outro caminho.

Mônica foi até o estacionamento e entrou em seu carro. Naturalmente, o trânsito era horrível àquela hora, o fato de ser sexta-feira só piorou as coisas. Ao chegar em sua casa, tudo que queria era tomar um banho quente e relaxar.

“Finalmente livre!” exclamou entrando em casa com seus sapatos em mãos e indo até seu quarto.

Assim que se sentou em sua cama, seu celular vibrou, era um áudio de Carmem.

“Mônica, preciso que você também vá ao jantar. Assim já vemos hoje mesmo essas coisas.” ouviu.

“Tá de brincadeira comigo…! Se bem que se eu fizer isso hoje, me livro de ter que fazer reunião com eles amanhã e ganho tempo… hum…” balbuciou.

“Carmem, fiz a reserva apenas para vocês dois. Não sei se dá certo.” mandou uma resposta.

“Relaxa, já avisei para eles que é mesa para três. Preciso que alguém grave o pedido, né?” a outra respondeu.

Mônica bufou.

“Ela realmente acha que sou assistente dela? Calma, Mônica… pense nos casamentos caros que vão vir desse trabalho! Que vão te permitir trocar aquele UNO todo capenga; morar sozinha e longe dessa faculdade que me dá gatilho; e, quem sabe, fazer aquela viagem que estou adiando há anos!” almejou.

“Tá bom, Carmem. Te vejo lá.” respondeu.

Deitou-se em sua cama e respirou fundo.

“Segurar vela, ser assistente da patricinha e ainda ter que gastar dinheiro em restaurante caro… dia de sorte!” comentou irônica.

*

Um pouco longe dali, em um barzinho ao lado de uma rampa de skate, Milena dividia uma cerveja barata e coxinhas gordurosas com Cascão e alguns amigos, dentre eles o convidado do rapaz, que era ninguém menos que Cebola.

"Teu amigo ‘tá desfazendo da nossa cerveja barata, Cascão.” um amigo comentou ao vê-lo não comer nem beber nada.

"Nem é isso, é que eu vou jantar com minha namorada hoje.” Cebola respondeu bloqueando o celular.

"O cara vai comer num restaurante chic e a gente aqui na dureza. Inveja, viu?" Cascão comentou após engolir sua bebida.

"De jantar em um restaurante chic? Não… prefiro comer algo que encha minha barriguinha." Milena brincou e Cebola riu.

“Real! Uma vez saí com uma mina que quis ir em lugar chic e tive que pedir um delivery quando cheguei em casa. Gastei duas vezes!” um deles riu ao dizer.

“Você que come que nem porco e é mão de vaca, é diferente!” Cascão riu ao zombar.

“Dependendo do que eu pedir, vai encher meu bucho. Mas e aí? Qual é a boa de hoje, gente?" Cebola puxou uma conversa.

"Tive que fotografar o nu artístico de um casal chato que é famoso por fazer os outros serem demitidos se não gostarem de algo. Acho que nunca fui tão puxa saco como hoje.” Milena falou.

“Ah, ‘cê é fotógrafa?” ele perguntou e ela assentiu.

“Boa pra caramba, inclusive! Não por acaso trampa lá na Dream!” uma amiga sorriu ao dizer, fazendo Milena rir.

Cebola deu um riso.

“Conheço essa empresa. Só tem gente foda mesmo. Aquele Grózny é incrível.” comentou sem deixar clara a relação com os donos do local.

A cacheada riu após dar um gole em sua bebida.

“Odeio ele. Só me joga em trabalho ruim.” comentou.

"Espera aí… só agora que me toquei! Era nu artístico? Você tirou foto de gente pelada?" Cascão riu ao perguntar.

"Não é isso que você 'tá pensando, Pervertido. É coisa profissional! O problema era o casal. E você? O que andou fazendo além de matar aula." ela perguntou.

"Eu nem matei aula hoje. E entrei no Tinder pra ser amigo de aluguel." o moreno respondeu.

Os demais arregalaram os olhos.

"Você fez o quê?!" interrogaram juntos.

"Isso mesmo. Eu tenho que pagar meu cartão, amigos." falou.

"Nem sabia que dava pra usar o Tinder pra isso." Milena comentou.

“Não acha que vão te dar match pensando em outra coisa, Cascão?" Cebola perguntou.

"Eu deixei claro no meu perfil que é só amizade mesmo, sem intenção sexual ou amorosa por trás. Aqui como ficou." respondeu mostrando o celular.

Cebola esticou o pescoço para ler também, rindo alto ao fim.

“Só mesmo um fracassado desesperado pra topar isso. Tem até cara de golpe! De onde veio essa ideia? Experimento social?" perguntou.

"É o que eu te disse hoje, Careca, eu 'tô zerado de grana. Gastei como se não tivesse amanhã e, olha só, o amanhã chegou. Meu nome não pode sujar de novo e não posso pedir mais grana emprestada pros meus pais." respondeu.

"Já ouviu falar em CLT?" Cebola perguntou rindo, fazendo os demais rirem.

"Ah, cala a boca! Tu namora uma riquinha que te banca! Nunca nem pegou numa enxada e quer falar merda." Cascão respondeu rindo.

"E você já?" o outro rebateu.

"Só nesta aqui." respondeu apertando o próprio pênis, fazendo os demais gargalharem.

"Isso daí é faca de manteiga." Cebola comentou.

"Vamos respeitar a dama aqui presente?" Milena apontou para si mesma.

"Dama não tira foto de gente pelada, Milena." um amigo zombou.

"Era nu artístico! Mas voltando... Isso vai funcionar como, Cas?" ela perguntou.

"A pessoa me contrata e eu me transformo em amigo pelo tempo que for contratado. Eu sei fingir bem e vocês sabem que sou comunicativo e inimigo da timidez." explicou.

"Vou começar a te chamar de prostituto." Cebola zombou.

Cascão revirou os olhos.

"Não vai rolar sexo, cara!" ressaltou enquanto pegava o celular.

O amigo gargalhou.

"Eu 'tô te zoando, mano." disse.

"E já apareceu algum contato?" Milena perguntou.

"Não sei, eu dependo de wifi e estou sem já faz um tempo. Mas deve ter, um cara lindo desses." respondeu apontando para si mesmo.

"Mentir realmente é bem fácil pra você." Cebola disse e o outro mostrou o dedo médio.

“Titi ‘ta dando festa, gente! Vamos lá!” uma amiga os convidou.

“Hoje eu passo.” Cascão negou e os demais saíram após pagarem suas partes, sobrando apenas ele e Cebola.

“Eu posso rotear pra você, Cabeção. Quero ver se teve algum doido que deu match.” falou pegando seu celular.

Ao conseguir internet, o celular de Cascão vibrou.

"Ah, moleque! Consegui!" comemorou.

“Um match?” Cebola perguntou surpreso.

"Uma cliente!" corrigiu.

O amigo riu e olhou as horas.

“Preciso ir agora, a gente se vê, Trabalhador.” falou dando um soquinho no ombro do amigo.

*

Um pouco mais tarde, Mônica respirou fundo ao perceber que havia sido a primeira a chegar, nem mesmo os noivos estavam ali. O restaurante japonês era chic e requintado, tanto que somente a alta sociedade costumava frequentá-lo, todavia, Mônica já conhecia o local, afinal, já havia se reunido ali com clientes que preferiam não conversar em um escritório.

“Olá, Mônica. Marcou de falar com algum de nossos clientes?” uma garçonete perguntou assim que ela entrou.

“Oi, Ana. Mais ou menos. Vai rolar um pedido de casamento aqui e preciso estar aqui pra já começar os trâmites. Estou na mesa para três, reservada para Carmem Frufru.” respondeu.

Ana a encarou surpresa.

“A Carmem vai casar? Estou surpresa! Vem comigo.” falou vendo em seu tablet onde ficava a mesa.

Mônica se sentou na mesa afastada, próxima a um pequeno lago com carpas.

“Ana, poderia trazer para mim uma água com gás?” pediu e a outra anotou e saiu.

A wedding planner balançou a perna tediosamente e pegou seu tablet de trabalho e abriu na planilha que havia criado para Carmem, onde adicionou uma informação sobre o noivo: gostava de comida japonesa.

Estava tão focada em pesquisar buffets que possuíam comida japonesa no cardápio que se assustou quando ouviu alguém falar consigo.

“Licença… acho que está na minha mesa.” a voz masculina soou educada.

Mônica levantou os olhos e os arregalou levemente ao ver o belo rapaz em sua frente. Mas logo balançou a cabeça, tendo um lapso de quem poderia ser.

“Ér… você é o Cebolácio?” perguntou.

“Sim.” ele respondeu e ela se levantou.

“Então estou no lugar certo. Sou Mônica, a… assistente da Carmem, falei com você hoje mais cedo. Ela pediu que eu viesse pra… bom, pediu que eu viesse.” estendeu a mão direita, que foi apertada.

“Ah, oi! E cadê ela?” perguntou.

Mônica franziu o cenho.

“Ela… ela não ‘tá com você?” respondeu com um questionamento.

Foi a vez de Cebola franzir o cenho.

“Não… nem nos vimos hoje.” respondeu.

A morena suspirou.

“Pelo visto, ela deve que vai atrasar um pouquinho…” falou e ele deu de ombros e se sentou.

“Bom… não acho que ela vai se incomodar de eu ter começado a comer. Estou faminto! Já pediu alguma coisa, Mônica?” perguntou e ela deu um riso, sentando-se novamente.

“Só uma água com gás mesmo.” respondeu e Cebola riu.

“Água com gás? Você é corajosa.” comentou e foi a vez de ela rir.

“Um dia, você também vai começar a gostar.” falou.

“Bom, eu não gostava de sushi e hoje adoro. Pede alguma coisa também, eu dou um jeito de ela pagar pra você.” sorriu, piscando um olho ao fim.

“Não precisa se preocupar.” Mônica falou e ele negou.

“Preocupação nenhuma. Se for pra esperar, que seja sem a barriga roncando. Já comeu o onigiri daqui? É maravilhoso!” exclamou e a morena abriu um sorriso.

“Bom… não deveria, mas o cheiro da mesa ao lado está me dando fome. Você é gentil, Cebolácio.” falou e ele riu.

“Pode me chamar de Cebola. E admiro quem aguenta os caprichos da Carmem. Aquela lá é A patricinha.” comentou e ela riu novamente, talvez esperar por Carmem não seria tão entediante assim.

*

Agnes havia marcado de se encontrar com seu par no mesmo dia, afinal, tinha muitas coisas a tratar com ele. Escolheu uma praça, preferia um local aberto e cheio de pessoas, preferencialmente se movendo, e não ao seu lado.

“Por que justo agora a Penha tinha que estar fora do país e a Sofia viajando com a chata da Denise? Odeio minha vida, viu?!” reclamou sentada no banco de madeira.

De repente, seu celular vibrou.

“Oi, Agnes. Estou aqui, onde você ‘tá?” a voz masculina de seu par soou.

“Em frente à padaria Joaquim.” respondeu olhando para a já fechada padaria.

Não demorou para o rapaz se aproximar, fazendo ela franzir o cenho. O rapaz com quem dera match era seu vizinho que vivia andando suado pelo prédio.

“Ah, então seu nome é Agnes!” ele disse com um riso.

“E o seu é Cássio…” falou e ele assentiu.

“Sim, mas pode me chamar de Cascão. É um prazer enfim conhecer minha vizinha ranzinza!” aproximou-se para um cumprimento, mas ela se levantou e se afastou.

“Sem toques! Não gosto.” falou séria e ele assentiu e colocou as mãos nos bolsos.

“Beleza.” aceitou.

Agnes o mediu dos pés à cabeça. Enquanto na foto ele usava um terno e óculos de sol, pessoalmente usava uma camiseta comprida, bermuda cargo, um casaco xadrez amarrado na cintura e um tênis, sem contar do skate embaixo do braço.

“Você está bem diferente na foto…” comentou em voz alta.

“Sabe como é, tinha que estar nos trinques na foto de trabalho. Eu ‘tava num casamento naquele dia, fui padrinho. Da mina que morava no seu apê antes de você, inclusive.” respondeu risonho.

“Aham. Você usou a palavra certa: trabalho. Então não pense que vai conseguir alguma coisa comigo, Cássio.” falou séria e ele assentiu.

“Não se preocupe, não é minha intenção também. Bom… do que você precisa, Agnes?” perguntou enquanto se sentava.

A moça também se sentou, mas o mais longe que pôde.

“Andei mentindo pros meus pais que tenho um namorado, então é aí que você entra.” falou e ele assentiu.

“Beleza, mas preciso saber mais coisas.” falou.

“Que coisas?” a moça perguntou.

“Sobre você, sobre a duração desse falso namoro e até mesmo sobre seus pais.” respondeu e ela deu um riso.

“Bom… acho que essa vai ser uma longa conversa.” comentou.

“Prefere que a gente converse em um lugar mais reservado?” ele perguntou simples.

Agnes franziu o cenho.

“Sai fora, Safado! Eu não vou te levar na minha casa! Já disse que não tenho intenção de…” falava até ele erguer as duas mãos em rendição.

“Calma! Não foi isso que eu quis dizer. É que a barulheira da praça vai fazer você ter que repetir a mesma coisa umas 50 vezes, já que você prefere ficar um pouco mais longe. Agnes, como eu disse, isso aqui é trampo.” respondeu.

A loira suspirou.

“Certo. Na minha casa não rola, acabei de limpar. E na sua com certeza não, imagino o lixão que é aquela casa com… sei lá quantos caras moram com você.” ela disse e ele riu.

“Somos em três, igual no teu apê. E não é tão bagunçada assim. Hoje mesmo eu tirei a pilha de pratos de cima da mesa de sinuca e lavei minhas louças de uns dias.” brincou e ela arregalou os olhos enojada.

“Tô brincando! A gente pode ir numa mesa de barzinho, dessas que ficam do lado de fora.” revelou ao ver a expressão dela.

“Barzinho é muito cheio a essa hora, não gosto de lugares muito cheios.” falou e ele suspirou.

“Então onde você sugere?” perguntou.

A moça suspirou, precisava ceder para seu plano funcionar.

“Tá, pode ser na minha casa. Mas tem que tirar os sapatos pra entrar!” exclamou e ele assentiu.

“Sem problemas.” falou.

O caminho foi silencioso e um tanto desconfortável. Aproveitando que o destino era ao lado de seu apartamento, o rapaz guardou seu skate e trocou os tênis por um chinelo, que foi tirado ao entrar no apartamento de Agnes.

“Pode se sentar.” ela apontou para o sofá, que continha uma capa plástica, e ele se sentou.

“Por onde eu começo…?” questionou-se.

“Que tal me falando de você? Pode ser o básico, só pra eu ter respostas. Vou até anotar pra não esquecer.” o rapaz sugeriu e pegou o celular.

“Bom… eu estudo Biologia na faculdade do Limoeiro; não sou muito de sair; detesto sujeira e multidões. Ah, é importante você saber que tenho uma certa mania de limpeza e tendências hipocondríacas. Como eu posso explicar de um jeito que você entenda…?” respondeu e se fez uma pergunta após encará-lo por alguns segundos.

Cascão deu um riso.

“Não se preocupe, eu sei o que é hipocondria.” respondeu.

“Ah, que bom. Mas eu não sou hipocondríaca, pelo menos não mais, atualmente eu tenho tendência. Mas eu faço acompanhamento. Enfim… é importante que isso não seja um problema, porque essa é a principal razão de eu ter mentido pros meus pais que tinha um namorado.” ela disse.

“Como assim?” o rapaz perguntou.

“É que eles me cobravam muito pra… parar com isso, como se fosse uma escolha. Então eu disse que ‘tava bem melhor e que até tinha deixado de lado minha mania de limpeza. Mas… a realidade não é bem essa. O processo é lento.” explicou e Cascão assentiu.

“Entendo. Então temos que fingir que tuas tendências hipocondríacas e mania de limpeza não existem mais.” deduziu.

“Isso!” a moça confirmou.

O rapaz assentiu.

“Acho que vai ser difícil, Agnes. Já foi um trampo a gente conseguir vir pra cá e até mesmo ficar mais perto um do outro…” comentou.

A moça suspirou.

“É… mas depois a gente vê o que faz. Agora… sobre meus pais… eles são mais de idade e um pouco… rígidos.” revelou.

“São do tipo ciumentos?” ele perguntou.

“Eu acho que não.” respondeu e o moreno assentiu.

“E sobre esse falso namoro, eles pretendem ficar por aqui durante uns três dias, não acho que passe disso. Então precisamos fingir que somos íntimos, apaixonados e… sei lá, normais.” completou e ele assentiu de cenho franzido.

“Certo… tenho um grande trabalho pela frente. Vamos falar em valores…” falou e ela assentiu.

“Olha, Agnes, você é minha primeira cliente, então minha tabela de preços ainda é incerta. Mas é uma coisa bem… complexa.” falou.

“Cem reais por dia ‘tá bom? Sei que não é muito, mas trabalho meio período na GGeek e meu salário não é lá essas coisas…” ela falou direta.

O rapaz arregalou os olhos.

“GGeek? Eu amo aquela loja! Eu não tive a chance de ir na física, mas comprei muita coisa na online. Seguinte, eu topo os 100 por dia e… se rolar um cupomzinho de desconto… eu fico feliz.” falou e ela riu.

“Vou ver com o Nik. Então fechado!” ela disse e ele sorriu.

“Ótimo! Ah, é, tenho que falar sobre mim.” lembrou-se.

“Só o básico, Cássio. Eu duvido que eles vão querer saber tanto de você.” ela disse sincera.

“Bom, eu faço Educação física na mesma faculdade que você; estou tentando ser jogador de futebol; pratico muitos esportes, exceto que envolvam água; sou apaixonado por cultura geek e… amo um rolê, quanto mais apocalíptico, melhor.” riu ao dizer.

Agnes fez uma careta.

“Ah… somos meio… opostos. Mas acho que dá pra aturar. Eu convivo com uma outra pessoa que gosta de festas também.” falou e ele riu.

“A Milena, né? A gente dá rolê junto. Na real, ela é a única daqui do apê de vocês que eu realmente vejo ou me aproximei. A do cabelo curtinho eu quase não vejo e você sempre fica com cara de ranzinza.” confessou.

Agnes o olhou surpresa.

“Você realmente é bom em fingir?” perguntou diante da sinceridade e ele riu.

“Ah, eu tinha que fingir pra você também? Foi mal, foi mal.” falou e a loira acabou rindo.

“Acho que por hoje é isso, Cássio. A gente vai se falando.” falou e ele assentiu.

“Beleza. Qualquer coisa, é só gritar aqui do lado.” falou e logo saiu do local.

Agnes suspirou, seria um grande desafio. O pensamento de Cascão não fora muito diferente.

“Olha o B.O que eu peguei… mas 300 conto e um descontinho na GGeek já me ajuda e muito!” comentou e seu celular vibrou.

“Opa, mais um match! Dever me chama!” exclamou indo ver do que se tratava.

*

Um pouco distante dali, no apartamento de Nikolas, Carmem e ele tentavam criar o pedido de casamento ideal, porém, estavam há horas tentando e nada ficava natural.

“Cebola, quer ser meu player 2?” Carmem, sem ânimo algum, falou deitada no sofá do amigo, que riu enquanto dava uma garfada em seu macarrão instantâneo.

“O outro pedido já ‘tava falso, esse conseguiu ser pior. Você nunca vai conseguir fazer um pedido natural se não sente nada pelo cara.” o rapaz respondeu.

“Essa coisa de sentimento não tem nada a ver com pedido de casamento.” ela disse.

“Você realmente se ouve falar?” ele perguntou.

A loira riu.

“Se você é tão sentimental assim, dá uma ideia melhor.” rebateu.

“E quem disse que sou sentimental? Vamos apelar para a internet, não aguento mais seus pedidos nada convincentes.” falou abandonado sua comida na mesa de centro para começar a digitar no notebook em seu colo.

Carmem se sentou e se esticou para pegar o prato do amigo, para dar uma garfada.

“Tomate suave? Conhece as coisas boas da vida, Nik.” observou e ele riu.

“Você reconhecer um sabor de miojo me surpreendeu, Carmem.” comentou e foi a vez de ela rir.

“O Cebola é preguiçoso que nem você, uma vez que fui lá, ele fez e eu comi. ‘Tava faminta, que nem estou agora.” explicou.

Nikolas estalou o dedo, tendo uma ideia.

“É isso! Você pode usar algum momento legal de vocês pra colocar no pedido! Seus seguidores vão gostar de saber uma coisa do cotidiano do casal.” sugeriu.

“É uma ótima ideia! Agora deixa eu lembrar de algum momento legal…” respondeu pensativa e o amigo gargalhou.

“Vou entrar no seu insta pra refrescar sua memória, Garota apaixonada.” zombou e ela lhe deu um tapinha enquanto ria.

“Bobo! Vou acabar com seu miojo, pra você deixar de ser sem graça.” falou dando outra garfada no alimento.

“Depois não é minha personal trainer, nutricionista e essas coisas que vai surtar. Ainda mais com você sendo uma futura noiva.” falou e ela deu de ombros.

“Isso é o de menos. Ah, aquela foto ali! Esse dia no parque foi legal. Lembro de ter achado um lugar com iluminação ótima para fotos aesthetic e tive muitos likes.” apontou.

“Tá… mas e a parte legal com o Cebola?” ele perguntou e a moça mordeu a própria bochecha.

“Hum… eu não lembro direito o que a gente fez nesse dia… tem mais que foto? O que ‘tá na legenda?” perguntou e ele clicou.

“Era aniversário de namoro. Tem uma de vocês na roda gigante.” falou.

A moça assentiu.

“Vai ser isso! Falo que esse momento marcou e… e… Caramba! Não imaginava que seria tão difícil fazer um pedido de casamento instagramável!” reclamou.

“Talvez o problema seja esse. Você só ‘tá pensando nos likes e não ‘tá nem tentando sentir alguma coisa.” Nikolas comentou.

“Sinto pressa, Garoto amoroso.” ela respondeu e ele revirou os olhos.

“Estamos andando em círculos aqui e o tempo ‘tá passando. Você até já devia estar no encontro de vocês.” ele disse.

Carmem se virou para ele.

“Tá, vamos mudar a estratégia. O que você gostaria de ouvir num pedido de casamento?” perguntou e ele desviou o olhar.

“Eu… eu não acho que seria pedido em casamento, mas se fosse… iria gostar de ter alguma coisa que mostrasse que nos conhecemos bem.” respondeu.

A loira pensou por um instante e digitou algo.

“Que tal… Cebolácio, meu amor, me faltam palavras para descrever o que sinto por você. Naquele dia da roda gigante, justo no nosso aniversário de namoro, quando a gente estava lá no alto, eu percebi que estar com você é o mesmo que estar nas nuvens. E vejo que é isso que eu quero pra mim, até quando você joga e eu não entendo nada do que ‘tá acontecendo. Então queria saber se… agora preciso de alguma cantada de gamer.” falou e o rapaz pensou por um instante.

“Se podemos ser um duo na vida real. Quer casar comigo?” completou.

Carmem franziu o cenho.

“O que é duo?” perguntou e ele riu.

“Dupla em jogo, na maioria das vezes que sabe fazer um ótimo jogo juntos.” respondeu e ela sorriu abertamente.

“Perfeito! Vai ser isso! Enviei no seu contato pra eu não esquecer na hora. Conseguimos fazer um pedido! Somos um ótimo duo, Nik!” falou abraçando o amigo, que riu.

“Já ‘tá traindo o Cebola? Que coisa feia!” brincou e negou com a cabeça.

“Serei uma esposa muito fiel, ok? Eu tenho que ir agora.” respondeu enquanto se levantava.

“Peraí! Qual desses você acha mais bonito? São os convites das bodas dos meus pais.” falou e ela olhou, um era vermelho e outro dourado.

“O vermelho. Vermelho é a cor do amor, combina com seus pais.” escolheu e Nik riu.

“Pra alguém que não liga pro amor, ‘tá sabendo bastante.” comentou e ela pegou sua bolsa.

“Ainda cresci em uma empresa que finge acreditar nessas baboseiras. Tchau, migo. Muito obrigada por ter me ajudado com isso. Aposto que vou ter muito mais like que aquela mosca morta da Amanda!” falou mandando um beijo e saindo em seguida.

Nikolas negou com a cabeça e olhou para seu monitor. Ninguém, nem mesmo seus pais, sabia que pouco antes do fim de seu namoro com Keika pretendia pedi-la em casamento.Talvez não soubessem nem o motivo do término, e preferia assim.

“Talvez Carmem esteja certa… casamentos não são tudo isso.” comentou.

*

Carmem estava muito atrasada, mas isso não incomodou Mônica e Cebola como acharam que se incomodariam. Os dois riam enquanto falavam sobre histórias deles mesmos. Haviam falado sobre seus cursos, sobre histórias de famílias, perrengues e até mesmo relacionamentos frustrados.

“Aí eu fiquei cara a cara com um Canguru. Eu achava que era mentira que eles tinham um peitoral trincado, mas não é que o bicho tem o shape?! Aí eu corri dele que nem bobo, ‘tava morrendo de medo de ele, sei lá, me atacar. Aí minha host family rachando de rir de mim.” o rapaz falou sobre uma experiência de seu intercâmbio e Mônica gargalhou.

“Ah, mas eu também teria medo. E o inglês australiano é igual aos que ensinam em cursinhos de inglês da vida?” ela perguntou.

Cebola deu um riso enquanto dava um gole de saquê.

“Nada! O cursinho que eu fiz, focava no dos Estados Unidos. Tem coisa parecida, mas tem o sotaque, tem algumas diferenças, tem o fato de não ser minha língua materna… um monte de coisa fazendo eu passar muitas vergonhas. Eu amei fazer intercâmbio, mas sofri muito também.” respondeu e ela ainda sorria.

“Eu queria ter feito um intercâmbio, parece muito bom. Mas… nem rolou.” divagou.

“Por que mesmo você trancou seu curso, Mônica? Acabei nem perguntando, você contando sobre seu ex que pulou o portão pra não ser pego no flagra chamou minha atenção.” Cebola perguntou.

“Ah… eu sempre me vi sendo advogada e defendendo quem precisasse, mas… eu acabei me encantando por uma outra área e vi que o Direito tinha perdido um espaço muito significativo na minha vida.” respondeu.

“E que área que era?” ele perguntou.

Mônica abriu um sorriso doce, que fez Cebola sorrir também.

“Organização de eventos. Eu sou apaixonada por deixar um grande momento ainda mais bonito, principalmente casamentos.” respondeu com os olhos brilhando.

“Dá pra ver nos seus olhos. Então você está no lugar certo, a Dream mexe com essas coisas. Sendo assistente da Carmem… pode ser meio caminho andado.” comentou.

Mônica abriu e fechou a boca, não podia falar que era uma das melhores wedding planners da empresa para o rapaz que logo seria pedido em casamento, o mesmo que ela organizaria. Naquele momento, sentiu uma certa pena de Cebola, iria se casar com alguém que sequer queria de fato uma vida matrimonial.

“É…” falou e logo viu uma cabeleira loira se aproximar. Carmem estava bastante arrumada e seu perfume doce ofuscava o ambiente.

“Oi! Desculpe a demora, meu amor! Tive que resolver umas coisas. Obrigada por fazer companhia a ele, Mônica.” falou lançando-lhe um olhar cúmplice.

Mônica entendeu o recado e se levantou, pegando seu celular. Com a loira, foram alguns garçons, que logo trataram de tirar os pratos e colocar outros, bem bonitos e com comidas mais chamativas.

“Imagina, Carmem. Eu vou dar uma olhadinha nas carpas.” a morena falou se afastando.

Cebola olhou para Mônica se afastando, para os garçons correndo para arrumar a mesa, de modo bastante instagramável, e depois para a namorada, que parecia arrumar o celular na mesa de modo que também pegasse o som.

“Por onde andou, Carmem? Não te vi o dia todo. Ah, e sua assistente é bem legal.” decidiu ignorar, acreditando ser mais uma de suas publis.

Carmem riu enquanto ajeitava seu vestido.

“Mônica não é minha assistente.” respondeu e ele franziu o cenho.

“Não? Então ela é o quê?” perguntou.

A loira sorriu e olhou para a wedding planner, que se aproximou e apontou seu celular para o casal.

“Minha wedding planner.” revelou e o namorado arregalou os olhos sem entender.

“Wedding planner?” repetiu incrédulo e logo Carmem segurou em sua mão.

De repente, surgiram dois violinistas, tocando uma trilha sonora de um jogo que ela sequer sabia qual era, havia pedido que Nikolas indicasse alguma.

“Cebolácio, meu amor, me faltam palavras para descrever o que sinto por você. Naquele dia da roda gigante, justo no nosso aniversário de namoro, quando a gente estava lá no alto, eu percebi que estar com você é o mesmo que estar nas nuvens. E vejo que é isso que eu quero pra mim, até quando você joga e eu não entendo nada do que ‘tá acontecendo. Então queria saber se… se podemos ser um duo na vida real. Quer casar comigo?” sorriu enquanto falava, abrindo a caixinha de veludo ao fim.

Mônica sorriu enquanto gravava, havia achado atencioso da parte de Carmem ter citado momentos dos dois. Já Cebola, olhava boquiaberto e se viu dividido.

Gostava de Carmem e mais ainda do estilo de vida que ela o proporcionava. Porém, um casamento era algo muito mais sério, principalmente para as famílias. Olhou para a aliança dourada em sua frente e depois para o sorriso esperançoso da namorada e sentiu a dúvida crescer diante da proposta: se aceitasse, o estilo de vida que tanto gostava continuaria, ou até mesmo cresceria, mesmo que não amasse Carmem; se negasse, além de chateá-la, perderia toda a admiração dos sogros, que além de gostarem de si, indicavam-no para ótimas empresas, algo que era indispensável para um quase formado.

A ambição sempre fora o principal defeito de Cebola. Ainda mais quando envolvia dinheiro e prestígio social, algo que teria ao lado de Carmem. Mas ainda tinha seu lado menos interesseiro, o mesmo que pensou se valia a pena iludir alguém como Carmem, ou até mesmo se casar com alguém que, por mais que se relacionasse há dois anos, não nutria algo verdadeiramente amoroso.

Sua linha de pensamento não durou mais que cinco segundos, mas pareceu durar uma eternidade.

“Cebola? Vai fazer mistério, Amor?” ela perguntou com um sorriso nervoso.

O rapaz forçou um riso e passou a mão nos cabelos.

“Sabe como é? Gosto de fazer minha graça. É claro que quero casar com você, Amor! Eu… eu queria fazer o pedido ideal, talvez por isso tenha demorado tanto. Mas fico feliz que você me tirou do mundo das ideias e me pôs aqui, no mundo cheio de amor. Que vai ficar ainda mais porque vamos casar!” mentiu com um sorriso falso.

A loira o abraçou antes de estender a mão, para que ele tirasse o anel da caixinha e colocasse em seu anelar direito. Algo que ele fez. A moça também colocou o anel no dedo dele, que manteve o sorriso falso no rosto.

Após um breve beijo nos lábios, os ali presentes aplaudiram e Mônica retornou para a mesa, onde se sentou.

“Gravou tudinho, Mônica? Me envia!” Carmem pediu e a outra encaminhou.

“Wedding planner? Me enganou direitinho, Mônica.” Cebola disse, ainda impactado, fazendo a morena rir.

“Desculpe, Cebola. Eu não podia estragar a surpresa. Mas você deve querer saber por que eu já estou aqui.” falou e ele assentiu.

“Gostaria.” falou.

“É que Carmem pretende se casar dentro de um mês, então temos que ser rápidos.” respondeu.

Cebola ficou incrédulo.

“Um mês?!” interrogou.

“É! Se nos amamos tanto, pra que esperar? Fora que a Amanda vai morder a língua!” Carmem disse rindo enquanto colocava filtros no vídeo.

“Mas, Carmem! Um mês é muito rápido! Não… não dá pra organizar um casamento em um mês!” exclamou.

A noiva enfim o olhou.

“Querido, a Mônica é uma das melhores wedding planners da Dream, ela vai fazer um ótimo trabalho. E o resto das coisas vão se organizando, pode deixar comigo. Você não está feliz em finalmente se casar comigo? Meus pais te adoram, os seus… gostam de mim e você está quase formando, é o pacote completo.” falou.

“Não é que eu não queira me casar com você, Carmem, mas… não acha que tudo está indo muito rápido?” perguntou e ela negou.

“Não. Acho até bom aproveitar a chama. Não é, Mônica?” falou.

Mônica forçou um sorriso.

“É! Essa chama muda tudo! Vamos ao detalhes?” perguntou olhando para os dois.

Cebola respirou fundo, sua cabeça estava doendo.

“Meninas, desculpe quebrar os planos, mas hoje foram tantas emoções fortes que eu acho que não vou saber tomar decisões… boas. Podemos falar disso amanhã?” perguntou.

“Claro, querido. Imagino que ficou emocionado e vai chorar no quarto! Eu também ‘tô meio cansada. Amanhã na sua sala, Mônica?” Carmem perguntou enquanto fazia um gesto, chamando o garçom.

“Sim! Podem contar comigo!” assegurou.

Cebola sorriu.

“Obrigado. Foi um prazer, Mônica.” falou estendendo a mão e ela apertou.

“Ainda vamos nos ver muito, Cebola.” falou e ele sorriu.

“Conta paga. Paguei a sua também, Mônica, pra compensar meu atraso. Ah, se você quiser levar os sushis, sinta-se livre. Vamos indo.” Carmem falou já se levantando e saindo de braços dados com o noivo, que ainda parecia perdido.

Mônica olhou para Ana, que havia ido até lá.

“É óbvio que vou levar, vai ser minha janta.” falou e a outra riu.

“Já volto!” falou levando as coisas para embrulhar para viagem.

Mônica olhou para a porta e riu da caótica vida do casal, mas também sentiu pena.

*

Milena estava irritada dentro do uper, havia deixado a festa para atender a um chamado do chefe. Grózny, de última hora, havia marcado um encontro entre ela e o cliente do dia seguinte, a fim de se conhecerem para adiantar algumas coisas.

“Senhor Grózny, eu realmente acho que amanhã teria sido muito mais produtivo. Eu não estava em casa, estou sem nenhum equipamento aqui.” comentou, não gostava de falar com clientes após ter ingerido álcool, mesmo que em baixa quantidade.

“Você conhece o lema da Dream, Milena: o bem estar do cliente vem em primeiro lugar. Você é uma fotógrafa em início de carreira, precisa de boas recomendações. E que melhor recomendação que a de uma estrela em ascensão que recebe um tratamento diferenciado? Não se preocupe, é apenas uma conversa inicial, pode durar menos de vinte minutos.” garantiu.

A moça suspirou, era algo que nem mesmo precisava ser feito naquele dia.

“Tá, mas o senhor nem mesmo me disse do que se trata o ensaio ou até mesmo o nome do cliente.” falou e ele gargalhou.

“É mesmo, esqueci desse detalhe. Ele se chama Maurício, é uma estrela do rock em ascensão que andou tendo problemas com a mídia depois de um escândalo e precisa limpar a imagem.” respondeu e a moça franziu o cenho.

“E onde eu entro nisso?” perguntou.

“Você fará um mini documentário dele para que vejam que ele é gente como a gente e tem boas características. Mas já aviso que ele é meio… excêntrico. Tenha uma boa noite.” respondeu, encerrando a ligação ao fim.

Milena abriu a boca incrédula.

“Me joga uma bomba dessas e some? Como eu odeio esse homem! O senhor já teve um supervisor ruim, seu Maurício? Ele não gosta de mim porque o povo me elogia e me joga em bucha! Te juro que se não precisasse da grana e amasse ser fotógrafa… já teria pulado fora e xingado até a quinta geração desse homem!” reclamou com o motorista, que gargalhou.

“Imagino como deve ser ruim.” ele comentou e ela suspirou.

O carro estacionou em frente a um prédio com aspecto antigo. Ao descer e olhar um pouco a fachada, um rapaz de cabelos negros saiu do prédio e se aproximou.

“Oi, você deve ser a Milena. Sou Nimbus, o agente do seu cliente.” falou estendendo a mão e ela sorriu ao apertar.

“Oi, Nimbus! Eu mesma. Bom… meu supervisor pediu que eu viesse hoje pra conhecer meu cliente e ser mais fácil iniciar os trabalhos.” respondeu e ele sorriu.

“Achei atencioso da parte de vocês. Vamos lá, é no segundo andar, mas o prédio está com o elevador quebrado, então teremos que subir escadas.” falou e a moça riu.

“Sinceramente, achei que nem tivesse elevador. O prédio é bem antigo.” observou e o rapaz assentiu.

“Meu irmão gosta dessas coisas. Você vai ver.” falou.

Do Contra tinha o costume de meditar, mas de modo um pouco diferente do resto das pessoas. Ao som heavy metal, seminu e de óculos escuros, sentava-se no chão e cruzava as pernas. Para quem já o conhecia, não era surpreendente, mas não foi o que Milena achou quando entrou no apartamento e deu de cara com a cena.

“Ér…” balbuciou sem reação.

“Do Contra! Não viu minha mensagem? A fotógrafa ‘tá aqui!” Nimbus exclamou enquanto ia desligar a música, que tocava em um vinil.

“Eu nem sei onde ‘tá meu celular, Nimbus. Estava quase alcançando a plenitude.” respondeu ainda na posição de meditação.

“Plenitude, plenitude! Se veste!” o outro reclamou jogando um short na direção do rapaz, que riu e se levantou vestindo a peça.

Milena ainda estava surpresa e olhando para tudo que não fosse o cliente enquanto se questionava se realmente valia a pena ser fotógrafa na Dream e aturar os trabalhos que Grózny a enfiava. De repente, o rapaz se aproximou de si.

“Oi, sou Maurício, mas pode me chamar de Do Contra.” apresentou-se com um sorriso e estendendo a mão esquerda.

Milena sorriu e apertou sua mão, com a direita.

“Milena, a fotógrafa. Ér… é um prazer te conhecer.” falou sem graça.

“O prazer é meu. Eu não sabia que você viria, do contrário teria deixado minha meditação para depois.” falou.

“Você medita com heavy metal? E funciona?” perguntou e ele riu da sincera pergunta.

“Comigo, sim. Com aquelas músicas sem letra, nunca deu certo. Eu fujo dos padrões, Milena, por isso me chamam de Do Contra, ou DC.” explicou e ela assentiu.

“Certo, DC. Eu vou ser sincera, o Grózny me avisou de última hora que eu tinha que vir hoje, tanto que estou sem nenhum equipamento e nem com o uniforme da empresa. Eu descobri agorinha que eu tenho um mini doc pela frente, mas não sei nada sobre você, ele não passou nada, só me disse que você precisa recuperar sua imagem e que é excêntrico, mas… o que ele quis dizer com isso, eu não sei.” confessou.

DC riu negando com a cabeça e o irmão gargalhou.

“Ele realmente quis fazer surpresa, hein?” Nimbus comentou.

O cliente observou a moça por alguns segundos, que não deu muita atenção ao olhar dele.

“Imagino que você devia estar em outro lugar.” comentou e ela assentiu.

“Sim, estava… com alguns amigos.” respondeu e ele riu.

“Deixa eu adivinhar… festa universitária.” chutou e a moça acabou rindo.

“Também. Sexta-feira à noite e fora do expediente, a gente se diverte mais.” brincou e o rapaz abriu um sorriso.

“Eu concordo com você. Bom, ao que tudo indica, nós dois temos outros planos pra hoje, então acho que vale mais a pena ficarmos no básico, pra você não perder viagem.” sugeriu e a moça assentiu.

“Beleza. Eu preciso de mais detalhes do seu objetivo com esse mini doc e pelo menos um pouco sobre horários e autorizações, assim facilita minha organização.” ela falou pegando o celular para anotar.

“Ele teve a proeza de abandonar um show por puro capricho e ainda xingar o organizador do evento. Isso acabou viralizando e deu problema com a mídia. Ainda tem fãs do lado dele, mas deu problema com contratantes, o que complica pro nosso lado. Então o objetivo é limpar a carreira dele.” Nimbus explicou.

“Não era puro capricho, era um protesto. Mas assumo que poderia ter feito de outro jeito.” DC se defendeu.

Milena assentiu.

“Beleza… e como são seus horários? Pra eu me organizar.” ela perguntou.

“Como são os seus?” ele devolveu a pergunta.

“Ah… eu estudo todos os dias de manhã, mas apenas de segunda também é à tarde. Estou na Dream às tardes e início de noite de terça e sexta, o dia inteiro aos sábados e às vezes apareço lá em algumas quartas ou quintas em casos emergenciais. Aos domingos, eu descanso de tudo.” respondeu.

“Uau!” ele disse e ela riu.

“Você teria problemas com exclusividade? Que assim daria pra você se preocupar só com esse mini documentário e com seus estudos. Posso falar com o Grózny se for o caso.” Nimbus perguntou.

“Acho uma ótima ideia. Assim podemos fazer algo com mais tranquilidade e detalhes. Aí que entramos nas autorizações. Até onde você quer se expor, Maurício?” ela perguntou séria.

“Ah… não tenho problemas com exposição. O que for preciso, eu faço.” respondeu.

“Ótimo! Amanhã podemos começar a delimitar melhor as coisas. Vocês têm o prazo?” ela perguntou.

“Durante um mês, você fará parte da vida desse esquisitão.” Nimbus zombou, apontando para o irmão.

“Não assusta a menina!” ele disse e ela riu.

“Bom, nos vemos amanhã pra começarmos a te reerguer! Aproveite sua última noite sem uma câmera por perto. Vou te passar meu contato, Nimbus.” ela disse e DC sorriu.

“Até amanhã, chefe!” despediu-se.

Milena deixou o prédio com um riso. DC, por sua vez, voltou a meditar.

“Tente não ser insuportável com ela. Ainda mais sabendo que ela nem mesmo sabia o que ia fazer.” Nimbus alertou.

“Acho que pode ser uma jornada de descobertas para nós dois.” falou de olhos fechados e o irmão riu.

“Em um mês com você, essa menina vai endoidar.” comentou deitando-se no sofá.

O restante da noite passou depressa, logo a manhã de sábado clareava a cidade, trazendo consigo conversas e dor de cabeça.