Acíclico

Capítulo Único


Acíclico

A viagem tinha finalmente acabado. Imersões pelo espaço – tempo nunca eram fáceis, ainda mais consecutivamente. Mas Star sabia que tinha valido a pena.

Star, hum?

Pensando bem, há muito não chamava a si mesma de Star.

Star Butterfly. Isso mesmo. Sou Star.

Já havia adotado Eclipsa há tanto tempo que já havia se esquecido.

Quanto tempo mesmo?

Haviam se passado anos desde o início da viagem. Ela já não era mais uma menina. A guerra de Mewni e os embates pelo tempo começavam a cobrar seu preço.

Já estava na casa dos 30. O traje de batalha que estava usando – uma mescla sutil entre vestido e armadura, precisava ser aposentado. Já havia dado tudo o que podia.

Estava visivelmente abatida. Cansada. E com fome.

É claro, tudo isso seria mais fácil de tolerar se não fosse a dor latejante no braço esquerdo. Ou o que sobrara dele. Agora, estava mais para um toco.

Pelo menos havia um consolo. Echo Creek não havia mudado em nada.

Pudera, estava ali exatamente no momento em que tudo começou.

A céu estava limpo. As ruas, livres de sangue, ossos e decepções.

Embora a visão de uma amazona loira na casa dos trinta, sem um braço, carregando uma varinha quebrada na mão e uma mochila feita de pele de algum animal exótico (e põe exótico nisso) chamassem a atenção dos visitantes, Star ficaria por pouco tempo.

— Por favor Glossaryck, faça agora.

— Tem certeza, Milady?

— Argh.... Não me chame assim. Por favor, agora.

— Okay, Milady.

Ela ignorou. Na verdade, estava feliz por estar na companhia de Glossaryck novamente. Ou pelo menos, com alguma versão de alguma linha do tempo alternativa. Mas isso não importava. Ela sempre se sentia mais segura com ele por perto, e até hoje, isso não mudara.

Agora, não estavam mais na rua. Ambos foram transportados para dentro da escola.

Star se escondeu atrás de uma pilastra e aguardou. Por mais incrível que fosse ninguém notara sua presença. O pátio estava vazio naquele momento por estar em horário de aula. Mas ela sabia que ele apareceria ali. Na verdade, apareceria a qualquer momento agora.

Marco Diaz virou o corredor. Não estava muito preocupado com o que o Diretor que lhe falar com urgência. Sua maior preocupação naquele momento era parecer legal o bastante para que Jackie Lynn o notasse.

E “legal o bastante”, na concepção dele, seria o oposto do que ele normalmente era.

A distração era tanta que ele quase esbarrou no braço da mulher que estava na sua frente. Isso, se houvesse algum braço a ser esbarrado.

— Wow!

Marco não se espantou pela falta do braço. Nem mesmo pela falta de higiene que a forasteira apresentava naquele momento. Mas sim em sua beleza. Atrás daqueles trapos (ou seria armadura?), do cabelo desgrenhado e do notável sinal de esgotamento físico, se escondia uma bela mulher. Forte, indomável. Ele tentou pedir desculpas pelo esbarrão, mas lhe faltou palavras.

— Não se preocupe, ele vai te liberar rápido. Vai dizer que não precisa mais de sua ajuda. Ou algo assim.

Era muito para que ele assimilasse de uma vez. Ainda assim, ele conseguiu, quase que por um impulso natural, a formular algo e a dizer.

— Você está bem?

Star parou e olhou por si mesma por um minuto.

— Quem, eu? Ah, nada demais. Isso aqui – fitando as próprias roupas – é só maquiagem. Eu faço parte do teatro da escola. Tudo bem, querido.

Querido?— Marco pensou – Por que ela fala como se me conhecesse?

— Mas eu nunca...

— Eu sou nova aqui na escola.

— Ohn. Tudo bem então.

Ele passou por ela, pronto para entrar na sala do diretor, ainda muito desconfiado daquela situação, para não dizer, no mínimo inusitada. Mas, quando estava pronto para bater à porta, ela disse:

— Você tem um minuto?

Mais uma vez, Marco fitou a mulher a sua frente. Mesmo daquele jeito, ( e ele não conseguia explicar o porquê), ela emanava algo, alguma energia, (ou seria algo no sorriso?), que lhe impedia prontamente a dizer “não”.

— Ahn.. Claro. Tudo bem.

Então, Star se aproximou dele. Se aproximou mesmo. Colocou a mão em seu rosto. Ela era áspera, muito áspera para uma professora. Mas o toque era suave, e meigo.

— Você se preocupa demais. É melhor do que imagina. Vai ficar tudo bem.

— Como assim vai ficar...

— Não importa se você escolher A Jackie ou a Jenna. Vai dar tudo certo pra você. Eu prometo.

E mais uma vez, ele tentava falar, mas a voz mais uma vez falhara.

Ela é linda. E está tão perto.

Como ela sabe de tanto de mim? De onde ela veio?

Ela está realmente perto agora.

E sem hesitar, ela o beijou.

Marco corou quase que imediatamente. O corpo, que naquele momento tremia, entrara em contraste com a mente, que se esvaziara por completo.

Star mais uma vez passou a mão pelo seu rosto. Então tomou certa distância. Uma última vez, ela sorriu.

— Vai ficar tudo bem. Vai lá.

Finalmente ele retornara à realidade, tempo o suficiente antes que ela pudesse cruzar o corredor por onde ela viera.

— Espera! Quem é você?

— Não há mais tempo.

Com isso, ela apontou para o alarme. Ele não entendeu de imediato, mas de repente, ouviu o estrondo agudo do meio - dia.

Hora do almoço, pensou.

Quando Marco olhou de volta para Star, ela já estava virando o corredor. Ele correu para alcança-la, mas quando atravessou o lugar, ela havia sumido.

Os alunos começaram a sair de suas salas. O intervalo realmente havia começado.

Ele ficou parado ali mais um tempo. Quem era ela? Como o conhecia?

Quando conseguiu que as pernas lhe obedecessem e o levassem a sala do Diretor, ele foi rapidamente dispensado. Alguma coisa sobre uma nova aluna, e a mudança de decisão dos pais da mesma sobre uma transferência.

***

Aquela conversa, inusitada e completamente fora do comum, tomou à mente de Marco por alguns dias. Nem a presença de Jackie, ou as brincadeiras de Jenna, fizeram com que a visão daquela mulher loira saísse de sua mente.

Não importava o que fizesse. Ninguém ouvira falar dela. Nem na aula de teatro, nem na cidade.

Eventualmente, Marco esqueceu. Teve que esquecer.

Nunca mais a viu.

***

Arredores de Echo Creek.

Star se sentou para descansar. Diferente das florestas de Mewni, as florestas da Terra eram agradáveis e serviriam como um abrigo temporário, até que ela decidisse o que fazer a seguir.

Ela abriu o velho livro, como de costume. Sentou – se em um tronco caído há muito e esperou pelo pronunciamento de Glossaryck.

— Mas o que diabos você fez?

— Como assim, o que eu fiz?

Ele saltou no ar, deitando – se como se estivesse dentro de uma piscina. Olhando para o céu, como quem não quisesse nada. Se limitou a perguntar e refletir sobre as respostas que Star Butterfly lhe ia fornecendo.

— Tentei de várias formas. Nunca dava certo. Então eu entendi. Eu tinha que mudar a mim e só a mim. Foi isso que eu fiz.

— Como?

— Eu fui até eles.

— Seus pais?

Star confirmou com a cabeça.

— E disse o que? “Oi, sou sua filha do futuro, vou causar uma guerra sangrenta por várias dimensões. Vocês deviam me por de castigo”.

Mais uma vez, ela concordou com a cabeça.

— Algo assim.

Então, ele flutuou para perto e a fitou, perplexo. Em anos, diga – se passagem, séculos, ele estava realmente impressionado.

— Sério? Você contou a verdade. No duro? E eles acreditaram?

Ela deu de ombros.

— Isso. Não foi fácil. Mas basicamente, foi isso mesmo.

— E eles não perguntaram o porquê de você ter causado a guerra?

— Eu disse apenas que tinha sido muito infantil. Eles não tiveram problema em acreditar nisso.

Glossarick assentiu com a cabeça.

— E o menino Diaz?

Ela suspirou.

— Eu só queria vê-lo mais uma vez. Só isso.

— Achei que tinha causado a guerra por ele.

— Causei a guerra por displicência, por não parar de pensar nele. Por tentar consertar as coisas com o Marco. Mas não deu certo. E olha que eu tentei. Muito. Foram viagens pelo tempo demais, até pra mim.

— Então, no fim, você salvou o mundo. De novo.

Star precisou de alguns minutos para refletir bem a afirmação do companheiro de viagem.

— Não precisei. Bastou apenas salvar o Marco. De mim. Com isso, o resto vai ficar bem. Todos os mundos vão.

— Você impediu que se conhecessem.

— Isso mesmo.

— E para onde seus pais te mandaram?

Star deu um sorriso de leve.

— Para o Santa Olga. Havia uma cama vazia no quarto da Cabeça – Pônei. Não se importaram que eu a ocupasse.

— Entendo.

Eles ficaram em silencio por um momento.

Não havia nada mais a ser dito sobre o assunto. Estava acabado.

— Mas e agora, Milady? Para onde vamos?

Star se levantou. Estava na hora de começar algo novo. Só não tinha certeza de o quê, exatamente.

— Bom, nossa linha temporal não existe mais. Estamos sem pó de Chifre de Pônei. Sem mais viagens pelo tempo. Vamos ter que ficar por aqui, nessa linha.

Ela coçou o queixo por um momento.

— Onde uma mercenária consegue um emprego decente por aqui?

Glossaryck sorriu e deu uma piscadela.

— Conheço uma dimensão ou duas.

— Tudo bem. Mostre o caminho.

— Com prazer, Milady.

— Argh.... Não me chame assim, por favor.

— Mas você sempre será uma Milady pra mim, princesa.

Star corou por um momento, então soltou um sorriso largo, algo que não fazia há anos.

— Eu senti muito sua falta, sabia?

— Na verdade, eu sabia. Pronta?

— Quando quiser.

— Com prazer, Milady.

Quando o portal se abriu, ambos partiram para longe de Echo Creek, da Terra, de Mewni, e de qualquer lugar que fosse conhecido.

A vida não seria fácil dali em diante. Mas seria boa. Disso ela sabia.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.