A Vilã Morre No Final .

21) Peça uma carrada de pedras calcárias


Oi, eu de novo, Tomás. Você gosta de enrolação?

Nem eu. Então que tal pularmos alguns dias, certo, de Junho para Agosto. Esse tempo que passou se resumiu em alguns fatos repetitivos. Eu passava a semana no batalhão, onde a Capitã me tratava indiferente, no início isso me deixou maluco e deprimido ao mesmo tempo e em diferentes doses. Mas ela disse que era melhor que os outros não soubessem. Assenti. Fins de semana eram assim: Sábado manhã>> sair com Sofia e minha mãe, tarde>> o mesmo da manhã, noite>> apartamento da Capitã. Domingo, sair com Sofia e Minha mãe mais uma vez. Essa se tornou minha rotina.

Imagine uma corda amarrada em uma extremidade, alguém está fazendo pulsos de ondas, ritmados, infinitamente iguais. Até que a corda se rompe. Não que isso seja ruim (ou bom), apenas quebrando o hábito. E essa é uma ótima comparação para entender o que aconteceu quando chegou uma carta de convocação para mim. Eu deveria comparecer ao Quartel na hora e data definidos, iria servir em Portugal durante 6 meses. Teoricamente eu não era obrigado a ir, na prática eu não tinha muita escolha. Não me sentia nada satisfeito em ficar um oceano distante da minha família.Só de pensar em passar 6 meses sem vê-las senti um aperto doído no coração, era literalmente dor. E pensei que qualquer chance de manter um relacionamento com Emiliane iria pelo ralo, ok, a gente só mantém aquilo que tem. Eu e a Capitã não tínhamos um relacionamento ainda. Não quero parecer insatisfeito ou exigente, mas nossos encontros eram essencialmente sexuais. Eu gosto dessa parte também, mas quando ela vem misturada com a parte do carinho, do afeto e, na fase mais avançada, do amor. Com o passar dos dias achei que a mistura aconteceria, contudo sempre acho que ela está a uma distância segura de mim, como se não quisesse se envolver, e eu? Bem eu já me enrolei por completo, uni a mão direita com o pé esquerdo, passei a corda pelo pescoço e dei um nó de marinheiro. Fui avisá-la da notícia no sábado a noite, já que, nos encontraríamos no apartamento dela. Toquei a campainha. Ela não demorou para atender. “Entra”. Entrei. “Pode sentar” . Sentei. “Vinho?” . “Não obrigado”. Encheu uma taça para si e ficou me encarando a distância por alguns demorados segundos, pensei em como dizer: Curto e objetivo ou demorado e explicativo?

E ela veio caminhando como quem flutua, sentou no meu colo e fez uma trilha particular do ombro até a orelha. OK, sempre que ela começava assim eu não conseguia manter um diálogo, então é melhor falar logo.

– Olha eu queria falar – Ela mordeu o lóbulo da minha orelha e um arrepio impediu que eu concluísse

– Você e sua mania de conversinha não é? – Ela sussurrou o que me rendeu mais um arrepio. Cortez beijou meu pescoço e parou para me encarar, sorriu molemente, eu estava ferrado, ela sabia o efeito que tinha sobre mim quando fazia essas coisas, segurou meu queixo com a mão – Vamos fazer mais e falar menos está bem? – Roçou os lábios nos meus, nossos hálitos se confundiram.

Resolvi falar assim, com a boca dela praticamente na minha.

– Eu fui convocado para servir em Portugal

Ela se afastou e me encarou com os olhos verdes atentos e o semblante sério. Falou finalmente.

– Por uns 2 meses?

– 6 , na verdade

Emiliane saiu do meu colo e andou até um canto mais afastado pensativa. Como ela não disse nada falei.

– Eu queria lhe dizer logo porque acho que a gente precisa conversar sobre nós dois, como fica e tal- Cocei a cabeça – Eu quero continuar, mas 6 meses é algum tempo...então queria saber se você também quer?

Ela continuou no canto. Tudo bem deveria estar pensando. Tamborilei com os dedos no joelho e depois no sofá. Olhei mais uma vez, nada de se mexer. Ela se virou para mim. Pensou mais um pouco antes de falar.

– Eu vou com você

– Que? Como?

– Do meu jeito, não se preocupe com os detalhes, eu tenho apartamento em Portugal, você vai ficar comigo

– Tem? E vou? Mas aí vão saber de nós

– É, mas não tem jeito

– Será que eles vão deixar?

Emiliane riu sarcasticamente. E foi até o quarto sem mais comentários, depois de um tempo fui até ela.

– Vai ver a gente morar junto é uma boa – Beijei o ombro dela, Cortez olhou do lugar do beijo para mim e de volta para o celular onde ficou apertando as teclas agilmente – A gente pode se conhecer melhor, evoluir no nosso relacionamento, ficamos mais perto um do outro...

– E-hey – Ela se afastou num movimento rápido- Você vai morar comigo, mas não vamos brincar de casinha, ok?

Voltei para a sala depois dessa. Sentei no sofá, e foi preciso muita reflexão e coragem para voltar para o quarto.

– Quer saber? Não vai dar certo. Não, obrigado, não vou me hospedar no seu apartamento – No começo falei para as paredes, agora ela já estava prestando atenção – Porque eu estou sempre aqui e você está longe. Eu gosto de você, e mostro isso. E você? Você eu nem sei

– O que você quer?

– Que você mostre que gosta de mim se assim for, e não quero implorar pelo seu afeto, isso deveria ser natural

– Não sei dar afeto naturalmente, mas posso fingir já que você precisa tanto que eu mostre

Sorri ironicamente.

– Se é pra fingir não serve

– É o que tem pra hoje

– Então hoje eu não quero – Caminhei em direção a porta, confesso com o gosto da derrota na boca que torci para que ela me impedisse de ir embora, não aconteceu.

Passei pela porta e voltei para casa. Já nem lembrava como era dormir sozinho num sábado à noite. Acordei de um sono mal dormido,permaneci mais um pouco deitado. Levantei enfim cambaleante. Acho que os fios do meu cabelo estavam brigados, cada um para um lado. Meu calção velho e azul marinho estava torto, ajeitei. Cocei a barriga, estava sem a camisa mas deixei para colocá-la depois do banho frio que eu tenho que tomar imediatamente para revigorar as energias (ou tentar). Fui até a sala ainda trocando os passos. Dei bom dia para minha mãe que estava , pelo cheirinho, fazendo um café fresco, e ia dando bom dia para Sofia que estava no sofá, mas fui pego de surpresa. Ela não estava sozinha, aliás ela e a visita me encaravam olhando para trás. Emiliane Cortez fez um aceno formal de cabeça , me olhou lenta e minuciosamente e riu suavemente.

– Filho, vai tomar um banho e pentear esse cabelo para falar com a moça – Minha mãe trouxe uma xícara para a Capitã

Corei, e senti minhas bochechas queimarem de tão vermelhas, me apressei a por a camisa, passei as mãos com força para tentar domar minha juba matinal. Fui até ela e estendia a mão para cumprimentá-la e dizer um “bom dia” ainda envergonhado. Passei a mão na cabeça de Sofia, ela estava segurando o riso quando disse “Tomás, é assim que você cumprimenta a Emi?” . Sorri encabulado “Emi?”, desde quando elas estão íntimas? Aliás desde quando elas se conhecem?

– Ora...- Olhei para os lados – O que você sugere?

– Olha...eu acho que você devia ser mais carinhoso, sabe?

– Deixa Sofia, tudo bem , eu não disse que viria, acho que ele está assustado – Emiliane sorriu e nitidamente segurou uma risadinha ao perceber meu estado de choque

– Eu...bem desculpe, mas realmente não sabia que você viria

– Tudo bem, eu que tenho que pedir desculpas por ter vindo assim sem avisar – Ela se levantou e foi até mim,então percebi que ela estava com um embrulho na mão – E também tenho que me desculpar pelo jeito que lhe tratei...você sabe ...Hum...- Estendeu o pacote – Desculpe – Cortez beijou minha bochecha com carinho

Em 5 minutos ela foi mais carinhosa do que em 2 meses, mas o que...? Agradeci timidamente o que me rendeu um “agradece direito” da minha mãe. Beijei o rosto dela. Abri o presente, um conjunto com canivete, relógio e lanterna, tudo importado da Suíça. Eu disse que tomaria um banho e já estaria de volta, ela disse que precisava ir, tinha compromisso. Tomou a xícara de café, agradeceu, trocou um aperto de mão com Sofia ( como se já se conhecessem a mais tempo), me deu outro beijo na bochecha, eu deveria ter respondido com outro beijo, certo? Mas não pude, fiz apenas um aceno de cabeça e agradeci novamente o presente . Levei-a até a porta, então ela disse já do lado de fora para que só eu pudesse ouvir:

– Vamos, você nem se animou com o presente – Emiliane se virou para mim

Olhei o pacote por um momento, coisa fina, levantei os olhos.

– Desculpe, mas é o que tem para hoje

Ela virou a cabeça e sorriu para o lado, olhou para mim já séria e fez que sim com a cabeça. Desceu as escadas. Me segurei na maçaneta, eu não vou atrás dela, lembre de ontem, lembre, lembre. Você pode falar isso quando me encontrar na rua: IDIOTA. Porque é o que eu sou. Desci as escadas pulando uns quatro degraus por vez, a capitã já estava do outro lado da rua entrando no carro. Corri, ela ligou o veículo. O carro começou a andar me joguei na frente, rolei no capô e caí no chão. Ainda bem que ela freou, caso contrário essa hora eu seria uma papa de Tomás. Desceu do carro e fechou a porta com violência, olhei ainda do chão.

– Você está maluco, idiota? – Viu...idiota... – Quer morrer atropelado? Ou pior: Quer amassar meu carro, desgraçado?

Não falei nada. Levantei sentindo as costelas rangerem com a pancada, usei o joelho como apoiou para as mãos. Dei dois passos até uma Emiliane Cortez furiosa que analisava a lataria do eclipse 2000, segurei-a pelo braço e a virei para mim. Mordi o lábio inferior e a beijei com intensidade mas rapidamente. Quando nossas bocas se separaram ela estava com um semblante misto de surpresa e (ainda) raiva.

– Eu me importo com você – Botei uma mecha fujona de cabelo dela atrás da orelha, alisei a bochecha direita com o polegar. Dei um beijo na testa e voltei para o meu apartamento. Idiota. Mas um idiota com convicção.