No momento em que tranquei a porta, encostei na parede e fui deitando no chão devagar. Pensei sobre o quê a Kikyou havia dito à uns minutos atrás. Ela só podia estar louca. Ou será que a sedentária tinha razão sobre “um sentimento maior do que fraternal”?

Minha cabeça estava doendo, e eu não iria sair mais do meu quarto de jeito nenhum, nem para ir até a cozinha beber um copo de água ou tomar um remédio. Minha pernas estavam doendo também, provavelmente subindo e descendo aquelas malditas escadas. Olhei para todos os lados, e notei que minha muleta não estava em lugar nenhum. Procurei em baixo da escrivaninha, em baixo do guarda roupa, da estante e até perto da janela, mas mesmo assim não encontrei. Droga! Deixei no quarto da pirralha. Sem aquela porcaria não poderei ir a lugar nenhum sem precisar ter que ficar encostando na parede. A culpa foi da sedentária da Kikyou.

Eu tinha prometido para mim mesmo que não iria sair do meu quarto por nada, mas aquilo era uma situação de emergência. Precisava urgente da minha muleta, e o pior era que eu não tinha uma muleta de reserva no quarto.

Me apoiei na cabeceira da cama e devagar fui levantando. Quase me desequilibrei, mas ainda bem que tinha a maçaneta da porta para eu poder me apoiar. Quando finalmente consegui levantar, destranquei a porta com um pouco de dificuldade, pois tinha que me equilibrar e destravar a porta ao mesmo tempo.

Fui andando devagar para não fazer muito barulho e acabar acordando todo mundo. Eu só precisava abrir a porta do quarto da pirralha, pegar minha muleta e ir depressa até meu quarto, sem acordá-la. O corredor estava escuro, e eu não enxergava quase nada, apenas uma luz acesa que vinha do quarto da pirralha. Quando finalmente cheguei na porta do quarto da Order, percebi que ela estava acordada, falando ao telefone e dando risadas de baixo volume.

A maldita ainda estava acordada, e não vou conseguir pegar a porcaria da muleta sem ao menos ter que ouvir ladainhas da pirralha. Eu realmente prefiro aquela barulhenta quando está dormindo (apesar de nunca ter visto ela dormindo). Me inclinei um pouco na porta, para poder ver onde a muleta se encontrava. Algum maldito (provavelmente a Kikyou) havia colocado a minha muleta encostada no guarda roupa da Order que, por uma incrível onda de azar, estava bem do lado da cama da Last Order, onde a própria Order estava em pé tentando abrir a janela. O quê a pirralha queria fazer?! E pra piorar, a pirralha não estava com roupas comuns...

Eu não sabia se entrava e pegava a muleta sem dizer uma palavra, ou ignorar qualquer coisa que ela dissesse, se pedia para Last Order pegar, ou simplesmente voltar para meu quarto engatinhando e me apoiando em qualquer coisa que visse pela frente. Resolvi entrar de vez naquele quarto e pegar minha muleta o mais rápido possível.

No momento em que abri a porta devagar para poder entrar, Last Order largou o celular em cima da cama e veio correndo em minha direção. Não pude deixar de olhar a Last Order vindo até mim, tentei não olhar, mas era impossível.

Ela estava usando um “vestido” (sei lá como isso se chama, é coisa de mulher!) vermelho, com rendas pretas em toda parte e alguns detalhes na parte meio que, acima da barriga e abaixo do pescoço.

Last Order praticamente se jogou em mim (de novo), e ficou me abraçando.

– Accelerator! – Disse a pirralha quase gritando de felicidade.

– Silêncio pirralha! Quer acordar todo mundo e começar aquela mesma confusão de uns dez minutos atrás?!

– Foi mal. Então, veio me ver de novo? – Disse a pirralha sorrindo.

– Nada disso, vim buscar a minha muleta, que por pura distração, acabei deixando justamente aqui.

– Ah, ela está ali. – Respondeu Lart Order apontando para a muleta encostada no guarda roupa.

Tentei soltar a Last Order para poder buscar minha muleta (e também a Last Order podia ter vestido alguma coisa por cima daquele “vestido” antes de ter vindo me agarrar de vez, aquele “vestido” nada infantil, estava praticamente ganhando toda minha atenção). EU NÃO SOU ASSIM! O quê estava acontecendo comigo?! O quê era aquilo que eu estava sentindo?

Last Order não me soltava de jeito nenhum, e eu estava começando a sentir outra coisa além dos braços dela agarrados nas minhas costas.

– Last Order, deixe-me buscar a muleta!

Imediatamente, Last Order me soltou, e fui andando devagar em direção á muleta. Quando consegui alcançá-la, Last Order apareceu atrás de mim.

– O quê é, pirralha?

– Bem Acce, você poderia dormir comigo hoje? Igual quando fazíamos seis anos atrás?

– C-c-c-c-c-c-como é, Last Order?!
– Algum problema, Acce?

– Muitos, Last Order!

– Então, quer dizer não vai poder dormir comigo? – Falou Last Order fazendo uma cara triste.

– É claro que não, Last Order!

– Por que?

– Porque não, Pirralha! De onde você tirou essa ideia maluca de dormimos juntos?!

– Mas Acce, nós dormíamos juntos antes...

– Mas agora não dá certo, Last Order!

– Você não gosta de mim, Accelerator?

– Q-quê? No quê está pensando Last Order?!

– Você não respondeu à minha pergunta, Accelerator.

– E eu quero saber o porquê dessa pergunta doida.

– Porque você nunca parece demostrar o mesmo que sinto por você.

– Você não acha que se realmente eu não gostasse de você, não teria te deixado morrer ou ter te entregado ao Kihara? Não acha que eu tive a chance de fazer o mesmo em você que fiz com as irmãs Misaka desde o começo? Acha que fiquei em coma por seis anos sem motivo algum? Acha que me arrisquei quando ainda estava me recuperando, há seis anos atrás por nada?

A pirralha ficou muda por um tempo, peguei minha muleta e fui em direção á porta, mas fui interrompido mais uma vez, pela Last Order.

– Bem... Me desculpe pela besteira que eu te disse, Acce. E confesso que eu pedi demais.

– Tá legal, mas da próxima, pense antes de dizer qualquer coisa.

– Ah só mais uma coisa.

– O quê é?

– Você vai me ver no Daihasei?

– Se der, pirralha, se der. E vê se dorme, cabeça dura! – Eu disse dando um tapinha na cabeça da Last Order.

Saí do quarto da pirralha e finalmente cheguei no meu, pronto pra descasar de mais um longo dia.