Passei aquela noite como tigre. Eu tinha usado quase todas as horas como humano na noite anterior, mas ainda tinha tempo de deixar o hotel em segurança.

O senhor Kadam foi cedo ao meu quarto e me disse que havia cuidado de algumas coisas durante a noite. Ele havia providenciado documentos, contas bancárias, cartões e outras coisas que eu precisaria de imediato. Disse que eu tinha muitas coisas para aprender e agora que eu tinha mais tempo como humano, ele iria me ensinar o que fosse possível.

Kadam era um bom amigo. Mais que isso, ele era como um pai. Apesar de eu querer passar todo o meu tempo com Kelsey, eu reservaria pelo menos uma hora do meu dia para Kadam. Ele merecia essa consideração.

Antes de sair eu tomei banho e me vesti. Escolhi uma calça jeans escura e uma blusa azul, que era minha cor favorita. Penteei os cabelos e saí. Kelsey e Kadam já estavam no corredor dirigindo-se ao elevador. Eu me juntei a eles. Kelsey balançou a cabeça e falou baixinho:

— O cara é um tigre por 350 anos e sai da maldição com um gosto sofisticado e um senso de moda apurado. Incrível! Como se explica isso?

— O que foi, Srta. Kelsey? — perguntou o Sr. Kadam.

— Nada.

Sorri satisfeito. Ela havia gostado da minha roupa.

Entramos no elevador e eu parei ao seu lado. Ela estava vestida como sempre: jeans, camiseta e tênis. Estava linda. Eu a olhei e sorri. Ela ficou ruborizada. Quando saímos, eu peguei a mochila de suas costas e a carreguei. Fomos para o carro e iniciamos a viagem.

Kadam estava muito feliz e empolgado por minhas horas como homem. Falou muito sobre isso durante a viagem. Em um dado momento meu tempo acabou e eu me transformei. Fiquei deitado no banco de trás até chegarmos em casa.

Kelsey subiu para o quarto. Parecia cansada. Kadam disse que dormiria um pouco e quando acordasse iria sair para tomar algumas providências importantes. Eu também segui para o meu quarto e dormi tranquilo.

Na manhã seguinte quando deixei o quarto, Kadam já tinha saído. Fiquei sozinho por um tempo, ansioso para que Kelsey acordasse. Imaginava que em casa ela ficaria mais a vontade e se abriria mais.

Eu ouvi quando ela acordou e se levantou. Já era tarde e eu achei que ela estivesse com fome. Fui até a cozinha para lhe preparar um café da manhã. Me transformei em homem e comecei a pegar os ingredientes para fazer um sanduíche.

Fiquei um pouco perdido. Eu falava bem o inglês, mas não lia. Eu estava no meio de uma confusão de frascos, potes e condimentos, mas não sabia o que era o quê. Quando Kelsey saiu do quarto e foi à cozinha, eu a recebi com um sorriso caloroso.

— Ouvi você levantar. Levou bastante tempo para descer. Imaginei que deveria estar com fome e vim fazer um sanduíche para você.

— Argh, não um desses. Fico com um de manteiga de amendoim — falou rindo e apontando para o sanduíche que estava na bancada.

— Certo. E qual desses vidros é de manteiga de amendoim?

Confusa, ela se aproximou.

— Você não sabe ler inglês, sabe?

— Não. Posso ler cerca de 15 outras línguas e falar umas 30, mas não consigo decifrar o que são estes vidros.

— Se tivesse cheirado, provavelmente saberia, Faro de Tigre.

Eu não tinha pensado nisso. Me aproximei dela e lhe dei um breve beijo na boca

— Está vendo? É por isso que você deve estar por perto. Preciso de uma namorada inteligente.

Comecei a abrir frascos e a cheirá-los.

— Ren! Eu não sou sua namorada! — explodiu.

Eu sorri ignorando o comentário. Ela poderia negar o quanto quisesse, mas ela era sim, minha namorada.

Preparei o sanduíche e lhe entreguei. Ela deu uma mordida e então começou a balançar a mão e a dizer algo ininteligível:

— Uen, quetaumumcopodeueite?

Eu ri.

— O quê?

— Ueite, ueite! — falou imitando alguém bebendo algo

Peguei um copo, enchi de leite e entreguei a ela, que bebeu e depois reclamou que eu havia colocado manteiga de amendoím demais.

Fiquei aliviado quando ela começou a falar comigo, achando que ela estava voltando ao normal:

— Ren? Tem uma coisa importante que precisamos discutir. Dê uma passada hoje na varanda ao pôr do sol, está bem?

— Um encontro secreto? Na varanda? Ao pôr do sol? — Levantei uma sobrancelha. — Kelsey, você está tentando me seduzir?

— Dificilmente — murmurou, seca.

Eu ri.

— Bom, sou todo seu. Mas seja gentil comigo esta noite, minha amada. Sou novo nessas histórias de seres humanos.

— Eu não sou sua amada.

Ela começou a limpar a cozinha. Terminei de comer o sanduíche de manteiga de amendoim e fui ajudá-la. Quando terminamos Me aproximei e a abracei por trás. Cheirei seu cabelo, beijei seu pescoço e murmurei em seu ouvido:

— Humm, definitivamente pêssegos e creme, mas com um toque picante. Vou me transformar em tigre e tirar um cochilo, assim posso salvar todas as minhas horas para você esta noite.

Ela enrijeceu o corpo. Parecia sem jeito. Eu a embalei e sussurrei:

— “Que doce som de prata faz a língua dos amantes à noite, tal qual música langorosa que ouvido atento escuta.”

Ela se virou em meus braços e falou, chocada.

— Como você se lembra disso? É de Romeu e Julieta!

— Prestei atenção quando você leu para mim. Eu gostei.

Beijei-a na bochecha e saí

— Vejo você à noite, iadala.

Transformei-me em tigre e fui para o quarto. Kelsey queria um encontro, disse que queria conversar. Eu achava que desta vez nós iríamos nos entender. Eu ficaria o dia todo como tigre, assim teríamos muito tempo para aproveitar mais tarde e poderíamos conversar, fazer as pazes e namorar bastante.

No fim da tarde, ouvi Kelsey em seu quarto. Ela tomou banho e começou a se arrumar. Transformei-me em homem e também comecei a me preparar para nosso encontro. Tomei um banho e lavei os cabelos, depois os penteei para trás. Escolhi uma calça preta e uma camisa verde. Fiquei descalço, para ficar mais confortável.

Quando estava pronto, saí para a varanda. Kelsey já estava lá, sentada na cadeira, balançando-se suavemente. Parei para sentir o cheiro dela, depois me aproximei.

Ela estava bebendo alguma coisa e colocou o copo na mesinha ao lado assim que me viu. Reparei que ela também tinha se arrumado. O cabelo ondulado estava solto, e ela usava uma calça preta justa e na altura dos tornozelos e uma blusa de algodão xadrez. Também reparei que os lábios estavam corados e os olhos destacados por maquiagem. Ela estava linda, e isto era um bom sinal.

Eu me sentei a seu lado e passei meu braço pelos seus ombros. Coloquei os pés na mesinha à nossa frente e comecei a nos balançar devagar. Ela me olhava ternamente, e eu retribuía o olhar. Respirei fundo, inebriado pelo cheiro maravilhoso da mulher a meu lado.

Segurei a mão dela e entrelacei nosso dedos. Ficamos assim por um tempo, aproveitando a presença um do outro. Eu estava feliz. Olhei pra ela e levei suas mãos a meus lábios, beijando seus dedos, um por um. Então perguntei o que ela queria falar comigo.

Kelsey pareceu não querer me dizer. Respirou fundo e me pediu para sentar à sua frente para que eu não a distraísse. Achei graça mas obedeci.

Puxei uma cadeira e coloquei à sua frente. Sentei-me, me inclinando para pegar o pé descalço de Kelsey. Ela protestou quando eu comecei a massageá-lo.

—O que você está fazendo? Perguntou encolhendo a perna.

— Relaxe. Você parece tensa.

Continuei com a massagem e Kelsey pareceu relaxar. Ela ficou calada por um tempo me observando, Percebi que ela estava analisando meu rosto. Então ela começou a falar.

—Ren, tem mesmo uma coisa que precisamos discutir.

— Muito bem. Vá em frente.

Ela deixou escapar um suspiro.

— Sabe, eu não posso… corresponder aos seus sentimentos. Ou ao seu… afeto.

— Do que você está falando? Perguntei rindo.

— Bem, o que quero dizer é que eu…

Eu me inclinei na direção dela e sussurei, interrompendo-a:

— Kelsey, eu sei que você corresponde aos meus sentimentos. Não finja mais.

Ela me olhou surpresa. Estava com a boca um pouco aberta, mas não conseguia falar. Quando finalmente conseguiu me responder ela não negou o que eu havia dito. Agitando as mão no ar, ela falou:

— Está bem! Sim! Admito que me sinto atraída por você... Mas não vai dar certo.

— Por que não? Perguntei confuso.

— Porque me sinto atraída demais por você.

— Não estou entendendo. Como essa atração por mim pode ser um problema? Eu diria que é uma coisa boa.

— Para pessoas normais… sim

— Então eu não sou normal?

— Não.

"Ela tem medo do tigre" , pensei

—Deixe-me explicar dessa forma: assim… um homem faminto comeria feliz um rabanete, certo? Na verdade, um rabanete seria um banquete se fosse tudo o que ele tivesse. Mas, se houvesse um banquete de verdade diante dele, o rabanete jamais seria escolhido.

Fiquei pensando sobre aquilo. Não entendi a metáfora. Também não entendi o que Kelsey tinha contra rabanetes. Sempre gostei de rabanetes...

— O que está querendo dizer?

— Estou dizendo… que eu sou o rabanete.

— E eu sou o quê? O banquete?

— Não… você é o homem. Só que… eu não quero ser o rabanete. Quem quer? Mas sou realista o bastante para saber o que sou e eu não sou um banquete. Quero dizer, você poderia estar comendo bombas de chocolate, pelo amor de Deus.

— Mas não rabanete.

— Não.

— Mas e se … eu gostar de rabanete?

— Você não gosta. Só não conhece nada melhor. Eu lamento ter sido tão rude com você. Normalmente não sou assim. Não sei de onde vem todo esse sarcasmo.

Levantei à sobrancelha diante daquele comentário da senhorita sarcasmo...

— Muito bem. Tenho um lado cínico e mau que costuma ficar escondido. Mas que aflora quando estou sob grande estresse ou extremamente desesperada.

Soltei o pé dela, peguei o outro e comecei a massageá-lo enquanto pensava sobre o que ela me dizia.

"Será que ela agiu daquela forma comigo por causa do estresse de Kishikinda? Isso faz sentindo, porque foi justamente depois que encontramos aquela cidade que ela mudou seu comportamento. Mas e depois? Porque que ela continuou agindo da mesma forma depois que voltamos à superfície?"

Enquanto eu pensava sobre isso, ela recomeçou a falar:

— Ser insensível e detestável era a única coisa que eu podia fazer para afastá-lo. Foi como um mecanismo de defesa.

— Então você admite que estava tentando me afastar.

— Sim. É claro.

— E isso porque você é um rabanete.

— Sim! Agora que você pode ser um homem de novo, vai encontrar alguém melhor, alguém que o complemente. Não é culpa sua. Você foi um tigre por tanto tempo que não sabe como o mundo funciona.

— Certo. E como o mundo funciona, Kelsey?

Eu não conseguia entender. De novo a história de eu querer outras garotas. Eu só tinha olhos para Kelsey. Meu coração era dela. Eu estava muito frustrado por ela não ter percebido isso.

— Bem, para falar sem rodeios, você poderia estar namorando alguma top model ou uma atriz. Não está prestando atenção à sua volta?

É claro que eu não tinha prestado atenção em nada. Exceto pela garçonete daquele restaurante, mesmo assim por causa das reação de Kelsey, eu não prestava atenção a nenhuma outra mulher. Fiquei muito irritado e gritei furioso:

— Ah, sim, de fato eu venho prestando atenção! O que você está dizendo é que eu devia ser um libertino rico, superficial e convencido, que só se importa com dinheiro, poder e em melhorar seu status. Que eu deveria namorar mulheres superficiais, volúveis, ambiciosas e sem cérebro, que se importem mais com minhas conexões do que comigo. E que eu não sou inteligente o bastante, ou atualizado o bastante, para saber quem eu quero ou o que eu quero na vida! Será que isso resume o seu ponto de vista?

— Sim.

— Você acha mesmo isso?

Ela se encolheu.

— Acho.

Inclinei-me para ela e falei com firmeza:

— Você está errada, Kelsey. Errada em relação a si mesma e errada em relação a mim!

Ela se mexeu desconfortável, enquanto eu continuava:

— Eu sei o que eu quero. Não estou sob o efeito de nenhuma ilusão. Durante séculos estudei as pessoas de dentro de uma jaula e isso me deu bastante tempo para estabelecer minhas prioridades. No primeiro instante em que a vi, na primeira vez em que ouvi sua voz, eu soube que você era diferente. Você era especial. Quando colocou a mão na jaula e me tocou, fez com que eu me sentisse vivo de uma maneira que nunca sentira antes.

— Talvez isso seja apenas parte da maldição. Já pensou nisso? Esses podem não ser seus verdadeiros sentimentos. Talvez você tenha pressentido que eu era a pessoa que iria ajudá-lo e, de alguma forma, interpretou mal suas emoções.

— Duvido muito. Nunca senti isso por ninguém, nem antes da maldição.

Então ela tocou o meu joelho e tentou parecer fria dando um tapinha nele quando me disse que estava indo embora.

— Você o quê?

— Estou voltando para casa, no Oregon. O Sr. Kadam acha que vai ser mais seguro para mim, com Lokesh solto por aí, tentando nos matar e tudo o mais. Além disso, você precisa de tempo para esclarecer… as coisas.

Minha reação foi imediata.

— Se você vai, então vou com você!

— Isso anula o propósito da minha ida. Você não acha?

Ela parecia estar decidida, para o meu desespero. Eu tinha que convencê-la a não me deixar. Segurei as mão dela e falei, olhando em seus olhos:

— Kells, quando você vai aceitar o fato de que devemos ficar juntos?

Ela desviou o olhar e permaneceu calada. Então eu anunciei com firmeza que não a deixaria ir embora. Ela deixou as mãos caírem no colo quando respondeu

— Ren, por favor. Você tem que me deixar ir. Eu preciso… Eu tenho medo… Olhe, eu não posso estar aqui, perto de você, quando você mudar de ideia.

— Isso não vai acontecer.

— Pode acontecer. Há uma boa chance.

— Não há nenhuma chance!

— Olhe, meu coração não pode correr esse risco e eu não quero colocar você numa posição embaraçosa. Sinto muito, Ren. Sinto mesmo. Eu quero ser sua amiga, mas compreendo se você não quiser isso. Vou voltar quando precisar de mim, se precisar, para ajudá-lo a encontrar as outras três oferendas. Eu não abandonaria você ou Kishan assim. Só não posso ficar aqui com você se sentindo obrigado a ficar comigo por piedade, porque precisa de mim. Mas saiba que eu nunca abandonaria sua causa. Sempre estarei à disposição de vocês dois, aconteça o que acontecer.

— Ficar com você por piedade? Kelsey, você não pode estar falando sério!

— Estou. Muito, muito sério. Vou pedir ao Sr. Kadam que providencie a minha volta nos próximos dias.

Encostei-me na cadeira, sem palavras. Eu estava furioso com ela, com aquela situação, com Kadam. Então Kelsey desviou os olhos e disse;

— Estou muito cansada agora. Gostaria de ir dormir.

Ela levantou-se calmamente e caminhou até a porta, onde parou quase serena.

— Posso fazer um último pedido?

Eu cruzei os braços e esperei pelo pedido.

— Seria muito mais fácil para mim se eu não o visse. Como homem. Vou tentar evitar a maior parte da casa. Ela é sua, afinal, então vou ficar no quarto. Se você vir o Sr. Kadam, por favor, diga que eu gostaria de falar com ele.

Eu fiquei ainda mais irado. Virei o rosto com raiva e continuei calado.

— Até logo, Ren. Cuide-se.

Kelsey fechou a porta e puxou a cortina, escondendo-se de mim. Eu fiquei ali, incrédulo com o que acabara de acontecer. Ela pretendia ir embora, me deixar. Eu não poderia deixar aquilo acontecer.

Eu me levantei e andei em direção à porta do quarto dela. Estava disposto a voltar àquela discussão, até conseguir convencê-la a ficar comigo.

Parei diante da porta e ouvi o barulho do chuveiro. Me detive ali por um momento, e então ouvi um soluço. Concentrei minha audição e conseguir ouvi-la chorando copiosamente. Encostei a testa na porta e deixei algumas lágrimas descerem pelo meu rosto.

Então fui até o deck da piscina e fiquei ali, pensando em tudo o que aconteceu entre nós desde que nos conhecemos no circo até esse momento em que ela anunciou que queria me deixar. Chorei em silêncio até minhas lágrimas secarem-se. Então continuei lá, pensando em como convencê-la a ficar comigo, a acreditar que eu jamais a deixaria.

Quando Kadam chegou e me encontrou chorando, aproximou-se de mim preocupado.

— Ela vai me deixar Kadam. Ela disse que vai voltar para o Oregon e que isso foi ideia sua. Como você pôde?

—Ren, A senhorita Kelsey não pode ficar conosco para sempre. Ela tem os pais adotivos, a faculdade, uma vida. Além disso, estou preocupado com a segurança dela.

— Porque você diz isso Kadam?

— A senhorita Kelsey e eu tivemos uma visão, quando vocês estavam em Kishikinda e Lokesh também estava nela.

—Sim, eu me lembro. Aconteceu assim que ela pegou o fruto sagrado da árvore dourada.

—Sim. Lokesh viu que a senhorita Kelsey estava usando uma parte do medalhão. Ele o olhou com cobiça. Depois da visão, eu contratei investigadores que descobriram que Lokesh ainda está vivo e na Índia e eu acho que ele virá atrás do medalhão, então estar na Índia pode ser arriscado para ela neste momento.

— Entendo. Mas e se ele for atrás dela nos Estados Unidos?

— Não se preocupe Ren, eu fiz o necessário para ocultar a identidade da senhorita Kelsey. Lokesh conhece o rosto dela e sabe que ela está ligada a mim, nada além disso.

— Sendo assim eu concordo que ela deva ir. Mas eu quero ir com ela.

— Ela concorda com isso?

Virei o rosto contrariado, franzi a testa e respondi:

— Não. Ela disse que nós precisamos de um tempo e que não quer que eu fique com ela por gratidão, piedade, sei lá. Ela acha que só estou com ela porque não conheço o mundo e tem medo que eu conheça outras mulheres e a deixe. Kadam, eu a amo e nunca faria isso.

— Eu tenho certeza disso. Mas a senhorita Kelsey tem razão. Você acabou de voltar para o mundo humano e precisa se dedicar a outras coisas além da senhorita Kelsey.

— Kadam, você está concordando com Kelsey?

— Sim, estou. Você tem muita coisa para aprender sobre esse mundo antes de se comprometer com a Senhorita Kelsey. A verdade é que você tem muito pouco para oferecer a ela nesse momento.

Eu o ouvia irritado, mas não o interrompi.

—A senhorita Kelsey é muito jovem e também tem experiências a viver antes de se comprometer com você. Ela tem a faculdade, que é um sonho dela. Não é justo fazê-la abrir mão disso. Quando estivermos prontos ela voltará para nos ajudar a quebrar sua maldição. Dê espaço a ela Ren, e aprenda a viver por você mesmo.

Kadam apertou meu ombro e saiu, deixando-me só. Eu me transformei em tigre e fui para a mata perto de casa, onde dormi naquela noite. No outro dia, fui atrás de Kadam na sala do pavão.

—Kadam, Uma vez Kelsey me disse que não tinha dinheiro para pagar a faculdade, por isso ia fazer faculdade comunitária. O que isto significa?

— Ah sim. Os EUA tem muitas faculdade renomadas, mas elas são caras, e nem todas as famílias são capazes de pagar por elas, como é o caso dos pais adotivos da senhorita Kelsey. Nestes casos, as pessoas podem cursar essas faculdades comunitárias que são mais acessíveis, mas não são tão qualificadas.

— Entendo. Kadam, será que nós não poderíamos custear uma boa faculdade para ela?

Kadam sorriu.

— Eu já pensei nisso. Entrei em contato com a West Oregon e a senhorita Kelsey já está matriculada. O curso e o material didático já estão pagos, e ela poderá morar nos alojamentos da universidade e visitar a família nos feriados.

— Porque ela não pode morar com os pais Kadam?

— É um costume nos Estados Unidos. A maioria dos jovens quando entra para a universidade deixa a família, já se preparando a vida adulta.

—Interessante. Mas eu não gostaria que ela morasse em um alojamento de universidade. Porque não compramos uma casa pra ela?

—Uma casa? Eu não sei Ren...

—Sim Kadam. Uma casa em um lugar menos urbano, onde eu possa visitá-la no futuro sem me preocupar em ser visto como tigre. Melhor ainda. Poderíamos escolher uma casa geminada. Nós compramos as duas casas, e quando formos visitá-la, nos instalamos na casa vizinha, pra não tirar sua privacidade.

— Tem razão Ren, é uma boa idéia. Nilima está nos EUA resolvendo alguns negócios da nossa empresa. Vou pedir a ela que providencie tudo.

Antes de sair me virei e comentei:

— Talvez ela precise de um meio de transporte para a faculdade.

— Tem razão. Vou providenciar um carro pra ela.

— Sim, compre um azul

Avisei a Kadam que Kelsey queria falar com ele. Depois que ele saiu, liguei para Nilima e disse a ela o que eu esperava que ela providenciasse para a casa nova de Kelsey.

Nos dias que se seguiram, não encontrei Kelsey. Ela estava cumprindo a promessa de se manter no quarto e só saia quando achava que eu não estava em casa.

Eu me transformava em tigre e ia para a selva próxima à casa e ficava lá a maior parte do dia. Resolvi dar um tempo para que Kelsey começasse a sentir minha falta.

Alguns dias depois, voltei para casa e Kadam não estava. Olhei na garagem e vi que ele havia saído com o jipe. achei estranho mas dei de ombros.

Kelsey estava fechada no quarto e eu me senti só. Fui para o meu e comecei a estudar. Eu estava seguindo o conselho de Kadam e estava estudando inglês, aprendendo a ler e escrever naquele idioma. Também havia aprendido a mexer no computador e usar a internet. Kadam ainda me ensinou a dirigir. No começo achei complicado, mas depois de poucas horas eu já estava dirigindo com desenvoltura. Estudei até meu tempo acabar e fui dormir como tigre.

Quando Kadam estacionou o jipe na garagem, na manhã seguinte, eu senti um cheio além do dele. Era um cheiro conhecido. Kishan.

Kadam entrou em casa e dirigiu-se a meu quarto. Eu abri a porta antes que ele batesse.

— Kadam, o que ele está fazendo aqui? Perguntei irritado.

—Kishan me ligou há duas noites. Ele também foi abençoado pela suspensão parcial da maldição e me disse que estava pronto para voltar para casa. Eu saí imediatamente e nem tive tempo de te contar. Ele está se instalando em um dos quartos agora. Depois eu vou sair com ele para comprar roupas e outras coisas de que ele precisa, como fiz com você.

— Kelsey sabe?

— Não, ainda não falei com ela.

— Kadam, ele não pode ficar aqui.

— Ren, esta casa também é dele.

— Mas ele é um traidor.

— Ele errou e foi punido. Você precisa perdoá-lo.

Eu fiquei calado, irritado. Kadam continuou:

— Eu preciso sair agora. Nos falamos mais tarde.

Transformei-me em tigre e comecei a andar de um lado para o outro sem saber o que fazer. Fiquei nervoso. Eu pretendia atrasar os planos de Kelsey ir embora, para convencê-la a me deixar ir com ela. Mas agora eu estava com medo de que Kishan tentasse roubá-la de mim. Eu estava inquieto.

Mais tarde, Kelsey finalmente saiu do quarto. Eu pensei em ir falar com ela, mas ouvi o barulho da piscina e resolvi deixá-la se distrair. Eu falaria com ela mais tarde. Então Kadam e Kishan voltaram.

Fiquei tenso quando Kishan foi à piscina. Olhei lá para baixo e vi Kelsey sair animada e abraça-lo. Ele a agarrou retribuindo o abraço, envolvendo o corpo molhado da minha amada em seus braços.

— Não posso acreditar que esteja aqui! Estou tão feliz! disse ela.

Kishan a soltou e a olhou de cima a baixo. Kelsey estava usando maiô e eu estava prestes a pular lá de cima e socar Kishan por olhar daquele jeito pra ela.

— Bem, se eu soubesse que era esse tipo de recepção que me esperava, teria vindo muito mais cedo.

Kelsey sorriu timidamente pra ele, depois saiu deixando-o sozinho na piscina. Kishan olhou para cima e me viu. Minha postura demonstrava meu ódio. O tigre branco estava pronto para lutar por sua fêmea. Kishan deu de ombros e desviou o olhar.

Kelsey voltou algum tempo depois. Ela havia tomado banho e vestiu shorts e camiseta. Ela entregou uma bebida para Kishan e eles começaram a conversar animadamente.

— O que exatamente está acontecendo entre você e Ren?

Fiquei imóvel, esperando pela resposta dela.

— O que quer dizer?

— Vocês dois são mais do que companheiros de viagem? Estão juntos?

Ela respondeu rápido demais:

— Não. Claro que não.

Meu coração quase parou. Então Kishan segurou a mão dela, e eu não ouvi mais nada.

Lembrei-me do meu sonho. Kelsey seguindo Kishan e ignorando a mim, enquanto eu tentava chamá-la de volta, mas ela não me ouvia.

Voltei para o meu quarto magoado. Fiquei andando de um lado para ou outro. Acabei me transformando novamente em homem e voltei para a varanda. Ela estava sozinha, sentada na espreguiçadeira, pensativa.

Eu me encostei em uma coluna, cruzei os braços e fiquei ali, observado-a. Ela se levantou para ir embora. Então ela parou, como se tivesse percebido algo e olhou para a sacada. Nossos olhos se encontraram, tristes. Ficamos nos olhando e o clima mudou. Meu olhos imploravam por ela. Os dela ansiavam por mim.

Pensei que algo iria acontecer, mas Kelsey apenas fechou os olhos, virou o rosto e entrou em casa. Transformei-me em tigre e mergulhei em um estado melancólico.

Kadam veio a meu encontro e me convidou para sairmos a noite. Disse que Kishan queria comemorar sua volta e nós iríamos a algum tipo de boate naquela noite. Eu bufei, baixei a cabeça sobre as patas e fechei os olhos. Kadam me deixou, dizendo que se eu mudasse de ideia eles sairiam em algumas horas.

Eu não queria sair com eles. Não estava disposto a ficar no mesmo lugar que Kelsey enquanto ela me ignora e fica toda sorridente para Kishan. Comecei a ficar agitado e resolvi sair um pouco.

Tomei um banho, coloquei um jeans e uma camiseta branca, calcei sandália, peguei o carro e fui para a cidade. Fiquei andando por ali, observando as pessoas, mas não conseguia parar de pensar em Kelsey.

Eu me sentei em um banco e uma moça sentou-se ao meu lado. Ela sorriu para mim, e eu respondi com um sorriso educado. Me levantei e sai.

Comecei a notar que algumas mulheres me olhavam. Muitas delas, na verdade. Comecei a entender o que Kelsey quis dizer sobre o medo de eu deixá-la. Mas eu realmente não me interessaria por nenhuma outra mulher. Eu só tinha olhos para Kelsey.

Então, surgiu uma garota. Ela era realmente bonita. Ela passou por mim e sorriu. Eu sorri de volta. Então ouvi um som tilintante. Lembrei-me de quando estávamos no templo de Durga procurando por sinos. Pensei em Kelsey.

Virei-me para olhar a moça que caminhava. Ela olhou de volta e sorriu. Então olhei para seus pés. Ela usava uma tornozeleira que tinha pequenos sinos que tilintavam. Entrei em uma joalheria e escolhi uma tornozeleira parecida com aquela. Saí dali com a joia no bolso.

Passei por um restaurante cuja placa dizia tratar-se de uma boate também. Imaginei que aquele era o local onde Kadam levaria Kishan e Kelsey mais tarde. Entrei no lugar e resolvi comer alguma coisa. O garçom me informou que a boate funcionava durante o jantar, dalí a algumas horas.

Terminei de comer e fui até à varanda. Vi que na parte de baixo havia uma árvore. Desci as escadas e fui até lá. Havia um casal ali, conversando animadamente. Fiquei sonhando que éramos Kelsey e eu. Saí de lá melancólico. Cheguei em casa a tempo de vê-los sair.

Kelsey estava maravilhosa com a sharara azul, mas parecia triste. Me transformei em tigre e tentei descansar.

Depois que eles se foram eu fiquei agitado. Kelsey não estava feliz, eu não estava feliz. Eu tinha que fazer algo a respeito.Transformei-me em homem, troquei de roupas rapidamente e voltei para o restaurante. Assim que entrei, vi os dois.

Kishan e Kelsey estavam abraçados, dançando uma música lenta. Ele me viu e ficou tenso. Parei atrás de Kelsey e o encarei com firmeza rosnando baixo. Falei baixo, porém com firmeza:

— Creio que esta seja a minha dança.