O tempo passava lentamente por não termos muita coisa pra fazer, não prestei atenção ao relógio, a única coisa que quebrava a monotonia era Ana entrando e saindo da sala de tempos em tempos quando ia buscar alguém. Algumas pessoas estavam conversando para passar o tempo. Astro Mayer foi o quarto a ser chamado, as pessoas que iam não voltavam para a sala, ia ficando cada vez menos gente, não demorou muito para chegar na letra L, primeiro uma moça chamada Laís foi chamada e se levantou para acompanhar Ana, depois um rapaz chamado Lineu, uma moça chamada Lorena e então chegou a minha vez, Ana entrou de novo pela porta e chamou meu nome.

— Luna Reis.

— Vai lá, me espera lá fora. – Pietro me disse antes de eu sair.

Me levantei do meu lugar e comecei a andar atrás de Ana. Saímos para o corredor e seguimos até o final onde pegamos um elevador, Ana apertou o número do último andar e começamos a subir, Ana digitou algo em sua tela e começou a falar comigo sem olhar pra mim.

— Muito bem Luna, seu teste vai ser bem rápido, precisaremos fazer um teste físico, um psicológico só para saber se sua saúde está em dia. Vimos no seu cadastro que seu último exame, já foi a algum tempo, mas nada muito preocupante. Você vai responder umas perguntinhas no computador, tudo muito rápido e vamos precisar colher uma pequena amostra de sangue para fazer um mapeamento genético. Seus antecedentes criminais estão perfeitos, seu histórico familiar é muito bom também, gerações de almas gêmeas encontradas, deve ser uma alegria – ela falava com aquela felicidade fingida tentando me conquistar. – Se tivesse que salvar seu irmão ou sua alma gêmea de um navio que afundou, quem você escolheria?

— O quê? Que tipo de pergunta é essa? – perguntei em choque.

— Responda à pergunta, por favor.

— Por quê?

— Faz parte da avaliação. Qual dos dois salvaria?

— Quer que eu escolha um dos dois para morrer?

— Hipoteticamente.

— Eu que teria que salvar ou posso pedir ajuda?

— Você.

— Nesse caso nenhum dos dois, eu não sei nadar, íamos morrer todos nós.

— Hum.

— O que quer dizer com “Hum”?

Ana escreveu alguma coisa na tela, consegui ler as palavras “questionadora e inconveniente”

— Por que me acha inconveniente?

— Chegamos. Você desce aqui, entre naquela porta – disse ela, apontando para a sala correta.

Ana segurou a porta do elevador para mim, eu teria achado o lugar mesmo se ela não tivesse dito nada, na porta em letras grandes estava escrito sala de teste A.V.A.G. Era um consultório médico comum, uma mulher de jaleco estava à minha espera, ela era muito jovem e usava óculos, por trás das lentes olhos escuros, pesados ​​cílios pretos, os cabelos pretos estavam presos bem firmes em um coque alto, talvez tivesse acabado de se formar, ajeitou os óculos e indicou a cadeira para eu me sentar.

— Bom dia. – Cumprimentei por educação,

— Bom dia, Luna. Eu sou a Dra. Telma e vou conduzir seus exames hoje – ela falava com doçura e confiança, ela sabia o que estava fazendo.

A Dra. Telma fez alguns exames, mediu minha pressão, ouviu meus batimentos, mediu minha altura, meu peso, pediu pra eu acompanhar uma luz com meus olhos, nada diferente de exames comuns de rotina, depois me levou a uma sala ao lado do consultório, ela me entregou um pacote transparente, pediu para ir ao banheiro trocar de roupa e voltar, e assim eu fiz, ela colocou minhas roupas em uma gaveta e continuamos o exame, uma máquina esquisita escaneou meu corpo inteiro, depois deitei em outra máquina e fiz outro exame, estava tudo muito normal. Devo confessar que não era tão assustador como eu achei que seria, talvez os monstros da A.V.A.G. não sejam tão monstruosos quanto eu achei que eram, talvez os gigantes sejam apenas moinhos de vento no final de contas. A pior parte do exame pra mim foi tirar sangue, eu odeio agulhas com todas as minhas forças, tive que fechar os olhos e prender a respiração enquanto ela furava meu braço, mas ela era gentil e eu quase nem senti e quando terminou ela não estava me olhando esquisito como se eu fosse uma medrosa boba como eu achei que estaria, eu pensei isso por que já aconteceu. Depois disso eu me troquei de novo e conversamos um pouco, onde ela me fazia perguntas sobre a minha saúde e depois anotava coisas em uma tela igual a de Ana enquanto eu respondia. Achei um pouco estranho, pois algumas perguntas já estavam em meu cadastro e não achava possível haver mais perguntas a serem feitas.

A Dra. Telma me levou para uma última sala, essa também era diferente, não parecia que ainda estávamos em uma clínica, havia um computador e mais alguns aparelhos diferentes que nunca havia visto. Ela não falava muito, mandou eu me sentar no computador e apertar um botão, o teste estava aberto na minha tela e era só eu responder. No início estava muito tranquilo, era um teste de personalidade muito fácil, bastava responder um entre discordo e concordo com diversas alternativas, quando terminei apareceu outra tela com outro teste, dessa vez apareciam imagens e eu tinha que escolher algumas entre as opções, mais uma vez fácil, em algum momento começou a tocar uma música na sala, reconheci, era uma das minhas preferidas, comecei a cantar baixinho enquanto continuava respondendo às perguntas de diversas telas diferentes. Quando estava na quinta tela, que era um teste psicológico de questões abertas onde eu tinha que escrever e justificar minhas respostas ficou um pouco mais difícil me concentrar na música e na pergunta, mas não me preocupei, ainda não parecia algo que me eliminaria, eu estava cada vez mais confortável, estava tão concentrada e nem percebi que estava sozinha, só quando me virei para perguntar se podia fazer uma pausa para ir ao banheiro e beber um pouco de água.

— Olá? Dra. Telma? M.A.I.A.? Eu preciso fazer uma pausa, estou com sede – disse eu para o nada. Há quanto tempo eu estava naquele prédio?

Me levantei e segui até a porta, mas estava trancada.

— Volte para o seu teste imediatamente senhorita Reis. – Uma voz que eu não sabia de onde vinha me ordenou.

— Por que eu estou trancada?

— O teste acabará em breve, só então poderá sair.

— Vocês não podem me deixar trancada aqui contra a minha vontade, eu preciso ir ao banheiro e preciso de água.

— Volte para o seu teste imediatamente senhorita Reis. – Foi a resposta.

Sem outra escolha voltei ao computador e continuei o teste. Então eles podiam me ver e me ouvir, talvez isso também fizesse parte do teste. Quando a última tela terminou, eu já estava com dor de cabeça e nem sabia mais quais eram as instruções, fazia tudo tão automaticamente que em algum momento comecei a pensar que era um sonho. Me levantei e segui para a porta, estava aberta finalmente, do outro lado a Dra. Telma me esperava.

— Muito bem senhorita Reis, terminou seu teste em apenas quarenta minutos. Alguns de seus colegas levaram um pouco mais que isso e ainda não entrou em pânico em momento algum. Pode ir agora, desça direto para a recepção, não passe pela sala de espera ou será automaticamente eliminada e não poderá participar do projeto de almas gêmeas – ela me informou com sua voz doce, mas dessa vez não me senti confortável com ela.

Consegui achar o banheiro, mas não me demorei dentro dele, queria sair do prédio o mais rápido possível. Desci de elevador até o primeiro andar, a vontade de ver se meu irmão já havia sido chamado era grande, parei em frente a porta e deixei minha mão no ar perto da maçaneta, hesitei por alguns segundos, quando alguém tocou meu ombro, era Ana, ela não disse nada, apenas sinalizou um ‘não’ com a cabeça e me pareceu bem séria, baixei minha mão e continuei pelo corredor até a recepção onde procurei um lugar para esperar por Pietro.

Quando Pietro finalmente se juntou a mim estava chovendo lá fora, passara muito tempo e eu estava cansada e com fome, esperava que ele voltasse antes que a chuva ficasse mais forte, não estávamos preparados para o tempo. Ele apareceu depois de um tempo e nos encaminhamos para a chuva lá fora. Quando chegamos a porta uma sirene começou a tocar, era tão alta que levei as mãos aos ouvidos e abaixei tentando me afastar do som, meu irmão ao meu lado fez o mesmo. Eu sabia o que aquilo significava, todos nós sabíamos, alguém estava fugindo dos vigilantes. Os vigilantes não eram como os policiais comuns, eles não prendiam os bandidos comuns, eles não eram vistos por aí, na verdade ninguém se lembrava deles em dias comuns, eles também são chamados de Policiais Invisíveis ou somente Invisíveis e tem aqueles que os chamam de V.I. ou P.I. Todos os nomes eram assustadores e eu odiava todos eles. Cada pessoa que recebe o chip tem um prazo para encontrar sua alma gêmea, quando uma pessoa não encontra dentro do prazo, ela é levada e ninguém sabe o que acontece com ela, a pessoa é apagada, tudo sobre ela desaparece, conta bancaria, documentos, registros, é proibido até falar sobre ela. Os Policiais Invisíveis são responsáveis por levar essas pessoas, para onde e o que acontece depois, ninguém sabe, mas eles trabalham de forma discreta, eles vão, pegam a pessoa e pronto, ninguém ouve nada, vê nada e também não sabe de nada. Acontece que as vezes, algumas pessoas tentam fugir de seu destino, então eles ficam menos discretos e muito mais violentos, a sirene toca e as ruas são esvaziadas para que ninguém fique no caminho e é proibido tentar ajudar o excluído, quem for pego ajudando um excluído é punido podendo até ser preso ou pior, levado.

Pietro puxou minha mão e me fez levantar, começamos a correr para longe dali, as regras eram claras, quando a sirene toca, você para o que estiver fazendo e corre pra casa ou para um lugar mais próximo onde pode sair do caminho e deixa os vigilantes trabalharem. Os Invisíveis não estavam atrás de nós, não havia motivos para ter medo, só tínhamos que ser rápidos e sair da frente, entramos numa pequena rua e entramos numa lojinha que já estava fechando as portas, quase não conseguimos entrar, dentro haviam outras pessoas que também buscaram a loja como refúgio para se esconder da confusão, eram umas cinco pessoas, entre funcionários e clientes, todos estavam paralisados, preocupados esperando.

Não levou muito tempo para que as sirenes parassem de tocar, os vigilantes não passaram pela rua da loja, mas pelo silêncio que se instalou no ambiente sabíamos que eles já tinham ido embora, o único som que se ouvia era da chuva caindo do lado de fora. Eu não me lembrava da última vez que vira a ação dos Invisíveis, a presença deles no dia do meu teste me pareceu um mau sinal, quem quer que fosse a pessoa levada, eu não queria estar no lugar dela, olhei para Eto lembrando do que prometemos um ao outro, ninguém ia separar a gente, eu precisava encontrar minha alma gêmea, mesmo que não gostasse dela.

Voltamos para casa de novo de ônibus, quando chegamos minha mãe tinha feito uma sopa para nós e deixado na geladeira, era só esquentar de novo, o que deixava menos chances de eu estragar a comida, meu pai e ela já haviam saído para trabalhar, as férias dela tinham acabado. Meu irmão tomou a sopa, tomou um banho e foi para o trabalho do meu pai, fiquei sozinha. Decidi tirar um cochilo, estava cansada, então fui direto para o quarto, tirei apenas os sapatos e me joguei na cama, nem percebi a hora que dormi.

Quando acordei tomei minha sopa, fiquei com preguiça de esquentar e tomei fria mesmo, ainda assim estava uma delícia, minha mãe facilmente poderia ser dona de um restaurante, mas ela nunca quis ter um, mesmo as pessoas dizendo que ela cozinhava com a mesma qualidade de um grande chefe. Depois de comer, decidir ir à casa do Gabriel, não queria ficar sozinha e como em breve eu iria começar a ter menos tempo para sairmos juntos, pensei em passar na casa dele e passar meu dia lá, pelos velhos tempos, ainda estava com a roupa que usava de manhã, só coloquei as mesmas sandálias e fui até lá.

Biel morava algumas ruas abaixo da minha casa, ainda chovia um pouco, mas não me preocupei em pegar uma sombrinha, pois o caminho era curto. Uma M.A.I.A. atendeu ao portão e me identificou para eu poder entrar, a casa estava vazia, os pais dele haviam saído, eles trabalhavam muito e muitas vezes ele ficava sozinho. Quando ele era mais jovem a avó dele vinha de vez em quando ver se ele estava bem, ela mora na casa ao lado, quando ela não podia, era uma vizinha que vinha, mas conforme o tempo foi passando e fomos criando mais responsabilidade e tendo mais idade para não incendiar a casa, a vizinha parou de vir, mas a avó dele continuou, até o ano passado quando ela faleceu, agora ele ficava sozinho sempre. Eu conhecia a casa como se fosse a minha própria, a M.A.I.A. dele conseguia identificar pessoas e estava programada para me deixar entrar, eu era uma visita frequente.

Encontrei ele no quarto, dormindo tranquilamente, achei estranho, ele nunca dormia até tarde. Eu sei disso, pois já dormira naquele quarto muitas vezes. Eu amava a organização dele, a cama ficava no canto perto do computador, haviam placas decorativas antigas na parede e posters de filmes de terror, eu não gostava daqueles filmes, não vira a maior parte deles, mas ficavam bonitos e combinavam com tudo ali, tinha um carpete fofinho onde uma vez derrubamos vinho, quando estávamos bebendo escondido, não adiantou nada porque a mancha ficou para sempre, então ele fez uma carinha nela com tinta preta em spray, não ficou tão bom, mas pelo menos deu uma corzinha a mais no quarto, que era quase todo em tons neutros, cinza, preto e branco, não tinha muita luz, pois as janelas eram pequenas. Éramos tão amigos que conhecíamos os hábitos de sono um do outro, ninguém via problema de dormimos juntos, afinal, o que poderia acontecer? Nada, não podia acontecer nada demais. Já o vi dormir muitas vezes por causa das inúmeras visitas à casa, ele se deitara de bruços e jogara uma coberta leve da cintura pra baixo, normalmente dormia mesmo sem camisa, só de calção, o clima normalmente era quente e com muitas roupas ele não conseguia dormir. Estava tão sereno, parecia que estava tendo um sonho bom, todo largado em sono profundo, a boca um pouco aberta, o cabelo jogado no rosto. Estava tão bonitinho, seria uma pena se alguém interrompesse o sono dele, sorri comigo mesma, a oportunidade era perfeita demais para ser jogada fora. Com muito cuidado para não o acordar puxei um travesseiro bem devagar, mirei bem na cabeça dele e gritei enquanto batia o travesseiro na sua cara.

— Acorda Bela Adormecida!

— Ai! – Foi a resposta sonolenta dele.

Gabriel sentou-se devagar, o equilíbrio ainda afetado pelo sono, esfregou bem os olhos e se espreguiçou, ele se levantou e foi aos tropeços lavar o rosto. Sorte a minha que de depois que acordava normalmente ele ficava lento igual um bicho preguiça o que me dava vantagem para ele não revidar. Desci até a sala e fiquei esperando no sofá enquanto ele tomava um banho e trocava de roupa, para passar o tempo decidi ser um pouco mais boazinha e pedi a M.A.I.A. dele para pedir alguma comida para ele, talvez de estômago cheio ele esquecesse o fato de que eu o acordei com um travesseiro na cara.

Ele desceu antes da comida chegar, já estava de calça jeans desbotada e camisa, sem sapatos, não escapei da vingança, Gabriel se jogou com tudo em cima de mim e começou a fazer cócegas na minha barriga até eu quase fazer xixi, eu odiava cócegas e ele sabia disso, ele só parou quando pedi trégua. M.A.I.A. avisou que a comida havia chegado e eu fui buscar, como eu havia acabado de tomar sopa, deixei ele comendo sozinho.

— Isso está cheirando bem, parece uma delícia – comentei quando ele abriu a embalagem da comida.

— Claro que está, não foi você quem fez. – Ele brincou comigo.

— Só não jogo uma coisa em você por que fui eu quem pagou a comida – respondi de volta.

— Como foi lá? – ele perguntou com a boca cheia.

— Engula primeiro, não seja nojento. Eu não quero ver seu almoço mastigado. Aliás, por que você estava dormindo até agora? Está doente? – perguntei mudando de assunto, não precisava perguntar para saber do que ele estava falando.

— Não foi nada demais, virei a noite desvendando uma pista, só consegui quando já era oito da manhã. Minha alma gêmea, ela mora na cidade, pelo menos vai ser fácil de achar. Mas e você, como foi seu teste? – Ele não mudou de assunto, pelo menos dessa vez ele engoliu a comida antes de perguntar.

— Foi até que bem tranquilo, o teste em si não me assustou. O que me deu medo foi a sirene, você ouviu?

— Como não ouvir aquilo? Alguém tentando fugir dos vigilantes?

— E o que mais seria? Aquela coisa não toca por outro motivo.

Nós passamos o dia juntos, voltei para casa só na hora do jantar. Em casa meus pais também me perguntaram sobre o teste, mais uma vez respondi sem dar muitos detalhes, não havia muito para falar.

A semana passou bem tranquila, eu finalmente comecei a trabalhar, M.A.I.A. me despertava todos os dias bem cedo. No primeiro dia eu usei uma roupa minha normal, mas logo providenciaram um uniforme para eu usar no trabalho, era horroroso, mas regras são regras. Os donos da loja eram um casal muito fofo, ambos foram me receber no primeiro dia para me treinar. Era uma loja de artigos de festas e guloseimas e decorações, tudo que se precisasse para festas e feriados podia-se encontrar ali, tudo ecológico e reciclável, lógico, pois apesar de uma era tecnológica, também era uma era ecológica, eu ia trabalhar como vendedora, nós tínhamos de tudo um pouco. A mulher se chamava Ester, era baixinha, gordinha, de aparência gentil, seus cabelos cor de caramelo começando a aparentar os primeiros fios brancos, seu rosto tinha formato de coração, seus olhos eram doces e tinham uma cor intensa, o marido dela era o senhor Paulo Ricardo, mas disse que podia chama-lo de Rick, era um senhor igualmente fofo e igualmente baixinho, mas bem magrinho, usava óculos redondos e tinha um nariz comprido e fino, apelidei eles na minha cabeça de “casal 10”, era totalmente infantil da minha parte, mas não pude evitar, não que eu fosse chama-los assim em voz alta. Na loja também haviam outros três funcionários, Leonardo que era o segurança da loja, por ele ser o segurança tinha que ser forte, e era, muito forte e também largo, seus ossos pareciam maiores que o normal, era completamente careca, mas ostentava uma comprida e volumosa barba ruiva e um baita bigodão cheio, o que lhe dava um ar entre papai Noel vermelho e brutamontes intimidador, mas na verdade a parte intimidadora era uma enorme bobagem da cabeça das pessoas, fazia uma semana que trabalhava na loja e não teve um dia que Leo não tenha sido gentil comigo, até seus olhos mostravam a bondade dele através daquela profundidade acinzentada e serena. As outras duas funcionárias eram vendedoras como eu, Edna era uma mulher mais velha, talvez entre os trinta e cinco e quarenta anos, um rosto de pele morena, um nariz bem pronunciado quase pontudo, olhos grandes, pretos usava o cabelo muito curto, de acordo com ela mesma, para ter menos trabalho de manhã, quase nunca conversava com ninguém, a outra era a Larissa, era mais jovem, não tão alta quanto eu, nem tão baixinha quanto Edna, grandes olhos castanhos claros, em seu pequeno rosto em forma de coração, uma aparência um pouco felina, principalmente por conta da maquiagem, seu cabelo era da cor de um morango e enrolado suavemente, seu pescoço era longo e seus braços finos, com veias azuis bem marcadas em sua pele translúcida, o que lhe dava um aspecto frágil e sobrenatural.

Na sexta feira, cheguei mais cedo em casa, pois a loja fechava as quatro da tarde, tomei um banho pra relaxar e depois fui procurar algo para comer, tinha alguns ingredientes para um sanduiche, enquanto mastigava as primeiras mordidas verifiquei se tinha algum e-mail ou mensagem pra mim. Havia um e-mail da A.V.A.G. daquela manhã, eu não havia visto antes por ter saído cedo para a loja, era pra eu comparecer na clínica ainda naquele dia, fui aprovada para a busca e meu chip estava pronto. Olhei as horas, tinha que correr, estava no limite do horário que estava no e-mail, enviei uma mensagem para Pietro, se fizemos o teste juntos o e-mail dele deveria ter chegado também e não havia como desaprovarem ele, se eu passei, meu irmão também passou.

Cheguei na clínica quase sem ar, o ônibus ia demorar muito, então decidi ir correndo mesmo, passei pela porta e informei meu nome para o robô assistente que me mandou para a sala do último andar, a Dra. Telma iria me atender de novo. Quase passei direto pela sala, ela estava me esperando, me deu um copo de água e pediu para eu me acalmar, continuava com aquele seu jeito gentil que usou no dia do teste. Fomos até a sala onde faria a cirurgia, ela me explicou no caminho como funcionava o chip, mas não entendi muita coisa, o que deu pra entender é que a cirurgia era rápida e não precisava de muito tempo de recuperação, ela ia fazer um pequeno corte que não deixaria marcas ao cicatrizar. Deitei na maca e fiquei olhando para o teto, não queria ver ela anestesiando meu braço e sem querer eu vira a agulha que ela iria usar e isso não ajudou em nada. Comecei a pensar em coisas aleatórias para o tempo passar e logo senti meu braço ficando dormente no lugar onde ela aplicara a anestesia, a Dra. Telma começou a trabalhar no meu braço direito, que é meu braço dominante e eu comecei a tamborilar com o outro braço na cadeira, não demorou muito, antes do que eu esperava ela colocou um curativo na minha pele e me liberou, disse que poderia tirar o curativo no dia seguinte e já ativa-lo, as chances de ter algo errado eram mínimas, mas se tivesse algo errado era pra eu voltar assim que percebesse. Agradeci e saí, me destino estava selado para sempre, sem volta, eu estava com medo, mas também aliviada por não ter sido excluída.

No caminho pra casa Pietro me respondeu, ele havia colocado o chip dele no intervalo para o almoço, fiquei feliz por ele, eu sabia que iria conseguir. Era definitivo, estávamos os dois na nossa jornada, a busca pela nossa “pessoa perfeita” começara.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.