1 – O meu começo.


Pâmela Guimarães: Quarta-feira, 3 de fevereiro de 1999.


“Mais um dia de rotina pra mim, aula pela manhã, trabalho á tarde. Eu ficava observando o esforço que minha mãe fazia e pensava: será que eu serei assim como ela?

Bom, eu não costumo falar de mim, afinal não tenho amigos que queiram me ouvir, mas eu tenho sonhos e sempre os grito para todos saberem que vou conseguir.

Pâmela Guimarães, 13 anos. Meu sonho é ser cantora e ser amada por alguém e...


– Filha! Não demore ou vai perder a hora para o colégio! – pude ouvir a voz fina de minha mãe chamar o meu nome. Suspirei e fechei o meu diário. Deixei-o bem guardado e fui de encontro á minha mãe.

– Já está pronta?- Não respondi. Era óbvio que eu não queria ir àquela escola - Vamos! Ou eu também perderei a hora! – Mamãe era cozinheira no colégio onde eu estudava e foi só por esse emprego que consegui um bom desconto naquela escola chata. Pessoas chatas, regras, poder excessivo. Aquilo tudo me irritava muito. Mas nada era pior do que não ter nenhum amigo.

– Filha? Pâmela pare de sonhar! Vamos logo! – Mamãe pegou na minha mão e me arrastou para fora de casa. Não preciso comentar que nossa casa era muito pequena, no máximo três cômodos. Morávamos num lugar afastado do centro da cidade e assim precisávamos de condução.

Minha mãe tinha esperança de que com esse emprego tudo mudaria para nós e eu poderia ter uma boa educação, mas eu simplesmente detestava aquele lugar. Todos me excluíam e me humilhavam por eu ser inferior economicamente. Eu confesso que não entendia muita coisa, mas fazia o que mamãe dizia: “ignore”. Apenas uma menina não fazia aquelas coisas comigo, Manuela. Mas por quê? Por que ela insistia em ser diferente?


– Pâmela, chegamos! – a voz de mamãe afastou meus pensamentos idiotas e logo eu já estava na porta da escola – Boa aula minha linda, te vejo no recreio! – ela beijou minha testa e saiu correndo escola á dentro.

– Bom dia favelada, e aí como foram as férias? Viajou bastante? Ah... Desculpe-me, esqueci que você é tão pobre que nem carro tem – Jaqueline, aquela garota irritante já estava pronta para começar á me diminuir e eu tão tímida não conseguia dizer nada.

– Eu tenho que ir... – eu disse baixinho, mas ela entrou na minha frente. Mais duas de suas amiguinhas nojentas vieram ao meu encontro.

– Não entendo porque gente como você está aqui! Minha mãe sempre disse que aqui só havia pessoas de nível e quando eu disse á ela que deram vaga á uma faveladinha ela ficou pasma! – ela dizia em meio á gargalhadas. Eu não suportava esse tipo de coisa e as lágrimas já estavam prontas para cair quando ela apareceu.

– Podem deixar a menina em paz? – A garota mais esquisita da escola estava ali me defendendo? Não podia ser. Manuela era temida e excluída por todos na escola. Acho que ela só falava com um garoto do nono ano, um tal de Filipe.

– Eu... Eu...

– Essa garota tá te irritando? – Manuela me perguntou. Seus cabelos vermelhos esvoaçavam contra ao vento. Olhos verdes e expressão de tristeza.

– Não... Não estamos! Vamos meninas! – Jaqueline remexeu sua bunda e arrastou as outras duas consigo. Tenho a impressão de que as vi correr.

– Como consegue isso? Que elas te respeitem? – perguntei.

– Elas não me respeitam, só têm medo de mim, eu acho. Mas enfim, você é Pâmela não é? Prazer, Manuela Saraiva, mas pode me chamar de Manu – ela estendeu a mão.

– Como sabe meu nome?

– Você pergunta demais sabia? Relaxa, eu converso com todos da direção, cozinheiros e faxineiros, ou seja, sei quem é sua mãe.

– E... Você não se importa? De andar comigo?

– Não – ela riu e falou alguns palavrões grosseiros que me assustaram, mas ela me fazia rir, então eu gostei disso.

– Manu! – ela sorriu imediatamente quando ouviu a voz dele. O garoto do nono ano viera correndo só para falar com ela.

– E aí Filipe? – eles se abraçaram e o olhar dele logo veio até mim.

– Quem é ela?

– Minha nova amiga – ela sorriu.

– Amiga? Você não tem amigos além de mim – ele á abraçou pela cintura. Que tipo de amizade era aquela?

– Vocês namoram? – Eles tinham 14 anos e estavam para entrar no ensino médio e eu ainda teria muito pela frente.

– Não mesmo – ela o empurrou – Filipe é meu amigo. Ei esta é Pâmela, cumprimenta a menina seu idiota!

– Eu já a vi por aqui. Está no oitavo ano não é? – assenti. Não costumava reparar nessas coisas, mas ele era muito bonito para a idade, como podia?

– Ei, Pâmela acorda! – Manuela me chacoalhou. Droga! Eu devia estar vermelha de tanto olhar pra ele.

– Bom, vamos? – ele chamou Manu.

– Temos que entrar pequena – ela sorriu.

– Não sou pequena! – respondi grosseiramente.

– Ok, mas é menor que eu e por enquanto quem cuidará de você aqui dentro seremos nós – ela disse... Cuidar?

– Nós? – Filipe repetiu assustado.

– Sim, seja útil uma vez na vida e me ajude com ela, ok? – Ele olhou pra mim e sorriu.

– Será um prazer cuidar da pequena.

– Parem de me chamar assim! – eles riram e então fomos juntos até a sala de aula. O oitavo ano A ficava em frente á sala deles.

– Boa sorte pequena – Filipe segurou minha cintura para um abraço forçado. Meu corpo tremeu, meu coração acelerou e eu fiquei muito vermelha. As meninas ficaram olhando com extrema raiva. Era a primeira vez que eu sentia aquelas coisas.

– O-Obrigada – sussurrei baixinho entrando na sala. Foi pela primeira vez que senti arrepios e uma vergonha tremenda. Sentei á minha mesa encostada na parede e fechei meus olhos. Desliguei-me por completa de tudo. Fui para outro lugar, para um mundo melhor, onde eu não seria mais humilhada. Seria amada e respeitada, afinal era o que eu merecia.