A Última Chance

Parte II - Capítulo 36 - Um Péssimo Recomeço


Capitulo 36

Um Péssimo Recomeço

O caminho acidentado e escorregadio da trilha foi feito tão rápido que tive medo de morrer antes de poder comemorar o fato de termos conseguido. Não com muita vantagem, afinal não poderíamos voltar para casa por uns dias, mas já era um bom começo.

Passamos por vários errantes pelo caminho, que seguiam em direção á casa atraídos pelos tiros e outros sons. A cada segundo o número deles aumentava e começava a ficar preocupado com o fato de que talvez estivéssemos indo direto para uma superlotação de zumbis. Mas, por nosso grande azar, logo estaríamos rodeados por eles, já que um carro cheio de humanos em sua frente com certeza era mais apetitoso que barulhos de tiros que não sabiam exatamente de onde vinham. Mas, dessa vez por nossa sorte, Lola não tirava o pé do acelerador e os deixava para trás esticando seus braços podres tentando nos alcançar.

- Para onde vamos? – Lola perguntou enquanto virava bruscamente na rodovia derrapando no gelo, mas isso não pareceu perturbá-la.

- Não estava na conversa quando decidiram onde nos encontraríamos. – falei olhando para os outros.

- Ah, é no... Droga, como se chama aquele lugar? Aquele, com a porta de ferro e as fitas de isolamento... – Glenn falou pensativo – Não me lembro como se chama... Droga. Nós passamos por ele naquele dia.

Remexi minha mente tentando me lembrar de algo com essa descrição, mas não era como se ela ajudasse muito. E alguns minutos depois finalmente me lembrei do dia em que fomos buscar suprimentos em Saint Clarion com Carol e Glenn, e este apontara para um lugar com portas e janelas de ferro, cercado por fitas amarelas de isolamento, e comentara que poderia ser seguro se o limpássemos.

- Place Of Safety, em Saint Clarion? – perguntei para confirmar.

- Isso! Como pude me esquecer?

- Ok, agora como chegamos a esse lugar? – Lola perguntou indignada.

- Eu já disse, Saint Clarion. – falei impaciente.

- Eu tenho cara de quem sabe onde fica essa porcaria? – ela falou com a voz controlada, após dar um suspiro.

Revirei os olhos e pedi para Taty trocar de lugar comigo – pelo fato dela estar no meio – e me espremi entre os bancos da frente levando junto os pés de Delilah que estavam em meu colo agora, e o resto de seu corpo ainda nos braços de Daryl.

- Continue nesse caminho. No próximo desvio você vira. Ele é pequeno, mas não tem como errar. Tem uma placa com o nome de duas cidades, e uma delas é Saint Clarion. – expliquei fazendo sinais com as mãos.

- É uma placa onde está escrito Saint Clarion e Vellage? – Savannah perguntou do banco ao lado de Lola.

- Essa mesma. – respondi.

- Ah... A gente acabou de passar por ela. – falou tranquilamente.

- Só pode estar brincando. – pude ouvir Daryl resmungar – Alguém mais pode dirigir?

- Porque não me avisou? Merda... – reclamei passando a mão pelos cabelos – Dê a volta, Lola.

A garota dirigiu em direção ao acostamento e girou o volante fazendo o carro virar de uma vez só. Mas assim que pisou no acelerador e passou alguns metros á frente depois da curva conseguimos ver pequenos pontos negros ao longe que foram aumentando, e pelos mais próximos podia distinguir os zumbis que mantinham os braços esticados em nossa direção. Lola pisou no freio de uma vez, fazendo o carro parar com um rangido irritante.

Claro, mais barulho, pensei. Porque não piorar as coisas?

- Péssima ideia. – Taty falou já pegando uma arma – É melhor virar novamente. Podemos despistar eles mais facilmente. Com certeza tem outro caminho por outra cidade. Anda!

Lola virou o carro novamente, dessa vez com mais pressa ainda, e acelerou novamente pela estrada.

- Essas coisas não dão um segundo de paz, mas que... – Savannah parou no meio da frase, engolindo em seco.

- Tudo bem, pode falar palavrão. Não é como se fizesse diferença. – Glenn falou compreensivo.

- Não é isso. É só que... Senti uma tontura. Mas já passou.

Olhei-a preocupado e coloquei uma mão em seu ombro. Savannah colocou sua mão sobre a minha olhando distraidamente pela janela, mas podia senti-la tremendo, e pelo calor que fazia dentro do carro tinha certeza que não era de frio.

- Está tudo bem? – sussurrei em seu ouvindo, e reprimi o prazer ao vê-la se arrepiar com isso.

- Estou sim. – respondeu vagamente, o que não me convenceu, mas deixei passar.

Ficamos algum tempo em silêncio, e nele fiquei observando a expressão de Savannah que era extremamente vaga todo o tempo. Começava a ficar preocupado com essa atitude repentina e suas mãos trêmulas. Mas, quando chegamos á uma cidade que não fazia ideia do nome, tive que me concentrar em pensar numa forma de voltar para Saint Clarion. Demoramos um bom tempo – e algumas discussões - até achar uma rodovia que fazia a volta pela cidade, mas conseguimos.

Pelo fato de já ser noite, Lola acelerou ainda mais para que chegássemos mais rápido na cidade, já que o farol ligado poderia atrair mais zumbis que estivessem na mata e não dava para continuar com ele desligado.

- Bem que podíamos chegar logo. – Taty falou sugestivamente.

- Estou fazendo o que posso, ok. – Lola falou e parecia estar á beira do choro, mas com a escuridão era difícil afirmar isso – Mas se quiser morrer num acidente estúpido eu acelero mais!

- Se acalme, só fiz um comentário. – Taty se defendeu, se remexendo contra a janela, desconfortável.

E eu a entendia.

O carro estava cheio demais, com cinco pessoas apenas no banco de trás, sendo que uma delas estava completamente desacordada e deitada de um modo desajeitado. Rezava para que chegássemos logo para poder descansar pelo menos uns segundos e sentir o vendo gelado em meu rosto.

- É eu sei. – Lola falou agora com a voz risonha, e tive de revirar os olhos para seu jeito teatralmente dramático.

Depois disso continuamos calados, até passarmos por um arco com uma enorme placa, mas estava escuro demais para sabermos o que estava escrito, e nem precisávamos. Aquilo deixava bem claro que era a entrada de uma cidade, e suspirei aliviado.

- Onde é? – Lola perguntou olhando em volta.

-Siga em linha reta por sete quadras, e então dê a volta na praça até os cordões de isolamento. – expliquei, desejando que dessa vez nada desse errado.

Para nossa total alegria, em poucos minutos estávamos estacionando na frente do lugar, reconhecível pelo portão de e janelas de ferro batido e os cordões amarelos.

Apenas como garantia, saímos do carro – para o delicioso e confortável vento constipante - com armas prontas e lanternas para conseguirmos enxergar o caminho. Conferimos á nossa volta e Glenn foi na frente, batendo levemente na porta, sem fazer tanto barulho. Reconheci os outros três carros estacionados ali e senti alivio por saber que todos os grupos haviam conseguido chegar. Houve um barulho de correntes por dentro e a porta foi aberta, mas a pessoa que a abrira estava completamente engolida pela escuridão. Apontei a lanterna para onde imaginei estar seu rosto e uma mão entrou na frente.

- Desligue isso, garoto. Está querendo me cegar? – Herschel reclamou com sua voz branda.

- Me desculpe. – pedi sentindo o alivio crescer cada vez mais por ver mais rostos conhecidos. – Estão todos aí?

- Estão sim. Alguns ferimentos, mas nada mais que arranhões. Ande, traga a garota para dentro. Ela está começando a se recuperar, não deve ficar num vento frio desses. – falou com aspereza, mas sem abandonar o tom fraternal.

Daryl passou á nossa frente com uma cara não muito feliz – e não entendi muito bem o porque – e desapareceu na escuridão. Deixei todos irem na frente e já ia seguindo Savannah para dentro quando ela parou na porta e se apoiou nela, com o rosto pálido e suado.

- Hey, o que houve? – perguntei preocupado passando o braço por sua cintura e seu corpo caiu contra meu peito, fraco.

- Eu não... Não... – sua voz soou baixa, mesmo no silencio sepulcral da cidade abandonada.

- Vem.

Segurei-a contra mim e a carreguei com um braço, usando o outro para iluminar o caminho com a lanterna. Entrei com ela numa sala completamente vazia e a firmei de pé, de frente para mim. Levantei seu queixo para que pudesse olhar em seus olhos.

- Por favor, me diga o que está acontecendo. – pedi a ela, sem deixá-la desviar os olhos.

Seu corpo tremia tanto que o meu, que o mantinha em pé, também tremia, e o suor que projetava de sua testa e mãos parecia gelo de tão frio, mas sua pele continuava quente em febre.

- Eu não... – gaguejou mais uma vez – Eu quero...

Ela parou de falar e colocou a mão sobre a lateral do corpo, bem na cintura. Tirei sua mão dali e observei o rasgo em seu suéter e a falta de um pedaço dele logo embaixo, com as bordas enegrecidas. Meu coração acelerou e levantei seus dois suéteres de uma só vez, revelando o pedaço que faltava do primeiro completamente molhado. E nesse momento eram minhas mãos que tremiam, enquanto o retirava deixando exposto o ferimento ensanguentado e inchado.

- Porque escondeu isso? – apesar da raiva que crescia em meu peito, minha voz saiu trêmula e baixa.

- Você se preocuparia á toa. – falou com os olhos entreabertos – Não precisava disso em sua mente.

- Mas agora estou preocupado! Como conseguiu isso? – perguntei deitando-a no chão mesmo e, retirando o primeiro suéter, o usei para limpar superficialmente a feria e ver seu estado.

O resultado: bordas num tom escarlate, entre vermelho e roxo, e uma incisão amarelada indicando uma infecção.

- Por favor, não fique bravo comigo. – pediu chorosa, com grossas lágrimas correndo por suas bochechas. – Um homem atirou algo em mim, quando estava indo te ajudar. Uma faca. Pequena, mas bem afiada. Merda, perdi três facas com aquela vadia. Mas foram bem gastas. Espero que esteja tão mal quanto eu.

Engoli em seco. Aquilo era por minha causa. Minha culpa. Se eu não tivesse ficado por ultimo, seguido os outros imediatamente, ela não teria voltado para me ajudar, e não teria sido ferida.

- Me desculpe por isso. – pedi me debruçando sobre seu corpo e colando minha testa na sua.

- Pelo que? Eu faria tudo novamente se fosse necessário. – falou passando a mão por minha bochecha carinhosamente.

Encostei meus lábios nos seus e, quando me afastei, seus olhos estavam fechados e seu corpo completamente largado em meus braços. Meu coração falhou por alguns segundos e podia ouvir apenas minha pulsação em meus ouvidos. Corri minhas mãos para o seu pescoço e suspirei aliviado ao sentir sua pulsação fraca.

Peguei-a no colo e me entreguei á missão de encontrar os outros naquele lugar escuro o mais rápido possível. Não deixaria mais ninguém morrer. Não enquanto eu pudesse fazer algo.