A ilha - Livro 1

Capítulo 23 – A feiticeira


Encontramos com o mesmo velho gordo, desta vez, sóbrio e pedimos a lancha novamente.

— Ela esta sendo ocupada. Tenho um barco pequeno, é mais barato e cheira a peixe, mas é o que tenho.

— Queremos! – eu entreguei uma quantia de dinheiro e ele folheou satisfeito

— O que vocês estão aprontando¿ - o velho riu

— Trabalho de escola – Ivo disse

— Aham, claro. – ele desacreditou – voltem até a meia noite

—Se você não estiver aqui, onde deixamos a chave¿

Ele puxou do bolso um cartão velho e amassado e entregou a Ivo

—Está aqui meu telefone e endereço. – e saiu sem se despedir

— Sabe pilotar barco¿

—Claro que sei, só não aprendi a conduzir navios, fora isso...

—Não fique se achando – eu ri – sou eu quem tem uma cauda mágica.

—Você é anormal, não conta.

Entramos no barco velho indicado antes pelo pescador e ele tinha razão, fedia. O motor foi ligado e seguimos para a direção que já conhecíamos. Estávamos em silencio, eu pensava bastante no que aconteceria naquela noite conosco. Comigo.

— Veja – Ivo apontou numa direção – ela já está lá

Podíamos ver com as últimas luzes do sol, uma sereia loira sentada em uma pedra rodeada de golfinhos. Ela agora parecia mais nova e mais bonita. Deveria ter uns 20 anos no máximo. Ela brincava distraidamente e assim que viu o barco pulou na agua sumindo de vista. Gritei para ela para que voltasse, mas ela não apareceu. Paramos próximo ás pedras onde antes ela estava e ficamos ali uns segundos. Vi a cabeça dela emergir por trás de uma das rochas e nos observar.

—Somos nós – eu falei – esse é meu colega, Ivo

Ela continuou atrás da pedra apenas nos olhando assustada.

—É um barco de pesca – sussurrou melancolia

—Foi o único que conseguimos – entendi o medo dela

Aos poucos ela se aproximou do barco observando Ivo que não parava de admira-la também. Ela estendeu a mão para ele que entregou a sua, hipnotizado sorrindo.

—Sou Pérola.

—Sou Ivo – ele disse sorridente

Vi emergir outra sereia do lado. Era Nixxie. Ela me olhava feio e pior ainda para Ivo. Puxou a mão da Pérola e a trouxe para longe de nós. Elas se sentaram na pedra e Pérola começou.

— Eu sempre fui apaixonada pelo mundo dos humanos, sempre fissurada e isso é totalmente errado no nosso mundo subaquático. Sereias e tritões não devem se envolver com humanos, apenas para comê-los, mas nós não comemos – ela falou a última frase rapidamente vendo a nossa cara de medo – Existem as sereias carnívoras e as sereias vegetarianas. São duas raças diferentes, mas a duas são em grande quantidade. Geralmente vivemos separadas porque elas sempre geram risco a nossa espécie.

—Espera – eu falei – existem aquelas sereias que seduzem pescadores e os levam para o fundo do mar¿

—Sim. Essas são as carnívoras. Nós não nos alimentamos de humanos, mas também não devemos nos aproximar, os tememos. – ela respirou fundo – Eu já levei várias advertências por vir a praia observar vocês humanos, isso é perigoso e poderia fazer eles encontrarem o cardume.

—O que é o cardume¿

—É a nossa família. Com quem moramos e convivemos. Um cardume tem no máximo trinta sereias. O nosso tem vinte e duas – ela olhou para o mar – mas talvez fiquem só vinte e uma, querem me expulsar por causar riscos

—Existem sereias homens¿ - Ivo se manifestou fazendo Nixxie “rosnar” para ele

—Tritões – Pérola riu – Existe um tritão em cada lugar do mar. Devem existir uns 100 tritões apenas. Eles são como pais de todas nós. Temos cerca de 30 cardumes por aqui, com o rei tritão.

—Olha, desculpa – falei – mas você ainda não disse nada que eu pudesse entender porque de humana, de repente eu me tornei uma sereia.

—Você não é uma sereia! É uma...coisa. – Nixxie falou de cara feia

—Nixxie! Não, você não é uma sereia exatamente. É meio sereia, mas muito mais humana. Nós não podemos ir a terra porque ressecamos e morremos em menos de uma hora. É por isso que eu estava fazendo a poção.

—Poçao¿ - Falei confusa.

—Sou uma sereia feiticeira, existe uma em cada mar. Acho que por isso não me expulsaram ainda, seria difícil par eles viverem sem uma. Sou eu quem faço os remédios para todo nosso mar, quem faço temperos e tudo que precisarem do tipo. Mas venho trabalhando a cinco anos numa coisa que minha antecessora trabalhava também: a poção de transformação.

Olhamos para ela intrigados e cada vez mais confusos.

—Pérola é como uma cientista maluca – Nixxie resumiu – e queria conseguir se transformar em meio humana. Eu era a única que sabia, ela me ajudava com comida e medicamentos e eu a ajudava com os ingredientes da poção.

Olhei para Pérola ainda confusa, mas já sabendo mais ou menos aonde aquela história ia dar.

—Eu estava experimentando a poção e você surgiu do nada – ela falou cheia de culpa – desculpa! Não era pra você, a poção era para mim.

—Aquela luz – eu me lembrei – você me transformou em meia sereia ao invés de se transformar em meio humana¿

—Sim... – falou chorosa

—E eu achando que as coisas não poderiam ficar mais loucas – Ivo sentou no chão do barco sujo

—E como eu volto ao normal¿ - falei desesperada

—Eu... estou trabalhando nisso. Olha, me perdoa, eu realmente não fiz por mal.

—Eu sei, eu sei – falei – é só que... você demorou cinco anos para fazer essa poção, e para fazer uma revertendo¿

—Na verdade...foram trinta anos – Nixxie se manifestou – a antecessora dela passou vinte e cinco anos tentando e Pérola concluiu os estudos dela em mais cinco anos.

—Perfeito – lamentei me sentando no chão ao lado de Ivo – a culpa é sua.

—Minha¿ - Ivo falou surpreso

—Se não tivesse me feito cair no mar aquele dia, eu não teria atrapalhado a poção dela.

—Ah ta, ótimo, agora eu sou o culpado quando só tenho tentado ajudar.

—Você não quer me ajudar, você só quer viver uma aventura.

—Por favor, parem – ouvimos a voz da Pérola – não o culpe, Pietra. Eu darei um jeito nisso. Encontre-me amanha aonde você encontrou Nixxie pela primeira vez e pode ser que eu tenha algo que andei desenvolvendo nos últimos dois anos, acho que pode ajudar pelo menos.

—Precisamos ir, Pérola. Já ficamos tempo demais fora da água – Nixxie pulou no mar no aguardo da colega.

— Por favor, não deixe de vir amanha – Pérola implorou – Adeus, Ivo – ela deu tchauzinho e pulou no mar sumindo de vista.

Ivo ligou o motor e fomos acelerados até o porto sem nos falar. Ainda estava cedo, descemos e ele procurou o cartão do pescador no bolso.

— Pode ir para o hotel, vou até a casa dele.

—Ok.

Virei as costas e segui para o hotel. Eu estava realmente muito chateada com tudo.