Talvez esse seja meu destino, provavelmente nunca serei feliz de verdade, sempre irá ter algo no meu caminho me atrapalhando, aliás, desde que me lembro foi assim, quando comecei a ter sucesso com a banda morri, finalmente comecei a amar e recebi um fora. Sei que o mais sensato seria ir embora, sumir um pouco para pensar na morte, ou simplesmente procurar uma nova razão para "viver", se isso de alguma forma, é possível. Mas tem algo que me prende aqui. Julie. Sei que ela não precisa de mim, afinal ela agora tem o namorado babaca dela, mas eu, idiota que fui, me apeguei. Não vivo sem ela, se é que isso que estou fazendo chama-se viver. Ah, seria tão mais fácil se eu não estivesse apaixonado por seus olhos hipnotizantes ou brilho de seu sorriso que ilumina meu dia.

Mas a verdade é que mesmo não aceitando o fato dela ter me trocado pelo cretino do Nicolas, eu entendo que isso é o melhor para ela, afinal, além de vivo, Juliana sempre foi apaixonada por ele, então em todos os sentidos ele é melhor que eu. Pois é, muito provavelmente meu destino é ser infeliz, agora tenho que aprender a lidar com isso pelo resto da eternidade.

Sou interrompido de meus pensamentos quando Félix e Martim chegam na edícula.

— ... É, o Pedrinho nunca desiste mesmo. - Felix comenta rindo e balançando a cabeça em negação.

— Será que um dia alguma invenção dele dará certo?

— Não sei Martim, mas dizem que a prática leva a perfeição...

Tento colocar um sorriso no rosto, afinal, eles acreditam que eu aceitei e não estou triste com essa situação, pelo menos Martim acredita, já o Félix desconfia, mas tenho disfarçado bem perto dele.

— Daniel?

Julie sabe que fiquei triste com a situação, pois sempre me lança olhares de pena. Como se isso fosse ajudar na minha dor. A última coisa que preciso é que sintam pena de mim, principalmente ela...

— Daniel...?

Pelo menos ela evita de falar do panaca quando estou por perto, acho que não suportaria ficar ouvindo sobre o quanto ela é apaixonada por ele, ou como foi legal ir ao cinema com ele. Mas, por mais que evite falar, Julie não consegue evitar demonstrar, ela anda mais sorridente que o normal, os olhos têm um certo brilho, e eu sei que essa felicidade se resume em um único nome. Nicolas. Ah, quem dera eu pudesse causar todos esses efeitos nela.

— Daniel! - Félix grita.

— Oi?

— Tá tudo bem?

— Sim. - Me encostei mais no sofá grande da edícula - Por que não estaria? – Digo um pouco irritado.

Martim ignora minha grosseria e comenta rindo. - Tava sonhando é? Estamos te chamando há um tempo...

— Não tinha prestado atenção... Eaí, o que vocês querem?

— Vamos tocar? O pai da Julie acabou de sair, parece que só volta mais tarde.

Eu poderia estar chateado, mas se tem uma coisa que me faz esquecer os problemas é tocar. Sorri como resposta e fui em direção à minha guitarra. Me posicionei em frente o microfone, e em questão de segundos todos os meus problemas pareciam ter ido embora, novamente eu era apenas um garoto de 17 anos tentando formar sua banda. Me virei para os meninos e comentei:

— Como nos velhos tempos?

Eles sorriram e afirmaram: - Como nos velhos tempos. - Félix contou o tempo e começamos a tocar.

Enquanto cantava me sentia bem, há quanto tempo não sentia essa felicidade? Acho que com os últimos acontecimentos eu esqueci de dar valor à única coisa que não me decepciona: a música. Já ia começar a cantar o refrão quando a porta da edícula se abriu, eu parei de tocar na hora, fiquei hipnotizado com a cena. Julie estava mais linda que o normal, ela usava uma blusa roxa do The Cramps que combinava com seu coturno e uma saia razoavelmente curta. Seu cabelo estava solto levemente encaracolado nas pontas. Seus lábios aparentavam ser um pouco maiores do que realmente são por estarem pintados com um batom vermelho não muito forte. Ah, o quanto eu daria para sentir esses lábios nos meus, será que são tão macios quanto parecem? Parei de encará-la quando um sorriso tímido se formou quase que ao mesmo tempo em que ela abaixava a cabeça. Merda. Ela com certeza percebeu que eu a encarava. Desviei o olhar para minha guitarra e comecei a mexer em alguns botões para me distrair.

— Atrapalhei? – Ela diz assim que levantou a cabeça, mas era evidente que evitava me olhar.

— Não Julie, que isso! – Martim comenta sorrindo.

— Estavam ensaiando sem mim? Muito bonito viu?! – Ela coloca as mãos na cintura fingindo estar brava. Será que ela sabe que fica mais irresistível quando faz essa carinha?

Ainda não me lembrava de como falar quando os três riram juntos. Quando finalmente recuperei o dom da fala, pensei em dizer algo simpático, mas o que saiu foi o contrário disso:

— Acha que só você pode se divertir? Precisávamos fazer alguma coisa para nos distrair enquanto você saia com o panaca. – Droga, não queria ser grosso com ela.

— Calma Daniel, foi uma brincadeira. – Ela se defendeu.

— O velho Daniel está de volta. – Félix resmungou enquanto revirava os olhos.

Não ia me humilhar pedindo desculpas mesmo que minha grosseria não tinha sido proposital, então me limitei a virar de costas enquanto afinava minha guitarra.

— Vocês vão ensaiar? – Ela perguntou com a voz meio embargada. Droga, não queria magoá-la, mas não tenho culpa se ela é sensível demais.

Me virei em sua direção e encarei seus olhos que diferente de alguns minutos atrás quando estavam cheios de brilho, mostravam-se tristes: - Achei que nós todos íamos ensaiar. – falei mais calmo e dei um meio sorriso tentando ser mais simpático, queria mostrar que não estava mais tão irritado. Me senti satisfeito quando esse simples gesto que dei, foi o suficiente para Juliana abrir seu sorriso mais sincero que mostrava suas covinhas perfeitas.

...

Já estávamos no final da segunda música. Cada dia que passa sinto que Julie canta cada vez melhor. Ela está sorrindo mais que o normal nos ensaios. Por mais que eu não goste do motivo, seu sorriso é o melhor consolo que eu poderia ganhar. Toquei as últimas notas e ela se virou sorridente para mim.

— Estamos indo bem né? - Perguntou ainda sorrindo.

Ia responder seu comentário se eu não tivesse distraído demais com seu sorriso. – Acho que deveríamos marcar um show logo. – Félix diz radiante.

— Eu falei com o Klaus hoje de manhã e ele disse que a loja dele vai estar sempre aberta pra gente tocar.

— Do jeito que nós estamos tocando acho que logo vamos estar precisando de um lugar maior para tocar. Já está virando rotina lotar a loja do Klaus. – Falei lembrando do nosso último show, tantas pessoas que mal cabiam dentro da loja.

— Até parece. – Julie disse rindo.

— Que nada. Você tá cantando cada vez melhor, não duvido se logo aparecer um produtor querer te contratar de novo. – Merda, falei isso alto? Ela sorriu tímida, mas antes que pudesse dizer alguma coisa Bia entra correndo na edícula com um tablet.

— Vocês não vão acreditar... – Ela pulava de felicidade. – O clipe que vocês gravaram tá com quase 250 mil visualizações!

Abri minha boca em choque, 250 mil. Cara, isso é muita coisa! Finalmente vamos fazer o sucesso que merecemos. Beatriz nos mostrava os números na tela, e logo em seguida foi pro sofá puxando a Julie com ela. Olhei para os meninos e eles não estavam muito diferentes de mim. Fui o primeiro a ter uma reação:

— Du-duzentas m-il? – Gaguejei.

— 250 mil para ser mais exata! - me corrigiu - Vocês têm noção disso? – Bia sorria enquanto Julie e os meninos continuavam sem reação. – Olhem só os comentários. – Ela apontou pra tela e começou a mostrar para Julie que finalmente sorriu. Abriu um sorriso lindo com as covinhas mais perfeitas que eu já vi. Deixei a guitarra de lado e me aproximei delas, olhei para a tela e via vários comentários elogiando a banda. Tinha algumas críticas negativas, mas eu estava tão feliz que nem me importava com essa minoria.

— Qual o próximo passo Bia? – Félix perguntou ainda em êxtase.

— Precisamos de outro clipe, ué. Agora as pessoas já conhecem vocês, então é provável que o novo faça mais sucesso ainda. - Disse confiante.

— O-outro clipe? Como? Se o primeiro já foi arriscado fazer imagina esse, e se o Demétrius fica sabendo?

— Félix, você quer que a banda dê certo ou não? Relaxa, o Demétrius não vai fazer nada, esqueceu que agora ele é nosso protetor? – sorri cinicamente.

— E a gente vai estar fantasiado, o que pode dar errado? – Martim conclui me apoiando.

— Ótimo! – Bia pula de animação – Vou atrás de um lugar bem legal pra gente poder gravar.

— Fechado.

— Agora você – ela se vira para Julie – me conta tudo, como foi o encontro com o Nicolas? – Bufei. Tinha até esquecido daquele cretino por alguns minutos, mas é como dizem: felicidade dura pouco.

— Tô saindo – avisei atravessando qualquer parede só pra sair de lá.

“Daniel, espera” - ouvi Julie gritar, mas não estava com vontade de ouvir as fofocas das duas. Decidi sair da casa, alguns metros de distância dessa conversa sobre o babaca devem me fazer bem, ou pelo menos, devem me afetar menos. Atravessei a rua e fiquei sentado na calçada em frente à casa e voltei a pensar.

“- Nunca ia dar certo o relacionamento entre uma viva e um fantasma. A Julie nunca teria uma vida normal. – Félix comenta me olhando, enquanto o máximo que faço é encarar a parede com o olhar vazio, pois o que ele diz, não passam de verdades.

— E ela não merece isso – Martim concorda.”

Coloquei minhas mãos no meu rosto. Droga. Talvez se eu escutasse meus amigos não estivesse sofrendo agora. Sinto uma mão no meu ombro e quando olho, vejo Félix me encarando.

— Ainda não superou?

Bufei. – Claro que já, só queria tomar um ar. – Ele continuou me encarando, e eu entendi que ele já sabia a verdade. – Tá tão na cara assim?

— Só não vê quem não quer. – Suspirei. – Deixou ela sozinha chamando por você.

— Não queria ouvir ela falando do panaca.

— Bem, ela ficou preocupada com você. – Encarei o Félix e o mesmo estava com um olhar sereno, será que ele mentiria sobre isso? Provavelmente não... Ela ficou preocupada comigo? Ri com o nariz, no máximo ficou preocupada por pena.

Vi as meninas se despedindo em frente à porta, depois que Bia seguiu seu caminho Julie começou a olhar para os lados, ela estava com uma carinha preocupada. Senti que me procurava, mas estava invisível então ela não me acharia. Porém tenho quase certeza que enxergou Félix pois ela veio em nossa direção, ou melhor, na dele.

— Cadê o Daniel?

Felix olhou discretamente para mim enquanto eu negava com a cabeça. Suspirou. – Acho que foi dar uma volta, sabe como ele é.

— Não queria que ele ficasse bravo comigo. – Eu não estava bravo com ela, e sim comigo por não aceitar que eu gostando ou não, Nicolas é a melhor escolha pra ela. Suspirei triste ao lembrar disso pela centésima vez hoje.

— Não esquenta Jú. Ele está bem, deve ter saído pra tomar um ar, é muita informação sabe? Clipe novo, as visualizações, a banda tá crescendo e esse sempre foi o sonho dele.

— Espero que seja isso mesmo. – Ela dizia enquanto sentava ao lado dele, mais precisamente onde eu estava sentado. Rapidamente me afastei para ela não me tocar. – Vou ficar aqui esperando ele...

Félix me encarou feio, eu sabia o que aquele olhar significava, ele estava insistindo para eu aparecer, mas logo desistiu, sabia que eu era teimoso e se levantou. – Vou lá ver o que o Pedrinho tá aprontando. Acho que o Daniel vai demorar, nem perca seu tempo Julie.

— A gente precisa conversar... Vou esperar, depois eu entro. – Félix deu de ombros, me encarou feio novamente e entrou.

Fiquei encarando-a, estava sentado do seu lado, já fazia um tempo que não ficávamos tão perto assim, desde o dia do balanço, onde fui "presenteado" com o maior fora da minha vida. Acho que ela sentiu que alguém a encarava pois virou o rosto em minha direção, eu continuava invisível então ela não viu que nossos lábios estavam perigosamente próximos. Senti sua respiração quente chocando contra meu rosto. Fechei os olhos imaginando o sabor...

— Daniel? – Abri os olhos rapidamente com o susto. Ela me viu? Não, pouco provável... estou invisível, respirei fundo – Você está aqui?

Fiquei imóvel, não queria que ela soubesse, afinal sei o que ela queria conversar comigo, e evitaria ao máximo para não falar sobre esse assunto. Ela balançou a cabeça e murmurou algo que eu não entendi direito, o máximo que captei foi “Devo estar vendo coisas”. Poucos segundos depois ela se levantou, limpou a saia e foi pra casa.