As árvores passavam pela janela como manchas, apenas borrões verdes escorregando pelo vidro. A cidade foi se apresentando, pessoas passeavam pelo centro visitando barraquinhas de artesanato e lojas com vitrines chamativas.

- Não estamos mais em Lisboa? – digo observando a minha esquerda um mar azul maravilhoso, uma areia amanteigada e banhistas se divertindo

- Não – ela reduziu a velocidade – Bem vindo a Nazaré – sorriu

- Vamos à praia? – digo ainda encantado com aquele momento de doçura dela

- Mais ou menos – com uma das mãos fecha a boca com um zíper imaginário, abre a janela e finge jogar a chave pela janela

A praia era linda, eu queria parar e comprar algo para Sofia e minha mãe naquelas barraquinhas, um presentinho, mas nós seguimos por um bom tempo. Estacionamos perto de casas simples que ficavam a beira-mar. Emiliane desceu do carro e fez sinal para que eu fizesse o mesmo, pegou uma mochila no porta malas, pôs uma das alças nas costas e seguiu caminho, subentendi que deveria segui-la.

Um homem baixo, de pele morena e já de uma certa idade aguardava perto de uma canoa.

- Dona Julia, como está? – disse acenando com o chapéu de palha

Dona Julia?

- Bem, Donozo, e o barco tudo certo?

- Perfeitamente – um sotaque português reforçado compunha uma voz rouca

Donozo me espiou discretamente, puxou a canoa mais para perto e ajudou Emiliane a subir, depois esperou que eu subisse. Molhei meu all star e a barra da minha calça e me acomodei, ele subiu por último e puxou uma corda para ligar um motor barulhento. A pequena embarcação soluçava a todo momento, fomos nos distanciando da costa. Tão logo a faixa de areia sumiu em nossas costas uma pequena linha de terra firme apareceu à frente. Um pedaço de terra perdido no meio do mar, coberto por árvores e coqueiros. Tão logo descemos o homem e sua canoa soluçante voltaram para a costa nos deixando ali.

- Uma ilha deserta? – digo

A Capitã não responde e continua a avançar pelas árvores, vou seguindo a e percebo que estamos numa trilha.

- Dona Julia, ein?

- Melhor assim – diz sem olhar para trás

Andamos por quase 5 minutos até que eu consigo ver uma pequena casa de madeira. Parecia um pequeno chalé perdido entre as árvores. Emi não demora a por a mão no bolso e abrir a porta com uma chave. Com um aceno de braço me convida a entrar. Ela vai abrindo os vasculhastes que estão em pares nas paredes. A cozinha tem uma geladeira prata, uma pia e um fogão, não existem divisórias entre ela e a sala com uma mesa de madeira e um banco de três pernas, a porta que está fechada deve ser o banheiro. Cortez segura minha mão e me conduz até o fim do chalé onde 4 degraus nos elevam até uma cama com lençol xadrez de roxo com azul. Atrás da grama há uma grande janela que vai do teto até o chão, mantendo a cama iluminada. A grande janela nos mostra árvores majestosas e um pedaço do mar, devo dizer que o efeito é muito bonito?

- Essa casa é sua ?– digo ainda maravilhado com o lugar

Ela faz que sim com a cabeça.

- Uau... – Ela tem uma casa numa ilha deserta! Deve ser um lugar especial...se eu estou aqui, logo também sou especial, confere a lógica professor? – Obrigado por me trazer aqui

- Não gaste seu “obrigado”, você ainda não viu nada

Sou arrastado para fora do chalé. Vamos para o outro lado da pequena ilha. A esquerda a apenas alguns metros do pequeno pedaço de terra pude ver uma gruta, abria a boca para perguntar sobre aquilo mas ela falou primeiro.

-Poxa! – Bateu com a palma da mão na testa, aborrecida – Esqueci de pegar o lençol encima da cama. Tomás, você pode ir lá dentro e pegar o lençol xadrez?

- Claro – digo já correndo para o chalé.

Subo os quatro degraus e tiro com cuidado o lençol da cama. Vou andando até a porta aproveitando para olhar mais um pouco aquele lugar aconchegante. Sem querer deixá-la esperando volto com a encomenda na mão, mas Emiliane não está mais lá. Olho apreensivo para os lados....

Nada.

Encontro a mochila na areia servindo de peso para o short que ela estava usando. Depois percebo que os tênis também está na areia, assim como os óculos, como as camisetas, uma calcinha preta com desenho de caveirinha....Espera....Se eu estou com a calcinha...

Olho para os lados torcendo para encontrá-la agora mais apreensivo do que antes. E finalmente...

Nada de novo.

Mas vejo o sutiã preso num galho de uma árvore. Meu coração acelera, esse joguinho está me enlouquecendo, se eu achar mais alguma peça de roupa eu que tiro a minha e saio de bunda de fora pela ilha (se bem que não tem mais roupa para ser encontrada). Reflito por um momento. Sempre fui bom de esconde- esconde, então percebo o esconderijo perfeito de minha adversária. Tiro a camisa e o tênis e me atiro na água com a calça jeans pesando por estar molhada. Nado o mais rápido que consigo. Chego a caverna. Subo numa pedra de superfície estável e percebo que ela não está ali, não tem muito onde procurar aqui dentro. Já estou me dando por vencido quando braços molhados envolvem meu corpo e mão ágeis desabotoam minha calça. Sinto o coração dela pulsar rente as minhas costas, a respiração no meu pescoço. Obedeço tirando as calças e ficando com minha cueca azul (ainda bem) box.

Cortez afrouxa os braços o suficiente para que eu me vire.

- Você está...de roupa de mergulho – Aperto os lábios tentando esconder minha decepção

Ela sorri com o canto da boca e me surpreende com um beijo intenso e demorado. Passa o dedo indicador pelos meus lábios, viro o rosto para que ela pare, quero ficar com a sensação do beijo dela em minha boca o máximo de tempo possível. Mas ela me segura pelo queixo fazendo com que eu encare aqueles olhos verdes. Diferentes. Agora eles eram doces de um jeito novo. Emi me puxa mais para perto, até não haver distância entre nós.

- Eu tenho muito a lhe mostrar- diz sussurrando

- Eu sei...- digo dando uma risada safada

- Não era você que queria algo além de sexo? - diz dando dois passos para trás

Sinto minhas bochechas queimarem. Me sinto um tarado.

- É...- limpo a garganta antes de continuar - Desculpe , é que eu vi as roupas na areia e bem...fiquei animado - riu de novo .agora de nervoso

- Unhum - disse com as mãos na cintura - Vamos ter tempo para isso também não se preocupe - caminha até a borda da pedra, vira-se para mim e me convida a acompanhá-la com um aceno de cabeça

Pula de maneira ágil na água, reflito por um momento e pulo também. Nadamos dando a volta na caverna. Entre um conglomerado de pedras, escondido, vejo enfim um barco. A Capitã vai até a embarcação e me ajuda a subir. Dou pulinhos para tentar me secar. Ela joga uma toalha na minha direção e pede que eu vista a roupa de mergulho.

- Onde fica o banheiro? - digo segurando a roupa de neoprene

Sem respostas, ela apenas ri.

- Sério, fica pra lá? – digo apontando e sorrindo, mas falando sério

- Direita. Segunda porta – diz depois de mais algumas risadas

Tiro a cueca box já dentro do pequeno cômodo. Coloco a roupa de mergulho com algum esforço porque a malha não quer passar pela minha linda e esculpida barriga tanquinho (ah vá...). Olho minha imagem no espelho e o fato dessa maldita roupa destacar cada milímetro do meu corpo não me agrada.Tenho a impressão de que estou usando algo dois números a menos.Caminho inseguro de volta para perto da Capitã.

Ela me encara dos pés a cabeça, se demorando nas partes onde o aperto fica mais nítido (se é que você me entende). Sinto meu rosto corar até as pontas das orelhas, percebendo isso Emi volta a olhar para o mar a nossa frente enquanto o barco se move com destreza, ela apenas diz de maneira despreocupada:

- Eu sei que você está animadinho - diz e me olha pelo canto do olho - Mas será que se importaria se deixássemos isso para depois....

- Clara que não, podemos aproveitar mais, conversar...

- ....afinal - ela continua como se eu não tivesse dito nada - O seu treino de amanhã foi cancelado

- Foi?

- Unhum

- Como...?

- Eu tenho...contatos...no quartel, não se preocupe a aula será reposta no sábado que vem

- Você é boa nisso ein?

Resposta: Sorriso de canto de boca. Chego mais para perto colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. Emiliane fica indiferente, então beijo sua orelha, e ela olha para mim com os olhos semicerrados para depois voltar a olhar para frente com cara de paisagem.

Me afasto um pouco para deixá-la a vontade e finalmente digo:

- O que vamos fazer então?

O leme roda para a direita.

- Surpresa- disse com um tom de voz calmo

Blá, blá , blá....

Ancoramos. Ela me deu algumas dicas práticas de mergulho e me deu o balão de oxigênio, colocou o dela. Pulamos na água com pés de pato e etc. Imagine um paraíso. Foi assim que eu me senti. Se a ilha e o chalé já eram lindos, esse pedaço de céu submerso era exatamente um pedaço de céu submerso. Um navio naufragado que servia de mansão para vários animais e as mais diversas espécies de plantas. Corais se apoiavam pelo casco do navio. Uma festa de cores que entrava e saía da embarcação.

Aqueles minutos que passamos lá embaixo são inesquecíveis. Mas eu não vou lhe falar muito mais sobre isso, desculpe, todavia , é esse um momento que vou deixar comigo, e só comigo, como o último bombom da caixa que você vai guardando e guardando e guardando e...

Voltamos ao barco.

- Nossa! Que lugar fantástico – digo balançando os cabelos como um cachorro pós- banho – Como você encontrou esse paraíso?

- Só encontra quem procura – diz sorrindo

As próximas cenas ficam mais interessantes se narradas em flashes. Lá vai: Vinho. Beijos. Mais vinho. Mais beijos. Tirando as roupas de mergulho. Abraços. Mãos. Pés. Bocas. Cabelos. Ancas. Coxas. Suor. Saliva. E vamos acabar com beijos.

Um pano que cobria o leme agora nos cobria. O sol iluminava nossas pernas, e a sombra protegia o resto. Fiquei de lado para poder olhá-la, ela fez o mesmo e fiquei alguns segundos me recuperando com o contato direto com duas piscinas profundas de água verde.

- Você disse que a sua família era meio ausente...? – digo me arrependendo de ter aberto a boca no momento em que a fecho

Um silêncio constrangedor toma conta do ar, já estou preparado para mudar de assunto quando ela responde em fim.

- Na verdade – diz sem tirar os dos meus – Eu não tenho família

- Não? Ninguém?

- Ninguém

- Como...?

- Eu vim de um orfanato

- Ah, não teve família adotiva ou...

- Ninguém me adotou então um dia eu fugi

- Fugiu...?

- Sim, e depois de um tempo fui para o Brasil

- Brasil? – aumento sem querer o tom de voz – Você não é brasileira?

- Italiana

- Mas você não tem sotaque, e fala português e tudo

- Qualquer um pode falar português – ela passa a mão no meu cabelo de maneira despreocupada- E já morei em muitos lugares, perdi o sotaque

Passo um tempo digerindo aquilo.Até que finalmente consigo falar.

- Por que nunca me disse isso?

- Pelo mesmo motivo que você não vai contar pra ninguém – diz isso e segura meu queixo com o indicador e o polegar – É algo de que eu não gosto de falar, certo?

- Claro, claro, sem problemas – coloco a mão na cintura dela – Mas você nunca tentou encontrar sua família?

Ela me olha mais um pouco, se apóia em um cotovelo e com o outro braço apóia a mão no meu peito, aproxima a cabeça do meu pescoço e fica ali aninhada, sem respostas. Entendo que a conversa acabou e passo a mão por suas costas puxando-a mais para perto.

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- Emi, Emi, por favor... – Sinto o sangue escorrer frio pela cabeça – Não atire, não atire...por favor... – Eu devia parecer mais seguro, mas o contato com a morte assim tão de perto faz minha voz soar mais chorosa do que eu desejaria

- Sinto muito Tomi, sinto muito – destravou a arma - Eu pedi, eu pedi – uma lágrima escorregou pelo rosto da Capitã – Mas você ficou...você ficou

- Por favor...Emi por fa...

Um único disparo foi suficiente para calá-lo. Um tiro e tudo estava acabado.