6-NA SELVA COM A GAROTA

Não demorou muito para Kelsey saír do mercado.

A primeira coisa que ela notou, foi a falta do caminhão. Ela olhou de um lado para o outro, parecendo confusa.

Quando ela viu a própria mochila jogada na calçada, ela pareceu ainda mais confusa. Foi até lá e verificou os bolsos.

Eu estava na beira da estrada, e dei um leve rugido para chamar sua atenção. Eu queria que ela ficasse tranquila, por isso adotei uma postura de submissão, sentado sobre as patas e abanando o rabo. Ao me ver solto, seu olhar foi de puro pânico. Mas não parecia estar com medo de mim.

Aproximou-se reclamando

— Ah, não! Que maravilha. E o Sr. Kadam ainda disse que tudo ia dar certo. Ah! O motorista deve ter roubado o caminhão e soltado você. O que vou fazer agora?

Ela estava muito assustada e sem saber o que fazer. Eu não devia ter feito aquilo com ela. Kadam tinha razão. Ela era apenas uma menina frágil que não merecia passar por uma provação tão grande: ficar sozinha, em um país estranho com um tigre. E pior, entrar na floresta com esse mesmo tigre.

Eu estava prestes a me transformar em homem e contar tudo pra ela, implorando para que ela me perdoasse. Mas antes que eu pudesse fazer isso, Kelsey virou as costas e correu em direção ao mercado.

Eu realmente não contava com aquilo. Achei que quando ela me visse solto na estrada, caminhando em direção à floresta, ela iria me acompanhar, simplesmente. Eu não imaginei que ela fugiria de mim.

Era provável que ela pediria ajuda a alguém, que chamasse a polícia e eles viessem me capturar. Nesse caso, eu provavelmente perderia a chance de quebrar a maldição.

Agora era eu quem não sabia o que fazer: fugir sozinho para a floresta, ou esperar para ser capturado. Resolvi me transformar em homem e ligar para Kadam.

Antes que eu fizesse qualquer coisa, Kelsey saiu do mercado segurando algo, e correu em minha direção. Aproveitei a oportunidade e comecei a andar em direção à floresta, para que ela me seguisse.

— Ren, volte! Precisamos conseguir ajuda! Esta não é a sua reserva. Venha, eu tenho um petisco para você!

Continuei andando para a floresta. Quando vi que ela me seguiria, comecei a correr, sempre olhando para ver se ela ainda estava atrás de mim. Apenas quando estávamos longe da estrada eu diminuí o ritmo.

Percebi que ela estava exausta, mas eu não podia parar ainda. Ela suplicava para que voltássemos à estrada, estava com medo da floresta, pois já estava começando a escurecer. Mas eu não deixaria que nada de mal acontecesse a ela. Eu a protegeria com a minha vida.

Após algum tempo, olhei para trás e vi que Kelsey havia parado de me seguir, devia estar exausta. Voltei e parei ao seu lado.

— Eu devia saber. No instante em que paro, você volta. Espero que esteja contente.

Só então eu vi que o objeto que ela estava segurando era uma corda. Amarela. Ela pegou a corda e amarrou na minha coleira, reclamando que estávamos perdidos e ela estava com medo.

Eu queria dizer a ela que não estávamos perdidos, que eu sabia aonde estávamos indo e que a protegeria. Mas ainda não era o momento. Sentei-me a seu lado para tentar acalmá-la.

Quando percebi que ela estava um pouco mais descansada, eu a puxei usando a corda que ela amarrara em mim. Ela se levantou e me seguiu relutante.

Andamos por mais algum tempo até chegarmos ao bambuzal, onde passaríamos a noite. Kadam havia colocado várias garrafas de água e barras de cereais na mochila. Ela bebeu e comeu e também ofereceu a mim, que comi, embora aquele não fosse meu alimento favorito.

De qualquer forma, havia me alimentado bem no avião. Como homem e como tigre, não precisaria de carne por algum tempo.

Apesar de tudo, Kelsey ainda mantinha o bom humor ( ou seria sarcasmo?)

— Será que um tigre deve comer barras de cereais? Você provavelmente precisa de alguma coisa com mais proteína e a única coisa com proteína aqui sou eu. Mas nem pense nisso. Meu gosto é horrível.

"Ai Iadala, tenho certeza que seu gosto é maravilhoso, estou ansioso para prová-la..." Pensei.

Kelsey encontrou uma pilha de madeira, que Kadam havia providenciado, embora ela não soubesse disso e fez uma fogueira. Então, ouvimos o uivo de algum animal selvagem. Por precaução me levantei e comecei a esfregar meu corpo nas árvores, a fim de que meu cheiro pudesse espantar outros predadores que estivessem por perto. Kelsey não entendeu nada, achando que eu estava com coceira.

Então ela se deitou. Kelsey estava realmente cansada. Tentou usar a bolsa como travesseiro e se embrulho com a colcha de retalhos, que tirou de dentro da mochila. Apesar do cansaço, ela não conseguiu relaxar. Sentou-se e enrolou a colcha ao redor do seu corpo, e deitou-se novamente.

Eu não iria perder a oportunidade de ficar perto dela. Àquela altura, eu já sabia que Kelsey confiava em mim. Então me aproximei e deitei-me a seu lado, encostando as minhas costas nas dela. A sensação do corpo dela junto ao meu foi tão boa, que comecei a ronronar. Isto pareceu deixar Kelsey mais segura e relaxada. Ela dormiu. Aliviado, acabei dormindo também.

Na manhã seguinte, ouvi Kelsey reclamando:

— Ren — acorde. Minha perna está dormente.

Mas eu estava tão relaxado, que não acordei imediatamente, o que deixou Kelsey mais irritada:

— Vamos, Ren. Mexa-se!

Senti um empurrão e ergui a cabeça, percebendo que eu estivera deitado sobre a perna de Kelsey. Levantei-me saindo de cima dela, que não estava feliz, e reclamou muito do nosso acampamento. Achei curioso, já que aquela tinha sido a melhor noite da minha vida.

Recomeçamos a nossa caminhada. Kelsey começou a questionar se Kadam sabia que ela ficaria perdida, já que ele havia lhe entregado aquela mochila, com comida, água, isqueiro, bússola, e tudo o que uma pessoa precisaria caso ficasse perdida na selva.

— Será que ele queria que eu me perdesse aqui? Não — continuou a falar — Isso não faz o menor sentido. Que motivo ele teria para me trazer até a Índia só para fazer com que eu me perdesse na selva? Ele não poderia saber que você me traria até aqui ou que eu o seguiria.

Me senti tão culpado que desviei o olhar. "Iadala, espero que você possa me perdoar".

A cabana do xamã ainda estava longe e eu queria chegar lá antes de anoitecer. Kadam havia me dito que Phet passa os dias na mata, meditando, e volta à sua cabana apenas a noite.

No meio da tarde nós chegamos à pequena cabana que se erguia bem no meio da clareira. O telhado curvo era coberto por fileiras de bambus amarrados juntos que pendiam do topo da estrutura. Cordas de fibras, amarradas em intrincados nós, prendiam grandes postes de bambu um ao lado do outro, formando paredes, e as frestas eram cobertas por grama e argila secas. A cabana era cercada por um muro baixo feito de pedras empilhadas. Não tinha como errar.

Nós nos aproximamos do muro de pedra e eu saltei sobre a barreira ao meu lado, para me certificar de que não havia ninguém na casa.

Então era isso, chegara a hora. Nós entraríamos na cabana, eu me transformaria em homem e contaria tudo a ela. Pareceu tão fácil quando eu pensei nisso antes. Mas agora, eu não sabia. Estava nervoso e não sabia como fazer aquilo.

Chegamos mais perto da cabana. Esperei que ela abrisse a porta, mas ao invés disso ela me olhou e disse, enquanto pegava a corda amarela:

— Precisamos fazer alguma coisa com você primeiro.

Kelsey se aproximou de uma árvore ao lado do quintal. Eu não sabia o que ela pretendia, mas a segui, hesitante. Ela me chamou. Eu percebi o que ela queria fazer. Eu não queria aquilo, afinal, eu não era um cachorrinho para ficar amarrado em uma árvore, por uma corda. Ela continuou acenando para que eu me aproximasse, amarrou a corda na minha coleira e ao redor da árvore.

— Sinto muito, Ren, mas não posso deixá-lo solto. Isso assustaria as pessoas. Prometo que volto assim que puder.

"Então, é assim que vai ser..." Pensei.

Ela se virou e começou a andar em direção à cabana. Meu coração começou a bater muito rápido. Eu estava com medo do que iria acontecer, mas não iria mais esperar. Respirei fundo e me transformei em homem. Retirei a coleira do pescoço e falei baixinho:

— Isso é mesmo necessário?