***POV TOKAKU***

Meu trabalho não é ruim, só é chato. Consiste em ficar andando em rotas padronizadas pelos corredores de um shopping, passando informações de localização para clientes sem senso de direção, atendendo chamados para resolver pequenos problemas, etc. Até agora, o maior que houve foi uma criança que se perdeu da mãe, encontrada poucos minutos depois na frente de uma loja de brinquedos.

Uma das coisas que me incomoda, no entanto, é que três das minhas antigas colegas na Classe Negra adoram aparecer por aqui: Inukai Isuke, Namatame Chitaru e Kirigaya Hitsugi. Essas duas últimas estão juntas, hoje em dia. Frequentam o cinema, o fliperama, o parque e a praça de alimentação. Já Isuke vem pelas lojas, mesmo. Gastam tanto tempo aqui que é impossível não cruzar com elas durante as rondas, de vez em quando. Não as detesto, não tenho nada contra elas e nunca levei a Classe Negra para o lado pessoal, mas eu também não deveria ser obrigada a ficar me lembrando das suas caras e nomes.

No shopping tem aquecimento interno, mas mesmo assim uso um agasalho preto informando o nome da empresa de segurança por cima do uniforme padrão, um terno e gravata da mesma cor. Eu sou a única mulher da equipe, por isso acabei recebendo o mesmo uniforme dos homens. Passei com louvor nos testes de admissão, mas evito me misturar ou chamar atenção. Até circula um “boato” entre os homens da equipe de que eu vinha desse clã de assassinos chamado Azuma, mas eu fiz e faço até hoje que não é comigo.

Hoje, o novo chefe da equipe será apresentado. O anterior se aposentou. A empresa resolveu trazer alguém de outra equipe em vez de promover alguém dessa. Todos do turno da manhã já estão reunidos na central. Como de costume, sou a mais distante de todos. Sentada numa cadeira de escritório longe das rodas de conversa de meus colegas, brinco com uma caneta, imaginando que é uma faca, fazendo malabarismos curtos entre os dedos.

Som de porta abrindo e fechando. Ele deve ter chegado, finalmente. O novo chefe. Pouco me importam as apresentações. Desde que eu consiga fazer parecer que estou focada, tudo bem. Na verdade, eu ESTOU focada. Estou focada em Haru. Estou pensando no pouco que aconteceu hoje e estou focada em manter esse emprego até ela poder exercer sua profissão, no mínimo. Depois que ela obtiver sua independência financeira, poderei pensar em relaxar um pouco.

Me levanto e me junto aos outros. Me sinto pequena, aqui. Sou de longe a menor. A cara nova pertence a um homem de mais ou menos um metro e oitenta, e mais jovem do que eu esperava: parece ter entre 30 e 40 anos. Cabelos curtos e negros, nariz e lábios finos, ombros largos.
– Olá a todos – cumprimenta ele – eu sou Kobayashi Mitsuru, seu novo chefe. Espero formar uma boa equipe com vocês. Poderiam, por favor, me dizer seus nomes?
– Okazaki Yuya – se apresenta o careca e mais velho – sou o veterano dessa equipe, e...
– E não aposte nada no pôquer contra esse trapaceiro! – brinca outro – a propósito, eu sou Ono Hiroki.
– ... e odeio que me interrompam dessa forma – ralha Okazaki. Kobayashi crispa os lábios num ligeiro sorriso.
– Kakitani Chikashi – o puxa-saco de patrão. Mas é claro que ele não vai dizer isso – se precisar de algo, é só me chamar - hm, a maneira sutil dos puxa-saco de dizer quem eles são.
– Eu sou Yamada Takashi – o grandalhão que está sempre de óculos escuros e vive contando piadas infames na central – pode me chamar de “O cara mais engraçado deste lugar”.
– Kubo Atsuto – um rapaz da minha idade. Foi quem "descobriu" sobre a existência do clã Azuma e espalhou os boatos sobre mim entre os empregados do shopping, das lojas do shopping e da equipe de segurança – vim da Academia 13. Cheguei ano passado – e esse é o motivo. Kubo também foi originalmente treinado para ser um assassino, mas aparentemente ele era ruim demais e acabou virando um “civil comum”, ou algo próximo a isso.
– Academia 13? – estranha Kobayashi. Kubo sorri enigmaticamente.
– Não é importante – a expressão de Kobayashi continua viva na minha mente, no entanto. É como se o estranhamento dele não fosse pelo nome bizarro do colégio, mas por algum outro motivo...
– Kawashima Takumi – o cinquentão de sotaque engraçado. Ás vezes ele parece um estadunidense falando. Ou talvez simplesmente seja um homem que fica bêbado 100% do tempo sem precisar de álcool pra isso – ssssssssssssss... é isso aí – ele tem o estranho costume de chiar antes ou depois de algumas frases, como uma cobra.
– Haraguchi Kazuki – o último antes de mim, e o mais chato. Logo, não terei mais escapatória – tenho 36 anos e sou mestre em jiu-jitsu e karatê. Fui lutador profissional antes de vir trabalhar aqui – ele parece bem cheio de si, como sempre – então, acho que entre todos aqui, sou o melhor preparado fisicamente - uau, quanta humildade e sutileza a sua, Kazuki-san.
– Ah! Isso, não! – Kubo de novo, em tom de deboche. Respiro fundo enquanto espero o Momento Teorias da Conspiração acabar. Haraguchi assume um tom mais calmo e de certa forma, ameaçador.
– Você acha que é melhor que eu?
– Eu, não! Azuma-san, sim!
– Lá vem você, de novo... – Ono.
– Mas é verdade, esse clã existe mesmo, diz pra eles Azuma-san – insiste o rapaz.
– Já ouvi falar nissssso – Kawashima – mas o sobrenome, é só uma coincidência – justifica.
– Mas olha a aparência física! Eu tenho certeza que ela faz...
– Garoto, fique quieto, por favor – pede Kobayashi, visivelmente irritado – você, como é o seu nome?
– Azuma Tokaku – ele parece esperar que eu fale mais alguma coisa.
– Só isso? – tenta pressionar – não tem mais nada a dizer?
– Que não me chame pelo primeiro nome.
– Hmm... Ok – a reação de Kobayashi me lembra a de Mizorogi-Sensei quando Banba se apresentou na Classe Negra.

***POV HARU***
– Tokaku-san! – sorrio satisfeita quando vejo sua figura entrar pela porta. Me levanto do sofá e vou ao seu encontro. Dou-lhe um rápido beijo nos lábios e volto para a cozinha. Sem conseguir me concentrar em estudar, saí e comprei algumas coisas para fazer um almoço de minhas próprias mãos: peixe, cebola, arroz, ovos, e também uma caixinha de fast food chinês caso não dê nada certo. Afinal, nada está dando certo hoje mesmo. Quero dizer, na verdade nada está saindo como previsto, mas meu dia começou muito bem. Sorrio lembrando do começo do dia enquanto corto as cebolas.
– O que é?
– Ainda não sei – admito. Tokaku tem um ligeiro sorriso estampado no rosto – como está sendo hoje?
– Normal. E você?
– Também.

Jogo a cebola picada e o peixe numa frigideira com óleo. Afinal, dizem que fritura sempre fica bom. Em outra panela, faço omeletes com arroz.
– Tem um cara lá no trabalho que sabe do clã – comenta Tokaku-san. Abro bem os ouvidos.
– Como assim?
– Do meu clã, os Azuma.
– Hm...
– Tá tudo bem, os outros não dão muito crédito. Só passou pela minha cabeça.