Abnegação

Capítulo Único: Abnegação


Abnegação

By: Sr. Artie

Capítulo Único

Eu sabia, tão certo quanto o sentimento que carregava dentro de mim, que você e eu não éramos uma possibilidade, pelo menos não nessa realidade. Contudo, nada me impediu de fantasiar um futuro ao seu lado, nada me impediu de te amar.

Então, eu te amei, Shiro.

Ignorando tudo o que sabia, rejeitando cada um dos meus instintos, continuei indo em sua direção, apenas para depois te ver partir feliz, mas não feliz comigo.

Allura nos disse, logo quando a encontramos, que o Leão Vermelho deveria ser meu por ser aquele mais temperamental. Por muito tempo, fui incapaz de controlar minhas emoções de forma adequada, isolei-me do mundo para não ter que lidar com as sensações ruins que a ausência despertava. Eu não tinha conhecido minha mãe e meu pai morreu precocemente, não me restou outra coisa senão a carência e, do modo mais clichê possível, me tornei o estereótipo de órfão revoltado e incompreendido, apelidado de emo.

Desde de que me vi sozinho, ninguém nunca acreditou em mim. Shiro, você foi a exceção, o único. Isso te difere de todos os outros, porque você esteve lá quando nenhuma outra pessoa acreditou ou se preocupou comigo. Você esteve lá, sempre.

Eu nunca vou desistir de você, obrigado por prometer e por cumprir isso, mas me desculpe por fazer a mesma promessa e não conseguir cumpri-la, no fim, precisei abrir mão de você.

Engraçado a forma como o universo funciona e o destino segue seu curso. Por sua causa, me tornei o melhor piloto da Patrulha e, pela mesma razão, fui expulso dela. Neguei-me a aceitar que você tinha morrido no espaço, em uma missão, enquanto eu ficava para trás, mais uma vez, sozinho.

A perda e o luto embaralham nossa mente, deixam os pensamentos turvos e minam de nós qualquer positividade que exista. Perder você em um lugar desconhecido da Via Láctea, sem algo que me comprovasse sua morte, me fez viver em toda intensidade o estágio de negação. Fugi e recusei qualquer futuro em que você não estivesse junto a mim, eu não aceitaria desistir de você depois de tudo que você tinha feito por mim. Então veio a raiva, o descontrole e as emoções inflamadas, quentes e temperamentais.

Durei pouco na Patrulha com a péssima disciplina que mantive sem te ter por perto, mas não me importei, pois o tempo ocioso me jogou em um emaranhado de pistas e acontecimentos - algo que serviu para ocupar minha mente - e, no fim, tudo isso me levou até você. Inexplicavelmente, contrariando a matemática, estávamos juntos e era o suficiente para mim.

Se tivéssemos permanecido na Terra, naquela cabana velha onde nasci e me criei, eu não estaria preso nessa situação lancinante, sofrendo por te querer tão perto de mim, mesmo sabendo que seu lugar não é esse. Ter esse conhecimento é carregar uma faca atravessada em meu peito, cada simples movimento machuca e respirar perto de ti se torna uma tarefa árdua. No entanto, eu continuo. Paciência gera foco, como você me ensinou, e meu foco é sua felicidade, apesar dela ser às custas da minha.

Eu nunca te contei, em detalhes, como encontrei Romelle. Dei as informações que estavam ligadas ao Lotor e à Nova Altea, mas não como cheguei lá. Depois de uma missão de infiltração ter dado errado, tive que fugir com Krolia sem a quintessência que havia ido buscar para a Espada da Mármora. Foi nesse momento de euforia que ela me falou que era minha mãe.

Senti tantas emoções nessa hora e inúmeros pensamentos passaram voando em minha cabeça, mas o único que se manteve foi o que se referia a você. Shiro, eu queria te contar que havia encontrado a minha mãe, que existia alguém além de você e da equipe de Voltron que eu poderia chamar de família. Guardei cada pensamento, até mesmo os mais tolos, para te falar no dia em que te encontrasse novamente. E quando esse dia veio, o contexto era outro e você não cabia mais nele. Isto é, sua figura se encaixava perfeitamente em qualquer futuro que eu almejava para mim, só que eu não me adequava ao seu.

Para conseguir chegar a fonte da quintessência especial que buscávamos, Krolia nos levou para um abismo, estávamos apenas com um nave, a qual foi abatida com facilidade. Tentamos nos esgueirar em meio aos destroços que existiam ao entorno para conseguirmos chegar onde desejávamos, mas a linha temporal era uma completa bagunça. Passado e futuro misturavam-se em flashes e visões.

Descobri minha origem, o motivo pelo qual sangue galra corre em minhas veias e o porquê de minha mãe ter me abanando, então eu vi você, tanto no passado quanto no futuro. A primeira visão que tive sua foi quando você estava sobre o controle de Hagar; em vulto rápido, vislumbrei sua figura pouco antes de nos enfrentar. Na época, eu não sabia disso e não entendi porque vi aquilo, mas as respostas chegaram com o tempo.

O método que Krolia e eu escolhemos para chegar ao fim do abismo se mostrou ineficiente, sair saltando entre os entulhos era desgastante, além disso não possuíamos mantimentos ou água, o que impossibilitou que continuássemos. No entanto, em meio aqueles destroços, um organismo vivo que não identificamos, apareceu bem diante de nós. Ele parecia não ser afetado pelo abismo, seguindo o curso em direção ao nosso destino sem dificuldades. Não demoramos para nos abrigarmos nele. Colonizamos e parasitamos aquela espécie desconhecida para conseguirmos manter nossa missão e sobrevivermos.

Foram anos presos ali. Não para você ou para os outros. Como eu disse, o tempo não corria de forma correta naquele lugar, o passar dos anos acontecia mais rapidamente e, sem que percebêssemos, dois longos anos se passaram enquanto permanecemos na nossa busca pela quintessência. Nesse ínterim, encontrei Kosmo e desfrutei da companhia de Krolia, desenvolvemos a nossa relação de mãe e filho e logo ela se tornou alguém estimável para mim.

Só que não fora só isso que aconteceu no tempo que permanecemos vivendo juntos, as visões sobre o passado e futuro continuaram tomando conta de nossas mentes e, pela perspectiva de um terceiro elemento, eu notei algo que havia passado despercebido para mim: em meus olhos, sempre que te tinham como foco, existia algo além de admiração e agradecimento, existia amor por ti. Era tão perceptível o carinho e a paixão que ornavam em meu olhar, que demorei a compreender como não consegui notar antes.

O dia em que te encontrei, quando sua nave caiu na Terra, após te resgatar da Patrulha e te levar para minha casa, estávamos do lado de fora daquela cabana velha, o sol estava se pondo e o céu era uma aquarela bonita de tons de laranja, denunciando a noite que não demoraria a chegar. Eu me pergunto se você enxergou o amor que havia em meus olhos, provavelmente não.

Também vi o dia em que os leões foram separados e você e eu fomos mandados para o mesmo planeta inóspito. A minha reação, ao ouvir sua voz cheia de dor pedindo por socorro foi de pavor. Fiquei amedrontado com a menor possibilidade de te perder e sai em sua direção às pressas, meu único desejo naquela hora era te salvar. Eu comparei meu comportamento quando precisei salvar um dos outros membros e, apesar do desejo de salvá-los, minhas ações eram mais calmas e pacientes. Ninguém estava no mesmo nível que você, porque eu gostava dos outros ao passo que te amava.

Então, entendi o motivo de ter te visto no dia em que estava passando pelo teste de aprovação da Espada da Mármora. Depois que me tornei um Blade e me juntei a eles, Kolivan me contou que o traje que vestimos tem a habilidade de entrar na mente de quem o usa, criando uma miragem que reflete os piores medos e as maiores esperanças da pessoa. Naquele momento, era meu desejo vê-lo, pois te perder era meu pior medo e te amar, embora não conseguisse discernir ainda, era minha maior esperança.

Shiro, você acreditou em meu potencial quando ninguém mais o fez , só você esteve lá por mim e para mim. Apaixonar-se por você era inevitável, é uma pena que não foi recíproco.

Pertencer a equipe Voltron, ser um dos paladinos, sempre exigia muito esforço nosso, a calmaria não chegava, pois a tempestade de ódio e terror de Zarkon estendia-se por quase todo o universo. Só que isso nunca me tirou a fé de que triunfaríamos um dia, saindo vitoriosos daquele reinado de horror e, enfim, permitindo que todos desfrutassem da paz que Allura tanto almejava. Comigo, eu carregava a certeza que, no fim, as coisas acabariam bem.

Contudo, fraquejei no primeiro momento em que não estive ao seu lado. Depois que enfrentamos Zarkon diretamente e você sumiu do Leão Negro, eu entrei em estado de desespero, vasculhando em qualquer galáxia o menor sinal de sua existência, mas minhas buscas não geraram retorno. Eu temi, Shiro, como nunca, a possibilidade de te perder. Enfurecia-me o modo como Alura parecia seguir em frente com sua missão ao passo que não possuíamos notícia do seu paradeiro. Para completar a situação de pavor, o Leão Negro me escolheu como seu paladino, mas eu não conseguia aceitar com facilidade o fato de que eu te substituiria, estava além de mim preencher o vazio de sua presença.

Durante os anos que gastei vivendo naquele organismo desconhecido, momentos importantes na nossa relação preencheram minhas visões. Gostei de notar que apreciar o pôr do sol depois de uma situação difícil era algo nosso. Era nosso escape para conseguir deixar no passado as dificuldades vividas, mantendo os olhos voltados para a prosperidade vindoura. Entretanto, enquanto seu olhar se perdia no céu alaranjado, o meu perdia-se em você.

Shiro, você sempre era minha melhor visão. Até mesmo agora vestido de branco, calmo e feliz, à medida em que eu me encontro com as emoções completamente opostas às suas.

Em algum período, o nosso passado já havia sido revirado totalmente e meus sentimentos por você, antes escusos para mim, estavam mais límpidos que as lágrimas que derramei por ti logo em seguida. Os vislumbres acerca do póstero que me aguardava chegaram sem anúncio, deixando-me atordoado e sem rumo como jamais estive.

Existe uma memória nossa que me pergunto se você se recorda. Quando eu e Krolia voltamos com Romelle para o Castelo de Leões, Haggar te colocou sobre o domínio dela, te obrigando a levar Lotor até ela, deixando a nossa equipe confusa. Por mais que os outros estivessem com os sentimentos e pensamentos em desordem, eu não fraquejei em ir em sua direção. Eu nunca desistiria de você, Shiro, porque você jamais desistiu de mim. Sua promessa se tornou a minha e, pelo menos naquele momento, eu a cumpri.

O seu olhar cheio de ódio não me fez ceder ou pensar em outra coisa que não fosse te ter ao meu lado. Aquele à minha frente, destituído de qualquer sentimento bom e embebido dos piores que existem, não era você, por isso avancei contra ti. Nenhum pensamento correu tanto pela minha mente quanto o que desejava tê-lo próximo a mim, mais uma vez, são e salvo. No entanto nem todo o treinamento da Espada da Mármora me tornaria um guerreiro melhor que você; sem dificuldades, fui subjugado. Com a mesma intensidade que desejei te ver no dia que enfrentei a aprovação para me tornar um Blade, eu gritei, em puro desespero, que te amava.

Diga-me, você se lembra da forma exaltada e aflita que essas palavras soaram ao deixar minha boca?

Por um milésimo de segundo, minha revelação pareceu causar algum efeito sobre você; a pressão que sua espada fazia contra a minha diminuiu e a ira em seu olhar vacilou um pouco. Sem perceber, eu te falei o que mais queria compartilhar contigo desde que havia te reencontrado, mas não havia feito por autopreservação. Todavia, diante da menor possibilidade de ver sua essência corrompida, meus instintos de precaução sumiram, ao passo que a minha natureza protetora em relação a você surgiu. Então, sem pensar em mim, me declarei.

Era a primeira vez que aquela ocasião acontecia, mas eu já a tinha visto. Durante o tempo que permaneci vagando pelo abismo, as visões sobre o futuro me revelaram vultos rápidos daquilo que estaria por vir. Eu me confessando para você fora uma dessas visões, lembro que a tive enquanto dormia e o cenário em que ocorria era um pouco confuso em minha mente, como o motivo pelo qual te revelei meus sentimentos, mas a sensação de saber que te disse tais palavras me deixaram leve como um pena.

Fugiu-me do pensamento que coisas leves são fáceis de serem carregadas e não notei quando eu, uma pena, fui puxado para o furacão que era te amar.

Depois que derrotamos Lotor e Allura usou a alquimia alteneana para devolver a sua consciência que ficara presa dentro do Leão Preto desde o dia que enfrentamos Zarkon, eu te segurei em meus braços, mantendo-o preso dentro do meu abraço, como se desejasse te proteger de qualquer coisa ruim que poderia vir acontecer contigo. Nada valeria sua dor, Shiro.

Com você ainda em meus braços, enquanto estávamos cercados pelos outros, pedi para que descansasse. E você o fez. Deitou a sua cabeça em meu peito, fechou os olhos e relaxou. Olhando para seu rosto sereno e em paz, pensei que você parecia estar em casa e sorri. Ali, eu era o seu lar, meu abraço, o seu abrigo, e mal nenhum poderia te tocar. Em algum momento, senti o olhar de Krolia sobre nós e a observei. Ela sorriu para mim, um sorriso amarelo, triste e doído. Eu sabia o motivo, pois já tinha presenciado aquela mesma cena. O abismo me deu peças de um quebra-cabeça sobre o meu futuro e, ao desvendá-lo, percebi que o epílogo que me aguardava não era feliz.

Naquele momento, Shiro, eu era o seu lar, mas um lar passageiro. Sua morada final era com um outro alguém, não comigo.

Acho que esqueci de contar, mas as visões que tive eram compartilhadas com Krolia, que permaneceu junto a mim durante os anos gastos naquele abismo. Ela acompanhou o início e o desenvolvimento de nossa relação. Infelizmente, ela sabia a forma exata que as coisas terminariam e, como mãe, ela temeu por mim.

À medida do possível, eu dormia tranquilamente em um abrigo improvisado, aconchegado no pêlo quente do Kosmo, no entanto acordei aos berros, tremendo de pavor, assustando Krolia que estava de guarda. O pesadelo que tive havia sido amedrontador, pior do que qualquer sonho ruim que tive no decorrer de minha infância enquanto morava sozinho naquela cabana velha.

— Keith… — a indecisão acerca de dar continuidade a conversa que ela desejava iniciar era óbvia, o olhar incerto e a voz tímida eram provas disso. — Shiro foi o terráqueo que te criou, não foi?

— Sim — concordei. Não era preciso que ela desse continuidade àquele diálogo, eu sabia onde ele terminaria.

— Você gosta dele, certo?

Eu poderia tentar negar, dizer que você era como um irmão para mim, como disse várias vezes, mas ela esteve comigo durante todo o tempo que permanecemos no abismo, nossas visões partilhadas faziam com que soubéssemos sobre cada emoção que o outro teve. Só que não valeria a pena negar o irrefutável.

— Eu não sabia que gostava dele, até ver os meus olhos cheios de amor, quase transbordando — admiti.

— Esses sonhos que temos são lapsos do futuro e eles vão acontecer — começou. — Não acha que é melhor se afastar? Digo, não virar as costas para ele e quebrar o vínculo forte que vocês têm, mas criar uma distância segura para que você não seja atingido quando essa bomba explodir.

— Pensei em fazer isso, mas não sei se consigo. Shiro fora o único a acreditar em mim e o que sinto não acho que pode sumir com a distância — falei com a voz embargada. Havia guardado meu medo comigo, mas o colo materno foi tudo que precisei para confessar meus assombros.

— Meu pobre garoto, não posso evitar que sofra por amar alguém, mas vou estar aqui para enxugar suas lágrimas.

E ela esteve.

Ao retornamos a Terra e resolvermos as questões em aberto com os galras, instintivamente, comecei a criar uma distância entre nós. Segui o conselho de Krolia e tentei me afastar o máximo que consegui. Evitei dirigir minha palavra você, pois escutar sua voz doía. Parei de olhar em seus olhos, porque sabia que eles jamais me veriam como eu desejava. Coloquei limites, delimitei nossa relação e tentei ao máximo me proteger, porém falhei.

Ainda recordo o gosto amargo que se alastrou por minha boca quando o convite chegou. O envelope branco era bordado com um relevo dourado. A prosperidade que nosso céu alaranjado simbolizava, enfim, fora encoberta pelo brilho forte e pelo vigor do ouro, uma cor quente, independente e majestosa. Era evidente que ninguém optaria pelo laranja, uma cor secundária, tão mestiça quanto eu. Afinal, por que você me escolheria?

Lembra que me perguntei se você se recordava do dia em que falei que te amava? Minha dúvida é causada por dois motivos: primeiro, você jamais tocou no assunto sobre minha declaração, e segundo, dias após a chegada do convite de casamento, você apareceu na minha casa e me pediu para ser seu padrinho. Eu dei tudo de mim para fingir estar entusiasmado com o convite e alegre por você.

Krolia apareceu na sala de casa logo que você partiu pela porta de entrada.

— Você deveria ter dito não, isso vai te matar por dentro, Keith.

— Gostaria de ter conseguido dizer adeus ao Shiro a muito tempo, talvez eu devesse ter partido junto com Kolivan quando ele chamou, era minha melhor escolha

— Mas você não estaria feliz em nenhum outro lugar senão aqui.

— Estou prestes a fazer a coisa mais difícil da minha vida, não vou desfrutar de felicidade alguma ao vê-lo se doar ao Curtis.

Minha voz estava sufocada de tanta inveja quando pronunciei o nome de Curtis. Acredite, eu gostava dele, ele certamente era uma boa pessoa e parecia gostar de verdade do Shiro, mas jamais o conheceria como eu e tampouco o amaria.

— Se eu soubesse que as coisas que vimos enquanto estávamos no abismo aconteceriam tão rápidas, eu teria quebrado meu coração em dois e salvado a melhor parte dos meus sentimentos sobre Shiro em uma delas — disse. — Agora, minhas emoções estão confusas e qualquer lembrança dele dói, é como se não houvesse restado nada de bom ou positivo da relação que criamos.

— Só está doendo porque cada memória foi importante, a relação de vocês foi real, embora não tenha acontecido do jeito que você queria.

Chorando pelo póstero melancólico a que eu estava condenado desde o dia em que sonhara com você casando, Krolia cumpriu sua promessa a mim e enxugou minhas lágrima.

— Keith, se você realmente ama Shiro e eu sei que ama, você vai deixá-lo ir, minha criança.

Ela tinha razão, eu deixaria você ir e torceria pela sua felicidade mais do que pela minha própria. Renunciaria minhas vontades, até mesmo a menor delas, e faria tudo para te ver feliz. Shiro, eu te daria minha vida caso pedisse. Só que abnegar meus desejos e me sacrificar para me colocar ao seu lado no altar e ser seu padrinho não é algo que viria de graça, custaria, além de minha alegria, a promessa que havia te feito.

Os primeiros dias foram os mais difíceis. Não comi nada por quase uma semana e deixei o escuro do meu quarto poucas vezes. Mantive-me isolado até saber que a ideia de não te ter, antes uma concepção sobre um futuro que estaria por vir e agora um presente eminente, não me incomodaria. Krolia manteve-se perto, mas me dando o espaço que precisava para lidar com tudo.

A primeira vez que deixei o quarto era final de tarde. Krolia não estava em casa e Kosmo estava na sala. Acompanhado de meu lobo espacial e do Leão Negro, sai em direção a uma pequena cadeias de montanhas que havia nos limites da cidade e, quando o Leão pousou no chão, sai de seu interior e subi até o seu ombro, lugar onde me mantive ao observar o pôr do sol. Sentei com as pernas juntas e descansei meus braços em meus joelhos. Kosmo se manteve quieto ao meu lado. Aquela era a nossa coisa, mas já não seria mais. Dali em diante, seria apenas eu - e meu coração partiu um pouco ao constatar isso.

As semanas seguintes passaram rápidas, as areias da ampulheta do tempo pareciam estar caindo com mais pressa que o comum ou eu apenas estava ansioso demais para o dia do casamento, até que hoje chegou. Acreditei que sair da cama seria pior parte do dia, porque, antes de me levantar, uma gama de pensamentos passaram pela minha cabeça e, algumas vezes, me questionei se valeria realmente a pena ir adiante com aquilo. No fim, eu sabia, qualquer coisa valeria a sua felicidade.

Eu estava tão errado. Permanecer em pé, ao seu lado, como padrinho e fingir estar feliz por você era, na verdade, a parte mais díficil do dia. O pior só veio quando você recitou seus votos e eu percebi que eles poderiam ser facilmente minhas palavras para você ali.

— Curtis, quando nos conhecemos, eu nunca achei que iria me apaixonar e jamais passou pela minha cabeça cheia de fios cinzas que me encontraria deitado em seus braços, você me fisgou mesmo…

Os convidados gritaram com a última frase e você deixou um riso escapar ao passo que Curtis estava batendo levemente em seu ombro, envergonhado. Corri meu olhar pelas fileiras cheias de pessoas e alienígenas buscando alguém com feições sérias e que não estivesse rindo com tudo aquilo, porque eu não poderia ser o único. A única pessoa que encontrei foi Krolia, ela me olhava preocupada e sussurrou algo para mim:

— Vai acabar logo.

Prendi o lábio entre meus dentes e tentei conter o choro que, por pouco, não escapou. Eu só queria fingir que isso não era verdade, o meu peito estava doendo e o meu coração que havia partido um pouco, rachou mais. As fissuras aumentaram e com elas, a dor.

Procurei por Lance na multidão e ele estava realmente feliz, a perda de Allura parecia ter sido superada e a tristura já não tinha mais domínio sobre ele. Pidge estava sorrindo e Hunk, que se encontrava à sua esquerda, também. Todos estavam alegres, mas não eu. O mundo havia continuado girando sem parar, o tempo tinha seguido seu curso, mas eu não estava seguindo em frente.

A comoção causada pelas risadas dos convidados não perdurou muito, dando ao Shiro a possibilidade de continuar.

— Eu não quero sentir outro toque ou começar outro fogo, por isso não quero conhecer outro beijo ou algum outro nome além do seu, saindo dos meus lábios. Curtis, não quero entregar meu coração para um outro desconhecido, por essa razão, ele vai ser sempre seu, meu amor.

Em algum momento, eu simplesmente falhei em segurar as lágrimas que insistiam em cair, minha dor vazou pelos meus olhos bem diante de ti e eu fui incapaz de evitar, à medida que o choro contido em minha garganta escapava pelos meus lábios.

Eu desmoronei perante a você e seu amor por outro.

Minha única vontade era voltar correndo para dentro do meu quarto e não deixar que a luz do sol jamais entrasse, queria continuar no escuro, sozinho e esquecido, porque não desejava amar alguém que não fosse você, entregar a melhor parte de mim para uma outra pessoa que não era responsável por cada qualidade que eu possuía.

Ninguém jamais se compararia a você, Shiro.

Meu choro chamou atenção para mim e, novamente, seus votos foram interrompidos. Com minha visão embaçada, percebi que Krolia se aproximava aflita do altar, enquanto eu tentava me controlar. Não percebi como você foi parar ao meu lado, mas senti sua mão em meu ombro e seu tom de voz calmo.

— Keith, está tudo bem? — Falou baixo apenas para que eu escutasse. Não possuía condições para te responder, então somente assenti. — Vai ficar tudo bem — disse com a voz mais alta dessa vez para que os convidados escutassem. — Não precisa ficar nervoso, deixe para chorar de felicidade em seu casamento.

Krolia, que se aproximava de onde estávamos, parou um pouco distante de nós. Olhei-a de relance e, sem dizer uma única palavra, pedi para que se mantivesse longe. Ela sorriu para mim e, de novo, murmurou:

— Vai acabar logo — ela continuava repetindo para mim essa frase, mas cada segundo nessa cerimônia parecia um dia, o tempo que correu solto no mês que antecedeu essa data parecia ter se cansado do ritmo acelerado, arrastando-se. Em seguida, ela voltou para seu lugar.

Enxuguei minhas lágrimas e, outra vez, você retomou seus votos e busquei ocupar minha cabeça com coisas estúpidas e sem importância apenas para não ter que ouvir sua voz carregada de amor direcionada a alguém que não era eu, por saber que você nunca me veria da forma que quero. Quando você e Curtis acabaram de fazer considerações sobre o amor que nutriam um pelo outro, o celebrante retomou a palavra.

— O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha, não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

Enquanto ele falava cada uma daquelas palavras, mais conhecidas e batidas do que o fato de que o sol sempre nasce ao leste, eu me peguei pensando no amor que sinto por você. Cada adjetivo dito cabia perfeitamente naquilo que sinto, confirmando mais ainda que não há confusão em meus sentimentos.

Eu realmente te amo, Shiro.

Por essa razão, eu me encontrava ali, me sujeitando àquilo. Por sua causa e sem nenhuma outra razão, apenas porque era seu desejo e porque o amor tudo suporta. Eu suportei o pior por você. Prometi nunca desistir de você, mas ali, com o rosto manchado pelas minhas lágrimas, sob o olhar protetor de Krolia e te vendo dar seu amor para outro, eu desisti; te deixei ir, te libertei do meu amor e te fiz livre, de modo que a única coisa que isso custou fora minha felicidade, um preço baixo a se pagar pela sua. Aquela era a prova de que, por mais que eu desejasse, eu nunca iria amar novamente.

Eu nunca amarei alguém como amei você, Shiro.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.