A Última Chance

Parte I - Capítulo 24 - Estranhos


Capitulo 24

Estranhos

Era perceptível a tensão de Daryl por suas costas arqueadas e seus lábios comprimidos em uma linha fina, dando alguns passos em direção ao homem. Internamente, rezava para que não acontecesse nada ruim. O homem parecia ser genioso como Daryl. E eu estava certa. No mesmo momento em que este apontou sua besta, o homem sacou sua arma.

- Quem é você? – Daryl perguntou secamente.

- Sou eu quem deveria fazer as perguntas aqui. – a voz do homem era lenta e perigosamente sedutora, o que parecia ser de propósito, já que falava olhando para mim – Vocês estão no meu acampamento.

Um silêncio perturbador recaiu, o tempo pareceu desacelerar e todo barulho era alto demais. O vento frio parecia ser formado por milhares de navalhas, que passavam por minha roupa molhada e penetravam até meus ossos, que reclamavam pelo desconforto. Meu maior sonho no momento era tomar um banho quente e vestir uma roupa seca, mas do jeito que as coisas andavam isso estava longe de se realizar.

Peguei minha arma – me dando conta, naquele momento, que tinha deixado meu arco e minha aljava no carro - e a destravei, mas a mantive discretamente apontada para o chão. Mas ao que parecia não tinha sido tão discreta, pois o homem já apontava outra arma para mim, que estava um pouco atrás de Daryl, mas por estar mais para o lado era um alvo fácil.

- Acho melhor abaixarem suas armas. – o homem falou no mesmo tom de voz.

- Acredite, antes do seu tiro me atingir você já estará com um flecha atravessada no seu cérebro. – Daryl falou de modo tão ameaçador que até eu senti medo por um segundo.

- Não apostaria muito nisso. – ele balançou as duas armas exibindo-as.

- Eu também não. – Rick saiu do meio das árvores, apontando sua arma.

Junto com ele, vinham Carl e Savannah – e esta também tinha sua arma apontada.

- Oh-ho! Parece que estou em desvantagem agora. – ele abaixou suas armas, deixando-as no chão e levantando as mãos em sinal de rendição.

Guardei minha arma, sentindo minha mão latejar. Como não tinha percebido isso? Olhei para ela e percebi que estava pálida, o que tornava a enorme mancha roxa bem mais visível. Resmunguei um xingamento ao tentar mexê-la, e parecia que quanto mais a mexia a dor parecia se espalhar para o resto do braço. Coloquei a mão aninhada pela outra no peito, torcendo para que fosse apenas um deslocamento como da ultima vez.

- Meu nome é Reed Thompson – o homem se apresentou, estendendo a mão para Rick, que continuou olhando-o impassível, e Reed recolheu sua mão – E acho que você não liga para isso.

O silêncio perturbador voltou á ativa e fiquei observando Reed. Apesar de tudo ele não parecia tão perigoso. Parecia apenas... Irritável e explosivo. Mas fiquei com um pé atrás no momento em que seus olhos pararam em Savannah por um momento, como se a avaliasse, e ele deu um sorriso malicioso. E Rick parecia ter percebido, porque ele olhou para mim como se dissesse “não gostei nada disso”, e então voltou seu olhar para Reed. Peguei minha arma novamente – dessa vez com a outra mão – sentindo a faísca de confiança que começava a sentir pelo homem se esvaindo completamente.

Barulhos vieram do meio das árvores e todos apontamos nossas armas – menos Reed, que ainda tinha as dele no chão. E então de lá saíram três zumbis. Estava pronta para atirar, mas alguém o fez primeiro. Os três zumbis caíram no chão completamente mortos.

- Quem atirou? – Savannah perguntou.

Estava óbvio que não era nenhum de nós. Uma das provas era que eles tinham caído para a frente, em nossa direção, então o tiro só podia ter vindo do meio das árvores.

- Eu? – uma garota apareceu do nada, segurando uma calibre 357 – Posso saber o que está acontecendo aqui?

A garota devia ser uns dois centímetros mais alta que eu – em meus um metro e sessenta de altura –, os olhos eram castanho escuro e seu cabelo era de um ruivo bem claro, quase loiro, e mesmo com o ar sério eu podia jurar que não tinha mais que dezoito anos.

- Ah, eu acabei de conhecer essas pessoas super amigáveis! – Reed falou ironicamente.

- Estou percebendo. – ela andou até o homem e pegou suas armas no chão – O que vocês querem?

- Porque acha que queremos algo? – perguntei.

- Ok, como chegaram aqui?

Apontei para o rio atrás de mim e olhei para trás. Os zumbis tentavam ultrapassar a barreira de concreto e esticavam seus braços – pelo menos os que tinham – em direção a nós.

- Acho melhor sairmos daqui. Eles podem chamar a atenção de outros como os que matei. – a garota guardou a arma e sumiu por entre as árvores.

Reed se virou e a acompanhou, logo sumindo também. Olhei para os outros, que também pareciam perturbados.

- Eu não confio neles. – Daryl falou.

- Acho que nenhum de nós confia. – Rick acrescentou, observando cada um.

- O que temos a perder? – perguntei e entrei na mata.

Eu estava cansada. Era a única coisa que eu podia dizer. Não cansada fisicamente, eu estava bem. Mas mentalmente estava em frangalhos, em vários pedaços, e alguns já havia até deixado para trás. Diminuir a bagagem é sempre uma boa opção se ainda tiver muito para andar. O que teria a perder seguindo aquelas pessoas que tinha acabado de conhecer? É claro que não queria morrer, e logicamente não deixaria isso acontecer. Estava preparada. Mas eu simplesmente precisava esquecer um pouco que era perigoso, que cada passo era arriscado e eu estava pronta para agir. Mas no momento só queria segui-los.

- Está louca? – Savannah perguntou com os olhos arregalados, me seguindo.

- Não.

- Então porque está indo atrás deles?

- Porque eu estou cansada, quase me afoguei, minha mão está provavelmente quebrada. De novo. Meu ombro está doendo onde eu levei o tiro e estou quase morrendo de hipotermia. – falei entredentes, com a voz falha por estar tremendo, e no mesmo momento me senti uma criancinha mimada por ficar reclamando de tudo.

- Você não pode esperar até chegarmos em casa? – Daryl perguntou parecendo indignado.

- E me diz como vamos voltar? Estamos a o que? Setenta quilômetros? Não dá pra voltar para casa sem carro e não temos como pegar o nosso de volta, porque ele está cercado de zumbis!

Daryl disse mais alguma coisa, mas não escutei porque estava ocupada demais tentando não me perder. Por fim, cheguei a uma clareira, onde tinham duas barracas, uma grande e outra menor, uma de frente para a outra com uma pequena fogueira no meio.

- Pessoas normais trariam um cachorrinho para casa. – uma garota falou, sentada ao lado da fogueira.

- Aliás, quem são vocês mesmo? – a primeira garota perguntou, ajeitando os cabelos ruivos num coque desajeitado no alto da cabeça.

Fiquei em silêncio, um pouco desconfortável. Nenhum de nós respondeu, e começava a achar que fora uma má ideia acompanhá-los.

- Rick Grimes. – ele tomou a frente, com seu ar confiante e até mesmo um pouco controlador.

- Lola Dietrich – a segunda garota se apresentou – Não que alguém se importe.

- Deixa de ser bipolar, Lola. Até dois dias atrás você estava quase pulando de animação. – a ruiva revirou os olhos, sorrindo – Meu nome é Tatyana Legrand. Mas se tiverem amor á vida nunca me chamarão assim. Então... Só Taty.

- Você não é daqui. – observei, me referindo a seu sotaque – É de onde?

- Sou da França. Me mudei para Louisiana há alguns anos.

- Meu nome é Delilah. – sorri para ela, que retribuiu. Ela parecia legal.

- Bom, agora podem me explicar o que aconteceu? – Lola pediu, e apontou para nossas roupas molhadas.

- Pulamos no rio para fugir de alguns errantes. – Rick explicou – Estamos fugindo deles desde a rodovia.

- Wow! Vocês são loucos? Aquela queda deve ter no mínimo quinze metros. – Taty tinha os olhos arregalados.

- Eu disse a mesma coisa. – concordei.

- Isso, agora esqueça sua amiga desafortunada aqui e vá fazer novas amizades! – Lola fez voz de choro.

- Ah, qual é, Lola! Pare de drama. – Reed revirou os olhos, encostando numa árvore.

- Como ficar calma? Eu estou sendo abandonada!

- Já chega! – Taty brigou, com uma certa autoridade na voz.

- Tudo bem. – Lola sorriu e foi para dentro da barraca maior, logo voltando com algumas toalhas e as entregando para nós. – Sequem-se antes que peguem um resfriado e... Eu conheço vocês...

Ela olhou para mim e Carl seguidamente com os olhos apertados e então balançou a cabeça.

- Devo estar ficando maluca.

Você é maluca, acrescentei mentalmente.

- E então, vocês tem um acampamento por aqui? – Reed perguntou, os olhos grudados em Savannah, o que me fez lembrar que ele não era confiável.

- Er... Não... – comecei desconfortável – Estamos numa casa. Bem distante.

- Ah sim... – Reed apertou os olhos, me observando – Já nós nunca ficamos mais que uma semana no mesmo lugar. É o tempo para descansarmos, pegarmos suprimentos num cidade vizinha, planejar para onde vamos e então nos mudarmos novamente. Só na época das chuvas que ficamos numa casa. E agora que está chegando o inverno precisamos procurar outra.

Olhei para Rick, já imaginando onde aquilo iria chegar. Se eles quisessem ficar conosco havia um grande risco de tudo acabar de uma péssima maneira. Afinal, eles eram apenas estranhos. E não devíamos confiar neles.