A menina dos Milagres

Lágrimas, Sangue e Palavras


Eu estava ansiosa para saber o que estava acontecendo na delegacia. Eu sabia que o Dr. Inácio tinha ido lá com o meu irmão Vitor e o meu avô, para tentar libertar os meus pais. Eu sabia que eles tinham levado o reverendo John e o padre Miguel, que eram as minhas testemunhas mais importantes. Eu sabia que o Dr. Ricardo e a sua filha Isabelly também iam depor a meu favor. Eu sabia que eles eram as minhas provas mais convincentes.

Mas eu não sabia se isso seria suficiente. Eu não sabia se o delegado e o promotor iriam acreditar neles. Eu não sabia se eles iriam entender o meu dom, ou se eles iriam me condenar por ele. Eu não sabia se eles iriam me deixar ver os meus pais de novo, ou se eles iriam me separar deles para sempre.

Eu rezava para que Deus me ajudasse, para que Ele tocasse os corações daqueles homens, para que Ele mostrasse a eles a verdade. Eu rezava para que Ele me desse uma chance, para que Ele me desse uma esperança, para que Ele me desse uma vitória.

Eu olhava para o relógio, e via que o tempo passava devagar. Eu olhava para o telefone, e esperava que ele tocasse. Eu olhava para a porta, e sonhava que eles entrassem.

E então, finalmente, aconteceu. O telefone tocou, e eu corri para atender. Era o Vitor, e ele estava chorando. Mas eram lágrimas de alegria, não de tristeza.

— Ana, Ana, você não vai acreditar! Nós conseguimos, nós conseguimos! - ele disse, soluçando.

— O que? O que você está dizendo? O que aconteceu? - eu perguntei, nervosa.

— Nós conseguimos libertar os nossos pais, Ana! Eles estão livres, eles estão inocentes, eles estão vindo para casa! - ele disse, eufórico.

— Como? Como isso foi possível? Como vocês conseguiram? - eu perguntei, incrédula.

— Foi graças às nossas testemunhas, Ana. Elas foram incríveis, elas foram maravilhosas, elas foram heroicas. Elas contaram tudo o que sabiam, tudo o que viram, tudo o que sentiram. Elas convenceram o delegado e o promotor, eles não tiveram como negar, eles não tiveram como duvidar. Eles reconheceram o seu dom, Ana. Eles reconheceram o seu milagre.

— Quem foram as testemunhas, Vitor? Quem falou por mim? - eu perguntei, curiosa.

— Foram o reverendo John, o padre Miguel, o Dr. Ricardo e a Isabelly, Ana. Eles foram os nossos anjos, eles foram os nossos salvadores, eles foram os nossos amigos. Eles falaram com tanta fé, com tanta coragem, com tanta emoção. Eles fizeram o impossível, Ana. Eles fizeram o impossível.

— O que eles disseram, Vitor? O que eles contaram? - eu perguntei, ansiosa.

— Eles contaram sobre o seu dom, Ana. Sobre como você curou o cavalo do nosso avô, que estava morrendo. Sobre como você curou a mãe da Beatrice, que tinha Alzheimer. Sobre como você curou a Isabelly, que foi picada por uma cobra. Eles contaram sobre as suas obras, Ana. Sobre as suas obras de amor, de bondade, de compaixão. Eles contaram sobre você, Ana. Sobre você, que é a nossa protetora.

— E o que o delegado e o promotor disseram, Vitor? O que eles fizeram? - eu perguntei, esperançosa.

— Eles ficaram emocionados, Ana. Eles ficaram tocados, eles ficaram impressionados. Eles pediram desculpas, Ana. Eles pediram desculpas pelos erros, pelos abusos, pelos sofrimentos. Eles retiraram todas as acusações, Ana. Eles retiraram todas as acusações contra os nossos pais, contra você, contra todos nós. Eles limparam as nossas fichas, Ana. Eles limparam as nossas fichas, e nos deram a nossa liberdade.

— E os nossos pais, Vitor? Como eles estão? Onde eles estão? - eu perguntei, emocionada.

— Eles estão bem, Ana. Eles estão felizes, eles estão aliviados. Eles estão vindo para cá, Ana. Eles estão vindo para cá, para te ver, para te abraçar, para te beijar. Eles estão vindo para cá, para te dizer que te amam, que te admiram, que te agradecem. Eles estão vindo para cá, para ficar com você, para ficar com a gente, para ficar com a nossa família.

— Eu não acredito, Vitor. Eu não acredito que isso é verdade. Eu não acredito que isso é real. - eu disse, chorando.

— É verdade, Ana. É real, Ana. É o nosso final feliz, Ana. É o nosso final feliz. - ele disse, e desligou.

Eu larguei o telefone, e caí de joelhos. Eu levantei as mãos, e agradeci a Deus. Eu sorri, e chorei. Eu chorei, e sorri.

Eu tinha conseguido. Eu tinha vencido. Eu tinha salvado os meus pais.

Eu era a protetora deles. Eu era a protetora de todos.

ALGUNS DIAS DEPOIS

O luz do sol invadia meu quarto, marcando o início de um novo dia. Ao me espreguiçar na cama, senti a energia renovada pela noite de sono. Caminhei até o banheiro e me deparei com meu reflexo no espelho. Meus olhos ainda guardavam vestígios de cansaço, mas havia algo mais que me incomodava. Ao observar mais de perto, notei algumas espinhas teimosas que decidiram aparecer no meu rosto. Aquelas pequenas imperfeições pareciam ampliadas no reflexo, e uma pontada de desconforto se instalou em mim. Suspirei, lembrando que cada uma daquelas marcas contava uma história, algumas de alegria, outras de desafios superados.

Resolvi não dar muita atenção ao espelho naquele momento. Afinal, tinha planos mais importantes para o dia. Desci as escadas e encontrei minha mãe na cozinha, preparando o café da manhã. As conversas da noite anterior ainda ecoavam em minha mente, e o entusiasmo pelo projeto da loja de eletrônicos se misturava ao receio do desconhecido.

Ao sentar à mesa, minha mãe percebeu minha expressão pensativa. Ela sorriu, carinhosamente, como se lesse meus pensamentos, e começou a compartilhar as novidades do dia. O café da manhã se desenrolou entre risadas, planos e, claro, o carinho que sempre encontramos nas rotinas familiares. O sol brilhava lá fora, e a vida seguia seu curso, trazendo consigo a promessa de um dia cheio de desafios e realizações. Era hora de enfrentar o mundo lá fora, espinhas e tudo mais, e eu estava pronta para abraçar o que quer que viesse pela frente.

Ao tomar café, senti a energia do dia prestes a me envolver. Peguei minha mochila e me encaminhei para a escola, ansiosa pelo que o dia reservava. No portão, deparei-me com a Emma, uma menina popular da escola. No entanto, algo estava errado. Seu semblante exibia uma mistura de tristeza e raiva, e antes mesmo de cumprimentá-la, fui surpreendida por palavras duras e ameaçadoras.

— Oque você pensa que está fazendo, Ana? - exclamou Emma, com os olhos faiscando de raiva.

— Eu... eu não sei do que você está falando, Emma. O que aconteceu? - respondi, tentando entender a situação.

Emma não perdeu tempo em desferir palavras cortantes e xingamentos, como se uma tempestade de emoções tivesse se formado dentro dela. Cada acusação era como um tapa no rosto, deixando marcas emocionais que eu ainda não conseguia compreender.

— Você é falsa, Ana! Pensa que pode sair por aí agindo como se nada tivesse acontecido? - ela gritou, com lágrimas nos olhos.

Tentei acalmar a situação, explicar que não tinha a intenção de magoá-la, mas as palavras dela eram como socos emocionais, e a discussão tomou rumos que eu não imaginava. Sentimentos confusos e magoados preenchiam o espaço entre nós, transformando a amizade que um dia foi meu porto seguro em um terreno incerto, cheio de espinhos.

Enquanto Emma desferia suas palavras afiadas, a verdade cruel começou a emergir. Ela estava apaixonada por Elijah, e a notícia do nosso inocente passeio a algumas semanas a atingiu como uma flecha no coração. Sentimentos de culpa começaram a pesar sobre mim, pois Elijh era meu melhor amigo, alguém que eu considerava como um irmão.

— Você sabia, não sabia? - Emma questionou com um misto de tristeza e raiva, seus olhos refletindo a dor da descoberta.

As palavras dela ressoaram em meu peito como um eco acusador. Eu realmente não tinha percebido os sentimentos de Emma por Lucas, e a revelação da sua paixão fez com que eu me sentisse culpada por um momento de descontração, um gesto inocente que se tornou o catalisador de uma confusão emocional.

— Emma, eu sinto muito. Eu não sabia que você gostava do Elijah desse jeito. Foi só um passeio, nada mais. Eu nunca quis machucar você. - Tentei explicar, mas minhas palavras pareciam frágeis diante da tempestade de emoções que havia se formado.

A amizade entre nós estava agora envolta em uma névoa de incompreensão e tristeza. Eu me perguntava como poderia reparar o quebrado e reconstruir a confiança que havia se despedaçado naquele momento.

O empurrão de Emma me desequilibrou, e eu caí no chão com um grito de dor. Enquanto eu tentava me recuperar, ela continuou desferindo palavras cruéis, como lâminas afiadas cortando minha alma.

— Você é patética! Não acredito que tentei ser legal com você! - Emma gritava, seu rosto contorcido de raiva.

Elijah, na tentativa de intervir, só piorou a situação. Ele tentou acalmar os ânimos, mas Emma não estava disposta a ouvir razões naquele momento. As palavras dela eram venenosas, e eu sentia o peso emocional das acusações.

— Vocês dois merecem se afundar juntos! Se merecem! - Emma continuava, despejando sua fúria.

Enquanto tentava me levantar, senti um gosto metálico na boca. Toquei meu lábio superior e vi sangue. O empurrão e as palavras tinham deixado marcas não apenas emocionais, mas também físicas.

— Isso é demais, Emma! Você está indo longe demais. - Elijah tentou intervir, mas as emoções estavam fora de controle.

A cena se desenrolava em meio a lágrimas, sangue e palavras que cortavam mais profundamente do que qualquer ferida física. O que antes era uma amizade próxima agora estava despedaçado, e eu me encontrava no centro de uma tempestade emocional que não podia controlar.

Com as lágrimas turvando minha visão, levantei-me do chão, tentando esconder a dor que emanava de mim. Limpei o sangue dos lábios, mas as lágrimas continuavam a escorrer, traçando caminhos úmidos por minhas bochechas. Cada passo era uma tentativa de afastar a dor, a decepção e a angústia que agora ocupavam meu coração. Caminhei pelos corredores da escola, tentando evitar olhares curiosos e compassivos. Minha primeira briga de amor deixou marcas não apenas físicas, mas cicatrizes emocionais que, por ora, pareciam irreparáveis. As palavras cortantes de Emma ecoavam em minha mente, uma trilha sonora cruel para o momento difícil que vivia.

Adentrei a sala de aula, ainda sentindo a dor física dos arranhões e o peso emocional da briga recente. O silêncio tenso pairava no ar, enquanto todos pareciam conscientes da atmosfera carregada. Alguns colegas lançavam olhares curiosos e sussurravam entre si, talvez cientes do conflito que havia ocorrido entre mim, Emma e Elijah. Escolhi uma carteira próxima à janela, buscando um pouco de ar fresco para acalmar meus nervos. O professor entrou na sala, notou o clima pesado, mas optou por não abordar a situação naquele momento. O silêncio constrangedor persistiu durante a aula, intercalado por suspiros e olhares furtivos.

O som monótono do professor tentava encobrir a turbulência emocional que permeava o ambiente. Cada palavra proferida pelo docente era um esforço para manter a normalidade, mas a tensão persistia. Durante o intervalo, evitei cruzar olhares com Emma, que permanecia em um canto da sala, trocando conversas acaloradas com algumas amigas. O murmurar constante das vozes ao meu redor contribuía para o peso que eu carregava.

O sinal anunciou o fim da aula, e Emma e eu saímos da sala, ainda imersas no clima pesado que pairava entre nós. Ao chegar ao corredor, avistei o diretor, que nos aguardava com uma expressão séria. O coração acelerou, antecipando a conversa que se desenrolaria. O diretor nos conduziu até sua sala, onde nos pediu para nos sentarmos. As cadeiras pareciam mais desconfortáveis naquele momento tenso. O olhar severo do diretor era acompanhado de uma expressão que indicava sua preocupação com a situação.

— Bom, senhoritas, estou ciente do incidente que ocorreu no intervalo. Precisamos resolver isso de maneira adequada. Emma, por favor, comece nos contando sua versão dos fatos.

— Diretor, a Ana quer roubar o Elijah de mim! Ele é meu amigo, e ela fez isso de propósito para me magoar.

— Entendi. Agora, Ana, gostaria de ouvir sua versão.

— Diretor, eu não tinha a intenção de magoar a Emma. Eu não quero roubar ninguém, eu e o Elijah somos amigos a algumas semanas, nem na minha festa de aniversário ele veio, de certo estava com Emma naquele dia. Sempre preservou as amizades. Não sabia que ela tinha sentimentos por ele.

— Compreendo. Emma, você poderia ter uma atitude mais civilizada em relação a isso. Brigar não leva a lugar algum. E Ana, é importante considerar os sentimentos dos outros antes de agir.

A bronca do diretor recaiu sobre nós duas, cada uma com sua cota de responsabilidade. Ouvimos atentamente suas orientações e prometemos tentar resolver o conflito de forma pacífica. Ao sair da sala, a tensão persistia entre Emma e eu, e o desafio de encontrar uma solução amigável pairava sobre nossos ombros.

Chego em casa, jogo a mochila no sofá e corro para o quarto, bufando de raiva, minha mãe vendo isso vai atrás de mim e logo nota que estou ferida.

— O que aconteceu com você? Seu lábio está machucado! - minha mãe exclamou ao me ver entrar em casa bufando de raiva.

— Emma... ela ficou sabendo que aelijah veio aqui em casa naquele dia li. Eu nem sabia que ela gostava dele assim. Foi horrível, mãe. - desabafei, sentindo as lágrimas escorrerem.

Minha mãe me olhou com preocupação e um misto de compreensão.

— Às vezes, as pessoas reagem mal quando estão machucadas. Mas você não merece passar por isso. Vamos limpar esse machucado e depois conversamos.

Após um sermão sobre as complexidades dos relacionamentos e a necessidade de respeitar os sentimentos dos outros, minha mãe me ofereceu um abraço acolhedor. Desabei em lágrimas nos braços dela, despejando toda a dor que carregava. Sua voz suave tentava amenizar o sofrimento que eu sentia.

— Às vezes, o amor nos leva por caminhos difíceis, querida. Mas lembre-se, você é forte e vai superar isso. - disse minha mãe, tentando oferecer consolo.

A primeira briga de amor havia deixado sua marca, mas também me proporcionou uma lição dolorosa sobre as complexidades do coração. Enquanto eu tentava sarar as feridas visíveis, sabia que as cicatrizes emocionais levariam mais tempo para cicatrizar.

Minha mãe, após acalmar meu choro, tomou a decisão de ligar para a mãe de Emma. Pegou o telefone e discou o número, sua expressão séria evidenciava a indignação com o comportamento da amiga de infância. Os minutos da ligação foram permeados por uma conversa tensa, onde minha mãe exigia que ela criasse melhor sua filha e que parasse de bater em mim e em qualquer outra criança.

— Não é aceitável que Emma aja assim. Precisamos de respeito e empatia, não de violência. Por favor, tome providências antes que algo pior aconteça. - minha mãe argumentava com firmeza.

Após desligar o telefone, minha mãe olhou para mim com um misto de preocupação e determinação. Ela sugeriu que fôssemos até a sala comercial pessoalmente para resolver alguns detalhes. Optamos por pegar um táxi, pois meu pai já estava nos esperando lá. Vesti-me rapidamente, tentando disfarçar os sinais da confusão na escola. Ao descer as escadas, encontrei minha mãe com um olhar compreensivo e corajoso. Ela estava vestindo um blazer elegante, sinalizando a seriedade desse passo importante para a nossa família.

No táxi, o clima era de expectativa e nervosismo, mas também de esperança. Minha mãe quebrou o silêncio, expressando suas intenções para a nova loja de eletrônicos. A conversa variava entre os desafios enfrentados na escola e a empolgação por essa nova empreitada.

Meu pai nos recebeu com um sorriso caloroso à porta da sala comercial. Seus olhos brilhavam de expectativa, e eu podia sentir a energia otimista que ele irradiava. Vestido de forma casual, ele transmitia a sensação de que estávamos prestes a embarcar em uma jornada empolgante. Entramos na sala e imediatamente fui envolvida pela atmosfera vazia, mas repleta de potencial. Paredes nuas, chão frio, um espaço que aguardava para ser transformado em algo significativo. Minha mãe e meu pai começaram a discutir planos, imaginando onde cada prateleira, cada balcão, e cada produto estariam posicionados.

Observando-os, percebi a determinação em seus rostos. A ideia da loja de eletrônicos era mais do que um investimento comercial; era uma expressão de seus sonhos, de recomeços, e da nossa busca por algo melhor. Eu, por minha vez, perambulava pela sala vazia, imaginando como seria quando tudo estivesse pronto. As paredes poderiam testemunhar risos, discussões sobre tecnologia, e histórias de clientes satisfeitos. Era um novo capítulo se abrindo para nós, e a sala comercial ainda vazia parecia uma tela em branco esperando para ser preenchida com as cores da nossa jornada.