A princesa proibida

Quem é vivo sempre aparece


Já fazia 1 mês desde a pequena discussão de Kiara com Kovu no pátio. Ela não o via mais nas rondas dos guardas pelo castelo, nem no treinamento; era como se o exilado tivesse desaparecido por completo. Não o estava procurando, pois prometera à mãe que se afastaria, mas era inevitável aos seus olhos não vasculhar as esmeraldas dele pelos corredores. O castelo era grande, contudo, era quase impossível que em 4 semanas eles não se cruzassem em algum canto.

Passou pela porta do quarto do moreno várias vezes e esta encontrava-se sempre fechada. A princesa se perguntava se ele teria desistido e voltado para sua terra, mas o exilado parecia deveras determinado para retroceder dos privilégios de Reichstein em tão pouco tempo.

Kiara se encontrava sentada no parapeito da janela de seu quarto observando o pátio. Pessoas se movimentavam carregando mercadorias e cavalos, soldados treinavam e algumas nobres os observavam aos cochichos umas com as outras numa clara intenção de flete.

A castanha bufou, nada parecia interessante ou importante suficiente, estava morta de tédio. A verdade é que vivera até seus 18 anos com um sonho e agora ele se cumprira, talvez não da maneira que queria, mas o juramento de seu pai com ela estava quitado. Não sabia quando ou se Simba a deixaria sair de novo, por isso, toda a rotina do castelo parecia sem graça aos seus olhos.

Já sabia o que esperar de sua vida dali para frente. Teria que se casar em breve, formar uma aliança proveitosa para o reino e se tornar propriedade do marido. Poderia dar adeus à liberdade tão sonhada. Será que poderia amar? Reis e rainhas teriam esse privilégio? Seus pais tinham, mas seu pai se apaixonou pela mãe antes do casamento. Já Kiara tinha opções limitadas, ainda que dissessem que poderia escolher. Eram opções impostas a ela. Será que queria escolher? Há tanto na vida para se descobrir e conhecer antes de se prender a alguém. E ela não conhecia nem a metade, não havia vivida nada de interessante até ali. Um sapo tinha uma vida mais empolgante que a sua. E o algoz de suas aventuras estava desaparecido e impossibilitado a ela para uma amizade.

— Alteza? – ouviu 3 batidas na porta, a tirando de seus devaneios.

- Entre. – respondeu sem emoção.

— Alteza, vosso pai deseja lhe ter a palavra na sala de reuniões. – informou Razel com um cumprimento exagerado. Cansou-se de pedir à criada para parar com tantas formalidades desnecessários. Estava se conformando que era uma princesa e seria tratada assim.

— Obrigada, Razel. Já vou.

Seguiu rumo a oeste do castelo e encontrou a sala de reuniões fechada. Ouviu vozes abafadas e exaltadas ali dentro de seu pai e os conselheiros. Era sempre assim, seu pai era muito amoroso e gentil, mas um rei de pulso firme nas decisões políticas, bastante teimoso.

— Deixem-me só. Agradeço, mas tomarei um tempo para decidir. – ordenou Simba e assim as portas se abriram. Timão e Pumba foram os primeiros a sair. Kiara já os perdoara há tempos, mas ainda guardava certo ressentimento dos acontecimentos de seu aniversário.

— Princesa. – eles a cumprimentaram com carinho, mas não pararam para conversar. Pareciam estar cansados e abatidos do assunto discutido na sala.

Kiara adentrou o local. O pai apertava os olhos com o indicador e o dedão debruçado em cima de uma carta, os cabelos ruivos estavam jogados para todos os lados. Quando Simba ficava irritado, tinha o costume de bagunçar a cabeleira, por mais que não seja uma atitude bonita de um rei.

— Pai? – chamou-o. O rei levantou os olhos e fitou os igualmente castanhos da filha. – Está tudo bem?

— Não muito. Seu primo de segundo grau, Kion, mandou uma carta informando que nossas reservas de grãos de trigo foram saqueadas ontem à noite. Ele e a guarda fizeram o possível, mas metade foi destruída. Esperamos 3 meses pela colheita, todos estavam tão felizes pelo grande estoque que fizemos... Os conselheiros querem que eu aumente os impostos, mas o povo vai sofrer muito se fizermos isso. Nunca tivemos rebeliões, o povo sempre foi muito satisfeito com meu reinado, mas aumentar impostos? É uma reação incerta, não temos terras tão férteis assim, mesmo no verão. Alguns passarão fome. – enterrou a cabeça nas mãos novamente, bagunçando os cabelos. Então uma ideia veio à mente de Kiara.

— O senhor me chamou aqui para falar de meu baile, estou certa? – o rei acenou, ainda cabisbaixo. – Bom, se é mesmo necessário, aumente os impostos. Mas façamos primeiro o meu baile e convidamos a todos. Abrimos os portões para todos o reino e assim, eles vão se sentir amados e lisonjeados pela família real. E depois, quando aumentarmos os impostos, a reação será amenizada.

— Não, Kiara! Você viu o que aconteceu quando te deixei entrar em contato com o mundo? Se abrirmos as portas, será perigoso, sempre pode haver um inimigo infiltrado. – cortou a filha.

— Então redobramos a segurança. Colocamos todos os guardas a serviço. O senhor não pode negar que é uma boa ideia. O povo já me viu de qualquer forma, meu rosto não é mais apenas conhecido pelos nobres.

— Kiara, você não me ouviu dizer que teremos que economizar? Um baile aberto custaria muito. Alimentar todo o povo, tudo custa muito. – a princesa colocou a mão no queixo e pensou.

— Bom, podemos alimentar o povo com cerveja e vinho barato, pães e frutas. O banquete mesmo fica destinado apenas para a nobreza. Isso irá cortar gastos, certo? Mas serão igualmente entretidos com as músicas e o teatro. – cruzou os dedos com ansiedade. Se o pai aprovasse, estaria matando vários coelhos com uma cajadada só, inclusive seu tédio. – Por favor... – sussurrou baixinho.

— Tudo bem... Pode não ser uma má ideia, afinal. Mas não quero você sozinha, estará sempre escoltada por onde andar. Entendido?

— Sim, papai. Obrigada. – e deu um beijo estalado na bochecha do rei.

— Contudo, não é apenas este assunto que quero lhe tratar. Precisamos falar sobre os pretendentes que virão ao baile. Creio que alguns já conheceu em ocasiões anteriores. No entanto, quero que decore o nome e informações sobre os 22 príncipes que virão. – o pai continuava a falar, mas Kiara já não prestava muita atenção. A ideia de um baile aberto era demasiadamente empolgante. Poderia finalmente conversar e conhecer seu povo.

***

Kovu ficou um mês sem aparecer aos treinos. Passou 2 dias sem conseguir se deslocar, sobreviveu com uma jarra de água que havia no quarto. Contudo, nem mesmo o líquido parava em seu estômago por muito tempo. Pensou que talvez fosse morrer, não havia quem limpasse suas feridas, poderiam estar infeccionadas. A única coisa que o alimentara e o fortalecera para sair de sua posição fetal fora o ódio que sentia de Simba e sua família. Ele tomaria seu reino, não pela força. Ele era um. Mas o tomaria pela estratégia e a peça vital que conquistaria para dar o xeque-mate no rei era a princesa.

Ele roubaria seu coração e faria com que confiasse nele acima de tudo. Simba era esperto, tinha de reconhecer, ele não daria o braço a torcer tão cedo. Kiara, todavia, era ingênua e desesperada por aventuras e Kovu providenciaria isso a ela, daria a ela a maior aventura de todas, uma paixão arrebatadora. Contudo, sabia que o rei ficaria ainda mais de olho nele depois daquela recepção calorosa em seus aposentos e faria de tudo para evitar o contato dos dois. Ele precisava de um plano para se reaproximar da princesa.

Com a força de seu ódio, conseguiu se reerguer e foi até o médico do castelo de manhã bem cedo, no terceiro dia, e teve que ficar lá a semana toda. Tirou também licença dos treinos pelo restante do mês, visto que alguns ossos foram deslocados, 2 costelas quebradas, vários cortes abertos e o resto estava muito dolorido, o incapacitando de fazer movimentos complexos. Então, passou aquelas semanas em seu quarto, pegou alguns livros da biblioteca escondido, os leu e desenhou um pouco também.

Após sentir-se mais revigorado, apresentou-se de manhã cedo ao comandante Atom junto aos novatos. No entanto, fora dispensado daquele treinamento, uma vez que não precisava e era claramente melhor do que todos os soldados. Seu treino passou a ser com os que já estavam prontos para combate. Em seguida, Atom o colocou nas escalas das rondas do castelo.

Kovu percebeu que naquele dia o castelo estava mais agitado que o normal. As servas carregavam vasos de flores, lençóis e travesseiros para a ala sul, onde se alojavam os convidados, onde ele estava provisoriamente instalado.

— Se prepare para trabalhar pesado. O castelo vai ficar cheio e vão precisar mais de nós. – Demetrius comentou enquanto faziam a vigília nas torres da muralha do castelo.

O jovem loiro foi o primeiro com quem duelou no dia de treinamento, ele fora no seu quarto também junto ao rei, mas não o espancou. Talvez por remorso de não ter prestado socorro, Demetrius estava sendo gentil com Kovu, era o único que o dirigia a palavra sem nojo e o chamava pelo nome. Não que precisasse de alguém, mas sentiu-se grato de ter uma pessoa com quem conversar.

Ficou pensando no que a princesinha tola disse e havia certa verdade. “Enquanto agir como um exilado, será tratado como um.” Suas palavras ácidas ecoavam em sua cabeça. Se queria conquistar o povo que governaria depois, precisava parar de agir como o inimigo. Por isso, resolveu tratar Demetrius com gentileza também. Afinal, ele vinha de família nobre e seria bom tentar uma amizade com alguém importante.

— Que tipo de gente está vindo? – perguntou curioso. Estava por fora das novidades do reino por conta do repouso.

— Bom, na maioria são príncipes. – Demetrius o deixou ainda mais instigado. – Você sabe, a princesa precisa se casar. O rei fará um baile e convidou vários príncipes solteiros que poderão fazer uma boa aliança com Reichstein. Eles ficarão um tempo aqui para que a princesa os conheça melhor.

— Interessante. – disse vago. Isso complicaria ainda mais sua situação agora. Precisava agir mais rápido.

— Teremos o baile em 4 dias e será aberto para todo o reino. Por isso, o rei quer que estejamos todos a postos.

— Certo. – silenciaram depois disso, cada um imerso em seus pensamentos. O sol já estava se pondo no horizonte, deixando o céu num alaranjado relaxante. Kovu descobriu gostar muito dessa cor.

— Abaixem a ponte!! -gritou Demétrius, o despertando ao seu lado. Os soldados na parte debaixo giraram uma engrenagem, que fez a ponte levadiça descer.

Apurou os olhos e viu muitas carruagens e várias bandeiras de diversos reinos e famílias, seguradas por cavaleiros. Viu os novos convidados sendo checados pelos soldados por medidas de segurança até que todos estivessem na parte de dentro.

O rei Simba se aproximou com um grande sorriso para saudar as visitas. A princesa também veio, estava muito bela em um vestido creme e os cabelos num penteado preso.

Os olhos da princesa perambularam pelas torres do castelo e acabaram encontrando os do exilado. Sentiu um alívio estranho por ele estar bem. Uma bandeira erguida com um corvo estampado quebrou o contato visual dos dois. Espera... este desenho era familiar a Kovu. Atentou, então, para a carruagem ao lado da bandeira que continha o brasão daquela família e seu coração falhou uma batida. Avistou, saindo do transporte, uma moça jovem de pele muito branca, cabelos e olhos muito negros e boca muito vermelha. Mérope.