After Ever After-Interativa

Chapter XXXVI - Projetos e Peças


Henry Malik Smith

— Bom dia, Henry! — exclamou Moony Wild, ao passar por mim no corredor. Não consegui largar mais que um aceno distraído, e continuei andando em direção ao meu escaninho.

Tinha a cabeça noutro lugar, sem conseguir deixar de pensar nos planos que eu e Finn tínhamos feito durante o fim de semana. Os planos para a nossa banda.

Ainda não parecia bem verdade. Nós íamos criar uma banda. Uma banda verdadeira, e eu fiquei tão distraído a repassar pela milionésima vez os cenários ainda imaginários do nosso sucesso, que não consegui evitar errar o código do meu escaninho três vezes antes de o conseguir abrir.

— Porque é que estás com cara de zumbi em êxtase? — ouvi alguém perguntar, fazendo-me desviar o olhar do meu escaninho super desarrumado e perceber que Royal O'Crown acabara de chegar.

— Estou cheio de sono — reporto, esfregando um de meus olhos.

— Nota-se — disse ela ironicamente, fazendo-me sorrir.

— Mas tenho novidades — disse eu, e ela levantou as sobrancelhas surpreendida.

— Pode-se dizer que tudo o que acontece na tua vida é uma novidade para mim, já que não falamos propriamente muito — diz, abrindo o seu próprio escaninho (ao lado do meu) e tirando os livros para a aula de Inglês.

— Certo... — Podia ficar espantado se qualquer outra pessoa me dissesse isto, mas é a Royal. Já há muito tempo que percebi que ela tem uma maneira muito original de manter uma conversa. — Então, lembras-te de eu dizer que sempre quis comprar um baixo? Porque tocar naquele velho que a minha mãe comprou numa feira de usa...

— Sim sim, comprou numa feira de usados dos McFrog e foi com ele que aprendeste a tocar blablabla. Onde queres chegar com isso?

— Comprei um novo no sábado — respondo entusiasmado — A Garage estava em liquidação do stock, ficou muito barato.
Royal abre a boca de espanto ao mesmo tempo que fecha com força aporta do escaninho.

— Como assim está em liquidação e eu não sabia?! Tenho de lá ir, preciso de um mic—

— Sim está, mas como estava a dizer — interrompo, irritado por ainda não ter conseguido acabar de contar a história — Finalmente tenho um baixo em condições, por isso eu e o Finn decidimos que estava na hora de começar uma banda.

Royal ficou muito mais entusiasmada do que eu estava à espera. Esperava receber um mero aceno desinteressado seguido de uma frase do tipo "Apetece-me faltar à aula de inglês". Mas, em vez disso, recebi um conjunto muito efusivo de perguntas rápidas.

— Uma banda?! Estás a falar a sério?! — assenti rapidamente — Uau! Isso é espetacular! Já têm nome? Não, espera, que estilo vão tocar? E quem é que está na banda? És só tu e o Finn? Vão ser um duo? Tipo Twenty One Pilots?

Pisco os olhos, tentando processar todas as perguntas que Royal me faz.

— Ah, não ainda não temos nome. E estamos a pensar tocar coisas no estilo Lemonade Mouth e The Lumminers. Algo mais pop-rock, sabe? E estamos à procura de uma vocalista, só que ainda não encontramos ninguém.

Andamos em direção à sala de Inglês, enquanto lhe vou falando das nossas ideias para a banda.

— Uau, não consigo acreditar que finalmente alguém está a fazer algo interessante neste maldito universo — desabafou Royal.

— Ora, muito obrigado cara donzela — Disse eu, com pompa exagerada, fazendo-lhe uma pequena reverência. Não consegui deixar de me sentir lisonjeado. Royal era conhecida pela sua revolta contra o mundo em geral, principalmente o nosso mundo, feito de contos de fada. Receber a sua aprovação para alguma coisa era no mínimo razão para festejar. — As suas gentis palavras significam muito para mim e para o meu parceiro.

Royal revirou os olhos, e perguntou-me:

— E quanto ao vocalista? Em quem estão a pensar?

Bufei, lembrando-me desse pormenor.

— Não sabemos quem poderá ser ainda. Pensei na Azaleh, a irmã do Finn, mas ele disse que ela provavelmente vai estar muito ocupada com o clube de teatro. Só que até agora ainda não tivemos mais ideias...Se calhar vamos acabar a fazer audições ou algo assim.

— Eu sempre quis fazer parte de uma banda — disse ela do nada. No entanto mal a ouvi porque Destiny Snow acabava de passar por nós no corredor, exibindo um vestido rodado, e lábios perigosamente vermelhos.

— A sério? — perguntou Royal, virada para mim, assim que Destiny desapareceu. Tínhamos acabado de chegar à porta da sala e o sinal não demoraria a soar.

— Hey, olhar não mata. — disse eu, defendendo-me.

Royal revirou os olhos novamente e abriu a porta da sala, entrando em seguida. Entrei também e sentei-me em cima da mesa ao lado da de Royal, onde normalmente fica Phoenix, a filha do Capitão Gancho.

— Bom dia! — disse Finn, que acabava de entrar.

— Bom dia — imitou Frederick Frost, que vinha atrás de Finn. Este chegou perto de mim e cumprimentou-me com um toque de mãos e uma amigável batida nas costas. Frederick, por sua vez, sentou-se no seu lugar habitual, atrás da mesa de Phoenix.

— Vinha a contar ao Freddy que finalmente decidimos avançar com a ideia — disse-me Finn, ao que Frederick confirmou:

— Sim, porque já não era sem tempo — disse o rapaz quase albino — Mas como ia dizer-te Finn, não acho ninguém melhor do que a Pearl Pontus para vocalista.

Torço o nariz e Finn reflete a minha expressão.

— A Pontus não — disse ele — Não encaixa muito no estilo.

— Para além do fato de ela ser tua ex — disse, meio a rir. Para o bem ou para o mal, Finn tinha um certo histórico com meninas, e isso podia acabar por limitar as nossas opções.

— Isso não tem nada a ver. Para além de que já foi há imenso tempo — rebateu ele.

— Ok, então e se for o Uriah? — sugere Freddy — Ele tem o canal no MagicTube, e também não é nada mau no violão.

— O Uriah também não — disse Finn prontamente — Lanna matava-me se eu lhe roubasse o melhor amigo para vir fazer parte da banda.

— E acho que precisamos de uma voz feminina, — acrescentei — e ele obviamente não cumpre o requisito.

— Mas quem? — disse Finn, com cara de quem revira na sua cabeça a imagem todas as raparigas que conhece, na tentativa de encontrar a ideal.

— Pronto! Já podem parar de implorar! — exclamou Royal subitamente. Nós os três olhamos para ela, e eu pergunto-me como é que demorei tanto tempo a perceber que a solução estava literalmente à nossa frente.

Kailana Laina Pelekai

Era segunda-feira. O almoço ainda assentava em minha barriga enquanto eu voltava para a escola, cada passo mais incerto que o anterior. Nunca fora de falar muito, quanto mais fazê-lo num palco em frente a uma plateia. No entanto, a voz de Azaleh e seus irmãos ressoava no fundo de minha mente, impedindo-me de desistir e voltar para trás.

Eles eram tão gentis comigo. Desde o início todos me trataram como se fossemos amigos desde sempre. Eventualmente, cheguei à conclusão que nunca tinha aprendido a dizer não aos Haddock.

E por isso, fazia meu caminho a passos lentos de volta para a escola. Justo hoje, segunda-feira, quando eu supostamente chegaria mais cedo em casa e poderia finalmente assistir aos últimos episódios de Stranger Things – dizer que eu estava atrasada era pouco –, estava voltando à escola. Sabia, em todo caso, que não tinha realmente uma opção. Nem que eu quisesse conseguiria deixar de lado o pedido de Azaleh sem sequer considerar – além do quê eu havia, na quarta anterior, assistido à uma aula, e a garota me obrigara a admitir que não havia detestado nem nada assim. Embora eu tivesse apenas sentado na plateia e olhado, pareceu bastante divertido.

Observei, já perto da fonte de After Ever High, quando o último ônibus que ia para minha casa antes das cinco passou. Era isso. Já não havia volta a dar: ou eu tomava coragem ou ficava a tarde inteira sem fazer nada.

Suspirei, ajeitando as alças da mochila e segurando-as com força.

Vamos lá, Kailani! disse para mim mesma, tentando soar o mais confiante possível. "Além de E.T., ainda vão achar que você é esquizofrênica", pensei concluindo que era melhor só entrar logo.

Adentrei pelos corredores da escola, vendo alguns alunos aqui e outros ali. No momento em que virei a última esquina antes do auditório, ouvi passos encontrando os meus. De canto de olho, pude ver um vestido vermelho de saia aberta, perfeitamente combinado com dois saltos vermelhos. Mesmo com só uma semana na escola, bastava para concluir quem era – Destiny Snow.

Virei a cara depressa e apressei meu andar. Aquele não era um encontro que eu queria ter.

— Ei, garota! – ouvi sua voz aguda chamar, mas preferi fingir que não era comigo. – Não finja que não me ouviu, é com você mesma!

Engoli em seco, sem parar de andar. Foi difícil segurar um guincho quando sua mão segurou meu ombro, puxando-me de frente para ela. Destiny tinha um sorriso no rosto. Um sorriso bonito, com dentes brancos e lábios impecavelmente vermelhos. Mas isso só a fazia parecer mais ameaçadora.

— Pelekai, não é mesmo? — perguntou, malícia por trás de seus brilhantes olhos claros. Depois de anos sendo intimada por todo tipo de valentão, eu já sabia reconhecê-la. — A garota que não tem amigos, então trouxe um E.T. de companhia?

Senti minhas orelhas esquentando, e olhei para meus pés. "E agora?"

— Snow! — uma voz firme repreendeu, e a cabeça da menina à minha frente chicoteou para trás. Eu tinha desviado o olhar para os meus sapatos, só desejando poder desaparecer. — Por que não escolhe alguém do seu tamanho?

Destiny riu com desdém.

— Você realmente acha que assusta alguém — ela comentou. — Patético, Rosetta. Simplesmente patético.

Ouvi a segunda voz bufar. Rosetta como em Rosetta Beasty?

— A patética aqui é você, a tentar mostrar-se superior a todos os outros — Rosetta devolveu, ácida. — Não estamos na Revolução Francesa! Você não é Montesquieu! Não que você saiba quem esses são, de qualquer maneira.

Permiti-me espiar pelo canto do olho. É claro que a filha de Bela ela mesma iria peitar Destiny Snow. Rosetta tinha os cabelos presos em um alto rabo de cavalo, usando uma blusa roxa solta e um jeans comum. Seus olhos escuros brilhavam com paixão — ela acreditava no que dizia.

— Patética — Destiny repetiu, fazendo uma careta antes de voltar a clicar seus saltos até a porta do auditório, caminhando com a graça de uma princesa, embora uma princesa furiosa. Quando a porta se fechou, permiti-me voltar a olhar para cima.

— M-muito obrigada — consegui gaguejar, segurando as alças da mochila com força.

— Tenha cuidado com ela — ela ignorou, uma expressão séria. — Não é flor que se cheire.

Não pude pensar no que dizer, então só segui Rosetta enquanto ela andava para o auditório. De cabeça baixa, reparei que a situação havia me feito esquecer o nervosismo quanto ao tal clube de Teatro. Depois de ver o sorriso vitorioso no rosto de Azaleh, em todo caso, soube que não havia mais volta. Ofereci-lhe um sorriso tímido.

— O que houve? — ela questionou, apontando-me uma poltrona vazia, ao lado da que ela ocupava. Suponho que tenha reparado que algo estava errado na minha expressão mas balancei a cabeça rapidamente. Ela levantou a sobrancelha direita, como que insistindo.

— Não é nada — eu lhe garanti, ansiosa para trocar de assunto enquanto me balançava em meus calcanhares. — Então, quando começa a tal aula?

Ela ainda parecia desconfiada, mas deu de ombros.

— Assim que a professora der o ar da graça — disse, deboche em sua voz. — Até porque o estúdio está trancado, então ela deve estar com a chave.

— Estúdio? — estranhei. — Podia jurar que as aulas eram ministradas aqui.

Azaleh riu como que de minha inocência.

— Não, o auditório só é usado nos ensaios finais e performances. Antes disso, tudo acontece em um estúdio, onde temos um espelho grande e todo o mais — explicou-me, ao que me surpreendi.

— Aparentemente, sei ainda menos sobre teatro do que achei saber — ri de leve, ao que ela me devolveu uma risada estrondosa.

— Você vai pegar o jeito bem rápido. E eu te dou minha palavra de que vai ser ótimo — ela assentiu, como que para reforçar, e não pude deixar de sorrir. Ah, o que eu faria para ter a confiança de Azaleh, por um segundo que fosse.

Antes que pudesse lhe responder, a porta que ela havia me apontado como a do estúdio foi aberta estrondosamente. Uma mulher magra e esbelta, com longos cabelos ruivos mas com uma expressão de tédio no rosto, esgueirou-se para fora.

— Não temos o dia todo, pirralhos — ela disse ácida, e Azaleh se levantou de sua poltrona. — Andem logo!

Os outros alunos se entreolharam e andaram até a porta no canto do auditório. Azaleh me agarrou pelo braço enquanto fazia o mesmo, garantindo que eu andasse consigo. Sorri um pouco. Ela parecia realmente se importar.

A sala que adentramos deveria ter o mesmo tamanho do palco do auditório — grande para uma sala, mas provavelmente normal para um estúdio. Um som repousava em um de seus cantos, e várias cadeiras formavam um círculo no centro. Uma das paredes, como a Haddock prometera, era na verdade um espelho de tamanho completo, indo do rodapé até o teto da câmara. Com chão de madeira e paredes brancas, não parecia ser nada demais. Cada um tomou uma cadeira no círculo, e a professora se deu por satisfeita.

— Estão todos aqui? Até a menina pendente? — Mégara perguntou uma vez que a porta do estúdio foi fechada. Como ninguém se pronunciou, ela concluiu que sim, se posicionando no centro do círculo. — Ótimo. Se algum de vocês quer desistir, a hora é agora — ninguém disse nada. Ela sorriu, quase que diabolicamente. — Muito bem. Comecemos, então. Teatro, alunos e alunas, é uma arte. Eu poderia passar todo o ano treinando mais e mais técnicas de atuação com vocês, mas receio que, para isso, vocês vão precisar fazer faculdade de Artes Cênicas. A escola, ao invés disso, requer que eu lhes apresente alguma coisa. O que quer dizer que, sim, senhorita Snow — a professora se mostrou impaciente, fazendo cara de desfeita para Destiny, que parecia querer perguntar algo. Deus sabe que todos gostaram mais dela depois daquilo. — Nós vamos trabalhar em uma peça de final de ano.

— Qual será? — Azaleh perguntou de imediato, não esperando que a professora lhe passasse a palavra.

— Mais calma da próxima vez, Haddock — Mégara advertiu-a com ar quase divertido. – A peça que escolhi esse ano, para seu deleite – ou não – é um musical. Um biográfico, na verdade. Não seria minha primeira escolha, mas a diretora insistiu que não devia escolher nada, bem, inapropriado.

— Nós vamos fazer Wicked? — Rosetta a interrompeu, impaciente. A professora lançou-lhe um olhar cheio de malícia.

— Vocês realmente não entendem o conceito de disciplina. Incrível — ela sorriu com certa malícia, e eu me encolhi um pouco na cadeira. Embora eu tivesse simpatizado com a mulher quando ela repreendeu Destiny, compreendia agora que ela não havia o feito por ser o certo. Havia o feito por querer estar no controle. Como a Snow, era uma bully. Ela prosseguiu. Sim, nós vamos fazer Wicked. Para além de Beasty, alguém está familiarizado com o musical?

Uma mão subi no ar. Reconheci sua dona como Anastasia Queen. A professora meneou a cabeça para que a garota falasse.

— Wicked é um musical biográfico sobre Elphaba Thropp, mais conhecida como a Bruxa Má do Oeste — ela relatou, sua voz pequena em timidez. Reparei que eu provavelmente soava daquela maneira na maior parte do tempo. — Conta a história real dela. Quando viveu, os cidadãos de Oz tomaram ela por uma pessoa ruim e má, mas, anos depois, foi descoberto que era, na verdade, uma pessoa boa, que prezava pela prosperidade de Oz. A cidade Esmeralda tem uma estátua em sua homenagem hoje.

— Correto — Mégara sorriu, ao que Destiny fez cara de enfado. — Vamos encenar Wicked na íntegra. Hoje, vamos discutir e passar pequenas cenas, quase que em improviso, do musical. Quero ver a atuação de vocês, quero que se familiarizem o máximo possível com os personagens. E então, na próxima semana, aqueles que tiverem coragem — senti uma pedra em meu estômago quando ela me encarou, embora estivesse encarando todos os alunos — poderão fazer uma audição para o papel que desejarem. Podemos começar?

Um burburinho de concordância soou, mas eu me mantive quieta.

— Vai dar certo, Kailani. Vai dar tudo certo — disse na minha cabeça, tentando acalmar-me. No entanto, sem sucesso algum. Naquele momento, com Azaleh ali distraída com o mundo redoma do teatro, eu me sentia pequena. Pequena demais. E até onde eu sabia, nenhum dos personagens em Wicked era anão.