Eu estava em minha cozinha, com a cara grudada no micro-ondas, tentando ver o macarrão que estava esquentando dentro dele. O cheiro do molho vermelho estava ótimo, mas eu estava com medo de ele ficar um pouco duro, como da última vez.

Comecei a cantarolar uma música que diriam ser depressiva, mas eu não me importava. Na verdade, em minha versão ela era animada e, para mim, encantadora.

Sim, admito que estava enganado. Deuses precisam dormir.

Bem, Ryler estava do hospital, certo?

Demorou um pouco para acharem um doador, um dia, acho. E mesmo assim ele não podia doar toda a quantidade que Ryler precisava. Passei esse dia inteiro ao lado dele na maca, às vezes conversando com o Doc.

Passei o tempo todo sentado a seu lado, às vezes arrumava o cobertor ou seu cabelo, mas sem tocar muito nele. Estava esperando que ele acordasse logo, queria sair dali, voltar para minhas aulas e dar um basta naquela comida de hospital, que era horrível.

Mas, depois, fui percebendo que queria sair logo dali, com um Ryler saudável, brincalhão e irritante. Queria o Ryler que eu conhecia novamente.

No segundo dia que ele estava lá, o doador chegou. Fizeram apenas a primeira parte da transfusão, esperaram um pouco para ver se não dava nenhuma reação alérgica e voltaram com o resto.
Na manha seguinte, o terceiro dia, dava-se para ver que Ryler estava melhor. A palidez diminuirá, seu coração estava batendo mais forte e respirava mais calmamente.

Nesse dia eu fiquei sentado ao seu lado, com um braço apoiado na maca, roçando minha pele na dele. Queria ter certeza que ele estava ali, não em um necrotério. O Doc. Vinha às vezes para conferir e olhar a perna quebrada. Aquilo seria um problema se ele não acordasse logo.

Preciso ressaltar que não dormi nada nesses dias? Não? Ótimo.

No quarto dia, Ryler acordou.

Eram uma 05h46min da manha, eu estava comendo uma barrinha de cereal quando ouvi um gemidinho de dor (ou prazer. Vindo de Ryler não tenho certeza.) vindo da maca. Virei-me e vi Ryler se mexendo.
Parecia exausto, como se tivesse acabado de sair de uma luta com aquela filha de Atena... Como se chama? Annabeth e minha filha, Clarisse. Parecia que tentava abrir os olhos.

– Ei, Ryler? Está acordado? - perguntei, apoiando minha mão em seu pulso para mostrar que estava ali.
– Aaron... ? – Perguntou numa voz fraca, virando a cabeça para onde imaginava onde eu estava. Exatamente o lado oposto da maca que eu estava. Mortal idiota esse.

– Aqui, Ryler. – Revirei os olhos, cutucando sua bochecha. Ele se virou para mim, abrindo lentamente o olho azul e depois o fechando, franzindo a testa.

– Onde... ? – Perguntou tão baixinho que eu só ouvi a primeira parte da pergunta.

– Hospital, você foi atropelado.

–... Fui? – Questiona, abrindo os olhos lentamente. Um olho azul-elétrico e o outro verde-esmeralda. Olhando melhor, circulando a pupila no olho azul era meio esverdeado. No olho verde, ao redor da íris tinha alguns raios amarronzados, caramelo. Nada muito gritante claro. Só se via se ficasse encarando seus olhos por um bom tempo, fixamente, com cara de idiota, como eu estava fazendo.

Ele estava olhando para minha cara e rindo. Maldito. Se não estivesse no hospital, ganharia uns bons socos.

– Sim, vou chamar o médico, já volto. – Disse, saindo do quarto, meio receoso. Chamei o Doc. E ele chegou rapidamente para examinar Ryler.

Admito, me senti incomodado quando ele passou os olhos e as pontas dos dedos por todo o corpo dele, para verificar se havia algo fraturado ou quebrado. Bem que ele podia se afastar um pouco, não? Depois fez alguns exames com uma lanterninha, verificando seus olhos e reflexos. Logo saiu da sala para pedir alguns exames, enquanto Ryler se deitava, novamente exausto. Aproximei-me.

– Tudo bem? - Digo, apoiando-me na maca, tocando seu pulso com a mão.

– Tudo... Só cansaço. - Responde, sorrindo para mim, ainda sem o habitual brilho no olhar.

– Durma um pouco. - Aconselho, me sentando, mantendo a mão ali.

– Certo... Obrigado, Aaron. - Murmura, fechando os olhos e adormecendo. Algum tempo depois, ele se mexe, apertando minha mão na sua, enlaçando os dedos.

... Meio carente ele, não?

Passamos o dia assim, ele dormindo e acordando, segundos depois adormecendo novamente. Fizeram novamente a transfusão de sangue, já que acharam outro doador.

No dia seguinte o Doc. Veio para fazer os exames necessários nele e conferir seu estado. Alias Doc. é parecido com Ryler. Cabelos castanhos meio compridos olhos azuis e pele um tanto pálida. 1,72, dois centímetros mais baixo que Ryler.

Acompanhei-o pelas salas e em todos os exames. Ele tinha que se apoiar em mim para mancar por ai, embora fingisse que estava bem. Eu via que seu corpo todo doía.

Fizemos os exames: fizemos a tomografia; tiramos raios-X; medimos a altura e realizamos a coleta de urina. O que foi simplesmente hilário, já que Ryler passou umas três horas para conseguir fazer uma quantidade suficiente para o exame, tendo que tomar mais umas duas jarras de agua e esperar mais tres horas pra fazer o resto.

Ah, também medimos seu peso. Nessa hora, nos fomos para um consultório pediatra normal. Doc. Pediu para ele tirar o avental para ter a medida certa, deixando Ryler apenas de cueca. No momento que ele tirou a rouba, realmente me assustei.

Ele era muito magro, magro mesmo. Dava para contar as costelas se passasse a mão por ali... Isso apenas o deixava mais frágil do que eu esperava, o que me fez pensar como qualquer pessoa conseguiria machucá-lo. Como alguém pode pensar em feri-lo? Fazer mal a alguém tão... Tão... Inocente?

Assim que ele pisou na balança, veio o susto maior: 49,72 quilos. Um peso saudável para alguém de 19 anos com a altura dele seria uns 60 quilos!

– Bem, temos que dar um jeito nisso... - murmura Doc., preocupado. - Podem ir para o quarto, logo estarei lá. - E saiu apressado.

Ajudei Ryler a colocar a camisola do hospital e o apoiei até o quarto, o deixando deitar-se. No caminho inteiro ele estava calado.

– Aaron... - Chama, se ajeitando na cama.

– Sim? - Perguntei, me ajeitando na cadeira.

– É Muito ruim... Quer dizer, como eu estou?

– É. Anêmico, aleijado, magro para cacete, retardado, problemático... Quer mais?

–... Idiota. - Resmungou, com um bico, se ajeitando na cama.

– Estou brincando. - Digo, sorrindo, apoiando um braço na maca, para que roçasse em sua pele. Mania um tanto idiota, não? Ryler sorriu e se ajeitou, apoiando sua mão sobre a minha, fechando os olhos.

Ficamos assim por um tempo e logo o Doc. entrou segurando uma bandeja, com o semblante serio.

– Sr. Waterfox? - Pergunta, colocando a bandeja numa mesinha, deixando o conteúdo a vista, onde tinha alguns comprimidos, um suco de laranja dois potes com provavelmente, um com alguma comida quente e o outro com frutas.

– Pode me chamar só de Ryler. - Responde, se sentando.

– Bem, eu recomendo que coma isso... Está muito magro, tem que engordar. - Diz, empurrando a bandeja para ele.

– Mas... - Ryler resmunga, fazendo um bico fofo.

Espera, fofo?

Bem, Ryler comeu só um pouco, como sempre.

Pelos próximos dois dias eu fiquei acordado ao lado de Ryler o tempo todo. Bem, nessas semanas ele só fazia duas coisas: Comer e dormir. Isso porque eu o obrigo. Se fosse por ele, ele já teria fugido do hospital. Enquanto ele está acordado conversávamos sobre muitas coisas e, às vezes, fazíamos alguns exames. Enquanto ele dormia, eu me sentava na cadeira, apoiando meu braço na maca, roçando nossas peles e entrelaçando nossos dedos.

Não por minha iniciativa! Ele apenas dizia que se sentia mais confortável assim.

Às vezes, enquanto ele dormia, eu mexia em seu cabelo, zelando seu sono.

Agora eu entendia o que algumas músicas mortais diziam. Por que o mundo é tão injusto e cruel com um ser tão inocente como Ryler? Ele tem mais alma de deus do que muitos que conheço, e talvez, apenas talvez, a minha. Ele é gentil, amoroso, inteligente, paciente, divertido, charmoso, simpático, bonito...

Espera, charmoso e bonito?

Bem, no sétimo dia eu tinha saído um pouco para comprar um café na cafeteria. Quando eu volto para o quarto, o que eu encontro?

O maldito ex-namoradinho de Ryler, Liann, debruçado sobre a maca, beijando a testa de Ryler, enquanto o mesmo dormia, por causa da anestesia que tomara para fazer um exame.

O que esse estrume de gente está fazendo aqui?!