Seguimos através dos edifícios de Hampi. Kelsey ia apressada à frente. Eu estava logo atrás, silencioso.

Estava avaliando tudo o que acontecera no caminho de kishikinda: nossas aventuras, os perigos que corremos, nossa proximidade, nosso afastamento, as experiência na caverna negra e o beijo antes de reemergirmos no mundo real.

Eu havia finalmente entendido Kelsey. Ela estava assustada, com medo de se comprometer, talvez não estivesse absolutamente certa do meu amor por ela.

"Ela não percebeu que sou um homem e não um menino. Eu estou vivo há mais de 350 anos e já vi muita coisa e muitas pessoas. Eu sei quem eu sou e o que quero. Eu vou mostrar a ela que sou confiável."

Kelsey começou a seguir a trilha errada, então passei à sua frente, guiando-a ao caminho correto.

— Exibido.Vou pelo caminho errado, se quiser.

Avistamos o jipe e Kadam acenando para nós. Kelsey apressou-se e o abraçou calorosamente.

— Srta. Kelsey! Vocês voltaram. Conte-me o que aconteceu.

— Bom, preciso lhe dizer que esses últimos dias estão entre os piores da minha vida — falou enquanto colocava a mochila sobre o veículo — Enfrentamos macacos, kappa, cadáveres podres, picadas de cobras, árvores cobertas de agulhas e…

Ele ergueu a mão.

— O que quer dizer com esses últimos dias? Vocês saíram daqui na noite passada.

— Não. Ficamos fora pelo menos… — contou nos dedos — … pelo menos quatro ou cinco dias.

— Desculpe, Srta. Kelsey, mas a senhorita e Ren se despediram de mim na noite passada. Na verdade, eu ia dizer que vocês deveriam descansar um pouco e tentar de novo amanhã à noite. Acha mesmo que ficaram fora quase uma semana?

— Para falar a verdade, fiquei inconsciente por dois desses dias. Pelo menos foi o que o tigre aqui me disse.

Ela me olhou furiosa. Kelsey estava o tempo todo tentando me atingir com seu mau humor. E eu estava na defensiva, tentando convencê-la a confiar em mim.

— Dois dias? Nossa. Por que não voltamos para o hotel e descansamos? Podemos tentar conseguir o fruto amanhã à noite de novo.

— Mas, Sr. Kadam — falou, abrindo o zíper da mochila — não precisamos voltar. Conseguimos pegar o primeiro presente de Durga, o Fruto Dourado.

Ele ficou impressionado.

— Incrível! — exclamou.

— É uma manga. Faz todo o sentido. Afinal, a manga é muito importante para a cultura e o comércio da Índia.

Ela me olhou com um sorriso cínico, apossando-se de minhas palavras. Eu bufei e me deitei na grama, mas não me importei de verdade.

— Faz mesmo sentido, Srta. Kelsey. — Kadam ficou admirando o fruto por mais um momento e então tornou a embrulhá-lo na colcha. Ele juntou as mãos. — Isso é muito empolgante! Então vamos desfazer o acampamento e ir para casa. Ou talvez seja melhor irmos para um hotel para que possa descansar, Srta. Kelsey.

— Ah, está tudo bem. Não me importo de pegar a estrada. Podemos dormir no hotel hoje à noite. Quantos dias vamos levar para chegar em casa?

— Vamos precisar pernoitar mais duas vezes em hotéis em nossa viagem para casa.

Eu preferia ir direto para a casa. Ter que ficar me escondendo na floresta era muito trabalhoso. Mas seria impossível para Kelsey e Kadam ficarem na estrada tanto tempo sem descanso. E eu pelo menos poderia fugir para o quarto dela à noite, para matar a saudade.

Kelsey me olhou preocupad.

— E… Eu estava pensando que desta vez, se o senhor não se importar, podíamos ficar em um hotel maior. Sabe, algo que tenha mais gente. Com elevadores e quartos com chave. Ou, ainda melhor, um belo hotel bem alto em uma cidade grande. Bem, bem, bem longe da selva.

Eu entendi que Kelsey queria dificultar as coisas pra mim. Seria quase impossível acessar um hotel deste tipo. Mas eu daria um jeito. Kadam deu uma risadinha.

— Vou ver o que posso fazer.

Ela sorriu para Kadam e respondeu feliz:

— Ótimo! Podemos ir agora? Mal posso esperar para tomar um banho.

Abrindo a porta do lado do carona, ela sussurrou para mim

— Em meu belo quarto de hotel, num andar bem alto, inacessível a tigres.

Eu a olhei inocente antes de pular para o banco de trás. Ela riu perversamente e entrou no jipe. Eu me inclinei no banco e lhe dei um beijo de tigre, bem lambuzado, no rosto.

— Ren! Isso é nojento!

Ela apanhou uma camiseta e começou a limpar minha baba do seu rosto. Eu me deitei no banco de trás, divertindo-me com a cena. Ela se virou com a expressão irritada e abriu a boca para me falar algo. Mas desistiu quando o senhor Kadam entrou todo feliz no veículo.

Ele estava muito animado e queria fazer perguntas à Kelsey, mas ela lhe pediu que a deixasse dormir um pouco, pois estava cansada. Ele assentiu e permaneceu em silêncio até que ela pegasse no sono.

Em seguida, começou a falar comigo. Ele estava tão curioso que me perguntava se enfrentamos muitos perigos, como encontramos o fruto sagrado, queria saber como era Kishikinda, e porque Kelsey parecia estar irritada comigo. Eu não tinha como respondê-lo, então bufei e deitei minha cabeça sobre as patas fechando meus olhos.

Kadam reclamou frustrado, e disse que teríamos que lhe contar tudo mais tarde.

Assim que Kelsey acordou, Kadam lhe entregou um lanche e esperou que ela terminasse de comer. Em seguida lhe pediu para que lhe contasse como foi em Kishikinda.

Kelsey contou todos os detalhes importantes. Mas ela não mencionou que eu podia ficar na forma humana o tempo todo. Comecei a perceber que ela evitava falar de mim. Era como se ela e Fanindra estivessem sozinhas naquele lugar. Ela dizia “por sorte tínhamos a gada” ou “Por sorte tínhamos Fanindra”, mas não mencionou nenhuma vez “Ren” ou “o tigre”.

Depois de algumas horas, Kadam disse que precisava encontrar um lugar para me deixar e que estava preocupado em não encontrar um que fosse perto do hotel onde pretendiam se instalar. Kelsey me sorriu irônica e disse para Kadam que não se preocupasse .

— Ren é muito bom em conseguir o que quer. Ou melhor… em cuidar de suas necessidades. Tenho certeza de que ele vai achar sua longa noite sozinho na selva extremamente esclarecedora.

Eu percebi sua ironia. Ela ainda estava brava por causa do beijo e do meu comentário posterior. Kadam olhou para ela intrigado, mas assentiu. Ele parou o jipe perto da selva e abriu a porta para eu descer.

Eu estava melancólico por ter que ficar sozinho na selva, sem Kelsey. Esperava que ela sentisse minha falta.

Fui até seu lado no jipe, esperando que ela se despedisse de mim. Mas ela simplesmente virou-se para o outro lado.

Kadam me olhou intrigado, interrogativo. Eu baixei a cabeça e saí em disparada em direção à mata. Sequer me virei para ver o jipe se afastar. Estava triste pela maneira como as coisas estavam caminhando.

Entrei na densa floresta e resolvi caçar. Eu estava com fome e frustrado e queria extravasar. Consegui encurralar um porco espinho adulto. Acho que ele não esperava encontrar um tigre, porque apesar do meu pelo branco, ele não se deu conta da minha presença. O pequeno animal andava distraído pela mata e parou para se alimentar perto de uma árvore, próximo de onde eu estava.

Eu me aproximei pelas costas do animal, surpreendendo-o e o segurei entre meus dentes, abatendo-o. Mas antes de morrer, ele lançou espinhos que machucaram meu rosto e minha boca.

Mesmo machucado, eu comi o bicho todo, depois tentei me livrar dos espinhos. Fiquei ali, tentando retirá-los, mas era difícil fazer isso na forma de tigre. É muito comum animais grandes morrerem por causa dos espinhos daquele delicioso animal.

Eu me lembrei que já tinha mais de 24 horas que eu estava na forma de tigre, então resolvi me transformar em homem para me livrar dos incômodos espinhos. Afinal, Kelsey não queria mesmo saber de mim.

Além disso, eles dormiriam no hotel e descansariam lá por mais algumas horas. Quando voltassem pra me pegar, já teriam se passado quase 24 horas.

Assim que me transformei, comecei a retirar os espinhos, puxando-os dolorosamente com as mãos. Eram bem mais numerosos do que eu tinha pensado. Fiquei ali muito tempo, quase uma hora. Então percebi. Eu estava há quase uma hora na forma humana. Inacreditável!

Eu me transformei em tigre e em homem novamente. Fiquei testando o tempo. Já estava quase amanhecendo quando comecei a sentir os tremores. Eu já estava na forma humana havia quase seis horas. Me transformei logo em tigre, a fim de que sobrasse tempo para contar a novidade à Kadam.

Eles chegaram no início daquela tarde. Assim que farejei o jipe me aproximei da estrada e fiquei esperando. Quando estavam bem próximos, me transformei em homem e fui para a beira da estrada. Acenei chamando por Kadam, que desceu do veículo e aproximou-se de mim.

Eu lhe contei a novidade. Disse que tinha ficado quase 6 horas como homem. Disse ainda que precisava me transformar em tigre, mas que queria a ajuda dele para algo. Pedi que não contasse nada a Kelsey e que conversaríamos mais tarde. Ele ficou muito feliz e me abraçou satisfeito. Me transformei em tigre e entrei no jipe.

Kadam informou a Kelsey que, como eles estavam bem descansados, viajaríamos o resto do dia e a noite toda, antes deles pararem em outro hotel. Eu fiquei satisfeito porque, assim, passariam-se as horas necessárias até que eu pudesse me transformar em homem novamente. Kelsey continuava me ignorando, lendo seus livros. E eu aproveitei para tirar um cochilo.

Dormi a viagem quase toda. Já estávamos no início da tarde quando Kadam informou à Kelsey que precisava encontrar um local para eu ficar escondido. Ele estava ganhando tempo para mim.

Chegamos à beira da floresta, mas a estrada estava movimentada. Então Kadam entrou pela mata até um ponto seguro e desceu do carro, abrindo a porta para mim. Kelsey estava dormindo. Kadam me acompanhou e quando estávamos longe o suficiente, me disse que voltaria em uma ou duas horas.

Uma hora depois, ouvi o barulho do jipe. Kadam entrou novamente na mata e parou o veículo. Eu fui até ele e me transformei em homem. Ele me abraçou satisfeito e sorrimos um para o outro. Nós dois estávamos muito felizes. Começamos a conversar e eu contei a ele tudo o que aconteceu entre Kelsey e eu, inclusive nossas brigas.

— Você gosta muito dela não é Ren?

— Kadam, eu a amo!

— Ela também parece gostar de você Ren.

— Sim, eu acho que sim. Mas acho que ela está com medo de se relacionar comigo. Acho que é difícil pra ela namorar um tigre. Afinal, é assim que ela me vê. Ela convive com o tigre quase o tempo todo, então, quando me viu humano, ela ficou confusa. Talvez temendo que ao voltarmos, sentisse a falta do homem. Acho que era por isso que ela estava me evitando.

— Talvez você esteja certo.

Ele sorriu mudando de assunto:

— Nós nos hospedamos em um hotel não muito longe daqui. Reservei um quarto pra você. Você pode se transformar em homem para entrar e sair, e ficar no quarto como tigre. Assim você fica mais confortável e a senhorita Kelsey e eu ficaremos mais tranquilos. Essa cidade é muito movimentada e o tigre branco poderia ser facilmente visto por alguém.

— Ótimo. Meu quarto é perto do dela?

Ele riu

— Sim. Em frente ao dela.

— Ótimo! Sorri satisfeito.

— Fiz uma reserva no restaurante do hotel para nós três. Vamos comemorar! Mas precisaremos comprar roupas pra você...

— Kadam, eu vou adorar comemorar com o senhor em outra oportunidade, mas essa noite eu queria ficar sozinho com Kelsey. Nós precisamos acertar as coisas. Você se importa?

— Claro que não Ren, você tem toda razão. Leve Kelsey para jantar. Deixarei que vocês dois usem a reserva. Vamos comprar algo para você vestir e para ela também. O restaurante do hotel é um pouco sofisticado e afinal, será um jantar romântico não é?

Sorri dando tapinhas nas costas dele e caminhamos em direção ao jipe. Kadam me levou à cidade, onde escolhemos algumas roupas para mim.

Precisávamos escolher algo para Kelsey. A vendedora me mostrou alguns vestidos. Eu escolhi um de corpete justo e decote coração. As manguinhas eram curtas e o vestido descia até os joelhos. A saia era cor de ameixa e imaginei que combinaria com a pele dela. Escolhi um par de sandálias pretas altas de tiras com fivelas de diamante e uma presilha de cabelo com um lírio combinando. Ela ficaria linda vestida daquele jeito. Eu mau podia esperar.

Eu escolhi uma roupa e sapatos e saí da loja vestido com ela. Kadam me levou até o salão de beleza do hotel e eu cortei os cabelos. Ele me desejou boa sorte e foi para o quarto.

Eu entrei no meu e comecei a me arrumar. Escolhi um terno preto com camisa branca, que deixei aberta no colarinho, conforme a moça da loja havia me ensinado, calcei um par de sapatos pretos, muito bem engraxados e dirigi-me ao restaurante.

Eu ainda tinha três horas para ficar na forma humana. Entrei no restaurante à luz de velas com toalhas de mesa e guardanapos de linho branco. Uma senhorita me conduziu a uma área com janelas que iam do chão ao teto e cuja vista dava para as luzes da cidade abaixo. O visual era incrível e o clima era de romance.

A senhorita me informou que era a Hostess e me apresentou aos garçons que nos atenderiam naquela noite. Disse que aquela área estava reservada e que eu e minha companhia teríamos total privacidade. Sorri agradecendo e ela se retirou.

Não demorou até que Kadam chegasse com Kelsey. Eu ouvi o elevador se aproximar e senti o cheiro dela antes mesmo da porta se abrir. Eu estava sentado de costas para o elevador, e os ouvi conversando alegremente. Então, Kadam parou perto da porta e eu o ouvi dizendo:

— Srta. Kelsey, vou deixá-la com sua companhia para o jantar. Boa refeição.

Em seguida deixou o restaurante. Eu me levantei e me virei para ela, que estava de costas para mim.

— Sr. Kadam, espere. Não estou entendendo. Companhia para o jantar? Do que ele está falando? — disse virando-se para a Hostess.

Eu estava nervoso, ansioso. Mas respirei fundo e falei calmamente:

— Oi, Kells.

Ela continuou de costas para mim, completamente imóvel. Passei a mão pelos cabelos e perguntei frustrado:

— Você continua sem falar comigo? Vire-se, por favor.— me aproximando dela.

Segurei-a pelo cotovelo e a virei para mim. Ela me olhou surpresa:

— Ren.

Respondi sorrindo.

— Quem mais?

Ela estava mais linda do que eu poderia imaginar. O vestido acentuava suas curvas e marcava bem sua cintura. Uau, o corpo dela era incrível! Ela usava maquiagem leve e os cabelos estavam presos em um dos lados, com a presilha de lírio. Ela era de tirar o fôlego!

Ela me olhou de cima a baixo, mordendo os lábios. Parecia gostar do que estava vendo. Eu sorri satisfeito quando ela parou os olhos nos meus pés. Toquei seu queixo, levantando o rosto dela para mim. Então era minha vez de admirá-la.

E não foi um olhar rápido. Foi daqueles que envolvem tudo lentamente: o rosto lindamente emoldurado pelos cachos de seus cabelos castanhos, seu lindos olhos destacados pela maquiagem, a boca pintada de um vermelho parecido com o tom do vestido, seu longo pescoço e colo nus, a linha da cintura e a curva dos quadris, as longas pernas perfeitas e os pés. Ai os pés. Aquelas sandálias tinham sido uma escolha muito acertada!

Ela parecia nervosa e impaciente quando me perguntou irônica se eu já tinha terminado.

— Quase.

— Então se apresse!

Eu voltei meus olhos sem pressa e parei no rosto dela, que estava lindamente corado. Ela era perfeita.

— Kelsey, quando um homem está com uma mulher bonita, ele precisa seguir seu próprio ritmo.—eu disse sorrindo.

Coloquei a mão dela sob meu braço e a conduzi até a cadeira à minha frente. Ela ficou em pé diante da cadeira, pensativa. Eu me inclinei e sussurrei em seu ouvido, percebendo seu arrepio:

— Eu sei o que você está pensando e não vou deixá-la escapar de novo. Você pode se sentar e jantar comigo como uma namorada normal — falei sorrindo — ou — pode se sentar no meu colo enquanto eu a obrigo a comer.

— Você não ousaria. Você é cavalheiro demais para me forçar a fazer qualquer coisa. Isso é um blefe, Sr. Permissão.

— Até um cavalheiro tem seus limites. De um jeito ou de outro, vamos ter uma conversa civilizada. Estou torcendo para ter que lhe dar comida no meu colo, mas a escolha é sua.

Kelsey se jogou na cadeira e a arrastou. Eu estava me divertindo com as reações dela. Sentei-me em minha cadeira, e, imediatamente a garçonete se aproximou, entregando-nos os cardápios, educadamente.

Kelsey olhou com raiva para a moça, que se retirou nos deixando à vontade para escolher. Kelsey nem pegou o cardápio da mesa.

Quando a garçonete voltou e educadamente dirigiu-se a mim, apontei para Kelsey que respondeu sorrindo com ironia e uma voz melosa:

— Quero o que me fizer sair daqui mais depressa. Como uma salada.

Comecei a dizer o meu pedido à garçonete, que anotou tudo com eficiência. Ela era uma moça muito simpática e educada, e eu a tratei da mesma forma. Percebi que Kelsey nos olhava com raiva, parecia incomodada. Assim, quendo ela se retirou, Kelsey finalmente falou comigo:

— Não sei o que está aprontando, mas só lhe restam mais uns dois minutos. Portanto espero que você tenha pedido o steak tartare, Tigre, que é de carne crua.

Eu ri.

— Veremos, Kells. Veremos.

— Está bem. Para mim, tanto faz. Mal posso esperar para ver o que vai acontecer quando um tigre branco sair correndo por este belo restaurante, espalhando o caos. Talvez eles percam uma das estrelas por colocarem a vida dos clientes em perigo. Talvez sua nova amiguinha, a garçonete, fuja correndo e gritando.

Notei que ela estava com ciúmes e me diverti com a ideia:

— Kelsey! Você está com ciúmes?

Ela riu fazendo careta e respondeu:

— Não! É claro que não.

Mas eu sabia que ela estava. E eu gostava disso. Significava que ela se importava. Resolvi provocá-la um pouco.

A garçonete voltou nos trazendo uma cesta de pães, e eu a agradeci dando uma piscadela, o que deixou Kelsey bastante irritada. A garçonete saiu sorrindo e Kelsey reclamou:

— Você está piscando para ela? É inacreditável!

Eu apenas sorri, passei manteiga em um pãozinho e deixei no prato de Kelsey.

— Coma, Kelsey — me debrucei sobre a mesa, sorrindo sugestivamente — A menos que esteja reconsiderando apreciar a vista no meu colo.

Ela comeu o pão mal humorada.

A garçonete retornou logo depois com dois ajudantes e eles foram colocando a comida em nossa mesa. Peguei o prato de Kelsey e a servi, depois a mim mesmo. Ela se debruçou sobre a mesa e disse furiosa:

— Eu não vou me sentar no seu colo, portanto não alimente esperanças.

Ela começou a comer e então pareceu se lembrar de algo:

— Xi. O tempo acabou, não é? O relógio é implacável. Você deve estar suando, hein? Quer dizer, pode se transformar a qualquer segundo.

Eu a ignorei e continuei comendo. Vi que ela me observava.

— O.k., eu desisto. Por que você está todo presunçoso e confiante? Quando vai me contar o que está acontecendo?

Eu limpei a boca com cuidado e bebi um gole de água.

— O que está acontecendo, minha prema, é que a maldição foi suspensa.

Ela ficou boquiaberta.

— O quê? Se ela foi suspensa, por que você ficou como tigre nos últimos dois dias?

— Bem, para ser exato, a maldição não se extinguiu completamente. Parece que me foi concedida uma suspensão parcial.

— Parcial? Em que sentido?

— Um certo número de horas por dia. Seis horas, para ser exato.

— Vinte e quatro.

— Vinte e quatro o quê?

— Bem, seis horas fazem sentido porque são quatro os presentes a serem obtidos para Durga e quatro os lados do monólito. Nós só completamos uma das tarefas, então você ganha apenas seis horas.

Eu sorri.

— Então acho que tenho que mantê-la por aqui, pelo menos até que as outras tarefas estejam finalizadas.

— Não se anime, Tarzan. Pode ser que eu não precise estar presente para as outras tarefas. Agora que é humano boa parte do tempo, você e Kishan serão capazes de resolver esse problema sozinhos, tenho certeza.

— Não subestime seu nível de… envolvimento, Kelsey. Mesmo que você não fosse mais necessária para quebrar a maldição, acha que eu simplesmente a deixaria ir? Que a deixaria sair da minha vida sem nem mesmo olhar para trás?

Ela ficou pensativa, parecia nervosa. Eu continuei comendo até que não sobrasse mais nada. A comida estava deliciosa.

Kelsey continuava em silêncio, pensativa. Eu fitava o rosto dela, mas não ousei interromper seus pensamentos. Depois de um tempo, eu respondi à minha própria pergunta:

— A resposta a essa pergunta é… não vou. Seu lugar é ao meu lado. O que me leva à conversa que eu queria ter com você.

— Qual é o meu lugar, cabe a mim decidir, e, embora eu possa ouvir o que você tem a dizer, isso não significa que irei concordar.

— É justo. — empurrei o prato vazio para o lado. — Temos algumas questões pendentes para resolver.

— Se você está se referindo às outras tarefas que devemos cumprir, já estou ciente disso.

— Não estou falando disso. Estou falando de nós.

— Nós?

— Acho que algumas coisas ficaram por dizer e que já é hora de serem discutidas.

— Não estou escondendo nada de você, se é isso que está dizendo.

— Está, sim.

— Não. Não estou.

— Você está se recusando a reconhecer o que se passou entre nós?

— Não estou me recusando a nada. Não tente pôr palavras em minha boca.

— Não estou fazendo isso. Só estou tentando convencer uma mulher teimosa a admitir que sente alguma coisa por mim.

— Se eu sentisse algo por você, você seria o primeiro a saber.

— Está dizendo que não sente nada por mim?

— Não é isso que estou dizendo.

— Então o que você está dizendo?

— Eu estou dizendo… não estou dizendo nada! — explodiu.

Me encostei na cadeira e cruzei os braços no meu peito.

— Está bem. Vou tirá-la da berlinda por ora, mas iremos falar sobre isso mais tarde. Os tigres são incansáveis uma vez que se propõem a alguma coisa. Você não vai conseguir me evitar para sempre.

— Não crie expectativas. Todo herói tem a sua criptonita e você não me intimida.

Eu observava seus movimentos. Ela queria parecer durona, insensível a mim, mas isso era um sacrifício para ela. Kelsey estava tentando me convencer que não me queria, que não me amava. E estava tentando convencer a si mesma. Mas estava falhando.

A garçonete voltou sorridente e me apresentou o cardápio de sobremesas. Ela se inclinou um pouco, citando as melhores opções da casa. Ouvi os pés de Kelsey batendo no chão, impacientemente. Eu sorri para a garçonete e ela retribuiu com empolgação. Eu disse baixinho a ela que terminaríamos o jantar naquele momento, e apontei para Kelsey.

Depois que a garçonete recolheu os pratos, eu peguei a carteira no bolso e retirei um cartão de crédito. Kadam o havia providenciado horas antes e me entregou antes do jantar. Me disse que eu poderia comprar o que quisesse e na hora de pagar, era só eu entregar o cartão.

A garçonete se inclinou segurando meu braço e perguntou qual seria a forma de pagamento. Acho que ela estava flertando comigo. Kelsey deve ter pensado o mesmo, porque me acertou um chute por baixo da mesa. Eu fiquei feliz com a reação dela. Estiquei o braço e segurei sua mão, acariciando-a enquanto respondia à garçonete. Ela não recolheu a mão. Acho que ficou feliz sabendo que era a minha dona.

Quando a garçonete se afastou, Kelsey me perguntou onde eu havia conseguido aquele cartão e o que eu havia falado sobre ela.

— O Sr. Kadam me deu o cartão e eu disse a ela que aproveitaríamos a sobremesa… mais tarde.

Ela ri com sarcasmo.

—Você vai comer a sobremesa mais tarde sozinho, porque eu não vou comer mais nada com você.

Eu me inclinei para falar baixinho:

— Quem falou alguma coisa sobre comer, Kelsey?

Eu estava muito sério quando disse aquilo. Ela ficou visivelmente transtornada

— Pare de me olhar assim.

— Assim como?

— Como se estivesse me caçando. Eu não sou um antílope.

Eu ri

— Ah, mas essa perseguição seria perfeita e você seria uma presa muito suculenta.

— Pare com isso.

— Estou deixando você nervosa?

— Pode-se dizer que sim.

Ela se levantou e virou-se de uma vez, deixando o recinto enquanto eu assinava o recibo. Ela já estava quase na porta quando eu a alcancei e falei em seu ouvido:

— Não vou deixar você escapar, lembra? Agora, comporte-se como uma boa namorada e me deixe acompanhá-la até em casa. É o mínimo que pode fazer, já que não quis conversar comigo.

Eu segurei o cotovelo dela e comecei a guiá-la. Ela tentou se soltar, mas eu a segurei com mais força

— Pare de usar sua força de tigre em mim.

— Estou machucando você? Perguntei preocupado.

— Não, mas eu não sou uma marionete para ser arrastada por aí.

Deslizei os dedos pelo braço dela e segurei sua mão

— Se você for boazinha, eu serei também.

— Ótimo.

— Ótimo— concordei sorrindo.

—Ótimo! — respondeu irritada

Andamos até o elevador e eu apertei o botão

— Meu quarto fica no mesmo andar — expliquei

Ela revirou os olhos e sorriu irônica.

— E como é que você vai fazer de manhã, Tigre? Não devia meter o Sr. Kadam em encrenca por ter um… animal de estimação tão grande.

— Está preocupada comigo, Kells? Não precisa. Eu vou ficar bem.

— Acho que nem é preciso perguntar como você sabia qual era a minha porta, hein, Faro de Tigre?

Eu me lembrei do cheiro dela, da maciez de sua pele e do calor de sua boca. Olhei pra ela com intensidade. Ela se virou desconfortável e colocou a chave na fechadura. Eu me aproximei o suficiente para ver que as mãos dela estavam trêmulas ao ponto de ela não conseguir girar a chave. Eu a ajudei, colocando minha mão sobre a dela.

Kelsey se virou instintivamente e eu coloquei minhas mão na porta, ao lado de sua cabeça. Cheguei mais perto e comecei a acariciar o rosto dela com meu nariz, absorvendo seu cheiro maravilhoso. Ela estava trêmula e fechou os olhos. Aproximei meus lábios de seu ouvido e sussurrei:

— Eu sempre sei onde você está, Kelsey. Você cheira a pêssego com creme.

Ela colocou a mão no meu peito e segurou minha camisa, enquanto eu a beijava. Depositei beijos em sua orelha, rosto e pescoço. Ela me puxou de repente e virou a cabeça, me oferecendo seus lábios. Eu sorri pra ela e continuei dando beijos na outra orelha, seguindo a mesma trilha, mordi o lóbulo levemente e segui beijando a clavícula e ombros. Ela suspirava e gemia baixinho.

Então eu me afastei e toquei seus cabelos.

— Esqueci de dizer que você está linda hoje.

Me virei e fui para o meu quarto. Desabei na minha cama feliz e decidido: eu só voltaria a beijá-la quando ela me pedisse.

Mas meu corpo não estava concordando com meus planos. Me transformei em tigre e bufei baixinho, antes de pegar no sono.