Eu estou feliz.

Feliz porque o médico disse que poderia tirar as faixas do meu ombro daqui duas semanas, e a partir daí era só alegria. Finalmente poder nadar, tocar violão, desenhar, parecia anos que eu não fazia as coisas que eu gostava.

Estava deitada na minha cama sem ter muito o que fazer e comecei a observar as fotos do meu celular. Tinha umas trezentas fotos, a maioria era minha com a Débora fazendo caretas ou tirando foto das coisas inúteis que fazíamos, fotos de comidas, da Melby e do dia em que fomos na casa dos meninos. Saudades. Era isso que definia o que eu sentia a olhar aquelas fotos.

Fazia um mês e meio que eu não os via, menos o Niall que apareceu aqui em casa para provar os Waffles, minha mãe simplesmente se encantou com ele. As vezes eu falava com Harry por twitter, já que agora todos me seguiam, e também conversava muito por skype com Eleanor. Ela era uma garota incrível e divertida. O dia que a conheci, pensei que era mais acatada, mas foi coisa momentânea. Com os meninos trabalhando tanto era difícil de eles arrumarem um tempo para eles mesmo, quem dirá para mim e para Débora? Ilusão.

Voltei o celular para o lugar onde ele já estava. Ultimamente aquele sentimento de solidão estava pior do que tudo. Sempre fui aquela garota mais sozinha, que tinha muitos amigos, mas era sempre sozinha, pelo menos no Brasil. Quando mudei para Londres, a minha única amiga era Débora, então eu podia confiar nela, como uma irmã e alguém que iria me ajudar a não estar mais só. Mas, agora com Débora no curso de verão de Teatro e trabalhando em uma Starbucks meio período, nos víamos muito pouco, e quando dava para nos ver, eu a ajudava nos trabalhos do curso. Queria poder estar fazendo meu curso agora!

Desci para a sala e encontrei minha mãe assistindo um programa de fofoca na TV.

- Aqueles seus amigos não saem da TV!

- Eles não são meus amigos, apenas fizeram um favor a mim – Eu me deitei no outro sofá.

- Que seja... seu pai ligou.

- Hm – Que bom que meu pai lembrou que eu existo! Pensei amargurada.

- Você não vai ligar para ele? – Ela desligou a TV e se virou para mim.

- Não.

- Bom, você sabe o que eu acho. Não vou ficar brigando com uma mulher de 18 anos – Ela se levantou e subiu para o seu quarto me deixando sozinha.

Sempre a mesma coisa! Me virei encarando o couro meio gasto do sofá. Meu coração doía em pensar na palavra pai. Aquele que só lembrava de mim duas vezes ao ano, mandava presentes para agradar e que traiu a minha mãe. A história que não tenho orgulho de contar e que se repete na minha cabeça sempre. Nós éramos uma família feliz, no Brasil, morávamos no interior de São Paulo. Mamãe havia engravidado com 20 anos no meio do segundo ano de sua faculdade de arquitetura e urbanismo. Meu pai me assumiu e assumiu minha mãe. Os dois se amavam, muito mais do que aquela dificuldade ou a garotinha de futuro incerto que estava lá. Meu pai cursava a faculdade de jornalismo e fazia estágios de todos os tipos, enquanto minha mãe trancou a faculdade e cuidava do seu bebe na pequena casa no centro da cidade. Apesar da dificuldade financeira e familiar, nós éramos felizes. Foi assim até meus três anos. Meu pai terminou a faculdade e recebeu uma proposta de emprego em São Paulo. Ele era bom, muito bom! Conquistou uma carreira facilmente impressionando todos. Quando eu tinha seis anos minha mãe voltou a faculdade, terminou seu curso quando eu tinha oito, e a partir daí as coisas nunca foram mais as mesmas. Meu pai havia se tornado repórter televisivo e vivia viajando o mundo. Ele nunca se esquecia de sua menininha, sempre trazia as melhores lembranças que podia comprar. Levou-me a Disney, a Los Angeles, a Australia para ver os coalas e em muitos outros lugares. Ele sempre estava lá, fazendo o melhor que podia. Até o dia que mamãe descobriu que ele a traia quando viajava para fora. Foi a pior época da minha vida. Eles se separaram e eu nunca esqueci quando meu pai saiu de casa. Ele havia prometido que me ligaria sempre, e iríamos ser como antes, me levaria para outros lugares e seriamos felizes. Mas nada disso aconteceu, nada. Fui eu que segurei a barra da minha mãe, eu a fazia feliz, eu me criei dos meus dez a quatorze anos sozinha. Minha mãe ficou simplesmente acabada com tudo que havia acontecido. Ela o ama até hoje. Talvez ele a ame também, mas já não importa.

Dos meus quatorze a quinze anos eu fiquei com a minha vó. Minha mãe foi para vários lugares do mundo fazer sua especialização para exercer a sua profissão fora do país. Talvez a melhor coisa que ela tenha feito fora vir para Londres. Ela estava feliz. Eu estava feliz. Nós nos completávamos na vida uma da outra e talvez seja por tudo isso que eu não seja a pessoa mais revoltada do mundo. Mas a coisa que eu mais desejava no fundo do meu coração, era que meu pai tivesse me ligado mais vezes, e cumprido suas promessas. Era doloroso, mais era a realidade.

Meu celular começou a tocar lá no meu quarto. Deixei minha preguiça sobre-humana de lado e fui lá atender. Olhei no visou para ver quem era.

- Fala Dé.

- Vamos sair hoje? Por favor? Não aguento mais fazer roteiros e estuda-los! – A voz dela estava desesperada.

- Esqueceu que eu ainda estou com meu ombro ferrado?

- Sério que você ainda não tirou? Que droga... – Ela suspirou pesado.

- A gente pode comer em algum lugar. Passe aqui em casa para me buscar, não consigo dirigir – Fazia dois meses que havia conseguido tirar a minha carteira de habilitação quando quebrei o ombro, havia pegado o carro de mamãe duas vezes para dirigir. Triste! Como Débora era quase um ano mais velha que eu, ela já tinha carteira a um bom tempo.

- Folgada, só porque seu aniversário esta chegando... Espera-me na porta.

Desliguei o celular e fui colocar uma roupa. Como não estava muito frio coloquei um shorts meio rasgado, que fazia séculos que não usava, uma camiseta preta da Nike, e um moletom qualquer. Calcei minhas sapatilhas e terminei colocando Tip, minha tipoia. Sim! Eu dei um nome a ela.

Passei só um pouco de maquiagem, peguei bolsa, dinheiro, essas coisas e fui esperar Débora lá na frente. Antes avisei minha mãe que estava saindo, ela só disse “hm”, pois ela estava mais dormindo que acordada. Depois de uns dez minutos, Dé chegou.

- Oi – Entrei no carro, que era de sua mãe.

- Hey bear – Ela me deu um beijo na bochecha – Onde vamos?

- Que tal McDonalds? Estou morrendo de vontade!

- Ok.

Fomos em um McDonalds mais perto do centro, para vermos mais gente e tudo mais. Fizemos os pedidos e fomos até uma mesa mais afastada de crianças.

- Mas me conte... como anda o curso? – Perguntei e dei uma mordida no meu lanche.

- Ah, de boa. Tenho várias coisas para fazer e no final do curso vamos fazer uma peça de teatro! Vai ser Shakespeare.

- Adoro clássicos – Comi uma batatinha – O que vai ser?

- Otelo – Ela deu uma mordida no seu pedido duplo. Queria saber como cabia tanta comida nessa menina.

- Vou ser a primeira da fila! Vai ser a Desdêmona?

- Claro né bear, sou a melhor – Ela fez uma pose engraçada e eu ri.

- Nossa, de repente esse lugar ficou pequeno com esse seu ego enorme – Ela me mostrou a língua e voltou a devorar seu lanche.

Terminamos de comer e resolvemos comprar Sundays. Estávamos lá, tranquilas e tomando nossos sovertes, quando eu sinto um flash em mim. Sim, flash de câmera. Viro para o lado, para ver quem tirou a foto e dou de cara com um paparazzi espremidos no vidro do McDonalds. Mas que droga é essa?!

- O que esse cara esta fazendo aqui?! – Perguntei enquanto abaixava a cabeça deixando meu cabelo cair no rosto. Débora fez o mesmo – Ele nem sabe que saímos com o One Direction!

- Acho que sim – Ela fez uma careta. Senti que ela escondia algo.

- Como assim?

- Eu sai com Niall ontem a noite.

- Porque não me contou?! – Ela abaixou os olhos para a colher do sorvete interminado.

- Porque foi de repente. Você sabe que estávamos conversando bastante depois daquele dia. Então ontem de repente ele me chamou para comer. E eu aceitei.

- E algumas pessoas viram...

- Sim. Eu deveria imaginar que isso aconteceria – Ela deu de ombros – Desculpe por não ter falado antes.

- Tudo bem – Eu terminei o meu sorvete e a olhei – Me conte, rolou algo?

- Não – Ela riu – Mas digamos que foi interessante.

- Safada, não perde tempo!

- Vamos, te conto no caminho – Ela se levantou e foi jogar as coisas das nossas bandejas no lixo.

Depois de um tempo tentando desviar o paparazzi, para não descobrirem a nossa casa, conseguimos seguir o caminho tranquilamente. Débora foi me contanto do seu encontro enquanto Coldplay tocava no rádio do carro.

- Niall é um fofo – Eu disse depois que ela havia parado na porta de casa.

- Sim, sabe, ele é diferente do que eu imaginava – Ela comentou enquanto olhava para a rua – Ele é melhor. Eu conheci o verdadeiro Niall Horan. E não Niall Horan da One Direction, entende?

- Acho que sim. Bom, vamos ver as fotos amanhã, espero que eu tenha saído bonita!

- Nem me fale, vou ter que aguentar todas as suposições de ser namorada de Niall, além das meninas no curso chorando para eu dar um autógrafo dele pra elas – Ela revirou os olhos.

- Não se esqueça que você já foi assim – Eu disse saindo do carro e fechando a porta. Depois que dei a volta, ela abriu a janela.

- Eu sei! Boa noite Bear.

- Boa noite!