Eu a agarrei com força e a coloquei deitada no solo, sustentando sua cabeça no meu peito. Chamei por ela, mas ela não respondeu.

Após poucos minutos ela abriu os olhos.

— Kelsey! Você está bem? Você caiu. Desmaiou? O que aconteceu?

— Não, eu não desmaiei! Pelo menos, acho que não. Você me pegou?

— Eu falei que não ia deixar você cair — disse em tom de sermão.

— Obrigada, super-herói . Agora me ponha no chão, por favor. Eu posso ficar de pé —Ela falou com sarcasmo.

Eu a coloquei no chão, mas ela cambaleou. Eu corri para segurá-la, mas ela gritou comigo, dizendo que não precisava de ajuda. Kelsey estava fazendo o que podia para me magoar.

Eu amava e só queria entender o que tinha acontecido com ela. Ela se sentou na borda do tanque de água enquanto calçava os tênis. Pensei em deixar pra lá, mas eu não podia. Cruzei os braços e implorei:

— Kelsey, me conte o que aconteceu, por favor.

— Não sei bem. Eu tive uma… visão, acho.

— E o que você viu?

— Eram três pessoas: o Sr. Kadam, um homem assustador e eu. Nós três usávamos amuletos, e eles brilhavam, vermelhos.

— Como era esse homem assustador?

A outra pessoa que eu sabia usar o amuleto era Lokesh.

"Será que foi ele quem apareceu na visão de Kelsey?"

— Ele parecia… sei lá, um chefe da máfia ou algo no gênero. O tipo de sujeito que gosta de estar no controle e matar. Tinha cabelo escuro e olhos negros e brilhantes.

— Era indiano?

— Não sei. Talvez.

Ela pegou Fanindra, que estava na forma de bracelete e a colocou no braço. Depois, pareceu se lembrar do fruto e perguntou por ele. o fruto havia caído na base da árvore e eu o apanhei.

Kelsey pegou a colcha de retalhos de dentro da mochila e pegou o fruto da minha mão. Eu percebi que ela teve o cuidado de não tocar em mim quando fez isso.

— O que foi? Agora você não pode nem me tocar? É bom saber que eu lhe causo tanta repugnância! Que pena que você não convenceu Kishan a vir, assim podia me evitar totalmente!

Ela não respondeu. Por algum motivo ela evitava me tocar, e isso não era natural. Voltei a achar que ela estava com medo de mim. Ou talvez de si mesma. Resolvi observá-la melhor. Eu estava começando a entender o que estava acontecendo.

Acenei em direção à cidade e disse:

— Quando se sentir recuperada o bastante, rajkumari.

Ela ficou furiosa. Me olhou com raiva e empurrou meu peito dizendo:

— Talvez Kishan tivesse sido menos idiota. E, para sua informação, Sr. Sarcástico, não estou gostando muito de você agora.

Respondi a ela no mesmo tom:

— Bem-vinda ao clube, Kells. Podemos ir embora?

— Ótimo.

Ela colocou a mochila nas costas e saiu andando.

—Ótimo!

— ÓTIMO!

Depois que passamos a primeira construção, o chão começou a estremecer. Paramos e nos viramos para olhar a árvore dourada. Ela estava retornando para dentro do solo e as duas metades do tanque voltavam a se unir. Havia um estranho brilho vindo de dentro das quatro estátuas de macacos.

— Hã… Kells? Acho que seria bom sairmos da cidade o mais rápido possível.

Aceleramos o ritmo e começamos a correr entre as construções. As estátuas dos macacos estavam brilhando e ganhando vida. Alguma coisa se movia acima de nossas cabeças.

Pequenas figuras marrons e pretas saltavam de casa em casa nos seguindo. A cacofonia dos gritos atingiu um nível de ruído incrível.

Estávamos correndo lado a lado e Kelsey fez questão de me provocar:

— Perfeito! Agora estamos sendo perseguidos por hordas de macacos! Talvez você queira nomear as espécies enquanto eles nos atacam, só para eu poder apreciar as características especiais de cada macaco enquanto eles me matam!

— Pelo menos, enquanto os macacos a atormentam, você não tem tempo de me atormentar!

Kelsey começou a se cansar e a perder velocidade, então me disse para correr, tentando me entregar a mochila Por mais que ela estivesse tentando me irritar, eu não a deixaria para trás.

— Ah! Bem que você iria gostar de se livrar de mim! Falei rindo em deboche.

Passei à frente dela e me transformei em tigre. Voltei rápido em sua direção e comecei a atacar os macacos.

Vi que tinha um macaco menor agarrado à perna de Kelsey. Eu iria ajudá-la, mas Fanindra ganhou vida e lançou um jato de veneno no rosto do macaco, que se soltou imediatamente.

Eram muitos macacos. Eu os atacava com minhas garras e dentes e Kelsey com a gada, mas estava difícil nos livrarmos deles.

Chegamos à floresta de agulhas e as árvores começaram a ataca-los, agarrando-os e os prendendo com seu ramos espinhentos.

Depois de eu ajudar Kelsey a se livrar de um macaco que estava puxando sua trança, ela sentou-se no chão exausta. Perguntei se ela estava bem, mas ela me dispensou. Me abaixei para avaliar os arranhões em seu rosto:

— O pequenininho era um sagui-leãozinho. Só para o caso de você querer saber — falei para irritá-la.

— Obrigada, Enciclopédia Ambulante dos Macacos

Descansamos um pouco, bebemos água e Kelsey comeu uma barra de cereal. Depois nos levantamos e continuamos a caminhar de volta.

Estávamos caminhando em silêncio e eu comecei a perceber os kappa se levantando do rio. Kelsey também percebeu e chamou a minha atenção.

Tentamos nos curvar para eles, mas não adiantou, os kappa continuavam emergindo. Eu peguei a mochila e começamos a correr.

As criaturas começaram a surgir da água, vários metros à nossa frente. Eles tinham braços compridos e mãos membranosas e suas pernas pareciam humanas.

Os kappa se balançavam para a frente e para trás, ameaçadores, puxando os pés da imundície com um ruidoso som de sucção enquanto abriam caminho para a margem do rio.

— Mais rápido, Kelsey. Corra mais!

— Não consigo ir mais rápido, Ren!

— Não pare, Kelsey — gritei — Vou tentar atrasá-los!

Eu parei e os Kappa vieram em minha direção. Eu segurei a gada e comecei a atacá-los. Bati muito forte no peito de um deles, O monstro lançou um líquido escuro e imundo pela boca e caiu na margem do riacho. Os outros continuavam vindo em minha direção e eu os atacava ferozmente.

Virei-me e comecei a correr. Kelsey estava parada, observando de longe. Gritei para que ela continuasse correndo.

Os monstros continuavam nos perseguindo e Kelsey já estava esgotada, não conseguiria continuar. Paramos por alguns instantes e eu tive uma idéia. Segurei sua mão e a puxei em direção as árvores agulha. Ela ainda não tinha entendido e estava preocupada, porque as árvores também eram perigosas.

— Confie em mim, Kells. Venha comigo.

Quando entramos no meio das árvores de agulhas, os galhos imediatamente começaram a reagir a nós. Eu puxava Kelsey comigo, impedindo-a de parar. Então eu parei e pedi para que ela ficasse imóvel. Em seguida, comecei a atacar as árvores com a gada.

— Sente-se. Descanse um pouco. Vou tentar fazer os kappa me seguirem para as árvores. Espero que funcione com eles como funcionou com os macacos.

Entreguei a mochila e a gada para Kelsey, me transformei em tigre e segui em direção aos Kappa. Deu certo.

As criaturas me seguiram para dentro da floresta e foram atacados pelas árvores. Continuei adentrando, até que ouvi o grito de Kelsey.

Ela se debatia, enquanto uma das criaturas lhe segurava com força enquanto sugava-lhe o sangue. Eu dei um salto e rugi ferozmente, atacando a criatura com minhas garras e mordendo seu pescoço com força, fazendo-o solta-la.

Rasguei sua carne e o lancei para longe.

Me transformei em homem e me ajoelhei ao lado de Kelsey. Ela estava fraca.

— Kelsey, você pode me ouvir? Por favor não me deixe.

Mas ela não conseguia me responder. Afastei o cabelo de seu rosto e falei com ela, na minha língua, pois me era mais natural. Toquei em sua pele, que estava muito quente. Ela estava com febre.

Lágrimas caíram dos meus olhos enquanto ela fechava os dela. Molhei uma camisa e comecei a passar em sua pele. Eu precisava baixar sua temperatura. Tentei fazê-la beber um pouco de água, mas não consegui.

Após alguns minutos ela abriu os olhos. Eu sorri pra ela e ela sorriu pra mim, fracamente. Eu a peguei no colo e a levei dali. Pendurei Kelsey no ombro e batia nas árvore,s até sairmos do meio delas. Vi alguns Kappa dilacerados no caminho.

Guardei a gada e peguei Kelsey no colo, correndo dos poucos Kappa que restaram. À medida que me aproximei da caverna, os Kappa deixaram de me seguir.

Fiquei pensando em tudo o que se passou, no comportamento estranho de Kelsey comigo em Kishikinda, mas nada daquilo pareceu importante. O que eu sentia por ela era maior que qualquer desentendimento. A única coisa que importava para mim, era que ela ficasse bem.

Parei onde tínhamos acampado na noite anterior. Acendi uma fogueira e a coloquei deitada no chão. Coloquei a cabeça dela sob a mochila e fiquei perto.

Ela ainda estava com febre, mas a temperatura tinha diminuído. Kelsey estava inconsciente havia muitas horas e eu não consegui dormir, preocupado com ela.

Quando ela acordou, já tinham se passado uma noite e um dia inteiro. Percebi que ela estava se mexendo e me aproximei. Ela olhou pra mim e gemeu de dor. Eu segurei sua mão e falei com sinceridade:

— Eu sinto muito. Nunca deveria ter deixado você sozinha. Isso deveria ter acontecido comigo, não com você. Você não merece isso.

Eu fiz um carinho em seu rosto.

— Não sei como consertar isso. Não sei o que fazer. Não sei nem quanto sangue você perdeu ou se a mordida é letal.

Eu beijei-lhe os dedos e sussurrei.

— Não posso perdê-la, Kelsey.

Ela começou a gritar e a se contorcer de dor. Ela suava e sua pele estava quente. Peguei um pano molhado e, desesperado, encostei no rosto dela,

Então Fanindra ganhou vida. A cobra se desenrolou do braço de Kelsey e parou perto de mim. Levantou a cabeça, dilatou o pescoço e deu um bote, mordendo o pescoço de Kelsey.

Eu fiquei horrorizado com o ataque da cobra. Até aquele momento ela havia nos ajudado, mas, para a minha surpresa, ela acabara de morder Kelsey.

Olhei para o local que a cobra mordera e ali estava vertendo um líquido dourado. Ela atacou outra vez e mais uma. A cada ataque, um líquido dourado e sangue escuro vazavam das feridas deixadas por suas presas.

Kelsey parou de gemer e se contorcer e tocou o pescoço. Retirou a mão do local e olhou. Sua temperatura diminuiu rapidamente.

Peguei uma garrafa de água e levei até seus lábios. Ela bebeu um pouco, para meu alívio.

Comecei a limpar aquele sangue negro do corpo de Kelsey. Ela não parecia estar sentindo dor. Parecia estar tentando me dizer algo, mas não conseguia e acabou dormindo.

Eu a apertei no meu colo e disse a ela que a amava e precisava dela. Eu a observei e ela estava dormindo tranquilamente. O veneno de Fanindra curou Kelsey.

Eu finalmente consegui relaxar e acabei dormindo um pouco. Kelsey acordou um pouco delirante:

— Isso é muito doloroso para ser o céu. Devo estar no inferno.

— Não. Você não está no inferno, Kelsey.

Ela tentou de mover

— Eu me sinto como se tivesse perdido uma luta de boxe.

— Você fez muito mais do que isso.

Me agachei ao lado dela e ajudei-a a se sentar. Depois, sentei atrás dela para que ela pudesse se apoiar em mim. Levei uma garrafa de água a seus lábios e a pedi que bebesse.

Eu contei a ela o que se passara e que ela tinha ficado 2 dias apagada. Ela pareceu perturbada quando confessei a ela o que eu havia sentido quando ela estava doente:

— Já me senti perturbado. E também inquieto e tenso. Já estive em perigo mortal, mas nunca experimentei esse medo que faz suar frio, o tipo que corrói um homem vivo, que o lança de joelhos e o faz implorar. Na verdade, sempre senti orgulho de estar acima disso. Pensava que tinha sofrido e visto tanto que nada mais poderia me assustar. Que nada poderia me fazer chegar a esse ponto. Eu estava errado. Quando a encontrei e vi aquela… aquela coisa tentando matá-la, fiquei enfurecido. Eu a destruí sem hesitar.

— Os kappa eram aterrorizantes.

—Eu não tive medo dos kappa. Tive medo… de perder você. Senti um pavor corrosivo, angustiante e infinito. Era insuportável. A parte mais torturante foi perceber que eu não queria mais viver se você se fosse e saber que não havia nada que eu pudesse fazer. Eu estaria preso para sempre nesta existência miserável sem você.

— Está tudo bem. Eu estou aqui. Não precisa ter medo. Ainda estou aqui para ajudá-lo a quebrar a maldição.

Eu a abracei pela cintura e fechei os olhos, sentindo profundamente enquanto lhe dizia:

— Quebrar a maldição não me importava mais. Eu pensei que você estivesse morrendo.

— Bem, não morri. Está vendo? Sobrevivi para mais um dia de brigas com você. E agora? Não acharia bom que eu tivesse mesmo ido?

— Nunca mais diga isso, Kells.

— Bem, obrigada. Obrigada por me salvar.

Eu a agarrei aliviado e abracei forte. Até que ela se soltou e me pediu para irmos.

— Vamos, Tigre. Sinto-me forte como um cavalo

— Acho que você devia pegar leve e descansar um pouco mais, Kells.

— Não. Estou dormindo já faz dois dias. Estou pronta para caminhar dezenas de quilômetros.

— Pelo menos coma alguma coisa primeiro.

— Pegue uma barra de cereais para mim que eu como no caminho.

— Mas, Kells…

Nossos olhos se cruzaram rapidamente

— Preciso sair daqui.

Ela ainda estava me evitando. Por algum motivo queria distância de mim. Eu resolvi não discutir.

— Claro. Como quiser, Kelsey.

Levantei-me, apaguei o fogo, recolhi Fanindra e lhe entregue.

— Ela salvou sua vida, sabia? Aquelas picadas curaram você.

Ela tocou o pescoço onde o Kappa havia mordido.

— Acho que você me salvou de novo, Fanindra. Obrigada.

— Você vem, Super-Homem?

— Bem atrás de você.