***POV HARU***

Não temos muitos conhecidos aqui, mal falamos a língua local e Tokaku não é do tipo que gosta muito dessas coisas. Portanto, não houve festa. Apenas fomos até um cartório e assinamos os papéis – e depois, nos beijamos de uma forma nada discreta. Embora Tokaku mantenha a mesma personalidade de sempre, sinto que houve uma melhora na forma como se sente. Parece mais despreocupada. Mais em paz. E se ela está melhor, eu também estou. Ela me falou sobre a conversa com o sniper – evitamos falar sobre a possibilidade dele ser seu pai – e do seu professor sinistro chamado Kaiba. Quer dizer, ela o acha simplesmente idiota, mas pra mim ele é bem sinistro. A ideia de um vigia-professor jogando dados e lançando enigmas no celular de sua aluna adolescente parece até coisa de filme.

Mesmo sem mais ninguém me perseguindo, decidimos continuar vivendo aqui. Nos agrada a cidade pequena e aconchegante de Allende. Tokaku até começou a se interessar pela história dos países sul-americanos. Estava me contando outro dia sobre o homem cujo o nome foi usado para batizar a cidade.
– Salvador Allende – recitava – presidente socialista do Chile entre 1970 e 1973. Foi morto pela oposição de extrema-direita durante um golpe que instauraria uma ditadura militar no país até 1989, comandada pelo general Augusto Pinochet.

Ela continuaria falando por uns 15 minutos sobre o regime militar instaurado pelo tal do Pinochet, a criação do cargo de senador vitalício que ele exerceria por anos a fio, as acusações de violação dos direitos humanos vários anos após o fim da ditadura e finalmente sua morte em 2006.
– Ainda bem que a cidade é Allende e não Pinochet, né? – comentara, quando ela acabou de falar. Tokaku parecia até... entusiasmada. Algo extremamente raro de se ver.
– Mas sabia que antes da ditadura, essa cidade se chamava San José, durante a ditadura foi renomeada para María Lucía Hiriart, que era a esposa de Pinochet, e só em 1996 ela recebeu seu nome atual?
– Deve ser estranho nascer num lugar que muda tantas vezes de nome.

Se passaram 6 meses desde a deportação de Murayama Daigo. A cidade finalmente pôde nos mostrar o quão pacífica ela realmente era. Quase não se escutam carros nas ruas. Muito menos sirenes. Praticamente todo mundo se conhece, e aos poucos nos integramos nessa sociedade tão gentil e diferente.

Tokaku-san ainda tem seus pesadelos, de vez em quando. Acho que isso é algo que nunca vai ser superado. Mas agora, está lidando melhor com eles.

***

A movimentação dela é sutil, mas eu acordo mesmo assim.
– Tokaku-chan... – murmuro. Ela está de pé em frente à janela, com as cortinas entreabertas. Pela luminosidade, deve ser umas seis da manhã. Tokaku veste calça azul e camiseta preta – Tokaku-chan, volta pra cama, está frio.
– Só estava pensando... – espero que ela complete sua frase, o que não acontece.
– Pensando no quê? – ela se vira com aquela expressão enigmática que porta às vezes e me presenteia com um sorriso sutil.
– Não sou boa com palavras.

Ela se deita, passando os braços em torno do meu corpo, me envolvendo num maravilhoso abraço e me beijando ternamente.
– Eu também te amo – murmuro.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.