“ - Taka!! – Ahadi bradou. – Você não tem nenhuma responsabilidade! Quase deixou seu irmão ser morto! Que ideia estúpida o levar para brincar nas ruínas do castelo Stauben! Cansei de lhe dizer que lá é perigoso. Seu irmão quebrou uma perna quando caiu naquele buraco, mas poderia ter morrido! E a culpa seria sua! Além disso, há grupo de revoltosos e contrabandistas que passam lá por perto. - O rei falava cada palavra com ferocidade contra a face do filho de 12 anos, que apenas escutava tudo com os braços cruzados e puro tédio. Revirou os olhos no final do discurso. Aquilo apenas fez a ira de seu pai aumentar. – Você ao menos se importa?

O menino bufou mais uma vez e revirou os olhos. Desde que aquela criança irritante nascera, tornou-se responsabilidade de Taka cuidar dele e tudo de ruim que acontecia com Mufasa era sua culpa. Se Mufasa espirrasse de noite, se tropeçasse, se caísse num buraco acidentalmente... Ele estava cansado de orbitar no sol Mufasa. Ele deveria ser o sol. Era o filho mais velho. Ele seria o futuro rei, não aquele saco de cenouras, que só sabia aborrecê-lo e roubar sua luz.

— Se não consegue cuidar do seu irmão de 6 anos, como pretende cuidar de nosso reino? Talvez você não tenha o que é preciso! É um fraco! -Ahadi cuspiu as palavras e dessa vez, conseguiu atingir a atenção do filho. A feição do jovem príncipe mudou para irritabilidade e ele encarou o pai nos olhos com o mesmo ódio. – Suma da minha frente! – apontou para fora da ala hospitalar.

— Como quiser, ó rei. -debochou deixando o cômodo.

Para falar a verdade, fora um grande alívio sair daquele local. Estava deixando-o nauseado os gritos e choro alto de Mufasa enquanto a curandeira cuidava de sua perna. Além de ser uma dádiva não ter mais que escutar a voz de seu pai trovoar em seus ouvidos. Será que o rei ao menos ligava que ele também estava ferido? Seu rosto havia sido atingido por um pedaço de madeira quando foi resgatar o fedelho do buraco, cortando desde a sobrancelha até o meio da bochecha no lado esquerdo da face. O corte fora profundo e se não tivesse fechado os olhos, talvez estaria cego no momento. A ferida ardia, mas a raiva que sentia no momento era maior do que a dor, fazendo com que ele não se importasse.

Como seu pai se atrevia a insinuar que ele não era bom o bastante? Quem seria então? O pequeno estorvo? Como ele odiava aquela criança! Gostaria de um dia se livrar dele. Talvez vendê-lo como escravo para um grupo de mercadores, como fizeram os irmãos de José naquela história das Escrituras que escutou de seu tutor religioso. Seria tão mais feliz: teria a atenção dos pais novamente para si, não precisaria bancar “a criada” de seu irmão e teria a segurança de que seria rei um dia.

Pegou o cavalo e rumou em direção ao vilarejo. Não se preocupou em passar pelos soldados, não precisava de autorização para deixar o castelo, ninguém se preocupava com seu bem-estar de qualquer forma. Que importava a eles se ele morresse, fosse capturado ou qualquer coisa do tipo? Ninguém ligava, contanto que o pequeno Mufasa estivesse bem.

Foi adiante dos vilarejos e passou pelo Olho d’água, mas quis ir além. Gostava de passear pelo castelo abandonado, lhe trazia certa paz aquele lugar. Ali se permitia fantasiar que era um grande rei e todos os seus súditos se curvavam e atendiam as suas necessidades. Levou o irmão mais novo para brincar em seu local favorito, mas o pequeno fedelho tinha que acidentar-se e estragar tudo. Obviamente, Taka seria o culpado.

Talvez fosse mesmo aquele seu destino: tornar-se o rei de escombros, daquele local abandonado. Talvez fosse o único castelo que lhe sobraria no final; riu amargamente com a possibilidade.

Ele passeava pelo que fora um dia o salão real. O piso, ao contrário do Castelo de Reichstein, era de madeira. Quando as pessoas habitavam ali, o local, provavelmente, era seguro e não oferecia riscos, mas após a invasão da Bavária na Grande Guerra tudo fora revirado e destruído. O fogo consumira boa parte do castelo e a madeira do chão tornou-se instável. Também destruiu boa parte de seus moradores, enquanto a família real saía por passagens secretas embaixo do castelo.

Seu pai o chamava de fraco, mas o tataravô que Ahadi tanto enchia o peito de orgulho ao fazer referência, por ter construído a fortaleza que hoje era Reichstein, foi o primeiro a abandonar o castelo quando invadido. Um covarde. Mas pensando bem, Taka também não se importaria que seus servos morressem por ele, afinal, se ele fosse o rei, a função de todos seria servi-lo, nem que fosse com a vida. Talvez a fuga fosse estratégica, no final das contas. Os covardes nunca morrem, pois sempre se colocam em primeiro lugar. E Taka gostava de estar em primeiro lugar.

Ele parou de andar e fixou o olhar no local onde Mufasa caíra mais cedo naquele dia. Se tivesse pensado direito e fizesse o irmão cair no buraco, machucando mais do que uma perna, como uma pequena armadilha, ele seria esperto como seu tataravô. Um rei covarde, de fato, mas melhor do que não ser rei nenhum. Se Mufasa ficasse prejudicado, seu lugar no trono estaria mais seguro. Matar o pequeno estorvo seria demais, contudo, se ele se machucasse gravemente e não pudesse mais andar, por exemplo, já seria o suficiente. Ahadi nunca escolheria um inválido para ser seu sucessor, não podendo defender seu povo, não inspiraria autoridade. Seria a piada do reino e alvo fácil. Não parecia má ideia, afinal.”

***

Kovu sabia que Kiara apareceria no Olho D’água eventualmente naquele dia. Fora o lugar onde eles se conheceram e onde ela teve a maior emoção que a vidinha de princesa lhe permitira ter. Mesmo que inconscientemente, ela iria voltar ali para tentar achá-lo.

É claro que ele tinha um plano B, C , D... caso sua suposição estivesse errada. Não se passa 6 anos arquitetando a armadilha perfeita sem pensar em todas as possibilidades.

Ele contratou contrabandistas de fora (sem o “E” nas costas da mão, pois exilados não poderiam passar pela guarda que verificava as pessoas na entrada dos vilarejos) para se infiltrarem e vigiarem o local a fim de que, se a princesa passasse por eles, a pegariam.

Kovu era muito bom desenhista, logo que chegou de seu encontro com a princesa, após o castigo de sua mãe, fez um retrato para relembrar as feições da garota, muito embora não achava que se esqueceria. O desenho lhe foi útil posteriormente, pois o mostrou para todos os que faziam parte da missão para que pudessem reconhecê-la. Não era possível que tivesse mudado tanto ao ponto de ser irreconhecível aos seus olhos.

Contudo, seria muito arriscado tramar um ataque à princesa no meio de um vilarejo. Poderia haver vários soldados ao redor e outras pessoas que ajudariam, se soubessem quem é a menina. Por isso, o Olho D’Água era o local perfeito. Ele também imaginava que haveriam guardas a escoltando durante sua “pequena aventura”, sabia que Simba não era tolo de deixa-la só.

Ele esperava que Kiara estivesse escoltada porque precisaria de testemunhas, além da própria palavra da filha para convencer o rei de que ele não teve um papel naquilo. Mas também estava preparado caso não houvesse soldados por perto. Ele planejou tudo com cautela.

E assim como previra, Kiara estava lá. Ela parecia afobada e um tanto perturbada, ele ousava dizer, mas não importava. Continuava bela. Não percebeu o quanto a princesa era bonita quando se encontraram pela primeira vez, pois ela era uma criança na época e ele estava na fase de observar as mulheres mais velhas. Mesmo entre as exiladas havia muitas que chamavam a atenção. Embora nenhuma como a mulher que Kiara se tornara. Ela não perdeu as feições de menina, apesar de tê-las amadurecido, ainda era ela. Parecia uma boneca de porcelana ou mesmo um anjo. E ele era o demônio que estava prestes a arruinar sua beleza, inocência e seu trono.

Ela chorava descontroladamente e então, jogou-se sob a terra, desabando. Kovu se perguntava mentalmente o que faria uma pessoa que tem tudo o que pudesse querer, chorar compulsivamente daquele jeito tão frustrado. Como poderia uma princesa experimentar frustração, ainda mais em seu aniversário? Será que ele se frustraria quando fosse rei? Balançou a cabeça, afastando os pensamentos. Era uma princesinha mimada, de fato. Kovu fez o sinal para os exilados, indicando que era hora de seguirem com sua parte do plano.

Então, cinco exilados saíram detrás das árvores e se aproximaram da princesa, que não percebeu os passos sorrateiros e silenciosos dos homens por seus soluços. Até que um deles se pronunciou.

— Ora, ora. O que temos aqui? Está perdida, mocinha? – Kiara assustou-se com uma voz grave em sua frente.

— Quem são vocês? -perguntou exasperada, temendo por estar sozinha na presença de 5 homens.

— Quem somos nós? Quem é você? Essa é a nossa área do Olho D’água. -devolveu a pergunta.

— N-Não. Essa é a parte que pertence às terras do Reino. -gaguejou, tentando argumentar inutilmente. Seu corpo inteiro tremia. Os homens riram com escárnio.

— “Pertence às terras do Reino.” – imitou um moreno, fazendo os outro rirem novamente. – O que importa agora? Nós estamos aqui e você está sozinha.

— Vocês já viram uma pele tão branca assim numa plebeia? Quem é você, docinho? Uma nobre?

— O que faremos com ela? Tão bonita... -passou a mão pelo rosto da princesa disfarçada, descendo por seu pescoço. Ela viu a letra “E” marcando a pele de sua mão, sentiu um calafrio e náusea ao fitar os olhos negros do homem, maliciosos.

— Não! Por favor! Me deixem em paz! -ela implorou.

Kiara nunca sentiu tanto medo em sua vida como naquele instante. Seu coração estava palpitando muito, sentiu-se ficar tonta e a visão embaçar. Então, desmaiou diante da vista de todos. Os exilados se entreolharam confusos, não esperavam essa reação.

...

— Pumba! Você e sua boca grande! Você é tão silencioso quanto um javali sendo abatido para virar jantar. – Timão reclamava enquanto procuravam a princesa pelos vilarejos. O homem gorducho sentia-se extremamente culpado. -Perdemos a princesa! Simba irá nos matar, depois vai mandar nos esquartejar e servir os pedacinhos...

— Espera Timão! -Pumba parou subitamente, tendo uma ideia. -Da última vez que a princesa saiu, onde Simba a encontrou mesmo?

— Hmm... Foi no Olho D’água, se não me engano, por quê? - falou pensativo.

— E se ela...

— Acabei de ter uma ideia genial, Pumba. E se ela estiver lá? Vale a pena checar. -cortou o amigo, que revirou os olhos pela interrupção.

— Acho que deveríamos trazer alguns soldados conosco e fazer com que outros avisem Simba, caso Kiara esteja em perigo. Ele não nos perdoaria diante da mera possibilidade, sendo que a perdemos de vista.

— É, pode ser.

...

— Ela desmaiou. E agora? Isso não fazia parte do plano. Não adianta Kovu salvá-la se não há testemunhas, nem dela própria. – Rony coçou a cabeça pensativo. Kovu, percebendo que algo estava errado, bufou e aproximou-se, vendo que a princesa estava desacordada.

— O que vocês, idiotas, estão esperando? -irritou-se. -Executem o plano! – então retirou sua espada e, sem aviso, começou a desferir golpes nos cinco outros exilados. Eles esperavam que a princesa acordasse em breve ou que alguém chegasse para socorrê-la, caso contrário, teriam que acionar o plano B.

— Princesa!! – gritou uma voz ao longe. Os exilados olharam para o lado e viram alguns soldados aproximando-se da cena, mas estavam um tanto distantes.

Um tempo depois, Kiara passou a despertar. Ouviu o tilintar de espadas se chocando, sua cabeça pesava, mas abriu os olhos. Ao abri-los encontrou um homem alto, forte e moreno que estava lutando entre ela e os exilados que ela vira há pouco. Apertou os olhos, ele estava muito diferente, mas sem dúvidas era...

— Kovu...? -ela pergunta ainda desnorteada, chamando a atenção do homem, que se virou rapidamente. Então ela teve sua confirmação ao olhar dentro dos olhos do moreno. Eram de um verde esmeralda intenso que ela só havia visto uma vez em sua vida, num garoto presunçoso que lhe salvara 2 vezes de um ninho de cobras, e, ao que indicava, a estava salvando novamente. Logo em seguida, seu salvador desfere um golpe com um chute na barriga de outro exilado, fazendo com que este caísse no chão.