VI

- Não dá pra acreditar... Já se passaram quase três meses desde que fui internado aqui. – reflete William enquanto almoça com os outros detentos.

- O tempo passa mais rápido aqui, recruta. Quando menos esperar, você estará um velho assim como eu! – exclama o velho veterano de guerra.

- Por isso, eu estou estudando noite e dia! Eu criarei a máquina do tempo e voltarei para conhecer o meu pai, Albert Einstein, pessoalmente! – responde outro interno.

Enquanto todos conversam na mesa, William volta seus olhos para uma garota que almoçava sozinha em uma mesa mais afastada das demais e que aparentava ter sua idade. Mas algo nela fez com que ele levantasse e fosse ao seu encontro.

- Muito bonito esse seu gatinho de pelúcia. Posso vê-lo?

A garota puxa em um rápido reflexo seu gato de pelúcia para seu colo e encara William hostilmente.

- Calma, tudo bem... Eu não vou roubá-lo. Minha filha tinha um gatinho igual ao seu. Ela o chamava de Sr. Bigode e não desgrudava dele nem por um segundo! – sorriu o garoto.

- Ninguém toca no Felix! – grita a garota sacando um pedaço de ferro pontudo e apontando para William.

- Calma! Eu não vou tocar no... – algo na mão da garota chama sua atenção. – Essa marca... Minha filha tinha uma marca de nascença igual a sua e no mesmo local...

- Saia daqui antes que eu te dê de comida ao Felix! – exclama a garota aproximando o objeto do pescoço de William.

“- Não pode ser... Isso é apenas coincidência. Só pode ser... O gato de pelúcia. A marca de nascença na mão... O pescoço! A Brenda tinha outra marca daquela no pescoço também!” – Pensa William enquanto dois funcionários do hospital correm para conter a garota.

Os dois homens conseguem imobilizar a moça que se debate histericamente aos berros. Ao aplicarem uma injeção, a garota inclina-se e seus cabelos deixam à mostra o que William precisava para concluir suas suposições: sua marca de nascença no pescoço.

- Impossível! Isso não pode acontecer! – com as mãos trêmulas, William puxa seus cabelos enquanto fala. – Por favor Oliver, me diz que eu estou no meu subconsciente agora e que tudo isso não passa de um mero devaneio! – implora a Oliver, aos prantos.

- O que aconteceu William? – Indaga Oliver confuso.

- Aquela moça! Ela... Ela é minha filha! – explica enquanto aponta para a moça que se debate enquanto lhe colocam uma camisa de força.

- Sua filha?! A da sua vida em coma?

- É ela! É a Brenda, eu sei disso! Ela tinha esse mesmo gatinho de pelúcia e as mesmas marcas de nascença que essa moça possui! Meu Deus, como ela pode existir se tudo aquilo foi um sonho?! Por favor, Oliver me diz que não pode ser ela!

- Eu sei o que é isso. É e não é ela ao mesmo tempo. – Responde Oliver.

- C-como assim?! Você só está me deixando mais confuso!

- A gente só sonha com aquilo que nós vimos. Isso quer dizer, que quando vemos uma pessoa desconhecida em nossos sonhos, na verdade já a vimos em algum lugar e não nos recordamos. Quaisquer pessoas que vimos, até mesmo por míseros segundos, podem reaparecer em nossos sonhos. No mundo lá fora, víamos várias pessoas por dia. Conseqüentemente, algumas delas entravam em nossos sonhos, pois já estavam em nosso subconsciente.

- Então quer dizer que eu já vi essa moça antes de entrar no coma... Mas ela aparenta ter uns 18 anos assim como eu. Se levarmos em conta que eu a vi quando eu tinha 13 anos, ano que entrei em coma, ela deveria ter seis anos nessa época já que minha filha tinha essa idade. Já se passaram cinco anos desde então. Isso quer dizer que ela deveria estar com 11 anos agora! Tem algo errado nisso...

- Não é porque ela entrou em sua mente enquanto estava no coma, que você a deveria ter visto recentemente. Você pode ter visto essa garota, quando tinha apenas seis anos de idade com esse mesmo gato de pelúcia que ela carrega consigo, e só depois de todo esse tempo que ela seria projetada em seu subconsciente. Isso explicaria a idade dela atual e o mesmo gato de pelúcia que ela tem até hoje.

William senta-se no chão perturbado com a situação. Parece que todas as pessoas que conheceu em sua outra vida viam em sua mente nesse momento.

- Brenda... Sofia... Elisa... E todos os meus amigos e pessoas que conheci no coma... Todas elas existem de verdade... – William não sabia distinguir se isso era ou não uma boa notícia.

- Mas são apenas as partes físicas delas que estão por aí, espalhadas pelo mundo. Sua mente só captou suas aparências. Seus nomes e costumes foram criados apenas por você, o que significa que eles não lhe conhecem e muito menos serão as mesmas pessoas que você conheceu.

As lágrimas que escorrem pelo rosto de William explicitam a resposta de seu último questionamento: aquilo não era uma boa notícia...