Estava com muita preguiça de sair de casa no domingo de manhã. Desde a morte de nosso pai a minha mãe começou uma igreja protestante próxima à nossa casa, e notei que isso fez bem a minha mãe. Fiquei muito feliz em ver minha mãe melhorando aos poucos e isso me motivou a sempre a acompanharmos durante os domingos.

Ao meio-dia já estávamos indo pra casa, eu estava faminto e mal poderia esperar até chegar em casa, mas parece que isso teria que levar mais algum tempo, pois, a última chuva antes do verão parecia ter chegado. O céu estava tão aberto pela manhã, e agora enquanto saímos da igreja fomos todos pegos de surpresa. Minha mãe sentou em um dos bancos perto dos meus irmãos. Passamos cerca de 10 minutos sentados, e durante esse tempo notei que alguém estava sendo observado, o que me incomodou muito. Aos poucos senti uma aproximação assustadora.

“Venham, vou levá-los para casa. Acredito que queiram uma carona.”, ouvi uma doce voz atrás de mim. Uma garota com olhos verdes marcantes, cabelos loiros à altura dos ombros e com um corpo tão frágil. Usava um jeans apertado, botas e uma longa camisa e aparentemente velha camisa. Sua voz era doce, ao mesmo tempo estranha, como se tivesse um sotaque diferente. Não acredito que fiz todas essas observações enquanto ela olhava para nós. “Eu fiquei surpresa com essa chuva também, mas acho que tem espaço suficiente pra todos vocês na minha caminhonete, só precisamos nos apertar um pouco”, ela continuou. Minha mãe aceitou o convite e todos nós fomos; sua voz parecia bastante convidativa. Enquanto entrávamos no carro nos apresentamos, e ela continuou falando, “Desculpem por não ter me apresentado antes, meu nome é Anna. Percebi que algumas pessoas da igreja haviam ido embora de carro, outras foram de carona, eu e meus amigos percebemos que algumas pessoas estavam sem carro e resolvemos nos dividir para ajudar.”

“Tivemos um problema com nosso carro algumas semanas atrás. É muita gentileza sua, Anna.” – disse minha mãe.

Para minha surpresa, meus irmãos estavam bastante quietos, provavelmente cansados e tímidos demais, o que não é bem normal para crianças na faixa etária deles. Eu me sentia como eles, queria falar mil coisas mas não conseguia...eu estava cansado demais pra falar? Ou pior, atraído demais pra falar? Bobagem. Estar no banco de trás daquela caminhonete velha talvez estivesse me intimidando, e aos meus irmãos também. Anna olhava para trás e sorria, enquanto minha mãe parecia bem satisfeita no banco da frente.

Passamos boa parte da volta pra casa calados, até que finalmente chegamos, e enquanto tentava acalmar os meus irmãos em meio a correria que estavam fazendo em volta da casa eu pude ouvir minha mãe convidando Anna para almoçar conosco, parei de fazer o que estava fazendo e observei. Não conseguia para de olhar para Anna, havia algo muito profundo em seus olhos, poucas pessoas conseguem causar tal reação em mim.

“Eu marquei de almoçar com meus amigos, infelizmente não posso ficar, mas agradeço muito Sra. Smith” - disse ela.

Minha mãe acenou se despedindo e enquanto entrava em casa me encarava com um olhar sarcástico.

Esperei Anna entrar no carro antes de voltar pra casa, quando ela já estava de saída em me virei e gritei, “Anna! Obrigado por tudo”. Foi o máximo que consegui falar. Ela sorriu com o canto da boca, depois saiu dando ré no carro.

“Gostei muito da Anna, achei ela uma garota de atitude”, disse a minha mãe enquanto estava pondo os talheres na mesa. “Não existem muitos jovens na igreja, e já que não vejo você com seus amigos acho que seria legal, não sei, sair mais de casa,” ela continuou.

“Mãe, eu estou bem, certo?” – disse eu.

“Eu só acho que você deveria sair mais, não precisa trabalhar tanto, se ocupar tanto, você ainda tem tempo de se divertir.”

“Mãe!”, olhei seriamente para ela, “É o que eu gosto de fazer, ok? Paramos por aqui?”

Minha mãe nunca foi uma pessoa que falava muito, talvez porque eu a visse mais nos fins de semana. Mas uma coisa é certa, ela tem os melhores conselhos e desse vez ela talvez estivesse certa. É apenas mais um fim de semana, logo voltarei ao trabalho, verei meus companheiros e ocuparei meu tempo. Eu gosto da minha cidade, gosto da minha casa, qual o problema em gostar de responsabilidades? Quem liga para amor e amizade quando se perde um dos seus familiares mais queridos e tem de cuidar do resto da sua família? Quando se tem uma casa para reformar? Talvez minha mãe não entenda essa parte, meus amigos me abandonaram quando eu mais precisava. O colegial foi o maior pesadelo da minha vida, é muito fácil ser amigo das pessoas quando elas estão na melhor fase de suas vidas. O máximo que recebi foi uma carta da minha ex-namorada, Jade. Tudo parecia bem mais simples há 3 anos atrás. Não estou reclamando, já disse que gosto das minhas responsabilidades, e quero honrar o cuidado que meu pai teria por todos nós, sua proteção, seus valores. Isso é algo que alguém jamais vai tirar de mim.

Após um silencioso almoço fui levar meus irmãos para brincar entre as árvores perto de nossa casa. Normalmente brincávamos de esconde-esconde entre as macieiras, mas dessa vez preferi deitar em um banco próximo. Eles me puxavam o tempo inteiro, e pude notar o quanto eles estavam chateados por me ver chateado. Fomos mais para perto de casa e deixei-os brincando próximas as árvores que levavam até a entrada da casa; enquanto eu fui até o motor do carro e me deparar com muito trabalho pela frente. Nosso carro era uma Chevy Truck 1967 vermelha, diferente das demais da cidade, a nossa era tão acabada quanto a nossa própria casa. Foi assim que ocupei o resto do meu dia. Para muitos o verão é o momento das férias, onde se pode descansar, mas não pra mim.