Bring me home in a blinding dream
Through the secrets that I have seen
Wash the sorrow from off my skin
And show me how to be whole again

Traga-me para casa em um sonho ofuscante
Através dos segredos que eu já vi
Lave a tristeza pra fora da minha pele
E me mostre como é estar inteiro novamente

Ele não saberia ao certo como foi parar ali. Estava tão perdido e desnorteado que a última coisa que queria era ser questionado quando chegasse em casa. Na cabeça ecoava como uma luz na escuridão a frase ouvida dele no último Natal:

“Sou seu melhor amigo.” Foi essa frase que guiou Félix até ali, a necessidade de um ombro amigo, comprensivo e acolhedor. Titubeou alguns minutos na frente da enorme porta de madeira, a cabeça estava fervendo e o coração apertado.

– Será que tenho o direito de incomodar Niko a essa hora? Talvez ele esteja dormindo...

Félix pensou em mil motivos pra virar as costas e desistir, mas foi o cheiro convidativo do café recém passado que dissipou qualquer dúvida de que Niko estivesse acordado.

Já era tarde naquela noite quando Niko resolveu dar uma última olhada nos filhotes. Depois de colocar Fabrício no berço e dar um beijinho no bebê, foi até o quarto de Jayminho para cobri-lo e desejar um último “boa noite” para o menino que já dormia profundamente. Olhava para o filho e se sentia tão feliz, seu sonho de construir uma família quase tinha virado um pesadelo, mas graças à Virgem Maria, seus filhos estavam debaixo do seu teto em segurança.

Foi então que ouviu o som da campainha tocar, olhou o relógio e ficou surpreso de ver como já era tarde. Quem seria àquela hora da noite? Rapidamente se dirigiu a porta com ar de preocupação, imaginando o que lhe aguardaria. Abriu a porta, e a preocupação deu lugar a um misto de surpresa e felicidade.

– Félix! - Disse Niko olhando confuso para o homem a sua frente, que visivelmente se controlava pra não desmoronar em lágrimas.

Desabafar era tudo que Félix queria naquele momento, seu peito doía, as lágrimas teimavam em sair, precisava colocar pra fora tudo, expurgar esse sofrimento que o consumia.

– Eu preciso conversar com alguém... Alguém não criatura, preciso conversar com você, Carneirinho. - Disse Félix, atravessando a soleira da porta já aos prantos.

Niko viu diante dele um homem arrasado, seus olhos mostravam que já havia chorado muito até aquele momento, alguém desamparado e entregue. Como um pedido de socorro Félix se jogou nos braços do Carneirinho, que prontamente o acolheu e tentou acalmá-lo, acarinhando-lhe os cabelos negros enquanto sentia-o soluçar no seu ombro.

– Você está com uma cara. - Niko fez um carinho no rosto de Félix e o olhou com preocupação. Logo fechou a porta atrás deles e lhe fez um afago nos ombros.

– Eu precisava falar com alguém... Aí pensei em você, se você podia me ouvir, se não for muito incômodo, claro. - Perguntava com o rosto abatido.

– Você não me incomoda nunca, que papo é esse? – Disse o Carneirinho, com a face mais terna do mundo.

Depois daquela acolhida, Félix se sentia mais calmo, só de ser acarinhado nessa hora tão difícil por alguém tão especial para ele já deixava o fardo da dor mais leve. Niko convidou-o para sentar a mesa de jantar e acompanhá-lo no lanche que tinha acabado de servir pra si. Na tentativa de uma conversa mais amena falou sobre seu peso e a vontade de perder uns quilinhos, foi aí que percebeu o humor do amigo voltar mais ácido que nunca, e acabou sorrindo do seu jeito direto e sem tato.

– Você tá achando que eu preciso perder uns quilinhos? Tô com uns pneuzinhos, não tô? - Niko procurava os pneuzinhos ao redor da cintura.

– A impressão que eu tenho é que vc engoliu um pneu inteiro de caminhão. - Foi mais forte do que Félix dar aquela resposta pro Carneirinho.

– Você vem aqui desabafar e já manda essa logo de cara? – disse Niko.

Nem numa hora dessas Félix conseguia manter os sapos trancados dentro dele e logo se arrependeu. Fora ali desabafar e acabou sendo debochado e irônico com o Carneirinho, como alguém um dia iria aturá-lo?

Depois de discutirem sobre forma física, geléia e manteiga, Niko trouxe mais uma xícara para Félix, que se desculpou pela grosseria. Niko sorriu e sentou-se perto dele para conversarem.

– Fala... – falou o loiro fazendo um leve carinho no cabelo de Félix, o incentivando a falar.

– Eu tô com horror de mim mesmo... – Félix falava visivelmente arrependido e abalado, contou da conversa difícil com Paloma e ainda não compreendia como ele tivera coragem de fazer tanta coisa ruim.

– Fala Félix, desabafa por que eu estou aqui pra te ouvir... - com essas palavras Niko deixava claro que estava ali pra ajudar e não julgar e queria de alguma forma abrandar a dor do homem devastado a sua frente.

Tomar consciência dos próprios erros era mais doloroso do que Félix podia imaginar, quando pensava em tudo que tinha feito se sentia o pior ser humano do mundo, se sentia indigno de perdão e amor, estava à beira do abismo, pronto para mergulhar. Nem ele mesmo entendia como depois de tudo se apegou aos filhos de Niko e a pequena Maryjaine.

– Como eu fui capaz de jogar a Paulinha numa caçamba, como? – Félix se questionava, sem acreditar que tinha feito tantas atrocidades no passado. Lembrou-se de Jonathan, como o filho era-lhe importante, maravilhoso e estava sempre ao seu lado.

Niko questionou Félix sobre o casamento com Edith, e qual não foi a surpresa, mesclada a um iceberg de satisfação quando soube que sim, Félix cumpria todos os deveres de marido, inclusive na cama.

Diante a surpresa de Niko, Félix tentou se justificar que talvez não fosse um cara tão definido quanto a sua sexualidade, apesar de suas preferências.

– Ué, Félix, você pode ser bissexual? - Cogitou Niko.

– Eu, bissexual? Bichexual! - Disse Félix arrancando uma gargalhada do Carneirinho.

Logo em seguida Niko falou como via tudo que Félix acabara de contar. Para ele era muito difícil acreditar nesse Félix mau, por que ele só tinha conhecido o Félix bom.

Para Félix bom demais era Niko, doce como um pote de geléia. Segundo ele quando a pessoa era boa demais ela se dava mal na vida, ao que Niko prontamente retrucou:

– E você, sendo mau, se deu bem?

– Mas é por que é tanta coisa, Niko, a caçamba foi só mais uma parte da história, eu fiz tanta coisa horrorosa. Quanto mais eu falava com a Paloma, mais eu tomava consciência dos meus atos. De repente, eu olho pra mim e vejo um sujeito horroroso, aí eu penso: O meu pai nunca gostou de mim, talvez eu não mereça ser gostado. Nem eu gosto de mim, Niko!

Sem conseguir segurar mais tanta dor, com o peito aliviado depois de colocar pra fora tudo de ruim que guardava dentro de si, Félix desmoronou. As lágrimas rolavam abundantes, e com elas iam embora a sombra daquele Félix que ele já fora um dia e que a partir dali seria apenas uma lembrança desagradável para carregar consigo.

Sem demora Niko o acolheu nos braços, suas lágrimas se uniram as do moreno. Não suportava vê-lo sofrer assim, tão indefeso, tão carente que lhe cortava o coração. Félix se transformou num menino suplicando por amor e carinho e Niko estava ali, disposto a lhe dar tudo que não teve a vida toda.

– Tá na hora de você aprender a gostar de você mesmo... - Falou Niko com Félix em seus braços chorando sem parar.

Ficaram assim por vários minutos, Félix agarrado a blusa de Niko como a uma tábua de salvação. Ali se sentia seguro, protegido como se nada mais o machucasse, quanto mais chorava, mais aliviado ficava e os soluços iam diminuindo.

O choro cessou e Félix sentiu uma onda de bem estar tomar conta de si. Como se alguma coisa mais forte que ele o guiasse, talvez o perfume inebriante ou o calor do corpo de Niko. Notou as mãos delicadas dele ao seu redor, o toque dele no seu pescoço e os dedos vez ou outra mergulhando nas madeixas negras com carinho. Acomodou-se melhor no peito do Carneirinho, encaixou a cabeça entre o pescoço e o ombro dele de modo que encostasse o nariz naquela pele alva e perfumada. Félix sentiu um arrepio de prazer percorrer o corpo de ambos e como se obedecesse a um sinal largou a blusa molhada de lágrimas e subiu a mão até o rosto do loiro. Passou o polegar de leve nos lábios dele que se entreabriram em um suspiro ao toque macio e explorador. Com os olhos fechados, Félix continuava acarinhando o rosto de Niko, passeando os dedos longos pela barba macia, pelo nariz perfeito e pelos cílios delicados que protegiam aqueles olhos verdes tão sedutores.

Sem suportar mais um segundo, Félix levantou o rosto, os olhos se encontraram, e numa sintonia sem medidas procuraram as bocas um do outro, sentiram uma onda de desejo tomar conta deles e sem esperar mais se beijaram. O primeiro toque de lábios foi carinhoso, mas logo se transformou num beijo sentido e ardente. As línguas se encontraram como se já se conhecessem, sintonia perfeita, encaixe sublime. Podiam sentir a face um do outro ainda molhada pelas lágrimas. Félix distribuiu beijos em todo o rosto de Niko, como se aquele rosto e aquela criatura tão especial fossem dele, somente dele.

Niko se levantou calmamente e puxou Félix pela mão o conduzindo até o sofá. Sentou-se e acomodou Félix recostado em seu peito, passou os braços ao redor do moreno num enlace apertado e protetor, fez-lhe carinho e secou-lhe as lágrimas com mais beijos. Félix suspirava, nunca havia experimentado essa sensação, de ser querido e consolado, ali era o melhor lugar do mundo, o mais aconchegante e acolhedor. Vez ou outra acarinhava o pescoço e a nuca do Carneirinho, sentindo os cachinhos macios entre seus dedos, levantou o rosto procurando novamente os lábios rosados dele para mais um beijo, podia sentir o gosto doce da geléia em sua boca e a vontade de beijá-lo para sempre tomava conta de si. Um calor subiu pelo seu corpo, com ele a necessidade de tirar a japona preta que usava como proteção, quando subitamente algo fez com que aquela sensação de plenitude se esvaísse e por um momento ele não sabia mais onde estava.

Quando ouviu o eco de uma voz conhecida o chamando, Félix abriu os olhos e viu que se encontrava ainda aconchegado ao peito de Niko. Teria ele sonhado tudo aquilo que sentiu? Não tinha idéia de quanto tempo estava naquela posição. Seu inconsciente ou lhe pregava uma peça ou apenas mostrava o que ele negava para si mesmo, que estava apaixonado pela criatura cacheada que o consolou com tanta delicadeza e generosidade.

– Tudo bem Félix? Por um momento pensei que você tivesse cochilado e sonhado, até suspirou e sorriu... Você deve estar cansado, ainda mais depois de tudo que você passou hoje.

Infelizmente tudo não passou de um devaneio, mas para Félix aquele momento não saiu mais do seu pensamento, a vontade de aceitar os convites de Niko para passar a noite ali aumentava a cada dia, mas infelizmente ainda não se sentia digno de aceitar a afeição e o amor do Carneirinho. Quem sabe um dia eles ficassem juntos? E se um dia ele aceitasse passar a noite? Quem sabe esse sonho não virasse realidade? Quem sabe... Vai que...

E se o alguém com quem eu tanto sonho... for você?


Take me down to the river bend
Take me down to the fighting end
Wash the poison from off my skin
Show me how to be whole again

Me leve até à margem do rio
Me leve até o combate final
Lave o veneno pra fora da minha pele
Mostre-me como é estar inteiro novamente

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.