A Vilã Morre No Final .

4) Use uma furadeira para encaixar as brocas


Bem, eu estava até que me adaptando. Nos fins de semana eu podia relaxar com minha mãe e Sofia, aliás ela estava uma pimentinha, cada resposta....nem parece coisa de criança.

Hoje era um dia diferente, a gente treinava praticando boxe, modéstia à parte eu era bom. Como eu lhe falei, não sou um deus grego esculpido em mármore, mas eu fazia algo muito importante nesse esporte, fazia estratégias. A primeira luta que eu tive foi contra um adversário maior que eu, Robson. Ele já tinha seis meses de treinamento, eu dois. O primeiro round começou com ampla vantagem para meu adversário, levei alguns jabs nas costelas, pus meus punhos na frente do rosto , os socos dele foram me empurrando para as cordas. Aí eu fui tentar atacar, o resultado foi um contra- ataque fulminante, fui acertado na costela e por fim um cruzado de direita que atingiu meio queixo e me fez ver um céu bem estrelado.

Eu gostaria agora de fazer uma pequena pausa,com o seu consentimento é claro, para explicar minha situação. Sempre achei esse negócio de lutas uma bobagem, mas agora eu estava em cima de um ringue recebendo uma surra sem igual. Eu percebi que não é somente a força do soco que vence a luta. Como você deve ter percebido no parágrafo anterior eu levei uma senhora pancada, estava completamente tonto , senti meu corpo bater com força no chão.Toda e qualquer espécie de som foi silenciado.

Escuridão.

E de súbito claridade e um conjunto de sons mal distribuídos. As figuras se embaralharam na minha frente, era como olhar pela janela de um carro rápido demais.

1.2.3....Isso era a contagem, mais um pouco e eu estaria fora...4.5...Eu precisava levantar, meus músculos estavam desobedientes, mas eu forcei,rodei e fiquei de bruços apoiando as mãos no chão e os joelhos dando sustentação...6.7.8..levantei. Lutadores nos cantos do ringue. E a luta recomeça, a pancadaria também e lá estava eu apanhando de novo, foi aí que percebi que Robson dava seus golpes e levantava ligeiramente o pé esquerdo, para pegar impulso.

Sabe,História é um curso muito bom. Ensina você a pensar e o melhor, a enxergar além do óbvio. Lembrei da organização do exército de Felipe da Macedônia, em forma de triângulo, assim fica mais fácil se esquivar do exército adversário. Nem sei porque estava me lembrando disso enquanto minhas costelas estavam sendo surradas. Mas deve ser aquele tipo de momento que você simplesmente voa em seus pensamentos e isso pode acontecer com qualquer um em qualquer hora, quando alguém está falando com você, no meio de uma aula chatíssima ou do nada (ou você nunca riu sozinho?).

Terceiro Round. Comecei virando o corpo, tentei manter um ritmo confortável, fiquei de lado com a cabeça virada para meu adversário. Ele sorriu mangando da posição peculiar. Ele preparou um jab de direita para atingir minhas costelas, desviei com um passo para trás, logo em seguida percebi que ele preparava um cruzado, lembrei do pé que ele levantava para tomar impulso. Quando o punho veio em minha direção atravessando em direção ao meu rosto pela esquerda, saltei para desviar e disparei um soco no lado direito do rosto dele. Acertei em cheio, ele sentiu o impacto, agora ele que estava tonto, aproveitei e continuei atingindo o em vários lugares.

Enfim, talvez você não goste de boxe, vamos aos finalmentes. Eu venci, foi como a seleção do Butão vencer a seleção brasileira. E nem pense que vou lhe dizer que passei duas semanas freqüentando a enfermaria para fazer curativos. Mas faço questão de dizer que continuei treinando afinal foi só a primeira luta.E foi assim que num belo final de semana, minha mãe e Sofia fizeram uma excursão com o grupo da igreja, eu não quis ficar em casa sozinho. Então,fiquei no batalhão e aproveitei para treinar um pouquinho agora que os machucados estavam mais cicatrizados. Eu era o único no quarto, na verdade a maioria das pessoas ia para casa nos fins de semana.

No sábado acordei as 06:00 a.m para correr pelo bairro, aproveitei e tomei café na padaria que ficava a 2 trechos do batalhão. Uma bela vitamina de mamão com banana e quem não está pronto para flexões? Não responda, estou sendo bem irônico. Mesmo assim fui para a área de musculação e comecei o exercício. Primeiro uma série de 50 flexões, descanso de 5 minutos e mais 50.Passos foram se aproximando, fiquei de joelhos e procurei pelo galpão destinado a atividades físicas. Ela se aproximou aos poucos de um saco de pancadas, eu instintivamente me encolhi para que não me visse, pôs luvas pretas e começou a deferir uma seqüência de socos e chutes sobre o saco. Eu pensei que poderia sair de lá sem ser notado dando a volta e chegando a porta. Bem, não podia. Levantei sem fazer barulho mas tratei logo de chutar um peso de musculação (doeu muito viu?), ela se virou abruptamente e me encarou com aqueles olhos verdemente assustadores, me senti fuzilado. Fiz aquela cara que você faz quando quebra o vaso especial da sua mãe.

- O que você pensa que está fazendo aqui ? - Ela parou a coletânea de golpes

- Eu estava fazendo uma flexões e....

- E por que você está aqui?

- Eu resolvi ficar, não tinha ninguém na minha casa então eu resolvi...

- Não quero saber da sua casa, idiota. Continue fazendo suas flexões e não me importune.

- Sim Senhora.

Continuei as flexões,tratei de ficar de costas para a Capitã Cortez, confesso que por mais de um motivo: medo, receio, auto-proteção, evitando ser fuzilado de novo.Depois dei alguns socos no ar ensaiando uma sequência para a próxima luta. Direita, esquerda,esquerda e direita de novo. Direita, esquerda, esquerda e , OK, eu estava muito tentado a dar só uma espiadinha, qual a chance dela olhar bem na hora que eu estou só matando a curiosidade? Ela estava num ritmo muito superior ao meio,desferindo socos e chutes com uma velocidade e precisão invejáveis. Ela parou por um instante, essa era a hora que eu desviava o olhar, mas eu não fiz. Ela se apoiou no saco de areia, eu não sou médico nem nada, mas ela não estava se sentindo muito bem.Eu tinha que ajudá-la, corri para chegar a tempo, ela desmaiou, eu cheguei tarde para evitar que ela batesse a cabeça com força no chão mais a tempo de sentir a pulsação, que por sinal estava bem ritmada.Ela estava fria, aparei a nuca dela com a mão, com a que estava livre balancei um pouco o rosto dela. Fui buscar água depressa, voltei a posição,molhei um pouco o pescoço e então fui percorrendo o caminho até a testa, não pude deixar de notar que deitada no chão de um galpão inconsciente, com os olhos bem fechados, ela parecia muito menos assustadora, aliás ela estava bonita, as linhas do rosto dela eram delicadas. Pinguei a água gelada sobre a testa. De repente como um disparo os olhos se abriram, não houve tempo para maiores explicações. Num tempo equivalente a uma piscadela de pálpebras ela se livrou das minhas mãos, ficou de pé , me imobilizou e me estrangulou usando o meu próprio braço para isso. Eu gostaria muito falar, mas o esmagamento da minha traquéia não permitiu. Acho que ela ficou com pena da minha falta de reação e me soltou. Eu caí no chão de bruços, tossi e tentei respirar, quando me virei de frente percebi que um revólver estava com o gatilho apontando na direção da minha cabeça. Pela primeira vez, tentei falar.

- O que...?

-Calado!

Dois minutos se passaram antes que ela falasse.

- O que você estava fazendo?

- Eu estava ali treinando e quando olhei você estava passando mal e-eu fui v-ver e vo-você desmaiou, fui pegar á-á-água - Apontei o copinho descartável amassado perto do pé dela, e sim, eu gaguejo quando fico muito nervoso - E-e-e v-você a-a-acordou e aí vo-vo-você...

- Certo, essa parte eu acompanhei

Ela refletiu por mais alguns segundos, abaixou a arma, mesmo assim eu não ousei mexer nem um milímetro do meu corpo.

- Levanta - Foi o que ela disse e eu obedeci imediatamente - Eu...machuquei o seu pescoço? - Ela passou o próprio dedo envolta do pescoço gesticulando.

- Só um pouquinho - Eu tentei sorrir, mas ela continuava séria.

- Eu pensei...

Ela não estava olhando para mim.

-Que eu tivesse pulado em cima de você e tentado matar você com a minha arma secreta? - Me abaixei e segurei o copo descartável.

Agora, ela esbanjou um sorriso de leve.

-Certo,qual o seu nome calouro?

- Tomás Daris, Capitã.

Emiliane estendeu a mão e eu a cumprimentei.

-Volte para os seus socos tortos Daris, e é melhor manter a boca bem fechada, você entendeu?

- Sim senhora.

Capitã Cortez saiu do galpão, não a vi mais durante aquele fim de semana, fiz minhas refeições na padaria, atualizei minha leitura de “O arminho dorme”, uma narrativa interessante baseada na história da Itália.

Ah, durante algum tempo não pude deixar de dar uma risadinha ao ver um copo descartável.