(The sound of silence – cover de Monica Bejenaru)

“ – Cuidado com as pausas, lembre-se sempre, os silêncios falam e se não forem respeitados, a melodia estará arruinada.” Kiara se lembrava bem de quando o pai a ouvia tocando harpa na sala de músicas e a corrigia, pois sempre estava fora do tempo. “Os silêncios falam...” Ela nunca entendera tanto essa frase como agora. O silêncio era insuportavelmente ruidoso e qualquer simples som externo parecia descabido. Ela podia ouvir o som do próprio coração palpitando em seus ouvidos, o barulho do relógio e aquilo lhe provocava sensações pavorosas, como se a qualquer momento a Terra fosse se abrir e engoli-la. Mas o que realmente a incomodava era que não existia verbalização para exprimir o inexplicável e ela sempre foi uma pessoa de palavras, de não reprimir aquilo que sentia; porém, nada parecia razoável ou significável o suficiente para ser externalizado. Ela era consumida pelo próprio silêncio, este a sufocava. Ao mesmo tempo, havia um zumbido em seu ouvido, provocando-a, instigando-lhe a revidar, a enlouquecer. Ela era uma princesa, pelos céus! E ainda assim, não era poderosa o suficiente para banir aquela convidada desagradável que todos sabem que um dia vem para o jantar, aquela que ceifa a alegria e deixa pausas infinitas no curso de uma vida. A morte.

Durante o enterro do pai, Nala só sabia chorar, fazendo uma cena adequada a uma rainha enlutada. Kiara, entretanto, não conseguiu chorar, sua face era tão impassível quando o mármore que cobria o corpo velado do pai. Precisava ser forte, precisava mostrar liderança ao povo, um dia ela se permitiria sentar e chorar, quando as coisas estivessem encaminhadas. No entanto, a energia desprendida para conter a avalanche de sentimentos era dispendiosa demais, seu corpo estava sempre inquieto, as mãos suavam e ela não conseguia dormir há 3 dias. Para preencher o tempo, ela se preocupava com sua coroação e as primeiras medidas que tomaria enquanto rainha de Reichstein. Não com o fato do pai ter assinado um documento – sem seu conhecimento – revogando a lei do casamento, apenas para que a filha pudesse ascender ao trono sem casar com um príncipe qualquer que não amava. Kiara descobriu que Simba havia promovido um casamento de lady Tiffo com o príncipe Laert de Tasilá, mantendo a aliança entre os reinos.

O casamento foi uma forma de manter Tiffo na nobreza, agora que as antigas terras de Thompson foram apreendias, e a pobre garota não tinha envolvimento algum com as tramas do pai. Portanto, Simba a acolheu como uma filha de Reichstein e a casou com um príncipe, matando vários coelhos com uma cajadada. Aquilo apenas fez Kiara sentir mais pesar, pois na última noite de vida de seu pai, seus últimos pensamentos sobre ele foram horríveis. Ela o culpava pelo que fizera com Kovu, por mentir sob jura e por não querer sua felicidade. Quando, na verdade, o pai estava providenciando que ela se tornasse rainha solo, reconhecendo assim, que ela não precisava de um rei para governar. Ele sentia orgulho dela e confiava que seria uma boa governante para Reichstein. Foi tudo o que a princesa sempre sonhou que o pai lhe dissesse, que ela era capaz e não aquela garotinha frágil e incapaz de sair das muralhas do castelo.

Simba tivera uma morte tão estúpida, tão indigna de um rei! Nala disse que quando entrou no quarto ele estava tombando de bêbado com uma expressão pavorosa no rosto, como alguém que viu a morte chegando e, de repente, caiu pela janela aberta. A princesa sacudia a cabeça, tentando espantar a ideia de que o pai fora amaldiçoado por ter jurado pela honra em falso. Porque, então, seria sua culpa... Ela lembrou de ter ficado com tanta raiva quando Kovu contou o que se passou, que desejou profundamente que Simba pagasse pelo que fez.

A coroação seria em 2 dias e ela não tinha condições de dar vazão às suas emoções, pois tinha certeza de que se o fizesse, jamais conseguiria parar de chorar. Precisava pensar como uma rainha, tinha de ser firme e impenetrável como as paredes que sustentavam o reino. Ela só queria ter a facilidade de Kovu para fazer aquilo, ele possuía a serenidade do luar. Kovu... Seu coração falhava e as mãos tremiam em ansiedade ao pensar onde ele estaria. Tudo o que mais ansiava era encontrá-lo. Quando não estava lendo “o príncipe” e pensando em suas decisões como monarca, a princesa o procurava em todos os lugares possíveis. Na clareira, na cachoeira, biblioteca, nos jardins, ele não estava em parte alguma do castelo. Isso ela não poderia suportar, não queria imaginar que algo tivesse passado ao homem que amava, mas estava se contorcendo de aflição. Ele não faltaria ao enterro de seu pai, mesmo que não pudesse estar ali, Kovu daria um jeito de consolá-la. Ele não poderia tê-la abandonado depois de tudo o que aconteceu entre eles, depois de tantas juras... Kiara tinha visto em seus olhos que ele falara a verdade enquanto expressava seus afetos. Então, ela apenas poderia presumir que havia passado algo, pois certamente seu Kovu não lhe abandonaria no momento mais obscuro de sua vida; quando mais precisava de seus braços.

A princesa deu graças aos céus por poder entrar em seu aposento e evitar o olhar de pena daqueles que estavam nos corredores. Escorou-se na porta, cravando as unhas na madeira maciça e respirou fundo, impedindo que o turbilhão de sentimentos viesse à tona.

— Kiara... – uma voz sussurrada soou ao seu ouvido direito e ela saltou, sobressaltada. – Me desculpe. – alívio se passou pelo semblante dela ao constatar que Kovu estava bem, são, salvo e palpável à meia luz de uma vela acesa, com parte do rosto encoberto pelas sombras. Porém, o sentimento foi logo substituído por uma ira incontrolável.

— Onde você estava? – perguntou pausadamente, o exilado engoliu em seco e olhou para baixo, parecendo culpado. – Eu estava louca de preocupação! Estive por toda parte a te procurar! – exclamou, sentindo a visão enturvecer, ele nada respondeu, o que apenas instigou seu descontrole. – Onde você estava? – ela o empurrou pelos ombros, mas Kovu nada respondeu. – Ande, responda! Onde você estava quando eu mais precisei de você? – ela esbofeteou seu peitoral de leve e o rapaz não tentou impedi-la, então a princesa teve um acesso de cólera e passou a arranhar seu abdômen, distribuindo tapas por seu torso. Cada bofetada era pontuada por um grito selvagem de pura dor, seguido por lágrimas violentas. Tudo o que ela havia reprimido, jorrava com violência. – Eu precisei de você, Kovu! Só... d-de você! Onde você estava? – sua voz quebrada murmurava coisas do tipo enquanto descontava nele toda a raiva do mundo, porque ele era forte o suficiente para absorver seu luto. Depois de muito tempo gritando e soluçando, a garota ficou exaurida e Kovu a abraçou com tudo o que tinha dentro de si, sussurrando para que ela colocasse para fora.

(The Other side – David Grey)

— Me desculpe. – Kovu sussurrou contra seus cabelos, enquanto os acariciava. – Eu queria estar aqui para você, mas... – ele se engasgou com as palavras. – Eu estou aqui agora. – ela o olhou com os olhos marejados.

— Prometa que não vai mais fugir de mim, prometa que vai ficar? – os olhos castanhos, tão transparentes imploravam por segurança, por amparo, e ele daria tudo o que ela precisasse.

— Eu vou ficar aqui, Kiara. Pelo tempo que me quiser... – soltou um suspiro e a abraçou com mais força.

— Eu ei de querê-lo sempre. Eu preciso de você, Kovu... Agora mais do que nunca. – ela o beijou sofregamente, querendo demonstrar naquele beijo o quanto o desejava e o quanto ele era vital para sua vida agora. Kovu foi pego de surpresa, mas retribuiu prontamente, erguendo a princesa pelo tronco e a levando para a enorme cama centralizada no quarto.

— Diga-me o que fazer, diga-me do que precisa e eu farei, eu serei. – Kovu acariciou o rosto da princesa, limpando algumas lágrimas no caminho.

— Eu preciso que me toque novamente. – ela puxou a barra da camisa dele e Kovu a fitou profundamente, engolindo em seco. – Me faça sentir viva, como naquela noite. Me transporte para um lugar sem dor, sem perdas, um lugar em que apenas os teus braços me alcancem e todo mal fique de fora. – Kovu não sabia se deitar-se com ela seria uma boa ideia no momento, Kiara estava muito fragilizada, ela ainda tinha muita tristeza guardada. No entanto, não iria argumentar com ela e se pelo bem de sua sanidade era aquilo que precisava, então, lhe daria.

— O que quiser. – Kovu sussurrou antes de traçar beijos pelo pescoço e colo da garota.

Quando seus corpos se encontraram naquela noite, havia uma urgência e necessidade ainda maior do que da primeira vez, não era carnal, era visceral. Não havia timidez, nem assombro, apenas um desejo de completude, que só conseguiam saciar um no outro, pois suas almas estavam interligadas de uma maneira única e primordial. Ciência alguma poderia explicar, mas quando Kovu a tocava, o mundo realmente desaparecia, quando ele a preenchia, sabia que jamais estaria só novamente, quando ele a beijava, sentia que não precisaria mais comer ou beber, contanto que seus lábios a satisfizessem. Se Kovu estivesse ao seu lado, ela conseguiria passar por aquilo, superaria qualquer coisa. Os dois passariam por aquilo juntos e ela estaria bem, desde que a mão dele jamais deixasse a sua, e seu corpo mantivesse seu leito aquecido.

Eles fizeram amor até que Kiara ficasse exausta o suficiente para conseguir dormir. Porém, Kovu não conseguiria dormir, não depois de ter visto a intensidade da dor da mulher amada. Ela se entregava para ele sem ter consciência de que o exilado não era um remédio para suas dores, mas uma droga altamente letal. A princesa o olhava como se fosse um anjo enviado dos céus, quando ele era o mais próximo do anticristo que já pisara na Terra. Kiara amava uma mentira e ele, egoísta como era, não conseguia deixar de macular sua alma pura.

— Kovu... – ela balbuciou sonolenta, lembrando-se de algo, subitamente.

— Hmm... – murmurou em resposta, beijando sua têmpora.

— O que você precisava me dizer sobre seu passado? – ela entrelaçou os dedos nos dele, produzindo carícias preguiçosas na pele do exilado. Kovu sentiu a espinha gelar por um instante, relembrando-se da conversa que teve antes de tomá-la como sua na cachoeira. Talvez se Kiara estivesse mais acordada, sentiria a rigidez que o corpo dele tomou e a respiração pesada em seu pescoço.

— Não foi nada, nada importante. Durma, princesa. – e com isso, Kiara adormeceu em seus braços.

O príncipe dos exilados conseguiu cochilar por algumas horas entrecortadas, mas sempre acordava em meio aos pesadelos. Simba estava lá, olhando-o com rancor, no sonho o rei voltava para Kiara em forma de fantasma e lhe falava sobre os pecados do homem com quem se deitava. Em resposta, a princesa o olhava com ódio e decepção e ele não conseguia falar nada, estava mudo. Assim, ele fez esforço para permanecer alerta e não cair mais no mundo traiçoeiro dos sonhos. Pouco antes do amanhecer, Kiara se remexeu em seu peito e fungou, estava chorando novamente.

— Eu sonhei com ele... – sua voz muito rouca, o coração de Kovu ficou apertado.

— Como foi o sonho? – ele tentou estabilizar sua respiração.

— Foi bom. – Kiara soluçou algumas vezes antes de prosseguir. – Meu pai estava... feliz, porque você me fazia feliz. Estávamos todos juntos.

— É uma ideia muito bonita, realmente. – maldito coração, não parava de palpitar acelerado, sua agonia era quase palpável.

— Eu queria que fosse real... – a princesa suspirou. Ele não aguentou e se levantou em um impulso. – Kovu... O que foi?

— Eu... – o ar parecia lhe faltar. – Preciso de um pouco de ar, já volto... – no entanto, antes que pudesse encostar na maçaneta, uma batida violenta soou na porta, os assustando.

— Só um instante. – a princesa avisou e Kovu prontamente foi para trás do biombo próximo à penteadeira. Kiara colocou um robe e então pediu para que a pessoa entrasse.

— Princesa. – Kion a saudou com uma reverência desnecessário e entrou apressado, parecendo muito mais velho do que realmente era, Fuli entrou em seguida, desconcertada. – Me perdoe a intromissão, mas é urgente. – de suas mãos o primo lhe entregou uma carta e ela foi até a mesa de mármore, onde havia um abridor de cartas. Os dois a olhavam apreensivos enquanto os olhos da princesa corriam pelo papel, a expressão dela era de pavor. Quando Kiara terminou, a carta caiu dos dedos trêmulos e a boca ficou aberta. Kion rapidamente recolheu o papel e leu junto a Fuli.

— O que está acontecendo? Como eles ousam! Não respeitaram ao menos o tempo de luto dado a um rei! – Nala entrou no quarto da filha como um furacão. Seus cabelos castanho-loiros estavam selvagens como Kiara jamais vira, nunca estavam desalinhados. Seu rosto e pescoço possuíam manchas vermelhas de raiva. – Invadiram as terras do reino! A que propósito? O que há nessa carta? – Nala tomou bruscamente a carta das mãos do sobrinho e deu um sibilo horrorizada ao ler a mensagem. – Como ele ousa?

— Nuka me desafiou para um duelo individual pelo trono. – Kiara suspirou. – Em 2 dias. Caso eu me recuse, os exilados atacarão as terras do reino. – ela parecia repetir a mensagem mais para si, a fim de absorver a informação.

— Eu vou mandar que o novo general Demetrius prepare o exército para atacar em 1 hora. – Nala andava em círculos pelo quarto, furiosa. – Coloque uma roupa, Kiara. Nós vamos iniciar uma guerra agora mesmo! Eles estão em menor número, não possuem a mínima... – Nala foi se dirigir ao biombo com um vestido em mãos para Kiara colocar.

— Não! – ela gritou, tentando barrar Nala de entrar no biombo e encontrar Kovu ali, mas quando chegou lá, não havia ninguém. Uma janela estava aberta, indicando que ele aproveitou uma distração e fugiu; suspirou aliviada. Os três olhavam para ela curiosos. – Não. – ela repetiu com mais suavidade. – Não iremos invadir o exílio.

— Como? Com que direito esse exilado reivindica o trono? Seu pai jamais deixaria uma afronta assim passar... – Nala se engasgou com a lembrança do marido e se calou antes que as lágrimas retornassem.

— Se Nuka quer um duelo pelo trono, eu duelarei. – Kiara repondeu decidida.

— Kiara, não é sábio aceitar essa proposta. O trono é seu por direito, você é a única herdeira de Simba. – Kion dizia, tentando transparecer calma. – Os exilados não têm chance alguma se nos invadirem...

— Nuka sabe disso. – Fuli interrompeu, olhando do noivo para a princesa. – No entanto, ele tem certeza de que Kiara vai aceitar. Simba não aceitaria, mas a princesa sim, não é? Não é apenas uma questão de honra, estou certa, Alteza? – Kiara abaixou a cabeça.

— Por que, Kiara? Por que você aceitaria? Você já mostrou a todos que pode lutar, o povo te aceita como rainha, não há motivos para isso.

— Porque, quando eu ganhar, o exílio terá de me reconhecer como rainha legítima e, assim, eu reunirei nosso povo novamente, como deve ser. – Kiara respondeu mecanicamente, era o certo, era o que seu coração desejava.

— E Nuka sabe disso, porque Vossa Alteza expressou esse desejo quando fomos ao exílio. – Fuli completou seu pensamento. O quarto entrou em um silêncio sepulcral. – O exilado está jogando com a princesa, ele não irá invadir o exílio, porque sabe que vai aceitar o duelo. Isso é perigoso.

— E você não deve aceitar de modo algum, Kiara. Esse povo é traiçoeiro, é uma armadilha! Se ele sabe que você vai aceitar, é porque ele também tem certeza de que a vencerá. – Nala exclamou, chacoalhando os ombros da filha. – Nuka não lutará limpo, ele é sórdido como o pai e a mãe, desde pequeno. Nunca vi um olhar mais ganancioso e sombrio em uma criança, mesmo quando ele vivia na corte.

— Kiara, há outras formas de obter a simpatia dos exilados e reunir o povo. – Kion tentou argumentar.

— Não, está decidido. Os exilados jamais me aceitarão se eu não derrotar numa luta justa aquele que eles projetam como o verdadeiro rei. Mesmo que eu mandasse matar Nuka, eu jamais obteria o respeito do povo. – a princesa interrompeu a mãe, antes que tivesse a chance de retorquir. – Eu não mudarei de ideia. Tenha a certeza de que ganharei neste duelo, mãe. Eu fui bem treinada. – sorriu triste. – Escreverei uma carta agora mesmo, aceitando a proposta de Nuka.

***

(Familiar – Agnes Obel)

Kovu partia a cavalo em direção ao exílio, ele precisava impedir aquilo. Se Zira o visse, jamais deixaria que Nuka duelasse pelo trono, que sempre fora planejado para ser seu. E agora poderia ser, sem Simba no caminho. Não precisava ter derramamento de sangue, o trono seria dele.

O rapaz chegou até os portões do velho castelo Stauben, sentindo um arrepio sombrio ao passar por aquelas terras que jamais achou que veria novamente. Logo que entrou, as pessoas que sairiam para trabalhar nos campos inférteis começaram a cochichar, assombrados pela sua presença. “O príncipe ressuscitado”, ele ouvia as pessoas dizendo, porém, não lhes deu atenção. Desmontou seu cavalo e esperou que alguém buscasse Zira e Nuka até ele; não queria entrar, aquele não era o seu lar, nunca foi e jamais seria. Aguardou na entrada do castelo, próximo a um lago quase seco e cheio de musgos, que antigamente deveria ser muito bonito.

— Meu filho! – Zira estava espantada quando pousou os olhos sobre ele, Kovu viu a sombra de um sorriso e um flamejo de emoção, que passou muito rapidamente. – Como você está vivo? – voltou à pose de general, mas a voz possuía certa ternura. Kovu lhe contou uma versão resumida em que Simba o enviara para a Inglaterra para ficar longe de sua filha, esperando que as pessoas pensassem que estava morto. Ele omitiu a parte em que salvou a vida do rei na batalha contra Uchtah. – E você conseguiu regressar no carnaval, disfarçado. – ele acenou. – Muito inteligente. – elogiou com um brilho de orgulho pretensioso.

— E eu matei o rei. – Kovu soltou sem pestanejar, sua expressão estava impassiva. Reportava aquilo como se fosse um relatório qualquer, mas seu coração batia violentamente contra as costelas. Zira precisava ser convencida de que não era necessário aniquilar Kiara.

— Como presumi, assim que o vi. – o sorriso diabólico de Zira se alargou ainda mais. A mãe o rondava, assim como fazia quando ele era uma criança e passava por avaliações. – Seu pai teria orgulho. Você completou a missão dele e agora tomará o trono, como Scar disse que seria. Como está na profecia.

— Ah, o favorito ressuscitou! – Nuka apareceu pelo portão, parecendo imensamente irritado, seus olhos negros crepitavam ganância. – O bom filho a casa torna... – sua fala arrastada como de uma cobra, Kovu sustentou seu olhar.

— Kovu matou Simba. – a voz de Zira transbordava triunfo, Nuka travou seu maxilar ossudo e passou a arrancar alguns longos fios de cabelo, num tique nervoso adquirido ainda na infância. – Portanto, ele irá duelar contra a princesa e se tornar o rei. – Kovu engoliu em seco, mudando o peso da perna.

— Eu estive pensando em outra estratégia, mãe. – começou. – Talvez a princesa não precise morrer, afinal. Ela tem o clamor popular, o povo pode se revoltar se ela for morta. Além disso, Kiara quer que nosso povo esteja unido mais uma vez. – Zira franziu o cenho e Nuka repuxou o lábio em um sorriso perverso. – Ela está apaixonada por mim, eu poderia me casar com ela.

— O povo vai se curvar a você em tempo, Kovu, e se não lhe aceitarem, faremos com que aceitem. – um brilho maníaco se fez em seu olhar. – A linhagem se Simba deve morrer, é o que Scar queria, é o que você deve fazer. Além disso, seu matrimônio com a garota inglesa será muito mais proveitoso para firmar uma aliança com a rainha Elizabeth e expandir Reichstein.

— Mérope se casou com um príncipe. – Zira amaldiçoou baixinho, estava contando com essa união para seus planos futuros. – Eu realmente penso que me casar com Kiara seria mais estratégico, certamente haverá revolta caso ela seja morta.

— O duelo é uma disputa justa, isso apaziguará um motim. – Zira olhou desconfiada para o filho, ela o conhecia bem e já vira aquele olhar antes. Kovu disfarçava com excelência, mas ela era melhor; farejava seus sentimentos como uma raposa. Então, Zira riu, uma risada seca que preenchia o ar, tornando-o pesado e arrepiando até o último fio de cabelo de Kovu. – Quando Vitani me contou, eu disse que era impossível. Disse a ela que não existia a mínima chance do escolhido de Scar estar apaixonado pela filha de Simba, o homem que matou seu pai, que nos lançou à miséria e que marcou nossas crianças a ferro. – a mãe se aproximou com passos calculados. – Pelo visto, eu me enganei. – ela sussurrou ameaçadoramente, Nuka ria com escárnio.

— Mãe... – ele abriu a boca para argumentar, para negar, mas foi interrompido com um tapa na face. Kovu virou a face feroz para encarar a mulher que o colocou no mundo e cuspiu sangue no chão.

— Garoto estúpido, seu coração o denuncia! Enfeitiçado por uma boceta real! Assim como o pai. – sussurrou mais para si. Havia um misto de frustração e ódio por suas feições. – Eu vou matar aquela meretriz!

— Não vai tocar em um fio de cabelo dela!

A voz de Kovu soou imperiosa, assustando a todos que passavam por lá e assistiam o “espetáculo”. Seus membros tremiam, nunca teve coragem de falar assim com a mãe, mas não se encolheu, o sangue fervia ao pensar em Kiara perto de Zira. Nuka retirou a espada da bainha e aproximou-se de Kovu, que fez o mesmo, se preparando para enfrentá-lo ali mesmo.

— Você viu isso, Scar? – ela olhava para os céus, ensandecida, sua voz se perdia em ondulações histéricas. – Ele se atreve a usar esse tom comigo! – Zira fazia isso quando estava à beira de um colapso nervoso. Ele havia se acostumado quando era pequeno, mas agora percebia o quão insano era aquele comportamento e aquela devoção ao marido morto, ao homem que nem ao menos a amou. Se Kovu não tivesse tanto ódio, ele teria pena daquela mulher. – Ele se atreve a renegar a própria família para defender uma mulherzinha, a filha de Simba! Mas eu vou dar a ele mais uma chance, porque você o escolheu. – retornou o olhar para os filhos, mandando Nuka abaixar a espada, e este, resignado, obedeceu. – Ou você luta em 2 dias e se torna rei, ou morrerá como um desgarrado. Como o inimigo.

Todos olhavam para ele com nojo, como uma grande decepção, menos Nuka, este possuía um sorriso satisfeito no rosto. Kovu montou seu cavalou e preparou-se para retornar às terras do reino.

— Você acha mesmo que ela seria capaz de perdoá-lo se souber que matou Simba? – ele parou, sendo atingido em cheio. – Ela irá odiá-lo e você vai perder tudo, Kovu. Escolha o poder.

O rapaz trotou com o cavalo o mais rápido que o terreno irregular lhe permitia. A cabeça zunia com um turbilhão de pensamentos, pois ele falhou e agora haveria a disputa. Kovu não conseguiria convencer Kiara a não lutar, assim como não conseguira convencer Zira. Porém, o pensamento que mais lhe pesava era de que, cedo ou tarde, Kiara saberia de todas as suas mentiras. Será que ela seria capaz de perdoá-lo?