( When the party is over – Billie Eilish; Dynasty – MIIA, This Year’s Love – David Gray)

— E agora você sabe tudo. – Kovu soltou.

Ela o encarava, os dois estavam perdidos e com medo. Ambos prendiam a respiração, Kiara foi a primeira a soltá-la e caiu no chão, estava tonta. Kovu pela primeira vez em sua vida aparentou ansiedade, aguardando a reação de Kiara. Ele esperava nojo, raiva, até a própria morte, mas apenas encontrou decepção.

— Kiara, eu não o matei, eu-

— Mas iria matar, não é? – ela sussurrou sem forças. – O que teria acontecido se minha mãe não tivesse entrado no quarto, Kovu? Você teria o empurrado? – sua boca estava seca, havia um nó tão grande que pensava que jamais conseguiria engolir qualquer coisa outra vez. Eles não ousavam piscar. – Teria, Kovu?

— O que importa, Kiara? – ele retrucou. – Eu não o empurrei no final das contas, o destino levou Simba, você não vê? Se sei pai estivesse vivo, os exila-

— Não tente me manipular a ver as coisas do seu modo, Kovu! – a rainha se descontrolou, o olhar raivoso. Agora ela podia perceber o mestre de fantoches e como ele trabalhava com suas cordas invisíveis. Porém, bastava. Basta! Ela não era mais nenhuma criança. – Responda: empurraria ou não?

— E-eu... Não... – o exilado passou a mão pelo cabelo, nervoso e depois segurou na grade. – Não sei, Kiara. Não posso ter certeza. Não sei o que eu teria feito na hora, não sei o que eu faria no impulso. Talvez sim, talvez não. Assim como eu o salvei na batalha contra Uchtah em um reflexo, por amor a você, eu poderia tê-lo empurrado para salvar minha vida. – deu uma pausa para que ela absorvesse as palavras. – Porém, não pode julgar um homem por seus desejos e pensamentos. Se vou falar-lhe como minha rainha, suplico que sejais justa ao julgar-me pelo que fiz, e não por minhas intenções.

Kiara virou-se e andou em círculos pelo espaço por alguns segundos, pensando, em seguida, achou a chave da cela pendurada na parede atrás de si, e com os dedos trêmulos abriu a cela. Ela entrou cautelosa, nunca deixando o olhar de Kovu. Se aproximou o suficiente e o exilado fez menção em lhe tocar, mas ela foi mais rápida. Desferiu um tapa em seu rosto. Sabia que ele poderia ter se esquivado, mas não o fez, aceitou o castigo.

— Não me fale em justiça, Kovu! – seu dedo estava em riste e as lágrimas de fúria e dor embaçavam sua visão. – Não quando tudo o que fez até hoje foi me manipular, mentir, ser sorrateiro, sórdido, frio e calculista! Mas, está bem, julgá-lo-ei, então, pelo o que fez. Entrou no aposento real sem permissão... – ela dava um passo à frente, a face vermelha. Kovu recuava sem perceber. – O senhor nega isso?

— Não, ma-

— O senhor sabe que apenas este crime, por si, seria punível com a morte? – ele não respondeu. – Abriu a janela, sabendo que o rei estava bêbado e poderia muito bem cair, como o fez?

— Sim. – Kovu deixou que ela fosse sua rainha e lhe falou firme, obedecendo.

— O senhor nega que contribuiu para a morte do rei anterior? Simba, O MEU PAI? – pontuou as palavras. Kovu suspirou, engolindo a vontade de argumentar.

— Não nego.

— E o que eu devo fazer com o senhor? – perguntou depois de mais uma longa pausa.

— Na condição de guarda-real da antiga princesa, eu a aconselharia executar o homem que descreveu há pouco. Ele é vil, covarde, manipulador e perigoso para vosso reinado. – Kiara enrugou o semblante, confusa. – Sendo este homem, eu... hei de aceitar qualquer punição, porque a mereço. Mas, correndo o risco de beirar o patético e tinhoso, eu suplico o seu perdão. Mesmo não sendo digno, eu o imploro, porque se tiver de morrer, talvez ele possa livrar minha alma. Permita que eu encontre um pouco de paz em meu fim.

— Não sou Cristo para livrá-lo de pecados. – ela argumentou, virando o rosto para enxugar as lágrimas.

— Não acredito que o Evangelho possa me salvar agora. Mas como o bom diabo que sou, conheço as escrituras e vou arriscar proferir um dos poucos trechos em que acredito. Que só passei a entender quando vossa Majestade me fez crer no conteúdo abordado. – Kovu tocou o queixo da princesa e virou a face dela para que encontrasse seu olhar, dessa vez, Kiara não se esquivou. – “O amor é paciente e é bondoso. Ele não inveja, nem se vangloria, ele não se orgulha. O amor não maltrata, ele não procura por interesses, não se ira com facilidade e nem guarda rancor. O amor nunca se alegra com uma injustiça, ele se alegra apenas com a verdade. O amor tudo sofre, ele tudo crê, o amor tudo espera e tudo suporta.” (1 Coríntios 13:4-7).

— E onde estava o seu amor? Por acaso não procurou seus próprios interesses? Não agiu por orgulho e cometeu injustiça? – ela derramou mais lágrimas, a alma nua diante dele, assim como a dele estava agora. – Onde estava seu amor quando entrou naquele quarto, decidido a tirar a vida de meu pai? Do que me pedes perdão, afinal? Você se arrepende?

— Não posso mais mentir, agora que estabelecemos que o amor não é compatível com a inverdade. Eu me arrependo de magoar-te, de vê-la quebrada. Cada lágrima que derrama é como uma adaga, porque não posso ferir seu coração, sem atingir o meu próprio. Nós somos um, eu te fiz minha. – colocou a mão da princesa em seu próprio peito, assim como colocou a sua acima do seio esquerdo. – E agora compartilhamos dos mesmos sentimentos. Suas lágrimas são minhas, sua dor é minha dor... Mas não posso dizer que não queria Simba morto. Não posso afirmar que Reichstein estaria melhor se ele ainda governasse, e não você.

Ele era tão encantador... Era tão fácil se deixar levar pelas palavras macias. Kovu era como um doce veneno, que a matava lentamente e no fim, a fazia se arrepender de não ter provado mais. De não ter se envenenado mais, não ter degustado mais, não ter morrido mais lentamente.

— Diante disso... Sabe que eu não posso perdoá-lo. – foi como um tapa para os dois. – Meu coração, este que diz ser compartilhado contigo, clama que eu o perdoe. Ele quer que eu o abrace nesse instante, que me deixe tomar por seus beijos cálidos e que afundemos tudo no mar do esquecimento. No entanto, minha razão diz que devo... – não conseguiu terminar a frase, ela morreu junto com sua voz. Kovu segurou suas mãos, deixando leves carícias com o polegar.

Céus, ela sentia tanto sua falta. Seu cheiro, seu calor, seus braços, seu sorriso, seus comentários zombeteiros... Tudo nela gritava para ignorar seu racional e mergulhar ainda mais naquela paixão tórrida. Renegar seu nome, seu título, suas obrigações e sua sanguinidade. E agora tudo acabaria, com o piscar de olhos, aquele era o fim. Sentia em cada fibra de seus ossos. Tudo o que viveram e sentiam pendia por um fio e ela estava prestes a cortá-lo. Precisava, mas não queria.

— Eu o amo como não amei nem mesmo a vida, Kovu, porque antes de ti, apenas existia. – soluçou. – Você me fez acordar, me fez perceber que eu podia fazer coisas. E talvez tenha sido destino, tudo o que me trouxe até aqui. Para o trono, para tomar as decisões que tomei e para unir nossos povos, como você mesmo diz. E tudo o que eu queria era você ao meu lado.

— Mas você não pode.

— Não posso. – engasgou, derrotada. – Eu queria ter dentro de mim forças para te perdoar, Kovu. E eu realmente poderia ter perdoado tudo o que me fez, mas... O meu p-... – engoliu a nova onda de choro. – Eu te amo, mas não posso mais confiar em você. – Facas, espinhos e mil agulhas os perfurariam e seria menos doloroso do que aquilo. – E não estou disposta a deixar que recupere esta confiança.

E ele sabia que não podia fazer nada, não era digno de pedir outra chance. Poderia implorar seu perdão, mas não contestaria nenhuma decisão que ela tomasse sobre seu destino. Se ela tirasse uma espada das vestes e o perfurasse naquele instante, ele não a impediria. Sabia que merecia o que quer que viesse. Estava nas mãos dela. E Kovu odiou isso, pois nunca em sua vida se sentiu tão impotente. Zira sempre o ensinara a nunca desistir, a ir atrás do que queria, argumentar com seu melhor latim, se necessário. Porém, a decisão de Kiara não estava a preço de barganha.

Ela era a pessoa mais importante de sua vida, a única que valia à pena e não podia lutar por ela. Porque se ele ficasse com ela, a faria infeliz. Olhar para ele era olhar para o algoz de seu pai, o primeiro homem que amou. Seu amor estava embutido de ódio e de mágoa. Não era como a antipatia que sentiam com as provocações mútuas, essas apenas se fantasiavam de ódio. O que se passava entre os dois era uma história muito mais complexa do que implicâncias infantis

— Entendo. – ele suprimiu a vontade de argumentar mais uma vez e lutou contra a dor. – E o que fará comigo, por fim? Vai ordenar minha execução? Me deixará apodrecer aqui?

— Como poderia matá-lo? – sorriu amargurada, mirando as esmeraldas brilhantes. – Se morrer, eu morro também. Tampouco posso deixá-lo aqui, tão perto. Seria tentador demais.

— Então devo partir? É isso que não consegue me ordenar? Para que eu me vá e nunca mais volte?

Ela escondeu a face com as mãos e chorou livremente, apoiando a cabeça no peito do amado. Ele lhe afagou os cabelos, compartilhando sua dor, como prometeu que iria. A cabeça de Kovu zunia e estava a ponto de explodir. Fez tudo o que fez para ter Kiara e no fim a perdeu, e ainda dilacerou mais seu coração. Era desgraçadamente frustrante. O carma era como uma prostituta de luxo, um prazer curto, seguido de um preço caro demais.

Afinal, ele deveria tomar conta dela, colocá-la sempre em primeiro lugar. Agora Kiara não o tinha, nem ao pai. Não que ela precisasse de alguém, mas, no fim, Kiara cuidaria de um reino inteiro, sem ninguém para cuidar dela. Seria a última vez que a ampararia, o último abraço e as últimas palavras de conforto. Eles passaram tão perto de ter tudo...

O último beijo... Kovu tomou-a. Com fúria, com paixão e dor. Seus corpos tremiam, ardiam em chamas e as bocas se devoravam com fome, necessitando uma da outra, querendo memorizar cada traço e gosto. As mãos passeavam pelo corpo um do outro buscando mapear, marcar a ferro a existência na vida do objeto de amor. Desejo e melancolia, esse era o sabor do último beijo.

E assim ficaram com as testas coladas por segundos que se passariam por uma eternidade, mas por um segundo não conseguiriam segurar uma eternidade. Aos poucos, Kovu se afastou e retornou ao semblante impassível que sempre a desconcertava. Agora havia um fogo frio contido nas órbitas esmeraldas. Uma promessa que não sabia se poderia cumprir, mas tentaria manter com todo fôlego de seu ser. Ele a amava, ela o amava e ainda que não pudesse proclamar para os quatro ventos em bom som, ele voltaria. Um dia, quando sua mágoa e ódio fossem aplacados. Um dia voltaria para tomar a parte do coração que lhe pertencia. E se Kiara não o quisesse, ele a faria querer. Por Deus, ele a faria querer.

O antigo príncipe do exílio viu que a nova rainha compreendia seu olhar, mas que ela não acreditava nem um pouco em sua jura profética silenciosa. Finalmente eles haviam invertido os papéis, Kovu se tornou um tolo de ilusões e Kiara aprendeu a serenidade digna da realeza.

Assim, sem dizer uma palavra, ele vestiu sua capa e partiu para fora daquela cela e para longe de sua vida, pelo menos por enquanto, era o que ele falava para si mesmo. Se Kiara não tinha fé, ele teria pelos dois. Voltaria para seu pedaço de terra dado por Simba, recuperaria suas forças e deixaria um pouco de tempo agir sob suas feridas antes de retornar.

Kiara ouviu quando a portinhola bateu e Kovu desapareceu para sempre de sua vida, deixando um eco em sua alma. Ela nunca o perdoaria pelo que fez, sabia em seu coração que levasse o tempo que fosse, não poderia confiar nele. Mas o amava, pelos céus, como o amava e esse amor colocava em questionamento tudo o que pensava.

De qualquer modo, não importava se Kovu e ela acabariam juntos no fim das contas, pois, compreendeu naquele instante o que os poetas diziam. Almas gêmeas foram destinadas a se encontrar, não a permanecerem juntas.

Ela e Kovu cumpriram bem seu destino juntos e, por fim, concretizaram a profecia de Rafiki. Da segunda semente de Scar, que era Kovu, realmente nasceria o futuro e legítimo rei de Reichstein. O pequeno Koda crescia em seu ventre com o sangue de Scar e Simba nas veias, trazendo promessa de paz e prosperidade. E assim, a sede de poder dos reis do passado poderia ser saciada por meio de sua descendência, e eles parariam de assombrá-los.

Koda também era a resposta para a enorme e devastadora saudade que Kiara já sentia do homem que amava até seu último suspiro. Seu filho... A marca que deixaria no mundo. Ela o educaria para ser o homem mais gentil, sensato, inteligente e honesto a pisar na terra. Deixaria uma Reichstein justa e promissora para o futuro, e isso era tudo o que sempre quis.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.