Charles Louis Marsh

Olhos ainda fechados. Minha audição aos poucos retorna como se fossem zumbidos e ecos sibilantes. Escuto o vento atravessando os galhos das árvores e as folhas secas caindo sobre o chão como se rastejassem feito serpentes.

Meu corpo estava dormente, e minha alma ainda estava lutando para conseguir forças enquanto um torpor dominava meus sentidos. Quase acordado, quase adormecido. O vento sussurrava, e nesses sussurros eu podia jurar que meu nome ecoava pelas paredes escuras do quarto.

“Charles”.

Os sussurros começaram a ganhar vida e aos poucos meus sentidos estavam retornando. “Charles, abra seus olhos”, e eu o fiz.

James estava sentado ao meu lado na cama. Seu corpo se inclinou em minha direção encostando junto ao meu. Sua mão direita encostava em minha nuca, e seus olhos voluptuosos se fixavam em mim como se eu fosse uma presa prestes a ser devorada por um animal selvagem.

A proximidade era tão grande que eu seria capaz de sentir seu hálito próximo da minha boca, mas não senti. Talvez estivesse entorpecido demais.

—Estive aqui a noite inteira esperando que acordasse — A voz de Jaime soava macia enquanto sua mão se entrelaçava em meus cabelos. —Você é tão belo enquanto dorme, não pude deixar de te admirar enquanto você se enredava e se perdia em seu labirinto de sonhos.

—Eu... Como eu vim... —Sou interrompido por um som dos lábios de James, como se pedisse por silêncio.

—Shh! —Ele desliza a mão em meus cabelos —Você se cansou muito da viagem. Creio que enfrentou uma tempestade e teve que fazer um extremo esforço para chegar até a praia.

—Estou bem, sr. Karnstein. Acredito que posso ressuscitar com um banho, e estarei pronto para resolver os nossos interesses. — Percebo que James muda sua expressão e se afasta um pouco. Ele balança com a cabeça e vira-se de costas, enquanto saio das cobertas e me levanto.

— “Ressuscitar”... Uma palavra tão esperançosa. Tão morta mas tão cheia de vida. É como uma rosa que murcha para passar o inverno e depois se ergue para que possa sobreviver na primavera. — Ele se vira para mim. —Meu caro Charles, você não murchou, suas pétalas ainda irradiam vida, seu rosto ainda é rubro, o que sabe sobre morrer?

Eu engulo seco e deixo a pergunta sem resposta e vejo James me encarando fixamente, sem sequer piscar.

—Quando secar, só lhe restarão os galhos secos e espinhos, não há beleza nisso. — Ele se vira de costas de novo — Porém, nas noites mais escuras e mais gélidas do inverno, você percebe que a escuridão sempre estará ali, porque somos imbatíveis, fomos destinados à eternidade. — Ele se junta e seus lábios quase se encostam em meus ouvidos e posso ouvir um sussurro. —Eu e você estaremos destinados à eternidade.

Eu fico perplexo e boquiaberto. E não consigo dizer mais nada. Sei que irei para o banho e logo voltarei para atender sr. Karnstein. As palavras dele ficam rondando em minha cabeça.

Valerie Westerna

Querido diário,

Tive um sonho horrível ontem à noite. Corrijo-me, tive dois sonhos estranhos que me perturbaram ontem à noite.

Não tenho certeza se foi uma paralisia do sono ou se foi um pesadelo.

Lembro-me de abrir meus olhos e ver que havia uma criatura em minha cama, estava deitada na transversal com um cotovelo apoiado na cama e um braço levemente estendido pela cintura, uma perna ficava delicadamente sobre a outra.

Esse sonho se alternava com um outro sonho mais caloroso, mais febril. Havia beijos, toques, sussurros. Eu podia sentir como se isso tudo fosse real.

Os sonhos ficaram misturados, uma sensação de prazer e pavor me dominou simultaneamente e eu não sabia o que fazer, apenas sei que isso era estranho e perturbador.

Enquanto a criatura se aproximava com suas garras, eu pude perceber que ela manchava meus lençóis com um liquido escuro e encorpado, e ao mesmo tempo, eu me via entrelaçada de corpo e alma com uma outra pessoa que não consigo ver seu rosto. Quanto mais a criatura se aproximava, mais íntimo era o contato entre eu e a outra pessoa.

Encaro-as nos olhos, ou melhor, encaro-a nos olhos. Eram olhos libidinosos e maquiavélicos. Eu vi sua face. Era Lucy!

Enquanto a boca da criatura se aproximava de meu pescoço, a boca da moça se aproximava intimamente. Senti-a morder.

Acordo aos prantos e gemendo com um certo prazer e me deparei com Lucy abrindo a porta. Ela se sentou ao meu lado e apoiou minha cabeça em seu ombro dizendo: “Acalme-se! É só o vento lá fora.”

***

Às vezes, Lucy saia à noite sem mim, e eu só voltava a vê-la de madrugada quando os sonhos me atormentavam de novo. Acordei e ela havia deixado um livro em minha cabeceira, ele estava aberto e havia uma página marcada. Peguei-o e comecei a ler. Era uma poesia.

“Iamos sós pela floresta amiga,

Onde em perfumes o luar se evola,

Olhando os céus, modesta rapariga!

Como as crianças ao sair da escola.

Em teus olhos dormentes de fadiga,

Meio cerrados como o olhar da rola,

Eu ia lendo essa ballada antiga

[...]

Que linda eras, o luar que o diga!

E eu compondo estes versos, tu a lel-os,

E ambos scismando na floresta amiga...”

Abro um sorriso ao ler essa poesia. Ela se referia a nós, nós duas. Nossos passeios sob o luar. Sei que ela queria que eu saísse com ela e deixasse de lado todos os medos. Eu já não tinha mais medo. Durante os ventos da madrugada, eu saí pela videira, eu sei que de alguma maneira encontrarei Lucy vagando pela floresta e ela ficaria feliz em me ver.

Charles Louis Marsh

Chego na sala após recolher alguns dados que eram necessários para resolver o caso de James. Eu havia perdido a minha maleta com os documentos que eu já tinha em mãos mas agora meu trabalho seria dobrado, teria que fazer todas as pesquisas possíveis para que resolver o caso de James Karnstein fosse possível.

Adentrei na sala e ele me esperava em uma poltrona de couro vermelha, olhando para a lareira sem pestanejar. Faço um barulho para que ele note minha presença, mas ele não se vira, apenas requisita que eu me sente e leia o que já tenho em mãos.

Começo a ler e repassar as medidas dos terrenos pertencentes a ele e o que eu posso fazer. Explico todo o procedimento burocrático que será feito para que o processo seja efetivamente legalizado e ele possa assumir, por direito, as terras herdadas.

James mantém seu pensamento longe, ele parece estar meio perdido em um devaneio. É necessário que eu chame sua atenção constantemente para saber se ele está vivo, pois sua expressão parece mortalmente lânguida.

Ele se levanta e me observa e me serve uma taça de vidro. —É absinto. Você vai gostar — Enquanto isso ele se serve com uma taça de seu vinho, que particularmente tem um gosto peculiar.

—Do que você gosta, Charles? —Diz ele bebericando seu vinho e me fitando como se o que eu pudesse falar fosse uma das coisas mais interessantes possíveis.

—Eu me interesso em ler.

—Ler o quê? Poderia ser mais específico?

—Jornais, revistas, livros de romance ou poesia. Não me importa muito o que seja, creio que as palavras têm poder, elas podem ser nossa esperança ou nossa ruína. —James dá um sorriso em seu canto da boca.

—Existe uma poesia que eu sinto prazer em te recitar.

—Qual? —Pergunto, esperando que ele me recite.

Duas gotas de sangue nas dunas,

duas rosas rubras na areia.

Se foi prazer ou suplício,

sabe o amor e a lua cheia.”

Ao terminar, vejo que estamos em pé. Nossos corpos se atraem como um campo magnético tivesse nos impulsionado. Eu o beijei e ele retribuiu. Sua pele era fria e pálida, a minha era quente, éramos como o dia e a noite.

Aos poucos, tiramos nossas roupas e nos trancamos no quarto de James. Eu o deitei e o penetrei. Ouvi seus gemidos e seu sorriso sádico se desenhando em sua cara.

Eu o beijei, e quis beijar mais vezes. Eu ofegava, mas não sentia nada vindo de James.

James se virou por cima, mas ele não estava ereto. Fiquei um pouco boquiaberto, parecia que ele não tinha circulação de sangue. Inesperadamente ele se agarrou em meu pescoço e começou a penetrar seus dentes em minha jugular e então vi seu membro ficar ereto.

Ao olhar para o teto, vejo que sangue começa a cair. Era uma chuva escarlate e espessa. Vi que várias criaturas estavam espalhadas pelo quarto e seus olhos se viravam sobre mim. Vi seus dentes, suas garras, vi sua forma original.

As memórias começavam a se enredar em minha cabeça. No bote, eu pulei na água para fugir da criatura, corri pela praia e atravessei dunas que se formavam atrás do castelo até que criatura me capturasse e eu acordasse na praia (Duas gotas de sangue nas dunas, duas rosas rubras na areia). Encaro seu rosto, estou com medo. Ele me encara e vejo seus olhos negros, negros como um céu sem estrelas. (Se foi prazer ou suplício, sabe o amor e a lua cheia)

—A escuridão nos pertence, você é meu! — Ele sussurrou

Naquele momento, eu quis morrer, mas sei que era precisamente isso que James também queria de mim.