Não conseguia pegar no sono, já nem tinha mais noção das horas. Martim tinha ido em um bar fantasma qualquer e Félix estava dormindo no MEU sofá. Deixei por isso mesmo, não ia adiantar ter aquele "conforto" se não conseguisse ao menos fechar os olhos. Ainda estava em êxtase pelo que aconteceu mais cedo, beijei a Julie e ainda passamos a tarde toda juntos, e melhor: ela nem se lembrou do idiota do Nicolas, ou pelo menos não disse nada sobre ele. Sorria quase que o tempo todo, e eu achei que isso não seria possível afinal, ela está passando por uma situação delicada. Lembrei que tinha um compromisso agora, uma leve vingança pendente. Saí da edícula e fui em direção à casa do panaca.

...

Do lado de fora estava tudo escuro e não escutava nenhum barulho. Assim que passei pela porta da sala, vi em um canto, - mais precisamente onde eu tinha assustado ele um tempo atrás, - um montinho de sal grosso e alho. Ri, mas é um idiota mesmo, como se aquilo conseguisse me espantar. Lembrei de quando a Julie queria fazer isso conosco, foi difícil ela aceitar que iríamos ficar ali pra sempre, mas com a formação da banda, ela ficou mais animada e parou de tentar nos expulsar, até porque é impossível...

Olhei em volta, estava tudo quieto, subi as escadas e achei o quarto do Nicolas, não foi difícil, já tinha vindo aqui antes algumas vezes. Entrei e vi o cretino deitado na cama, todo espaçoso e desajeitado, me aproximei. Mesmo dormindo continua com a cara de sonso, o que a Julie viu nele mesmo?

Seu relógio em cima do criado-mudo marcava quatro da manhã. Passei o braço derrubando o despertador para tentar fazer barulho, Nicolas apenas se mexeu e resmungou alguma coisa, que sono pesado. Decidi abrir a porta do seu guarda-roupa e isso fez um rangido alto e irritante, ele abriu os olhos assustado, olhou para os lados, levantou com medo e fechou a porta do armário, mas eu ainda ia brincar com ele então abri novamente, dessa vez bem devagar. Ele olhou para os lados, engoliu seco e se aproximou mais, entrei no armário só esperando ele se aproximar, e foi o que o cretino fez. Ao mesmo tempo que ele se aproximou examinando a porta, fiquei visível.

— Oi Nicolas. - sorri cínico.

— C-como s-abe m-eu nom-e? Vai embora! - por mais que falasse sério conseguia sentir seu medo.

— Por que? Vamos conversar. - me aproximei dele enquanto o mesmo tropeçava no escuro.

— Eu não tenho medo de você.

— É mesmo? Não parece isso. - sorri ameaçador.

— O qu-e v-ocê que-r? - disse gaguejando.

— Alguém não cumpriu nosso acordo, e como o prometido, eu voltei. - sorri de lado.

— Eu a-mo a Ju-lie, n-ão ia m-e afast-ar dela.

— Mentiroso! - gritei. Ele estava me irritando. Vi o mesmo se assustar com meu tom de voz e começou a tremer.

— Está com medo? - sorri

— N-ão. - o idiota estava se borrando todo. Me segurava para não rir...

— Ué. - me aproximei e comecei a andar em volta dele. - Um tempo atrás escutei alguém gritar pra escola e o mundo que não tinha medo de fantasma nenhum...- parei na sua frente. - Onde está essa pessoa? - ele começou a andar pra trás e deu com as costas em sua escrivaninha. O cretino abriu uma gaveta e pegou um canivete. Precisei rir disso. Ele apontou em minha direção.

— Vai embora ou eu... E-u.... Machuco você. - percebi que ele mal sabia segurar aquilo, mas era um idiota.

— Ah é? Vai me machucar igual fez com a Julie?

— Como-o as-sim? – Perguntou confuso.

— Não estou brincando. Assuma logo.

— Eu não sei de nada.

Me aproximei. - Será que não sabe mesmo?

— Nunca machucaria a Jú. - aquilo me deixou mais nervoso. - Eu a amo.

— NÃO AMA! - gritei e peguei a primeira coisa que vi pela frente e joguei na parede. O que eu não esperava é que iria acertar o interruptor fazendo a luz se acender, mas assim que tudo ficou claro pude ver o "presente" que deixei no rosto do cretino quando o afastei de Julie. - E isso na sua cara? Também não sabe de nada?

— Eu bebi, eu não lembro! Alguém deve ter me batido. – me dava raiva o modo que o cretino se fazia de inocente.

— Da próxima vez é melhor não beber, porque se você fizer algo contra a Julie de novo. - apontei o dedo para ele. - É melhor desejar nunca ter nascido.

— Do que você tá falando? Nunca fiz nada contra ela.

— Você não lembra mesmo... Deixa eu refrescar sua memória. - tomei o canivete da sua mão e o joguei longe. Me virei pra uma estante embutida em sua parede e comecei a ver os livros. Só tem ficção aqui? Que nerd. - Você queria falar com a Julie depois do show. - continuei olhando os livros até que encontrei um de histórias em quadrinhos. - Invadiu o camarim, se irritou com ela e de alguma forma com seu jeito estabanado de ser acertou um soco nela... – folheei algumas páginas do quadrinho do super-homem. Quanto tempo não via algo assim.

— Isso é mentira. – protestou.

Joguei o livro contra seu peito. - Então me fala você, o que aconteceu lá?

— E-eu não lembro...

— Resposta errada. – me aproximei, vi o mesmo voltar a tremer, tão medroso.

— Po-r que se impo-rta ta-nto?

— Não devo explicações a você. Mas é bom que isso não se repita. – apontei o dedo em sua cara. – Não toque um dedo na Julie de novo, senão EU VOU VOLTAR! – fiquei invisível e vi o cretino olhar para os lados me procurando. Apaguei a luz e fechei a porta do seu armário que ainda estava aberta. Fui embora sem me importar com sua reação. Já tinha ficado irritado demais com aquele babaca.

...

Me vingar dele pela Julie fez com que eu me sentisse melhor, mas ainda não estava satisfeito. Sei que talvez tenha exagerado um pouco ao quebrar sua cara e agora assombrá-lo.... outra vez. Mas mesmo assim, o que minha garota já sofreu por ele... Aquele cretino não dá valor a sorte que tem: está vivo e durante muito tempo teve o amor de Juliana, coisa que custei para conquistar, e mesmo assim.... não o tinha só para mim.

Ela parecia sincera de tarde, mas eu sei que logo vai me esquecer. Julie vai perceber que o que sentiu não passou de carência, mas claro que para mim foi diferente. Eu a amava, depois da música, ela era o que mais importava pra mim. Talvez se eu provar que posso fazê-la feliz, Juliana não me esqueça e quem sabe podemos ter alguma coisa. E eu sei que posso fazer isso, os sorrisos que ela me lançava foi a maior prova que tive.

Com esses pensamentos me bate uma saudade de Julie. Antes de ir para a edícula descansar vou passar no quarto dela só pra saber se está tudo bem.

Ao chegar lá vejo minha garota encolhida na cama, me aproximo e percebo que a mesma está com frio com o vento gelado que entrava por sua janela, a qual, corro para fechar, em seguida abro seu armário tentando não fazer barulho e pego um cobertor, a cubro com cuidado para não a acordar. Ela parece ficar melhor e mais aquecida, dá um suspiro pesado e vira pro meu lado. Sorrio, ela fica tão linda com a expressão relaxada. Mas ainda prefiro Juliana acordada, me encarando com aqueles lindos olhos castanhos... Os mais lindos que já vi. Se ela soubesse o poder que tem sobre mim quando me faz ficar hipnotizado com o brilho deles. Me agacho do lado da sua cama, sentia sua respiração calma batendo no meu rosto. Fechei os olhos e sorri com a sensação, era bom me sentir tão próximo dela. Não aguentei e dei um beijo em sua bochecha com o maior cuidado que tinha para não acordá-la, durou apenas alguns segundos mas foi o suficiente para me fazer feliz. Levantei e me sentei na poltrona que ficava no canto do seu quarto, fiquei admirando minha garota dormir até que cai no sono.

...

Acordei quando senti uma claridade no meu rosto, assim que abri os olhos vi a cama de Julie vazia e o cobertor que eu tinha pego para ela de noite estava me cobrindo. Sorri, ela provavelmente colocou em mim quando acordou. Pisquei os olhos mais algumas vezes me acostumando com a iluminação, e ao prestar mais atenção no ambiente ouvi Julie cantando, a mesma deveria estar no banho pois percebi o barulho do chuveiro ligado. Procurei um relógio no seu quarto e vi que mal eram oito horas. Resolvi dormir mais um pouco, estava mesmo cansado. Minha noite foi agitada.

Não sei quanto tempo se passou, mas acordei quando senti uma pressão sobre minha pele. Assim que abri os olhos pude ver Juliana distribuindo beijos por todo meu rosto. Sorri. Ela me fazia tão bem.

— Poderia acordar assim sempre. - falei focando meus olhos nos seus.

— Bom dia dorminhoco. - falou sorrindo. Ah, como esse sorriso tem o poder de iluminar meu dia.

— Nem dormi tanto...

— São quase dez horas. - ela apontou pro relógio.

— Hum, tinha algumas coisas pra fazer. Voltei tarde.

— Posso saber o que é? - perguntou desconfiada.

— Depois te conto. - respondi me sentando e dando um beijo na sua bochecha, o que fez a mesma corar.

— Você que pegou pra mim? - apontou pra coberta.

— Sim, você parecia estar com frio. - dei de ombro enquanto Julie sorria.

— Me assustei quando acordei e te vi dormindo na minha poltrona.

— Vim te ver quando cheguei, mas como estava cansado acabei dormindo aqui mesmo. Achei que estava invisível...

— Voltou? - assenti. - Você saiu... - comentou um pouco espantada. - Não vai me contar o que foi fazer? - Não queria me lembrar da conversa com o panaca, pelo menos não agora que estava feliz e do lado da garota que amo.

— Nada demais. Não quero falar sobre isso.

Suspirou derrotada. - O que vamos fazer hoje?

— Como assim, "o que vamos"? - me surpreendi, não esperava me ver encaixado nos planos dela.

— Huh. - engasgou. - achei que quisesse passar o dia comigo e t--

— Claro que quero. - interrompi - Mas não planejei nada.

— Tudo bem, vamos pensar em algo. - falou sorrindo.

— Já tomou seu café? - mudei de assunto, diferente de mim ela ainda tinha suas necessidades. Quero conquistá-la então tenho que mostrar que me importo com ela... Eu acho.

— Não... Estava esperando você acordar. - sorriu tímida e abaixou a cabeça para eu não ver suas bochechas que agora ganhavam uma cor avermelhada. Peguei seu queixo e a fiz olhar para mim.

— Não quero que fique com fome por minha causa, vai comer alguma coisa e depois nós decidimos algo para fazer.

— E você?

— Vou à edícula, acho que Martim e Félix vão ficar preocupados se eu não aparecer por lá o dia todo. - Julie sorriu. Ela se aproximou e deu um beijo na minha bochecha, mas como eu queria fazer o mesmo virei o rosto e por esse descuido nossos lábios acabaram se encontrando. Mal foi um selinho, tampouco duradouro, mas me fez ganhar forças pra tentar conquistar Juliana. Nem que eu tenha que fazer isso todos os dias. Como eu aprendi a amá-la, ela também pode aprender a se apaixonar por mim.