Advogada do Diabo

Intuição e Razão


Advogada do Diabo

Capítulo três – "Intuição e Razão"

— Jura? Uau! Eu nem sei o que dizer. Poderia trazer esse material até o final do dia? Muito obrigada! Até! – Courtney desligou o celular com um sorriso enorme em seu rosto. Com cuidado para não tropeçar em seus saltos, ela deu uma pequena corrida até o escritório de Pallet.

Bateu na porta duas vezes e a abriu quando ouviu um “Entra” em tom cansado.

— Com licença, Pallet. Tenho boas notícias sobre o meu caso. – Contou ela. Nas últimas semanas, Courtney e Pallet tinham se tornado bons amigos. Conversavam sobre os casos que estavam trabalhando como também estratégias para atingir determinado ponto em cada caso. Courtney o via como um mentor e sentia que aprendia muito com ele a cada momento. Ela sabia que ele reconhecia o seu esforço e, por isso, era mais aberto a falar com ela. – Consegui as gravações de todos os ângulos da avenida no momento exato onde ocorreu a briga.

— Muito bom, senhorita Delacroix. – Elogiou ele. – O material é o suficiente?

— É mais do que suficiente! As gravações mostram o homem que acusou meu cliente bater por conta própria a cabeça no volante. – Disse ela quase pulando de alegria. – Esse caso é todo meu.

— Excelente, Courtney. Mas lembre-se: não é porque tem o caso ganho que a sorte vai estar sempre ao seu lado. Mantenha-se firme em sua defesa e não deixe nenhuma ponta solta. Todo cuidado é pouco.

Courtney assentiu com a cabeça, pensativa. Assim que Pallet a alertou sobre, um leve arrepio percorreu seu corpo. Courtney não era dada as suas intuições, ela preferia seguir sempre à razão.

— Acho que está tudo amarradinho, mas não custa checar mais uma vez.

— Nunca é demais. – Disse ele dando um gole de seu café. – Se tudo der certo, garanto que muitas portas se abriram pra você.

Os olhos de Courtney arregalaram-se sem que ela tivesse muito controle e então sorriu. “Ele vai me indicar para um escritório!”

— Muito obrigada! Bom, vou analisar mais algumas vezes.

— Qualquer coisa que precisar, estou à disposição. – Disse Pallet antes de ela se despedir e sair pela porta.

Mais uma vez naquele dia, Courtney precisou conter os pulos de alegria. Parecia que finalmente sua vida estava se alinhando de novo. A vontade que ela tinha era de colocar Shiny Happy People do REM tocando no volume máximo para que ela pudesse dançar.

Pegou seu celular e ligou para Duncan.

— Princesa? – Respondeu ele. Courtney revirou os olhos.

— Duncan, quantas vezes eu... Quer saber? Foda-se. Eu sou mesmo uma princesa.

— Wow, não com esse palavreado, mocinha. – Duncan riu do outro lado da linha.

— Essa mocinha aqui vai te livrar de um processo. – Disse elevando seu queixo como se estivesse falando com Duncan a sua frente. – Acabei de conseguir o material que prova sua inocência.

— Grande coisa. – Bufou ele. Courtney franziu a testa e quando ia começar argumentar. – Brincadeira, Princesa. Relaxa. Então o caso está ganho?

— Dependendo da minha defesa, com certeza.

— Isso é incrível, Courtney. – Duncan sorriu. – Ei, que tal comemorarmos?

Courtney sentiu outro arrepio em sua espinha, mas aquele era diferente. Não era de insegurança ou medo; era de excitação, vontade de aceitar todas as oportunidades que lhe viessem à cabeça. Mesmo assim, sua parte racional ainda prevalecia, então ela disse:

— Vamos com calma. O caso está ganho, mas ainda faltam dois dias para a defesa e…

— Mas é você que vai fazer a minha defesa. E você é a melhor.

Courtney olhou para cima como se pedisse a Deus para que houvesse uma intervenção divina ali.

— Vamos comemorar, Court. - Pediu ele. - Você já trabalha demais, tenta relaxar um pouco.

Ela trabalhava mesmo. Só naquela semana tinha entrado em contato com todas as fontes de investigação possíveis. Tudo para fechar a defesa da forma mais correta, livre de qualquer ambiguidade. Ela se considerava digna de um descanso, mas fazer isso com Duncan?

— O que tem em mente?

— Vem até o estúdio hoje à noite. - Disse ele num tom de voz que ela sempre soube muito bem identificar. Sentiu seu coração acelerar.

— Tudo bem. Mas não posso ficar muito. Ainda trabalho sábado.

— Ok. Te vejo às sete.

Courtney desligou o celular. Tentou não expressar nenhum sorriso.

***

Estava se olhando no espelho há mais de meia hora e não tinha ideia do que estava fazendo. Aquilo não era um encontro! Duncan e ela trabalhavam juntos nesse caso e nada deveria acontecer. Aquilo era um erro.

Bufou irritada e então tirou o batom marrom da boca, colocando apenas um gloss rosa quase que invisível que era o que ela normalmente usava no dia-a-dia.

Olhou em seu guarda-roupa e acabou escolhendo uma calça jeans preta, uma blusa branca de corte arredondado e - como o clima havia esfriado - colocou uma jaqueta de couro. Pegou um sapato de salto alto com tiras e os colocou com pressa ao ver que eram 18:30.

Ao entrar em seu carro, o cheiro de seu perfume espalhou e só então ela percebeu o quanto estava cheirosa. Merda. Ela não queria que ele pensasse que estava indo com alguma intenção. Porém, considerou que ela normalmente se cuidava bem, então não tinha problema.

Suspirou, disse a si mesma para ficar algumas vezes e ligou o som do carro para ter algo para se distrair sem pensar em nada que a fizesse parar o carro e voltar para casa. O som de IDFC da banda Blackbear começou a tocar. Courtney revirou os olhos e deu a partida.

***

Apertou a campainha do estúdio exatamente às sete horas. O nervosismo passara durante o caminho até voltar como uma avalanche assim que viu Duncan.

Os piercings continuavam no mesmo lugar, porém, usava uma camisa social preta com um botão aberto.

— Boa noite, princesa. - Disse ele num tom sedutor. Courtney se recompôs após ficar alguns segundos babando. - Você está linda.

— Quando não estou? - Disse ela colocando uma parte do cabelo para trás.

— Vamos entrar, vai. - Abriu espaço para que ela entrasse. - Comprei uma coisa pra comemorarmos.

Courtney franziu a testa e virou para trás para olhá-lo. Duncan foi até o mini frigobar do estúdio e pegou uma garrafa de vinho. Courtney arqueou as duas sobrancelhas.

— Vinho?

— Envelhecido. - Disse ele abrindo a rolha da garrafa e logo depois pegando duas taças. Aproximou-se dela e começou a encher as duas taças. - Quanto mais tempo, fica melhor, não é?

— Talvez. - Disse pegando a taça e brincando com ele. Os dois beberam o primeiro gole sem tirar os olhos um do outro. - Nesse caso, com certeza.

Duncan sorriu ao notar a ambiguidade na frase dela.

— Pensei que não viesse.

— Falei que vinha, não? Além disso, estou feliz com o trabalho. Pallet conversou comigo hoje e ele deu a entender que vai me indicar para um escritório.

— Parabéns, Courtney. Você merece. - Disse ele dando mais um gole de vinho. Pareceu então lembrar de alguma coisa. - Eu pedi o nosso jantar de uma casa de massas. Lembro que Mesa Luna era o seu prato preferido quando...

Courtney arqueou as duas sobrancelhas claramente surpresa por ele ter lembrado a sua comida favorita. Duncan comprimiu os lábios.

— Enfim, é esse?

— Sim, sim. - Courtney saiu do transe. - É esse mesmo. Não sabia que se lembrava.

— Que bom. Vamos comer então.

***

Os dois já tinham acabado de comer e tinham acabado com quase todo o vinho. Encontravam-se sentados confortavelmente no sofá do estúdio. Quem os visse, nunca iria dizer que eram ex-namorados. Courtney riu quando Duncan contou sobre a expressão do policial assim que ele o insultou.

— Esse pode entrar facilmente para a minha lista de erros. - Comentou ele e deu mais um gole em seu vinho.

— Como se chamaria essa lista? - Perguntou ela.

— Não sei. Acho que poderiam ter fotos para ilustrar cada momento e ser apelidada como “Momentos antes da merda acontecer”.

Courtney precisou se segurar para não cuspir o vinho no rosto de Duncan. Ele deu risada também, no entanto, parou um momento e a observou. O rosto dela estava menos carrancudo do que as últimas vezes em que se encontraram. Total efeito da bebida, mas ele lembrava-se daquela mesma expressão do começo do namoro dos dois.

— Senti falta da sua risada. - Disse ele. Courtney olhou para ele ainda rindo e então percebeu o tom sério, apesar do sorriso e olhar transmitindo uma espécie de nostalgia. O que ele tinha a perder? Estava claramente bêbado e aquelas eram palavras que ele tinha em mente desde quando a viu. Courtney colocou uma das mechas que caía sobre o seu cabelo atrás da orelha e tentou recobrar a razão. Porém, pela bebida, ela não conseguia esconder que tinha ficado feliz em ouvir aquilo. Então, ela sorriu de maneira nervosa. - Courtney, eu…

— Duncan. É melhor parar por aí. - Disse ela colocando a taça em cima da mesa de centro. - A noite está realmente legal e eu estou me divertindo bastante. Não estraga isso.

— Por que você acha que eu sempre vou estragar tudo? - Perguntou ele. Courtney desviou o olhar e riu. - Ok, eu sei que eu errei, mas…

— Mas o que, Duncan? - Perguntou ela num tom mais sério. - Foi difícil pra você sair daquela merda de programa com a sua imagem destruída?

— Não queria te lembrar, mas eu fui preso.

— Foi preso porque foi um idiota! - Exclamou ela. - Aposto o que for com você que ninguém tirou sarro de você por ser corno em rede nacional!

Duncan franziu a testa e olhou para baixo.

— Sabe o porquê de eu ter mudado de sobrenome? Do porquê de Santiago ir para Delacroix? Foi porque eu não conseguia ter paz! - Exclamou ela. - Todo o lugar que eu ia as pessoas ditavam como eu deveria ter agido no relacionamento pra não te perder. Ou faziam comparações minhas com a Gwen. Falando que ela era mais gostosa, mais inteligente, menos mandona! E que com o meu comportamento era óbvio que eu iria te perder!

Os olhos de Courtney começaram a marejar.

— Eu sei que não fui a pessoa perfeita. A namorada perfeita. Mas eu era muito nova. O mais irônico disso tudo é que eu sempre segui as regras. Sempre. Eu seguia as regras pra não me foder e me garantir em qualquer coisa. Mas olha onde eu fui parar. - Levantou as mãos para o alto então as despencou no colo. - Minha carreira de advogada já poderia ser brilhante nesse exato momento! Mas assim que saí da faculdade e voltei para o Canadá, todos os escritórios que eu ia não se importavam com o meu currículo brilhante ou com tudo o que eu já fiz durante a universidade. Tudo o que me perguntavam era: Como foi para você ser corna em rede nacional?

Duncan ficou em silêncio. Não sabia o que dizer diante daquilo. Ele tinha grande parte da culpa daquilo, mas não tinha como voltar no tempo. Se ele pudesse, ele voltaria.

— Eu odeio aquela merda de programa. - Disse após um suspiro. - Nem cheguei perto de ganhar e me fodi por isso.

— Você não é nada daquilo que falam de você. - Duncan disse. Courtney o olhou como quem dissesse "sério mesmo?". - Eles não te conhecem como eu conheço.

— Vamos nos poupar das mentiras. Você odiava meu jeito na época. - Disse ela e bebeu um grande gole de vinho.

— Eu amava o seu jeito. - Rebateu ele. - Confesso que fiquei muito puto quando você disse que queria mudar tudo em mim, porque eu te amava do jeitinho que você era.

— Não, não amava.

— Amava.

— Não amava.

— Eu amava.

— VOCÊ NÃO AMAVA.

— AMAVA SIM. - Duncan disse irritado. Courtney se calou o olhando com revolta. - Porra! - Duncan passou as mãos em seu rosto e depois olhou para ela. - Esse é o seu problema, sabia? Você era irritante. Muito irritante. Caralho, como você continua sendo irritante.

— Você não é o que se possa chamar de cavalheiro também, sabia? - interrompeu ela, mas Duncan continuou falando. Ela deu mais gole de seu vinho.

— Deus, como você consegue ser tão insuportável?

— Acho que já entendi essa parte, idiota!

— E sabe qual é a pior parte disso?

— Deixe-me adivinhar: você vai me dizer. - Courtney disse e Duncan trancou o maxilar enquanto sorria ironicamente e Courtney retribuiu o mesmo sorriso e tomou mais um gole. Ela acabaria com a garrafa logo.

— Além de insuportável, você sempre foi espertinha. Tinha sempre as melhores respostas e me deixava LOUCO.

— POR QUE NÃO PROCURA UMA OUTRA ADVOGADA QUE VOCÊ POSSA BEIJAR? TALVEZ UMA GÓTICA. VOCÊ É BOM NISSO, NÃO?

— EU NÃO QUERO OUTRA PESSOA. EU QUERO VOCÊ. EU SEMPRE QUIS VOCÊ PORQUE EU AMEI VOCÊ E CONTINUO AMANDO.

Courtney então virou o rosto para encará-lo. Duncan não tinha nem uma sombra de deboche em sua expressão.

Os dois ficaram se olhando por alguns segundos. Duncan não conseguia evitar de olhar para a boca dela e quando viu já estava se aproximando. Courtney fechou os olhos e então pulou em cima do colo dele, beijando-o ferozmente e passando seus dedos pelo cabelo dele. Ele, por sua vez, puxava a sua cintura com firmeza e logo depois desciam suas mãos apertando sua bunda.

Duncan parou de beijá-la para dar atenção ao pescoço dela que estava completamente exposto pelo cair da blusa dela. Enquanto era beijada por cada parte de seu pescoço, Courtney segurava alguns suspiros mais altos e tentava não jogar sua cabeça para trás.

Na tentativa de se manter reta, Courtney olhou o espelho em sua frente. Ao ver seu rosto completamente entregue ao prazer e a situação onde se encontrava, Courtney saiu do colo dele rapidamente colocando as mãos na cabeça.

— Não, não, não. - Disse andando de um lado para o outro. - Onde que eu tô com a cabeça? Isso tá errado!

— Não, não tá! - Duncan levantou do sofá e segurou os braços dela se forma delicada até subir com as mãos em seu rosto. - Courtney, me escuta. Nós dois somos certos. A gente tá certo. Eu sinto muito por ter errado antes. Eu sei que fiz merda, mas a gente nunca deixou de se gostar.

— Não, Duncan. - Fechou os olhos. - Não podemos. Olha a merda que deu na primeira vez! Imagina só o que pode dar nessa vez!.

— Somos adultos. Não temos mais a mesma maturidade que antes. Você mudou, eu mudei. A gente vai fazer dar certo!

Ela respirou fundo. Intercalou o olhar entre os dois olhos dele e sentiu o polegar dele acariciar o rosto dela levemente.

— Me dá uma chance. - Sussurrou ele. - Vai dar certo.

Courtney olhou para baixo e se desvencilhou dele.

— No momento, não dá pra pensar em nada que não seja no seu caso. Minha carreira continua sendo a coisa mais importante da minha vida. Não quero ter que focar mais em nada do que isso.

— Tudo bem. E depois que o caso acabar?

— Depois do caso, eu vou pensar em tudo o que você me disse. - Respondeu ela. Na verdade, você vai ter que me dizer todas essas coisas quando ambos estivermos sóbrios para eu acreditar cem por cento no que você está falando.

— Eu não tô delirando.

— Muito menos eu.

— Tudo bem. - Duncan se deu por vencido. - Eu espero o tempo que for.

Courtney olhou para ele por alguns segundos com aquela frase em mente e seu coração passou a bater mais rápido. Ela desviou o olhar.

— Você tem certeza de que quer ir embora? - perguntou ele e Courtney semicerrou os olhos desconfiada. - Não é isso o que você tá pensando, Princesa. É que você bebeu e, bom, a senhorita não pode dirigir porque - ele sorriu - que exemplo você estaria dando como representante do Direito se dirigisse bêbada?

Courtney abriu a boca então a fechou novamente. Merda, ele tem razão! Ela cruzou os braços.

— E, além do mais, eu não quero que você se machuque - Duncan disse e vendo a expressão confusa que tomou o rosto dela, ele tratou de consertar. - Afinal, quem é que vai me defender nesse processo, não é?

— É - Courtney sorriu. - Então, qual é a sua ideia?

— Bom, minha casa é no andar de cima. Você pode ficar na minha cama. Eu durmo no sofá.

— Obrigada, Duncan. - agradeceu ela.

***

No dia seguinte, após deixar um recado agradecendo mais uma vez a Duncan, ela passou em casa para tomar um banho e trocar suas roupas. Courtney fora trabalhar logo depois com algumas pontadas de dor na cabeça. Estas que ela logo resolveu com um comprimido o qual tinha guardado em sua bolsa para ocasiões como aquela.

Apesar das palavras de Duncan não terem saído de sua cabeça, o foco dela era total em seu trabalho e na montagem dos argumentos para sua defesa ser impecável. Ela tinha passado a manhã inteira analisando os vídeos que tinha recebido da avenida onde ocorrera o acidente e escolhendo pontos cruciais para serem apresentados. Até mesmo circulou alguns dos momentos com caneta vermelha para dar ênfase ao que se passava em cada parte.

Satisfeita com seu trabalho e atenta ao horário do almoço, Courtney pegou sua bolsa em sua sala emprestada e foi em direção à saída da delegacia.

Pallet estava perto do hall de entrada. Courtney estranhou pelo movimentar da parte de secretaria da delegacia que tinha algo de errado. Algumas pessoas gritavam e outras faziam grupinhos enormes. Estava realmente uma loucura.

Courtney se aproximou de Pallet e então perguntou:

— O que está acontecendo aqui? Prenderam um novo Ted Bundy?

Assim que Pallet escutou a voz dela, virou-se bruscamente com um olhar de "puta merda" o qual Courtney não entendeu em um primeiro momento. A partir dali tudo pareceu passar em câmera lenta.

Courtney só começou a entender assim que Chris McLean apareceu a abraçando de lado e a secretária da delegacia gritando:

— EU SABIA! É A COURTNEY DO DRAMA TOTAL!