POV Jesse

Estou sentado no sofá, olhando pra frente. Emma segura minha mão enquanto April está sentada numa cadeira, de frente pra mim. Não a olho nos olhos, me mantenho encarando a parede.

“Eu acho que vocês precisam conversar.” - Emma diz, se levantando. - “Eu passo aqui mais tarde, Jesse.” - Ela tira o meu cabelo da cara, e me dá um beijo na testa.

“Tá bom, mãe.” - Digo, automaticamente. Percebo que April me observa.

Quando Emma se vai, finalmente encaro April nos olhos. A mulher é magra, pequena, e tem olhos azuis exatamente iguais aos meus. O nariz é pequeno, mas eu não saberia dizer se ela nasceu com ele ou se fez uma plástica. Passo alguns segundos assim, tentando encontrar semelhanças entre essa mulher que se diz minha progenitora e eu. Sempre me achei parecido com o meu pai, ambos temos mais de 1,80, cabelos castanhos e cacheados. Mas agora, olhando essa pequena mulher no rosto, busco por uma semelhança que me conecte a ela.

Minha mãe biológica.

O silêncio na sala é mortal.

"Jesse…" - April começa a falar, e parece escolher as palavras - "Você não quer me perguntar nada?"

Eu levo vários minutos pra responder.

"Não." - Digo, finalmente. Porque não me importo. Não me importo com os motivos que essa mulher possa ter tido pra largar o filho recém nascido no hospital. Não me importo com o quanto a vida dela pode ter sido dolorosa ou difícil. Não me importo, porque nada disso faz diferença agora. Nada disso é problema meu.

"Eu era jovem…" - April fala, sem olhar pra mim. Permaneço em silêncio, novamente encarando a parede na minha frente.

"O seu pai e eu… bem, ele era o calouro fofinho do clube Glee, e eu era a estrela. Quando eu me apresentava, dava pra ver a forma como ele olhava pra mim. Tão doce." - Ela sorri. - "E então, um dia, aquele menino franzino me convida pra sair. E é meu último ano, e eu penso 'Porque não? Deve ter exigido muita coragem dele vir até aqui.'."

Meus olhos começam a lacrimejar involuntariamente.

"Mas foi só isso. Um encontro, um ótimo encontro. Quando terminou, eu pensei que, bem, porque não? Ele não seria o primeiro, nem o último."

April encara os joelhos, seu corpo em uma posição de autodefesa.

"E então aquele menino que nem sabia direito o que fazer me causou o maior problema que uma garota de 19 anos pode ter."

Eu preciso prender o soluço que chega até a minha garganta nesse momento. O engulo a seco, sem água, sem remédio. April não teve essa intenção em sua fala. Mas o problema, esse problema era eu.

"Eu não… eu não queria… ter você. Eu pensei em…" - ela pausa, e respira fundo - "Mas eu não podia. Isso eu não podia fazer com você."

"Daí eu contei ao seu pai. E ele sorriu." - April sorri também, perdida em seus pensamentos - "E foi então que eu pensei que.. que você seria mais feliz sem mim por perto. Aquele garoto franzino tinha uma mãe que ainda o levava na escola todos os dias. Ele tinha um futuro pela frente. E eu, eu queria ser livre, ir pra L.A. e perseguir o meu sonho de fama. Eu era uma criança, Jesse."

"Quando você nasceu eu… eu abri mão da sua guarda. Eu nem cheguei a segurar você, a assistente social me aconselhou isso. Nós não teríamos vínculos. Eu assinei o documento antes mesmo de você nascer."

"Mas enquanto a enfermeira limpava você, você levantou a sua cabecinha, toda suja de sangue, você abriu os seus olhinhos azuis, e você olhou pra mim, diretamente pra mim."

Eu balanço a cabeça. Já não consigo mais conter as lágrimas.

"Eu.. " - April funga, e quando a encaro, ela está chorando também. Ela limpa as lágrimas. "Eu não podia contatar você. Não até você fazer 18 anos. Eu desisti de você, legalmente eu não podia te contatar. E eu fui pra L.A., peguei alguns papéis pequenos, mas eu não tinha o padrão de beleza hollywoodiano. E todos os dias, enquanto atendia uma mesa ou antes de dormir, uma voz no fundo da minha cabeça se perguntava se… se eu tinha feito a escolha certa."

"Mas olha você aí agora! Tão grande, praticamente a cópia do seu pai. Você puxou tão poucas coisas de mim. Acho que só os olhos. Só os olhos azuis."

"Qual o seu sobrenome?" - pergunto. Quero saber qual nome eu deveria ter.

"Saint-James." - April responde - "April Saint-James. Seu pai e eu tínhamos o mesmo sobrenome, apesar de ele usar o Schuester com mais frequência."

Meus olhos se enchem de lágrimas quando faço a conexão mental. Não é comum ter dois sobrenomes nos Estados Unidos. Meu pai poderia ter me dado apenas o Schuester, e tudo estaria bem.

Mas ele manteve o Saint-James. Jesse St. James Schuester. Esse tempo todo, eu tinha um pequeno pedaço da minha mãe comigo.

—-

Continuo olhando pra frente quando April se vai. Sem um abraço, sem mais palavras trocadas, não há muito mais a se dizer. Eu não conheço essa mulher, e eu nunca havia sentido falta dela. Até agora. Vê-la indo embora é tão estranho e tão… reconfortante ao mesmo tempo. Eu gostaria de não vê-la nunca mais. E mesmo assim, uma parte de mim se pergunta como teria sido abraça-la: sua cabeça provavelmente bateria no meu tronco, aquela mulher não pode ter mais do que 1,5 m. Como teria sido crescer ao lado dela? Com quantos anos eu me tornaria maior do que ela? 12? Provavelmente antes disso.

É só quando meu estômago ronca que eu percebo que o tempo já passou e eu continuo aqui, sentado no chão, no escuro.

Ouço o barulho da porta se abrindo. Pelo horário, é Emma, me trazendo comida. Ela geralmente toca a campainha, mas é claro que ela tem uma chave daqui. Eu nem sequer tenho forças pra erguer a cabeça.

As luzes se acendem.

"Jesse!" - escuto sua voz me chamando, e ela logo está ajoelhada perto de mim. Como um garotinho, eu me escondo entre seus ombros e entre seus cabelos, e choro um choro gutural de uma criança que machucou o dedo ou perdeu seu brinquedo favorito. Choro de soluçar enquanto Emma me abraça e acalanta.

Eu ergo o rosto depois de algum tempo, e só então noto: meu pai está em pé ao nosso lado, sua mão na boca, seus olhos tão vermelhos quanto os meus.

"Você deveria fazer um teste de DNA." - digo, com o pouco de voz que me resta. Eu não sou o fruto de um amor jovem e proibido, não fui deixado pra trás porque minha mãe estava doente ou era muito pobre: eu fui um erro, um descuido de uma jovem garota que queria procurar o seu sonho de estrela. Eu fui só o gozo desprotegido de um adolescente de 16 anos inexperiente, óvulo e esperma se encontrando, biologia pura e nada mais.

Meu pai se joga no chão e me abraça tão forte que eu sinto que posso quebrar no meio.

"E o que eu faço se der negativo, hein? Devolvo você pra maternidade? Eu te criei, Jesse Schuster, você É meu filho."

"Ela quis me tirar, não quis?" - pergunto. Meu pai só confirma com a cabeça - "Você também quis? Se livrar de mim?" - pergunto, e isso me perfura por dentro.

"Nunca, Jesse. Eu escolhi seu nome quando era criança, por causa da música do Rick Springfield. Eu era um idiota."

Ele ri. E em meio à esse momento horroroso, penso no maldito Hudson: até nisso ele acertou.

"Eu fui só o resultado de uma noite qualquer, né?" - Escuto Emma chorando ao fundo. - "Eu posso não ser seu. Posso ser de qualquer um dos caras que vieram antes ou depois. Um DNA esclareceria isso." - E então eu penso no que estou dizendo. William Schuester pode não ser meu pai. E então o que eu seria? Um ninguém.

"Já foi feito, Jesse." - meu pai diz, se levantando - "Quando você era bebê. Por questões legais. Pra evitar que April aparecesse tentando retomar a sua guarda com alguma desculpa esfarrapada. Eu te mostro, se você quiser ter certeza."

E então um piano sai da minha cabeça. O sangue que corre nas minhas veias é dele, de William St. James Schuester e de ninguém mais. Não me importo com April, com seus motivos e com a droga da sua carreira falida. Não me importo com o seu sobrenome. Sou um St. James Schuester, e tenho um pouco de Pillsbury também. Sou de Emma e de William. Sou Jesse Schuester.

"Você é meu filho, Jesse. Me desculpe se esqueci disso. Eu não queria que vocês passassem por tudo o que passei. Mas vocês estão aguentando algo muito maior e indescritível. Eu… eu deveria ter ficado ao seu lado, meu filho. Me desculpe. Por favor, me perdoe. Eu te amo, desde o primeiro segundo."

E em meio ao choro que empapa minha camisa e a dele, eu perdoo meu pai. Eu penso no bebê que eu perdi, e no quanto apesar de assustado, eu o amei desde o primeiro momento que soube que ele existia. Eu abraço meu pai e me imagino abraçando meu bebê, lhe ninando e o vendo crescer. Esse bebê era meu e eu não o abandonaria por motivo nenhum, assim como meu pai não me abandonou. Ele não é perfeito, eu também não sou. Eu desgracei a vida da mulher que eu amo. E eu perdi meu bebê.

Eu não posso perder o meu pai também.

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Estou dormindo quando a campainha toca. Fraca, eu mal a escuto enquanto desperto. Começo a achar que sonhei com isso, quando ela toca novamente, um pouco mais forte. Me levanto, ainda sonolento, e abro a porta.

Rachel.

Eu não poderia esperar por isso. Em um bilhão de anos, eu não imaginaria vê-la na minha porta, com os olhos marejados, segurando a barra da blusa com o rosto tenso.

"Rach…" - eu sussurro, a olhando nos olhos.

"Eu soube… da sua mãe. Não posso imaginar como uma mulher faria isso. Como alguém poderia abandonar…" - e então ela chora. Escapa da garganta dela tão rapidamente. Ela chora e desaba no chão, bem na minha porta. Eu a ergo no colo e a levo até o colchão onde durmo, e ela se abraça em mim como um bicho preguiça se prende a uma árvore. Rachel chora tanto e tão alto que leva tempo pra eu entender que estou chorando também. Em meio à sua dor, ela veio cuidar da minha. Em meio ao seu sofrimento, ela veio aplacar o meu. E eu amo. Eu a amo tanto que me corta no meio. Eu a amo tanto que me sufoca. E enquanto escuto o coração dela imprensado ao meu, sei que ela me ama também.

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Quando acordo novamente, Rachel não está mais ao meu lado. Choramos tanto que ela adormeceu no meu colo, e eu nos deitei juntos no colchão.

Pego meu celular, e há uma mensagem dela. Rachel me bloqueou semanas atrás, e me desbloqueou exclusivamente pra deixar esse recado.

"Eu ainda não consigo te ver. Me desculpe."