After Ever After-Interativa

Chapter V-Antigos, Usados e Papagaios


Amir Ali

No momento que mamãe ouviu que haveria uma feira de usados na cidade, eu achei que nossa casa fosse explodir. Ela pegou caixas de papelão sei-lá-onde e começou a juntar um monte de bugigangas estranhas e árabes. Olhei para papai e ele olhou para mim. Decidimos silenciosamente fingir que não sabíamos o que estava havendo.

Mas claro que minha mãe não deixou essa passar.

– O que vocês dois acham que estão fazendo aí, esparramados nessas poltronas? - esbravejou ela, tentando abrir a escada do sótão. - Vamos lá, eu preciso de ajuda! Nahan, abre essa escada(como é que se abre uma escada?) para mim?

Bufei e me pus de pé.

– Claro, mãe - disse. - Mas e o pai?

– Seu pai vai fazer uma coisa mais importante - ela devolveu, tentando equilibrar as seis caixas que tinha em seu braços. Vi meu pai engolir em seco. - Vai separar o que vai para feira.

– Mas querida, vocês estão fazendo isso - meu pai devolveu.

– Não as coisas do sótão, cabeça oca! - ela se pôs a subir as escadas. - As suas coisas!

Eu tenho de apertar os lábios para não rir da cara de espanto do meu pai. Ele consegue ser bastante apegado às suas coisas, e minha mãe insiste sempre que ele deve se desfazer de alguma. No entanto, ela nunca havia achado um justificativa de verdade para ele juntar suas tralhas -bom, não até agora.

– Mas, Jaz, minha flor -

– Nada de Jaz. Nem comece - minha mãe, o poço de paciência e irreverência, o corta. – E é melhor você ir logo, antes que eu desça aí e junte as coisas eu mesma.

Ao som dessas palavras, meu pai se vira e sai andando com passos lentos e incertos, como se quisesse adiar o momento o máximo possível. Rio e balanço a cabeça antes de seguir minha mãe.

– Nahan, carrega essas caixas para mim?

– Claro, mãe.

– Não, esqueça. Coloca-as no chão e me ajude a ver do que não precisamos mais.

– A senhora é quem manda - largo as caixas no chão e me ponho a analisar o sótão. – Que tal esta camisa?

Ela vem até mim, a longa trança balançando atrás de si, e examina minuciosamente o que eu tenho em mãos. Então, o pega.

– Nahan, querido, é uma túnica.- ela me corrige.

– Uma túnica que se usa com calças - replico. – Exercendo assim a função de uma camisa.

– No mundo ocidental, sim - ela aperta minha bochecha com a mão livre e coloca a túnica numa caixa escrita restaurar. – Mas é uma túnica árabe, Amir. Por isso o nome.

– Ah.

– De qualquer jeito, vai ter de ser lavada antes de vendermos - diz, espirrando logo a seguir. – Esse lugar está todo empoeirado.

Pegamos, daí em diante, três capacetes, dois vasos, quatro tapetes - claro que minha mãe fez questão de confirmar se não era o nosso tapete antes de mandar para a caixa – e algo parecido com uma trompeta. Três pares de brincos antigos que ela não usava mais, sapatos árabes e turbantes. Tínhamos realmente muita coisa velha lá em casa.

Quando estávamos acabando, ela me estendeu um pequeno punhal árabe. Eu o rodei em minhas mãos.

– Está meio enferrujado - comentei. – E a madeira precisa de um bom polimento e bastante verniz.

– Puderas - me devolve, fechando a caixa. – Era do seu bisavô.

Levanto as sobrancelhas e assovio.

– A sério? - pergunto, e ela assente. – Que faremos com ela? Não acho que papai vá querê-la, vez que ele não gosta muito de punhais de dois lados.

–Eu estava pensando em dá-la a você - diz, simplesmente. – Talvez você consiga fazer um bom uso dela. E á está na altura de começares a saber defender-te usando os nossos costumes.

– A mim? Mãe, você tá falando sério? - pasmo, e ela assente já de costas. – Acho que deveríamos te levar pro hospital agora mesmo.

–Não, obrigada, Nahan. Eu me sinto muito bem.

– شكرا لك، والأم - agradeço, cruzando os calcanhares numa reverência.

– ترحيبكم - ela devolve, e coloca uma caixa fechada em minhas mãos. – Agora vamos. Devemos sair logo para que vendamos isso para algum comerciante de uma vez. Eu desço as escadas e você me dá as caixas?

– Não poderia ter dito melhor.

Vez que as caixas estão perto da porta de saída, ela se volta para mim novamente.

– Eu vou ver como seu pai está. Vá guardar essa adaga e… Penteie esse cabelo, por favor. Tire logo esse pijama e coloca uma roupa lavada por favor. E escove os dentes. Não vi você fazer isso depois do almoço.

– A casa é grande. Eu os escovei no meu banheiro.

– Não, não escovou. Consigo sentir o cheiro a cebola daqui.

– Tá, não escovei. Mas eu não vou pentear meu cabelo.

– Vai, vai sim.

– Não, não vou.

– Vai, vai sim.

– Não vou.

– Vai.

– Não vou.

– Vai.

– Não v-

– Amir, faz logo o que a sua mãe tá mandando! - meu pai grita exasperado do segundo andar, e ela sorri vitoriosa.

–Mas...

– Vamos lá Amir, deixa de ser infantil - ela me vira pelos ombros, e começa a me dar empurrõezinhos. – Agora vai logo. Eu não vou pentear o cabelo de um marmanjo de dezoito anos.

Subo as escadas pisando pesadamente. As paredes cor-de-areia não ajudam mais que minha mãe - que já voou para o segundo andar -discutindo com meu pai sobre o abajur extra no quarto deles.

Entro no meu quarto e miro a cama desarrumada. A vontade de pular nela é quase irresistível, mas me forço a ir em direção ao closet depois de deixar a adaga num criado mudo. Said, meu papagaio, pousa em meu ombro quase que de imediato.

– Feira de antigos.- explico, tirando a camisa. – Eu e mamãe acabamos de fazer uma limpeza completa no sótão.

– Ah, claro.- ele devolve, a voz esganiçada de sempre. – Por isso está trocando de roupa?

– Sim, vamos sair agora. Devemos demorar mais ou menos uma hora.

– Crá.

– Pode arranjar alguma coisa para desenferrujar aquela lâmina e um bom verniz para mim?

– Não sou empregado.

–Não, de fato- concordo, quando acabo de me vestir. – Mas é um papagaio que não quer morrer de tédio.

– Você ganhou essa. De qualquer modo estou a precisar de esticar as asas.

Sorrio, indo em direção ao banheiro. Escovo meus dentes e penteio o cabelo, e então me calço. Assim que acabo, o meu telefone toca. Atendo-o de um pulo, vendo que o chamador é James.

–Alô?

– Nahan?- ele pergunta, do outro lado da linha. – E aí, cara?

– Levando. E você?

– Igualmente. Minha mãe tá resolvendo alguma coisa da loja, e meu pai saiu com o pirralho. Tá a fim de fazer alguma coisa?

– Olha, cara, estar eu até estou - devolvo. – Mas hoje não vai rolar.

– Ah, a feira de antigos?

– Uhum.

– Ah, de boa. Quem sabe amanhã?

– James, nós já vamos nos encontrar amanhã. Combinamos de ir comprar o presente do Montgomery, se lembra?

– Oh. Claro - diz, e eu percebo que ele não se lembrava mesmo. – Eu acho que talvez apareça por lá, mas nada concreto. Então nos vemos amanhã?

– Pode crer.

– Ah, e vê e encontras algo que preste para o Montgomery na feira.

– Não vou dar uma coisa usada como presente - digo indignado.

– Se estiver pouco usado ele nem deve notar. Primeiro teria de estar acordado para isso - diz, e depois ri-se da sua própria piada.

– Até amanhã James - digo, e desligo.

James é meu amigo fazem uns bons anos, e não é nem um pouco complicado entender as que nossas semelhanças nos uniram - um cara da vida, que se casa com uma princesa cabeça dura e tem um primogenitor. Rapunzel ou Aladdin? Os dois, eu digo.

– Amir, vamos embora! - minha mãe grita. – Até seu pai já está pronto!

– Ei! - meu pai grita de volta, meio indignado. – Eu ouvi essa!

Rio baixinho, saindo do quarto, Said ainda empoleirado no meu ombro.

– Aposto que não consegue achar o verniz antes de eu voltar - o desafio baixinho. Ele cacareja revoltado.

– O que eu ganho com isso?

– Alpiste extra.

– Acho em metade do tempo.

– Veremos, bobo-alegre.

–Veremos, príncipezinho.

Com isso ele voa de meu ombro, e eu ajudo meu pai a colocar as caixas no carro. Teríamos um longo dia.

_o_

A feira de antigos estava cheia. É incrível como personagens de contos de fadas gostam de coisas antigas - de tê-las, de vê-las e de se desfazer-se delas. Em uma batida de olho consigo identificar as duas cabeças laranjas como fogo dos Haddock, junto com outras três morenas, todos com vários itens celtas e vikings; os morenos e loiros Smith's, com peças indígenas intrigantes; os indiscutivelmente morenos Hook com artigos piratas; e as O'Hana com colares havaianos, redes e todo esse tipo de coisa.

Nós vendemos as nossas coisas bem rápido, na verdade. Todos os comerciantes sempre querem as celtas, árabes e chinesas. Mamãe se sente pronta para ir para casa quando papai anuncia que vai ter com algum amigo dele que não consigo ouvir o nome, e que nos liga quando acabar. Minha mãe me fita.

– Que vai fazer?

– Sei lá - devolvo, coçando a parte de trás da cabeça. - Ver quem anda por aqui?

– Certo. Você quer ver se os Bezerra estão aqui.

– Por aí.

– Me encontre daqui meia hora. Se eu não estiver ajudando Pocahontas, me ligue. Certo?

– Certo, mãe.

No momento em que vou me virar trombo com alguém deixando a caixa que carregava cair no chão. Me apresso em ajudar a pessoa a pegar tudo, pedindo desculpas, mas reparo que ela murmura numa língua diferente.

– Li Mei?- pergunto, levantando a cabeça.

– Ali Amir? - a interlocutora levanta sua própria face, e seus cabelos escorrem mostrando seus grandes e negros olhos. - Perdão. Não vi que era você.

– Eu estava distraído - confesso. - Que faz aqui? Minha mãe queria ter com a tua.

– Acredite, ela já teve - a filha da Mulan pega a caixa e se põe de pé. Normalmente eu ofereceria ajuda, mas Mei me daria um punho fechado se eu o fizesse agora. - Foi em minha casa enquanto estava na esgrima.

– Ah, sim. Como correu?

– Bem - põe-se a andar, e eu a sigo. - Tomaram muito chá, e meu irmão havia colhido um buquê de jasmins no dia anterior para ela. Iremos almoçar em sua casa na próxima semana.

– Minha mãe falou-lhe o quê?

– Acho que ela mencionou quibe cru e taboulleh.

– Certo. Lembrarei-me de pedir uma pizza para você e Shun.

– Por quê?

– Talvez vocês até gostem do quibe cru, por causa de toda a coisa oriental, mas só árabes em essência comem taboulleh.

– O que tem taboulleh? - pergunta Sayoran, o gêmeo de Mei, surgindo do nada.

– Vários legumes juntos e misturadas, todos picados em pedaços bem pequenos e em tempetratura ambiente- devolve, sentindo o gusto crocante do prato. –Mas, em todo caso, tenho certeza que vocês não gostarão. Calabresa ou mozzarella?

–Calabresa- diz Mei.

–Mozzarella- replica Shun.

–Calabresa- repete.

–Mozzarella.

–Calabresa.

–Eu sou mais velho, e digo mozzarella.

–Pois eu sou mais forte e uma dama, e digo calabresa.

–Ei, ei- eu os interrompo, vendo que estavam prestes a começar a brigar. –Eu peço meio-a-meio, está bem?

OS gêmeos torcem o nariz um para o outro.

–Está- dizem juntos.

–Ótimo. Viram os Bezerra em algum lugar?

–Tenho quase certeza de que Uriah e José estão com os Haddock- Mei diz, sem se preocupar em olhar para mim.

–Não, não estão- devolve Shun. –Hoje é um dia de família para os Haddock, se lembra?

–Ah. Verdade- repara Mei. –Então já devem ter ido embora. Só vieram vender uns vasos mesmo.

–Tem certeza?

–Esconda a sua decepção, Ali Nahan- Shun brinca. –Não é educado se mostrar assim.

–Perdão. É que realmente esperava encontrar James em algum lugar.

–Eu não disse que James não estava aqui- Mei dispara.

–Você o viu?

–Sim, Ali Amir. Qualquer um pode reparar o jeito que ele está reparando bem Azaleh Hoddock.

Olho na direção em que ela olha, e vejo James olhando para a garota meio desconcertado. A morena conversa- leia discute -com sua mãe sobre um vaso celta, enquanto Alanna Haddock ri de sua cara.

Azaleh Haddock é definitivamente a pessoa errada para se reparar. James conhece seu nome desde pequeno, vez que seu irmão Uriah e Alanna são muito próximos, mas acho que ele ainda não se tocou que está secando nada discretamente a irmã mais velha da amiguinha do seu irmão mais novo.

Isso só pode dar errado. E, se você quer saber, muito errado.

E é nessas horas que você descobre pra que melhores amigos servem: pra livrar você das maiores burradas que um dia você já pensou em cometer.