Acordei ouvindo algumas batidas na porta.

— Julie, vem jantar! – era meu pai, não muito tempo depois escutei alguém descendo as escadas, provavelmente ele já havia voltado para a cozinha.

Me espreguicei, dormi quase o dia inteiro hoje e ainda me sinto cansada... Olhei para os lados e senti falta de alguém... Um certo fantasminha. Suspirei.

Levantei e me olhei no espelho, meu rosto estava bastante inchado e os machucados ainda expostos, fui ao banheiro, lavei meu rosto tentando melhorar um pouco minha expressão, mas não deu muito certo. Passei uma base de alta cobertura por cima dos hematomas e desci.

Por mais que não estivesse ótima, dormir foi uma boa ideia, acordei melhor, um pouco mais animada... Mas bem pouco.

Cheguei na cozinha, meu pai e Pedrinho já estavam sentados.

— Que demora. – um deles resmungou, mas eu ainda estava lenta e nem prestei atenção.

— Eu estava dormindo...

— Isso explica seu cabelo. – Pedrinho zombou. Mostrei a língua.

...

Estava deitada na cama trocando mensagens com Bia, lutando contra o sono que eu espantava ter depois de dormir o dia todo...

“Ei, não vai dizer o que aconteceu?”

“Nicolas apareceu aqui de tarde.”

“Jura? Conta...”

“Amanhã eu te falo, tô morta de sono.”

“Hm, e o Daniel?”

Me assustei com sua pergunta, evitaria ao máximo falar sobre esse assunto com a Bia, por mais que ela seja minha melhor amiga, não sei se gostaria de compartilhar isso com ela... Mas também não tem muita coisa para dizer, para ser sincera, eu nem sei se estamos juntos...

“O que tem ele?”

“Como ele está agindo com você?”

Estranhei. Ela estava sabendo de alguma coisa?

“Normal...”

“Mesmo? Achei que ele ia ficar te perturbando dizendo coisa do tipo: Eu te avisei.”

“Ele foi bem compreensivo, percebeu que eu estava mal.”

“Daniel compreensivo? Desde quando?”

“Ele está mudando.”

“Hm... Conheço isso.”

“Como assim?”

“Julie, não é por nada não, mas... vocês estão tendo alguma coisa?”

Engoli seco. Ainda estava na dúvida se contava.

“Não.”

“Mesmo?”

“Ahaam, por que?”

“Bom, você disse que ele está mudando, tá mais compreensivo. E na sexta ele te defendeu e ficou muito preocupado com você. Certeza que não estão escondendo nada?”

“Tenho...”

“Você contaria pra mim, né?”

“Acho que sim, mas por que tá falando sobre isso agora?”

“Ah, sei lá, vocês dois andam muito estranhos... Aí tem coisa”

“Que besteira, não tem nada... E mesmo se tivesse, eu não vejo o problema.”

“Como assim Julie? É claro que teria problema... Ele é um fantasma, alô! Não daria certo.”

“Então você não me apoiaria?”

Fiquei um pouco nervosa, se eu e Daniel ficássemos juntos eu só poderia contar para Bia, mas de que adiantaria se ela não me apoiasse... Eu sei que pode parecer loucura querer namorar um fantasma ou algo assim, mas... Se ele me faz bem não vejo problemas.

Acordei de meus pensamentos quando chegou uma nova mensagem

“Ah, sei lá Jú, seria estranho... Mas não vamos pensar nisso, afinal, não vai acontecer...”

“É... Bia tô mesmo cansada, amanhã a gente se fala tá? Tchau, beijos”

“Beijos.”

Me deitei ainda pensativa, gostaria que a Bia me apoiasse, ela é minha melhor amiga... Eu ajudaria ela se fosse o contrário.

Talvez ela esteja certa, não só ela, mas todos ao meu redor, seria complicado essa relação, e até o próprio Daniel sabe disso... Mas acho que devo correr o risco, ele tem se mostrado uma pessoa maravilhosa, não quero perder ele, não agora... E com esses pensamentos acabei dormindo.

...

— Julie, por favor, eu preciso de você. – O rosto de Daniel aparecia em minha mente. – Eu não serei o mesmo sem você.

Olhava para os lados, tentava encontrar de onde vinha sua voz, mas estava muito escuro e a neblina atrapalhava minha visão.

— Daniel?

— Julie... – implorava.

Comecei a correr tentando seguir sua voz, mas era tudo muito confuso. Cheguei em um jardim, parecia morto, tinha um muro coberto de folhas que provavelmente cresceram demais e por falta de cuidado já não estavam mais alinhadas. Uma ou outra rosa era destaque ali, mas como todo o resto elas já não tinham vida. Vi um movimento entre algumas árvores, me aproximei para ver melhor e mesmo de longe reconheci aqueles cachos dourados.

— Daniel, espera!

Ele se virou pra mim, diferente de como eu o conheço, seu rosto não estava pálido, parecia normal... Cheio de vida. Suas bochechas estavam levemente coradas, mas seus olhos estavam inchados e vermelhos, a luz da lua refletia em algumas lágrimas grossas que insistiam em cair do seu rosto.

Me doía vê-lo assim. Tentei me aproximar, mas Daniel fugia de mim. Resolvi apressar meus passos, e quando estava quase alcançando-o a realidade me tomou.

Olhei assustada para os lados procurando algo diferente, mas meu quarto estava como o de costume... Coloquei a mão no coração e senti ele batendo mais rápido que o normal. Respirava com dificuldade, mas só pensava em uma coisa, ou melhor, uma pessoa: Daniel.

Sai com pressa da cama, tropeçando no cobertor. Abri a porta do meu quarto com cuidado para não fazer barulho e desci as escadas. Cheguei na sala e o relógio mostrava que já eram quase duas da manhã.

Em silêncio fui para a edícula. Não queria acordar mais pessoas que o necessário então caminhei lentamente até o sofá onde Daniel se encontrava dormindo. Olhei para os lados uma última vez para ter certeza que os outros dois fantasmas estavam dormindo. Não queria arriscar falar algo, não sabia se Félix ou Martim tinham sono pesado então apenas chacoalhei meu fantasminha com cuidado.

— Huh... – resmungou.

Continuei cutucando ele, mas parecia que estava em um sono profundo. Decidi usar a mesma técnica da última vez, então comecei a distribuir beijos por todo seu rosto.

Quando estava quase chegando em seus lábios Daniel sorriu e eu tive certeza que ele estava acordado.

— Que foi Jú, aconteceu alguma coisa? – sussurrou preocupado.

Como resposta peguei sua mão e o arrastei para fora da edícula. Assim que saímos o abracei com força, Daniel estava confuso, mas mesmo assim retribuía. Levantei meu rosto para encará-lo.

— Isso vai dar certo? – percebi que ele não entendeu minha pergunta então resolvi reformular. – Nós. Eu... E-u quero, não pense o contrário, mas ainda está tudo muito confuso, eu... Sei lá, tá acontecendo tudo muito rápido, não pense que eu não gosto de você. Eu te amo muito, mas, é tudo t—Falava muito rápido, só parei quando me faltou ar. Daniel ainda se mostrava confuso mas resolveu se pronunciar.

— Você não quer ficar comigo? – perguntou sério, ia responder, mas ele me interrompeu. – Achei que me amasse. – seu rosto não esboçava reação nenhuma, mas eu conseguia ver a dor em seus olhos.

— Não! – acabei falando um pouco mais alto. – Eu te amo, eu sei... demorei muito para perceber, mas agora tenho certeza disso... Só quero que entenda o meu lado, tá acontecendo tudo muito rápido... Nicolas, você. Tudo. – ele fechou os olhos com força, parecia nervoso ou... com raiva. – Daniel... – toquei seu ombro, mas ele se afastou de uma maneira bruta, se virou ficando de costas parar mim e puxou seus cachos de modo desesperado.

Estava assustada com sua mudança de humor então esperei pacientemente até que ele se acalmasse. Passou pouco mais de um minuto quando eu vi seus dedos – finalmente- se afrouxando e soltando seus cachos que, magicamente voltaram a ser como eram antes, como se nunca tivessem sido tocados.

Seu semblante era triste, acho que se pudesse estaria chorando.

— Por que isso agora? – disse com a voz rouca.

— Eu... a-ch— Não completei minha frase pois fui interrompida por Daniel.

— Sabe, eu tenho que me acostumar... Sempre vai ser assim. Sempre. – percebi que ele não falava comigo, apenas pensava alto. – Nunca vou conseguir ser feliz de verdade, sempre vou ter que ficar contente com as realizações dos outros, nunca com as minhas, porque elas não dão certo, quando eu finalmente acho que vou ter esse gostinho de vitória tiram isso de mim. Mesmo quando eu estava vivo, nada dava certo. Primeiro com meus pais, depois com a Camila, e por último a banda. Achei que acabaria por ali, mas o destino adora brincar comigo. Adora! – elevou a voz, mas se acalmou rapidamente após um longo suspiro. Nunca tinha pensado desse jeito, para falar a verdade, nunca tinha me importado muito com seu passado e suas realizações...

— Não é isso...- falei com a voz fraca, estava com um pouco de medo do seu estado. – Só queria saber a sua opinião sobre isso, daria certo nosso relacionamento? É contra as regras do seu mundo... você lutaria contra isso? Lutaria... por mim?

Ele deu um meio sorriso e se aproximou, acho que estava mais calmo pois começou a acariciar minhas bochechas com cuidado. – Sabe Juliana. – me arrepiei, ele não costumava me chamava assim. – Nunca respeitei as regras quando vivo, imagina agora que estou morto... – ele se aproximou mais me abraçando. – E se isso fizer a gente ficar juntos, eu luto com o maior prazer - sussurrou perto do meu ouvido. Acho que isso foi a coisa mais romântica que alguém já me disse, mesmo ele estando sério, nunca percebi tanto carinho em sua voz.

Desencostei minha cabeça de seu peito silencioso e procurei seus lábios. Avançamos juntos. Confesso estava desesperada por um beijo seu, sentia que minha vida dependia daquilo. Assim que nossas línguas se tocaram, comecei a agarrar seus cachos com vontade, libertando todo o desejo que sentia, mas ele logo se afastou de uma maneira bruta. Não entendi o porquê de ele parar com o beijo, estava tão bom... Ele me olhava de uma maneira confusa, acho que não esperava por essa reação minha, pelo menos não agora. Ainda estava regulando a respiração quando ele perguntou:

— Por que isso agora?

— O-o b-eij-o? – perguntei com dificuldade.

— Não. Por que perguntou se daria certo nós dois? Queria uma desculpa para voltar com o panac—

— N-ão! – o interrompi, ele esperava pacientemente eu recuperar o ar para poder explicar. – Andei conversando com a Bia e el—

— Contou sobre nós?!

— Não... Mais ou menos. – fiz uma careta. – Ela estava desconfiando, e como eu não tinha certeza se nós estávamos juntos, preferi não falar nada. Acabamos entrando no assunto e ela confessou que não apoiaria nós dois. Fiquei bem magoada afinal, ela é minha melhor amiga e seria a única pessoa que poderia saber do nosso relacionamento... Mas antes dela, eu queria saber a sua opinião, por isso perguntei.

— Certeza que não tem nada a ver com o Nicolas? – insistiu.

— Tenho.

— Hum. – pareceu não acreditar, mas não reclamou. - Tá tarde e você tem escola em algumas horas, depois falamos sobre isso. – Me deu um beijo na testa e saiu do nosso abraço se dirigindo para a porta da edícula.

— Daniel. – chamei.

— Sim? – se virou e focou seus olhos em mim sustentando meu olhar. Fiquei meio sem jeito e abaixei a cabeça sentindo minhas bochechas esquentarem.

— N-ós estamos juntos? - o encarei de novo.

— Não. – respondeu de forma simples me deixando confusa.

— N-nã-o? Por que? Eu achei qu--

— Shh. – se aproximou segurando meu rosto com as duas mãos. – Nós não estamos juntos. – senti as lágrimas se formando no meu rosto, teria sido tudo curtição pra ele? E as coisas lindas que me disse? – Ei calma.... – beijou a primeira lágrima assim que ela caiu. – Eu quero te dar o tempo que for preciso, você acabou de dizer que ainda está confusa... Não quero te forçar a nada. Eu sei que você pensa o contrário agora, mas sinto que ainda gosta do Nicolas...

— Não, Daniel eu t—

— Shh. – pressionou os dedos nos meus lábios. – Eu estou certo, sei que estou, como sempre. – revirei meus olhos, odiava esse traço na sua personalidade. – Vou te dar o tempo que quiser para pensar sobre isso, porque se começarmos um relacionamento, não quero que desista fácil, assim como eu não vou desistir de você... Vai ser difícil Julie, pensa: Não vamos poder sair de mãos dadas por ai, nem ir ao cinema como qualquer outro casal, muito menos mostrar nosso afeto em público. As únicas pessoas que vão poder saber são os meninos e a Bia, isso se você contar para ela... Não vai me apresentar para seus pais e nem conhecer os meus.

Suspirei. - Eu sei o que eu quero agora.

— Não adianta Julie, me agradeça, estou pensando em você.

— Não quero que pense! – fiquei com raiva.

— Hum ok, vamos fazer o seguinte: te dou uma semana para pens-

— Não preciso de uma semana.

— Julie, não discuta comigo. Sou mais velho que você e consequentemente já vivi mais coisas e sei o que está sentindo agora. – revirei os olhos, mas isso me fez lembrar uma coisa.

— Quem é Camila?

— Hu-h – engasgou. – Vai dormir Julie, depois nós falamos sobre isso.

— Quem é Camila? – repeti.

— Boa noite. – bufei, como era teimoso. Já vi que vou ter que perguntar pra outra pessoa. Quando olhei Daniel já estava com a mão na maçaneta para abrir a porta da edícula.

— Ei. – o chamei novamente.

— Esqueça, não vou dizer mais nada.

— Não precisa dizer... Só quero uma coisa – ele levantou uma sobrancelha mostrando interesse. – Um beijo. –concluí.

Ele coçou a nuca. - A-ach-o melhor não... – me olhou sério.

Fiz um biquinho. – Por f-- - Nem terminei a frase e ele veio em minha direção devorando meus lábios, acho que ele queria aquele beijo tanto quanto eu. É, acho que está cada vez mais difícil para ambos esconder o que sente. Mas não será assim por muito tempo...