A Última Chance

Parte I - Capítulo 13 - Em Família


Capitulo 13

Em Família

O sol já estava nascendo e minha cabeça latejava, a cada segundo repetindo a pergunta que fora o principal motivo de insônia pela casa: como um zumbi teria entrado ali?

Obviamente não havia escalado o muro; mesmo se ele fosse de tamanho normal, duvido que aquelas coisas pudessem subi-lo. Com certeza não tinha aberto o portão. Logicamente não cavara um túnel subterrâneo. Principalmente aquele, que já não tinha as pernas e seus braços eram apenas ossos (com certeza tivera uma quase morte dolorosa).

Andei mais um pouco, até chegar ao portão. Depois do acontecido, todos concordamos em fazer rondas até acharmos o lugar por onde aquele havia passado, e após uma quase briga sobre eu ter acabado de melhorar de suposta “infecção na garganta”, consegui com que deixassem eu fazer a primeira ronda com T-Dog, Glenn e Daryl. Apesar de termos passado por todo o lugar, não encontramos nenhum lugar pelo qual o zumbi poderia ter passado.

Passando mais perto do portão, reparei havia ali, na parte lateral, uma abertura que devia ter cerca de vinte centímetros, por onde um zumbi que se arrastava poderia ter passado tranquilamente. Fui para a outra ponta do portão, e ali a mesma coisa. Ele devia estar com algum tipo de defeito ou tinha emperrado. Olhei pela fresta por onde se podia ver a pequena trilha e, aos lados, a mata que se seguia por bons vinte quilômetros.

Olhei por mais algum tempo, até que encontrei um par de olhos fixos em mim. Mas para meu desespero, não eram olhos normais, eram olhos de pupilas brancas, que fizeram meu corpo inteiro estremecer enquanto o corpo que os tinha começava a se mover em minha direção. Finalmente ouvi os grunhidos horríveis que fizeram minha cabeça latejar mais ainda. Arfei e, mesmo com minha mente repetindo para atirar logo ou sai dali, onde seria fácil de me alcançar pela fresta, continuei paralisada olhando para aquela criatura que um dia devia ter sido um garoto da minha idade, de quem ainda eram perceptíveis os cabelos loiros sob toda a sujeira e sangue.

A criatura veio se arrastando para mim e eu ainda a olhava, o ruído que fazia me dando náuseas e sua aparência desumana me apavorando. Nunca me sentira mal por atirar numa dessas coisas, mas um aperto no coração me atingiu, enquanto a cada segundo ela ficava mais próxima.

- Algum problema? – perguntou uma voz que parecia perto, mas ao mesmo tempo mais distante do que o zumbi que estava próximo a mim.

Ele estendeu sua mão meio apodrecida em minha direção e eu recuei, ouvindo um barulho estranho – que reconheci como meu grito. O zumbi já estava tão próximo a mim que podia sentir seu cheiro fétido que irritava minhas narinas e faziam meu estômago revirar. Recuei mais, enquanto ele enfiava uma mão ossuda e repulsiva pela fresta, tentando passar seu corpo por ali e, mesmo nem conseguir avançar, continuava empurrando seu corpo para mim, e em consequência sua pele ia sendo repuxada e descolada da carne já apodrecida, e sem aguentar mais aquilo, meu próprio corpo reagiu sem nem mesmo esperar minha mente pensar e, com um movimento rápido, retirei o arco de minhas costas e atirei uma flecha em sua direção.

Por causa das lágrimas que deixavam minha visão turva e minhas mãos trêmulas, a flecha acertou o portão. Atirei outra, e o resultado não foi melhor. Meu choro começou a se tornar desesperado e, antes que eu pudesse acertar uma terceira flecha, um estrondo foi ouvido e o zumbi parou de se mexer, seus braço pendendo e de sua testa escorria um liquido vermelho. Sangue.

Braços quentes passaram em volta do meu corpo e deixei meu peso pender sobre eles, tentando conter as lágrimas que teimavam em cair. Mas não consegui. Eu chorava compulsivamente enquanto quem quer que estivesse me segurando me abraçava carinhosamente.

- A... A... – eu tentava falar, mas o choro me impedia de dizer algo coerente.

- O que? – perguntou uma voz que parecia distante, quase perdida.

- A-Austin... – consegui falar com a voz tremida, e então voltei a chorar.

Eu estava certa de que era Austin, e dizer seu nome em voz alta parecia tornar tudo tão irreal...

Alguém passou ao meu lado a passos apressados, e então ouvi um arfar. Levantei a cabeça olhando para o portão, e Ethan puxava a cabeça do zumbi para cima. De onde estava, podia ver claramente seu rosto deformada, que mesmo assim eu reconheceria de longe. Ethan se virou parecendo prestes a vomitar, e me olhou com uma expressão de pena e remorso.

- Alguém pode me explicar quem é Austin? – perguntou uma voz feminina vinda do meu lado.

- É meu irmão mais velho. – expliquei, não contendo um soluço.

- Eu sinto muito. – Emma disse, me abraçando carinhosamente.

- Não contem isso para Gael ou Kalem. – falei para Emma e Ethan com a voz embargada, mesmo ciente de que todos podiam me ouvir. – Sabe o que vai significar para eles saberem disso.

Num instante, a expressão de Ethan mudou, seus olhos estavam então arregalados e sua pele ficou pálida.

- Se ele se transformou e ninguém o matou... Todo o resto se transformou também? – perguntou, os olhos brilhantes pelas lágrimas que começavam a se acumular.

- Não! – me apressei a responder – Talvez ele estivesse sozinho na hora...

- Ele provavelmente estava andando por aqui quando aconteceu para estar aqui agora. E esse era o plano desde o início, não era? Todos juntos virem para cá. Todos. – falou ele, com a voz agoniada.

Com passos firmes, ele voltou para casa, enquanto eu o acompanhava com os olhos.

Nostálgica, fui até meu irmão – pelo menos o que antes era meu irmão – e passei uma mão por seus cabelos. No momento em que fiz isso, ele se mexeu, dando visão de onde a bala havia passado, e era lógico que fora de raspão. Soltei um grito agudo quando seus dentes passaram a milímetros de minha mão e recuei, ouvindo mais barulhos de tiros e então alguém puxou seus cabelos, mostrando sua testa com alguns furos das balas.

Respirei fundo, sentindo um gosto horrível na boca e sabia exatamente o que aconteceria em seguida. Corri em direção á casa e fui direto para o banheiro do meu quarto, indo para a privada. Senti o ácido subindo pela garganta, mas nada saia. E não era para menos; não havia comido nada desde que acordei, ou seja, ficara mais de um dia sem comer. Espantava-me ainda não ter desmaiado. Fui para a pia e liguei a torneira, pegando um punhado de água gelada e jogando nos rostos, na nuca nos braços, todos os lugares que poderiam ser alcançados, até que desisti e liguei o chuveiro, tomando um banho gelado e passando o sabonete pelo corpo até sentir que todos os vestígios daquela manhã tivessem saído de mim. Mas o único problema era que eu sabia que isso não a tiraria de minhas memórias.

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Uma foto de como, mais ou menos, seria a Delilah.

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