A menina dos Milagres

Cura Além Da Memória


Após a conversa animada com Sophia, ouvi minha mãe chamar que o jantar estava pronto. Desliguei o celular e desci até a cozinha, onde me sentei à mesa, esperando ansiosamente pela refeição que minha mãe havia preparado com tanto carinho.

— Oi, querida! Como foi o seu dia? - perguntou minha mãe, enquanto servia o jantar.

— Foi ótimo, mãe! Treinei vôlei e também fiz minha lição de casa. - respondi, sorrindo para ela.

— Que bom saber! Espero que esteja se divertindo com os treinos. - comentou ela, com um olhar carinhoso.

Enquanto conversávamos, ouvimos a porta da frente se abrir e meu irmão Vitor entrar em casa.

— Oi, pessoal! Cheguei! - anunciou ele, cumprimentando a todos com um sorriso.

— Oi, Vitor! Como foi o seu dia? - perguntou minha mãe, enquanto ele subia as escadas em direção ao seu quarto.

— Foi tranquilo, mãe. Só estudei um pouco na biblioteca da escola. - respondeu ele, sumindo pela porta do quarto.

Observando meu irmão ir embora, sorri para minha mãe, agradecendo silenciosamente pela família amorosa que tínhamos. Estava feliz em compartilhar aquele momento especial com eles, desfrutando da comida deliciosa e da companhia acolhedora.

Após alguns minutos, Vitor finalmente desceu para se juntar ao jantar. Ele estava descalço, o que fez minha mãe franzir o cenho em desaprovação.

— Vitor, onde estão seus sapatos? Você não pode sentar à mesa assim! - repreendeu minha mãe, cruzando os braços.

Vitor revirou os olhos, um pouco contrariado, mas logo se dirigiu ao seu quarto para obedecer à ordem materna. Ele retornou vestindo um par de chinelos, exibindo um sorriso travesso no rosto.

— Pronto, mãe! Está melhor agora? - perguntou ele, fazendo uma pose engraçada.

— Sim, agora sim. - respondeu minha mãe, com um suspiro de alívio.

Vitor então se juntou a nós à mesa, e logo retomamos nossa refeição, compartilhando histórias e risadas. Estava feliz por termos resolvido o pequeno desentendimento de maneira tranquila e poder continuar desfrutando do jantar em família.

Após terminar o jantar, Vitor rapidamente se levantou da mesa e anunciou que iria sair.

— Já está saindo, Vitor? - perguntou meu pai, olhando para o relógio na parede. - Já está ficando tarde, não acha?

Vitor deu de ombros, explicando sua saída. - Eu sei, pai, mas prometi levar a Angélica ao cinema. Não posso deixá-la esperando.

Meu pai assentiu, compreendendo. - Tudo bem, mas na próxima vez, traga-a para que possamos conhecê-la, está bem? Gostaríamos de conhecê-la pessoalmente.

Vitor concordou com um aceno de cabeça. - Pode deixar, pai. Farei isso.

Com um aceno de despedida, Vitor saiu pela porta, deixando-nos para trás na sala de jantar. Minha mãe suspirou e começou a recolher os pratos da mesa, enquanto meu pai e eu continuamos a conversar sobre nossos planos para o final de semana.

— Como foi seu dia na escola hoje, Ana? - perguntou meu pai, enquanto ele observava a minha mãe guardando o jantar.

— Foi bom, pai! Tivemos aula de matemática de manhã, e depois tivemos um trabalho em grupo na aula de ciências.

— Que legal! Como foi o trabalho em grupo? Vocês conseguiram se organizar bem? - indagou ele, curioso.

— Sim, pai! Foi legal trabalhar com meus amigos. Nós nos organizamos bem e conseguimos terminar tudo a tempo. - expliquei, sorrindo.

— Fico feliz em ouvir isso. E como está indo o vôlei? - ele perguntou, virando-se para mim com um sorriso.

— Está ótimo, pai! Estou me esforçando bastante nos treinos. O torneio de interséries está chegando, e eu estou animada para representar nossa escola. - respondi, animada.

— Isso é ótimo, Ana! Continue se dedicando. Tenho certeza de que você vai se sair muito bem. - disse ele, orgulhoso.

— Obrigada, pai. Vou fazer o meu melhor. - respondi, sentindo-me grata pelo apoio dele.

Continuamos conversando enquanto minha mãe terminava de guardar tudo e lavar a louça, compartilhando histórias do nosso dia e fortalecendo nosso vínculo familiar. Era reconfortante ter um pai tão presente e amoroso como ele ao meu lado.

— Bom, acho que já está na hora de dormir, não é mesmo? - disse minha mãe, olhando para o relógio na parede.

— Já? Parece que acabamos de jantar! - comentei, surpresa.

— Sim, o tempo voa quando estamos juntos. Vamos lá, querida, é hora de descansar. - respondeu ela, sorrindo gentilmente.

Me despedi do meu pai com um abraço e um beijo na bochecha antes de seguir minha mãe até o banheiro para escovar os dentes. Enquanto fazíamos nossa rotina noturna, aproveitei para puxar assunto.

— Mãe, eu já sou grande o suficiente para dormir sozinha, sabia? - comentei, tentando parecer mais madura.

— Ah, eu sei, querida. Mas não custa nada eu te fazer companhia até você pegar no sono, não é mesmo? - respondeu ela, com carinho.

Concordei com um sorriso e, depois de terminarmos nossa rotina, seguimos para o meu quarto. Minha mãe me cobriu com o edredom e me deu um beijo na testa.

— Boa noite, meu amor. Durma bem. - disse ela, carinhosamente.

— Boa noite, mãe. Obrigada por tudo. - respondi, sentindo-me grata por tê-la ao meu lado.

Ela se virou para sair do quarto, mas eu segurei seu pé de brincadeira.

— Mãe, eu já sou crescida, posso dormir sozinha, sabe? - disse, com um sorriso travesso.

Ela riu suavemente e me deu um olhar carinhoso. - Tudo bem, querida. Boa noite.

Assim que ela saiu do quarto, me aconcheguei na cama e fechei os olhos, sentindo-me segura e amada.

Na manhã seguinte eu acordei com uma sensação de serenidade. O sol dourado banhava o meu quarto, criando um cenário de esperança. A reportagem, embora tivesse lançado sombras sobre a minha jornada, não tinha conseguido apagar completamente a luz interior que me guiava. Enquanto eu me preparava para mais um dia, eu decidi enfrentar os desafios com coragem. A minha mãe me incentivou a permanecer fiel a mim mesma, mesmo diante das críticas injustas. A verdadeira fé, eu aprendi, não era abalada por palavras cruéis, mas sim fortalecida pela resiliência do coração. O dia anterior na escola foi desafiador, mas eu mantive a cabeça erguida.

A campainha tocou, e minha mãe foi atender. Poucos minutos depois, ela apareceu na porta do meu quarto com uma expressão preocupada.

— Ana, a senhorita Madison, a jornalista daquele programa de TV, está aqui. Ela gostaria de falar com você sobre a reportagem que foi ao ar hoje na escola. Você gostaria de conversar com ela? - perguntou minha mãe, cautelosa.

Respirei fundo antes de responder, sabendo que essa seria uma conversa delicada.

— Não, mãe. Acho que não quero falar com ela. - respondi, com firmeza. - Estou cansada de ser usada para alimentar histórias sensacionalistas.

Minha mãe pareceu entender, assentindo em silêncio. Ela então se dirigiu à porta para comunicar à jornalista minha decisão.

— Desculpe, senhoria Madison, mas Ana não deseja conceder uma entrevista no momento. - ouvi minha mãe dizer, transmitindo minha recusa com delicadeza.

A jornalista parecia desapontada, mas aceitou a resposta com profissionalismo. Enquanto ela se afastava, senti um misto de alívio e determinação. Eu não permitiria que minha história fosse distorcida ou explorada para ganhos midiáticos. Era hora de me manter fiel a quem eu realmente sou e proteger minha verdadeira essência, custasse o que custasse.

No silêncio reconfortante do meu quarto, naquela manhã, voltei ao meu diário com determinação renovada. Peguei a caneta e comecei a escrever com palavras de força e resistência. Prometi a mim mesma que não permitiria que as sombras da descrença obscurecessem a luz da minha fé. Minha jornada, agora marcada por desafios mundanos e adversidades, prometia ser um testemunho de resiliência e autenticidade. Cada obstáculo seria enfrentado com a coragem de quem segue seu coração e acredita no poder do amor e da compaixão.

Notre Dame, mais do que nunca, tornou-se um refúgio onde a verdadeira fé prosperava. Ali, eu encontrava conforto e inspiração para enfrentar os desafios que surgiam em meu caminho. Como uma mensageira divina, eu estava determinada a continuar espalhando luz e esperança, mesmo diante das dificuldades. Cada palavra que eu escrevia era um lembrete para mim mesma: não importa quão difícil seja o caminho, a minha fé me guiará através das sombras, iluminando o meu caminho e mostrando-me a verdadeira essência do meu ser. Eu era uma força a ser reconhecida, e nada poderia deter o brilho da minha alma.

Após terminar de escrever no meu diário, cuidadosamente guardei-o em seu lugar habitual e desci até a sala. Minha mãe estava concentrada em seu bordado, as linhas coloridas dançando em suas mãos habilidosas. Me aproximei dela com carinho e dei um beijo suave em sua testa.

— Bom dia, mãe. - Cumprimentei com um sorriso gentil.

Ela ergueu os olhos do bordado e retribuiu o sorriso. - Bom dia, querida. Como está se sentindo hoje?

— Estou bem, obrigada. Eu estava pensando em treinar um pouco mais com minha bola de vôlei. Você se importa? - Perguntei, ansiosa para continuar minha prática.

— Claro que não, querida. Vá em frente e divirta-se. - Ela respondeu, com um aceno encorajador.

Agradeci e me despedi dela antes de sair pela porta em direção ao quintal, determinada a aprimorar minhas habilidades no vôlei.

— Tenha um bom treino, Ana! - minha mãe chamou enquanto eu saía.

— Obrigada, mãe! Até mais tarde! - respondi com um aceno, já ansiosa para começar meu treino.

Saí para o quintal e peguei minha bola de vôlei, sentindo a empolgação crescer dentro de mim. O sol brilhava no céu, e uma brisa suave acariciava meu rosto enquanto eu começava a treinar meus passes e cortadas. Enquanto me concentrava nos movimentos, pude ouvir minha mãe voltar para o seu bordado na sala. Era reconfortante estar em casa, cercada pelo amor e apoio da minha família.

Depois de algum tempo de treino, comecei a sentir-me mais confiante em minhas habilidades. Decidi praticar mais algumas jogadas antes de voltar para dentro de casa. Ao terminar o treino, guardei minha bola e entrei na sala, encontrando minha mãe ainda concentrada em seu bordado.

— O treino foi ótimo, mãe! Estou me sentindo cada vez mais preparada para o torneio. - compartilhei, sorrindo para ela.

— Fico feliz em ouvir isso, querida! Tenho certeza de que você vai arrasar no torneio. - ela respondeu, orgulhosa.

— Obrigada, mãe. - agradeci, sentindo-me grata pelo apoio dela.

Depois de lavar as mãos e me refrescar um pouco, juntei-me a minha mãe na sala, pronta para relaxar e desfrutar do resto do dia em casa.

— Bem, acho que é hora de começarmos a preparar o almoço, não é mesmo? - anunciou minha mãe, levantando-se do sofá.

— Claro, mãe! Posso te ajudar com alguma coisa? - ofereci, pronta para colaborar na cozinha.

— Claro, querida. Você pode cortar esses legumes enquanto eu preparo o restante. - sugeriu ela, indicando uma cesta de legumes sobre a bancada.

Comecei a cortar os legumes conforme as instruções da minha mãe, aproveitando a oportunidade para passar mais tempo ao lado dela. Enquanto estávamos ocupadas na cozinha, eu não pude deixar de perguntar sobre meu pai.

— Mãe, aonde o papai foi? - questionei, curiosa sobre sua ausência.

— Seu pai saiu para resolver algumas coisas na cidade, mas ele logo estará de volta. - respondeu ela, enquanto mexia suavemente uma panela no fogão.

Assenti, satisfeita com a resposta, e continuamos trabalhando juntas na preparação do almoço. Era reconfortante estar na cozinha com minha mãe, compartilhando momentos simples e significativos enquanto cuidávamos um do outro.

— Espero que ele não demore muito. - comentei enquanto continuava a cortar os legumes.

— Tenho certeza de que ele não vai demorar. Seu pai sempre volta para casa no horário do almoço. - respondeu minha mãe, tranquilizando-me.

Conforme trabalhávamos juntas na cozinha, a conversa fluía naturalmente entre nós. Eu valorizava esses momentos de conexão com minha mãe, nos quais podíamos compartilhar nossos pensamentos e preocupações.

— Mãe, estou animada para o torneio de vôlei. Mal posso esperar para representar nossa escola junto com a equipe. - compartilhei, empolgada com a competição que se aproximava.

— Tenho certeza de que você vai se sair muito bem, querida. Estamos todos muito orgulhosos de você. - respondeu ela, sorrindo com ternura.

Senti um calor reconfortante ao ouvir suas palavras de encorajamento. Saber que minha mãe estava ao meu lado me dava a confiança necessária para enfrentar os desafios que estavam por vir. Continuamos trabalhando juntas na cozinha, aproveitando a companhia uma da outra enquanto preparávamos o almoço com amor e carinho. Era momentos como esses que tornavam nossa família tão especial e unida.

Assim que ouvi o som da porta se abrir, larguei os legumes e corri em direção à entrada, ansiosa para receber meu pai de volta. Ele entrou na casa carregando sacolas do supermercado, e imediatamente meus olhos se iluminaram com a esperança de que ele tivesse me trazido algum agrado.

— Papai! - chamei, abrindo os braços para um abraço.

Ele me envolveu em seus braços com ternura, retribuindo o abraço com carinho. - Oi, meu amor. Que bom te ver.

— O que você trouxe, papai? - perguntei, mal conseguindo conter minha curiosidade.

Antes que ele pudesse responder, minha mãe interveio, com um tom de advertência. - Ana, você não deveria comer nada agora. Vai estragar o almoço.

Meu pai sorriu, entendendo a situação. - É verdade, filha. Vamos esperar até o almoço para comer.

Senti uma pontada de decepção, mas logo concordei, sabendo que minha mãe estava certa. - Tudo bem, mãe. Vou esperar.

Com um suspiro resignado, dei um último abraço em meu pai antes de voltar para a cozinha. Ainda ansiosa para descobrir o que ele havia trazido, mas disposta a seguir as regras da casa. Ao abrir as sacolas que meu pai trouxe do supermercado, descobri alguns dos meus petiscos favoritos, como biscoitos de chocolate, uma barra de chocolate ao leite e até mesmo um pacote de balas coloridas. Além disso, ele também havia comprado algumas revistas de vôlei, sabendo do meu interesse pelo esporte.

— Olha só, Ana, trouxe algumas coisinhas para você. - disse meu pai, sorrindo enquanto mostrava os itens que tinha comprado.

Meus olhos se iluminaram de alegria ao ver as guloseimas e as revistas. - Uau, obrigada, papai! Você sempre sabe como me fazer feliz. - agradeci, emocionada com o gesto carinhoso dele.

— De nada, querida. Espero que goste. - respondeu ele, dando-me um beijo na testa.

Guardamos os petiscos e as revistas na cozinha, prontos para serem desfrutados depois do almoço. A gentileza e o carinho do meu pai eram um lembrete constante do amor e apoio que eu tinha em minha vida, o que me deixava imensamente grata por fazer parte dessa família amorosa.

Após algum tempo na cozinha, minha mãe finalmente anunciou que o almoço estava pronto. Nos sentamos à mesa e desfrutamos de uma refeição deliciosa, compartilhando histórias e risadas enquanto saboreávamos os pratos preparados com tanto carinho por ela. Depois de terminarmos de comer, meu pai prontamente se ofereceu para ajudar com a louça, e juntos limpamos e organizamos a cozinha. Sua disposição em colaborar nas tarefas domésticas era um reflexo do espírito de equipe que prevalecia em nossa família.

Quando tudo estava devidamente arrumado, subi até meu quarto, sentindo-me sonolenta depois da refeição farta. Deitei-me na cama e fechei os olhos, permitindo-me render ao cansaço e tirar um cochilo revigorante. O conforto do meu quarto e a tranquilidade da tarde me embalaram suavemente para um sono reparador. Naquela tarde, acordo mais tarde, o sol derramava o seu calor reconfortante sobre Notre Dame, e eu decidi que era hora de buscar a normalidade que um dia fora o meu cotidiano. Vestindo um simples vestido floral, eu desci as escadas com uma determinação renovada, deixando para trás o peso da reportagem e as incertezas que me tinham abalado na escola, no dia anterior.

No jardim, o meu fiel cachorro, um labrador chamado Max, correu para me encontrar. Os olhos de Max brilhavam com lealdade enquanto eu acariciava o seu pelo macio. Juntos, corremos pelo gramado verdejante, compartilhando risos e brincadeiras, como nos dias em que a vida era simples e descomplicada.

Ao me aproximar do campo onde Vitor e a garota estavam, pude ouvir o som das pedras batendo na lata improvisada. O riso deles ecoava pelo ar, preenchendo a tarde tranquila com uma atmosfera de diversão. Curiosa para saber quem era a companhia de Vitor, me aproximei lentamente, observando-os de longe.

Vitor logo percebeu minha presença e se virou para me cumprimentar, com um sorriso travesso no rosto. - Ei, Ana! Deixe-me apresentar-lhe a Angélica. Angélica, esta é minha irmã, Ana.

Eu me aproximei um pouco mais, sentindo-me desapontada por ele ter trazido Angélica sem tê-la apresentado aos nossos pais primeiro. - Olá, Angélica. - cumprimentei, tentando disfarçar minha surpresa.

Angélica sorriu calorosamente e estendeu a mão para um aperto. - Prazer em conhecê-la, Ana. Seu irmão fala muito de você.

Eu retribuí o sorriso, sentindo-me um pouco mais à vontade com a situação. - O prazer é meu, Angélica. Espero que esteja se divertindo por aqui.

A troca de cumprimentos foi cordial, mas por dentro eu ainda me questionava por que Vitor não havia mencionado nada sobre trazer sua namorada para casa. Talvez ele estivesse apenas aproveitando a tarde com ela, sem pensar muito nas formalidades. Resolvi deixar esses pensamentos de lado e me juntar a eles, aproveitando o restante da tarde ao ar livre.

— Ana, você se juntará a nós? - chamou Vitor, sorrindo enquanto arremessava uma pedra com destreza. Eu assenti com um sorriso, unindo-me à brincadeira. A simplicidade do momento, longe das expectativas e julgamentos, trouxe-me uma sensação de liberdade. Cada pedra lançada era um ato de reafirmação da minha identidade, um gesto de autonomia sobre a narrativa que eu escolhia viver.

A tarde se desenrolava com risadas, conversas descontraídas e a cadência melódica das pedras colidindo com a lata. O aroma suave das flores do jardim permeava o ar, enquanto o sol se inclinava gentilmente no horizonte, pintando o céu com tons quentes de laranja e rosa. À medida que o dia se despedaçava em nuances de crepúsculo, a comunidade de Notre Dame testemunhava eu recuperando a minha essência, afastando-me das sombras que ameaçavam obscurecer a minha luz interior. Os murmúrios desapareceram, substituídos pela harmonia familiar e pela felicidade de uma tarde simples e significativa.

— Bom, acho que já está na hora de irmos, Angélica. Vou te levar para casa. - disse Vitor, dirigindo-se a sua namorada.

Eu fiquei um pouco desconfortável com a situação, preocupada com o fato de ele não ter mencionado nada para nossos pais. No entanto, decidi não criar caso e apenas concordar com o pedido de meu irmão mais velho.

— Tudo bem, Vitor. Não se preocupe, não vou contar nada para os nossos pais. - respondi, tentando parecer calma.

Angélica assentiu com um sorriso, demonstrando compreensão. - Obrigada, Ana. Foi um prazer conhecê-la.

— Igualmente, Angélica. Até mais. - respondi, retribuindo o sorriso.

Enquanto os dois se afastavam, observei-os com uma sensação de desconforto persistente. No entanto, decidi deixar minhas preocupações de lado por enquanto e confiar que meu irmão sabia o que estava fazendo.

Ao retornar para casa, eu percebi que o verdadeiro milagre não estava apenas nas curas que eu realizava, mas na capacidade de me reconectar com a minha humanidade. A fama, a pressão e as críticas eram desafios, mas Notre Dame era um refúgio onde eu podia ser simplesmente Ana, a garota comum que amava a sua família, brincava com o seu cachorro e desfrutava de momentos de paz.

Eu ouvi o silêncio da noite, quebrado apenas pelo som dos meus pensamentos. A minha fama ecoava além das fronteiras do vilarejo, alcançando corações ansiosos por esperança. Eu sabia que muitas pessoas queriam me ver, me tocar, me pedir ajuda. Eu sabia que muitas pessoas acreditavam no meu milagre, na minha missão, no meu destino. Mas eu também sabia que nem todas as pessoas eram assim. Algumas pessoas duvidavam de mim, me criticavam, me rejeitavam. Algumas pessoas não entendiam a minha fé, a minha luz, o meu amor.

Uma dessas pessoas era Beatrice, uma senhora cuja mãe lutava contra o Alzheimer. Ela tinha ouvido falar das minhas incríveis habilidades, e decidiu trazer a sua mãe até a minha casa. Ela chegou na porta, carregando a senhorinha debilitada nos braços. O seu coração pulsava com uma mistura de ansiedade e esperança. Ela me chamou, e eu prontamente fui ao seu encontro. Eu vi nos olhos de Beatrice uma mistura de desespero e fé. Ela me contou sobre a condição da sua mãe, os dias de sofrimento, e como a medicina convencional tinha desistido de oferecer qualquer esperança.

— Ana, ouvi falar do seu milagre. Eu sei que é pedir muito, mas por favor, você poderia tentar ajudar a minha mãe? Eu não sei mais a quem recorrer - ela suplicou, segurando as mãos trêmulas da sua mãe. Eu senti a angústia e a fé nos olhos de Beatrice, e ouvi um chamado maior. Eu assenti com compaixão.

— Vamos tentar algo. A fé pode ser uma força poderosa.

Eu levei as duas para dentro da minha casa, e formamos um círculo de esperança. Eu fechei os olhos, e comecei a orar silenciosamente. O silêncio tomou conta do ambiente, interrompido apenas pelo sussurro suave das minhas palavras. A senhorinha, que inicialmente parecia distante, começou a responder de maneira surpreendente. Uma centelha de reconhecimento brilhou nos seus olhos, e palavras esquecidas começaram a fluir. O milagre estava acontecendo diante dos meus olhos, e dos olhos de Beatrice, que mal podia conter a emoção. O encontro na porta da minha casa tornou-se um marco, não apenas para Beatrice e sua mãe, mas para todo o vilarejo que testemunhava mais um milagre meu. A notícia espalhou-se como um raio de esperança, ecoando nos corações daqueles que acreditavam que, através da fé e da compaixão, milagres poderiam acontecer, mesmo nos lugares mais inesperados.

Beatrice, ao ver a sua mãe recuperar a lucidez, não conseguiu conter as lágrimas. Ela abraçou a senhorinha com força, sentindo o seu calor e o seu carinho. Ela olhou para mim, com gratidão e admiração. Ela não sabia como me agradecer, eu tinha realizado o seu maior desejo.

— Ana, eu não sei como te agradecer. Você fez um milagre pela minha mãe, pela minha família, por mim. Você devolveu a minha esperança, a minha alegria, a minha fé. Você é um anjo, uma bênção, uma luz.

Eu senti uma emoção profunda ao ouvir as palavras de Beatrice. Eu sorri, com humildade e bondade. Eu não me sentia merecedora de tanto elogio, mas sabia que estava cumprindo a minha missão. Eu abracei Beatrice.

— Beatrice, eu não fiz nada sozinha. Foi Deus quem me deu esse dom, e quem me guiou até você. Foi a sua fé que permitiu que o milagre acontecesse. Eu só fiz o que ele me pediu, e o que ele me permitiu. Beatrice me olhou com admiração.

— Ana, você é uma pessoa especial, e eu tenho certeza de que Deus tem um plano para você. Você tem uma luz que ilumina o mundo, e que inspira as pessoas. Você tem uma missão que transcende o comum, e que toca o divino. Você tem um dom que cura o corpo, e que salva a alma.

— Beatrice, você é uma pessoa generosa, e eu tenho certeza de que Deus tem um amor por você. Você tem uma força que supera as dificuldades, e que sustenta a sua família. Você tem uma esperança que vence o desespero, e que renova a sua fé. Você tem uma mãe que te ama, e que te agradece.

— Ana, você é uma pessoa incrível, e eu tenho certeza de que Deus tem uma bênção para você. Você tem uma paz que acalma o coração, e que transmite confiança. Você tem uma alegria que contagia o ambiente, e que espalha felicidade. Você tem uma vida que vale a pena, e que merece ser vivida.

Eu me despedi de Beatrice e da sua mãe, e as acompanhei até a porta. Elas saíram da minha casa, levando consigo um milagre e uma gratidão. Eu fiquei na minha casa, sentindo em mim uma missão e uma luz.

ALGUMAS HORAS DEPOIS

Eu estava na minha casa, lendo um livro, quando ouvi alguém bater na porta. Eu fui atender, e me deparei com o doutor Ricardo. Ele era um médico famoso, que tinha perdido a sua esposa num trágico acidente de trânsito. Ele era um homem cético, que não acreditava em Deus, nem em milagres. Ele era um homem que queria me desmentir, me desafiar, me provar errada. Ele se apresentou, e disse que queria conversar comigo. Ele disse que tinha ouvido falar dos meus milagres, e que estava intrigado com eles. Ele disse que queria entender como eu fazia aquilo, e que tinha algumas perguntas para me fazer. Ele disse que era um homem da ciência, e que buscava a verdade. Eu não estava muito à vontade, mas aceitei conversar com ele. Eu o convidei para entrar, e o levei para a sala. Ele se sentou no sofá, e ligou o gravador. Então, ele começou a fazer as perguntas.

— Ana, como você descobriu que tinha esse dom de curar as pessoas e os animais?

— Eu já contei essa história, doutor. Foi depois do meu sonho celestial, que eu percebi que eu era especial. Que eu tinha uma luz única, que podia realizar milagres. Que eu tinha uma missão divina, que transcendia o ordinário.

— Um sonho celestial? Você tem certeza de que não foi apenas um delírio, uma alucinação, uma fantasia?

— Não, eu tenho certeza de que foi um sonho celestial. Eu senti a presença de Deus, a sua bondade, a sua paz. Eu ouvi a sua voz, que me disse que eu era a sua escolhida. Que ele me deu um dom, que eu deveria usar para o bem. Que ele me guiaria, me protegeria, me iluminaria.

— Você tem alguma prova de que esse sonho foi real? Você tem alguma evidência de que essa voz era de Deus?

— Não, eu não tenho nenhuma prova, nem nenhuma evidência. Eu só tenho a minha fé, que é a certeza das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se veem.

— Ana, você sabe que isso não é suficiente, não é? Você sabe que a fé não é um argumento válido, não é? Você sabe que a fé não pode ser testada, nem comprovada, nem refutada, não é?

— Sim, eu sei disso, doutor. Mas eu também sei que a fé não precisa disso. A fé não precisa de argumentos, nem de testes, nem de provas. A fé só precisa de confiança, de amor e de entrega.

— Ana, você é uma menina muito inteligente, mas também muito ingênua. Você não percebe que a fé pode ser uma armadilha, uma ilusão, uma mentira? Você não percebe que a fé pode ser usada para manipular, enganar, explorar? Você não percebe que a fé pode ser perigosa, nociva, destrutiva?

— Não, eu não percebo nada disso, doutor. Eu só percebo que a fé pode ser uma força, uma luz, uma verdade. Eu só percebo que a fé pode ser usada para ajudar, curar, salvar. Eu só percebo que a fé pode ser maravilhosa, benéfica, divina.

— Ana, eu sinto muito, mas eu não posso concordar com você. Eu não posso aceitar a sua fé, nem o seu dom, nem o seu milagre. Eu não posso aceitar Deus, nem a sua voz, nem a sua vontade. Eu só posso aceitar a razão, a ciência, a verdade.

— Doutor, eu sinto muito, mas eu não posso mudar a sua opinião. Eu não posso fazer você aceitar a minha fé, nem o meu dom, nem o meu milagre. Eu não posso fazer você aceitar Deus, nem a sua voz, nem a sua vontade. Eu só posso fazer você respeitar a minha escolha, a minha missão, o meu destino.

— Ana, eu agradeço pela sua conversa, mas eu não posso respeitar a sua escolha, a sua missão, o seu destino. Eu só posso respeitar a minha busca, a minha dúvida, a minha investigação.

— Doutor, eu lamento pela sua busca, pela sua dúvida, pela sua investigação. Eu espero que um dia você encontre a sua resposta, a sua paz, a sua fé.

O doutor desligou o gravador, e se despediu de mim. Ele saiu da minha casa, e foi embora. Eu fiquei na minha casa, e orei por ele. Eu pedi a Deus que o abençoasse, e que o iluminasse. Eu pedi a Deus que o perdoasse, e que o amasse. O doutor Ricardo, apesar dos seus esforços em me desmentir, sentiu-se intrigado pela minha resiliência e pela crença inabalável da comunidade. As minhas palavras ecoaram nos seus pensamentos, mas as feridas da sua própria perda continuavam a obscurecer a sua visão. Enquanto eu seguia o meu caminho, o doutor Ricardo encontrou-se em uma encruzilhada entre a fé e a razão. A sua jornada pessoal, impulsionada pelo desejo de compreender o inexplicável, estava apenas começando, lançando sombras sobre os alicerces da sua crença no mundo científico que sempre conheceu.