A Vilã Morre No Final .

17) Desligue o circuito elétrico


Abri a porta do apartamento. Fui até a cozinha peguei uma garrafa de uísque escocês single malt, despejei dois dedos do líquido num copo, tomei num gole, mais dois dedos. Girei o pescoço até ouvir o estalo. Eu beijei o Daris, primeiro passo dado, a namoradinha temperamental ficou bem bravinha, deve deixar de ser um problema por enquanto.Algo me diz que o calouro vai ficar bravinho, um homem normal iria gostar, mas Daris tem a mania idiota de bom moço. Mais dois dedos de puro malte. Mais um gole. Olhei para a garrafa , quer saber? Tomei o uísque direto da garrafa, queimou um pouco minha garganta, respirei fundo. Eu o beijei. Não foi bom nem ruim, eu trato de não misturar as coisas, mas a verdade é que ele nem se mexeu. Talvez pelo susto. E a cara da namoradinha patética? Ri sozinha. Rir. A quanto tempo eu não riu? Mais algumas risadas, sentei-me no sofá ainda segurando a garrafa de uísque, com o controle remoto coloquei uma música para tocar no modo aleatório. Começou com So What da Pink.

Lembrei da cara da pateta, ai que triste beijaram meu namorado. “Mãããe, uma menina má beijou meu namoradinho bua bua bua” . E a cara dele? Pelo amor de Deus. Será que foi o primeiro contato que ele teve com uma mulher? Imaginei os dois discutindo , eu já estava lacrimejando de tanto rir, acho que o uísque contribuiu para a crise de riso, me contorci, e tive que sentar para respirar. Música seguinte . Did I disappoint you or let you down?( Eu te desapontei ou te deixei triste?). Por que eu baixei essa música idiota? Uma pausa nas risadas, eu não queria, mas acabei prestando atenção na letra. I'm so hollow, baby, I'm so hollow. (Estou tão vazio, baby, estou tão vazio). A patetona ficou realmente triste ao me ver beijando o namoradinho dela. Eles devem se gostar muito. Hum... Mais um gole de uísque. Ele nem se mexeu, nem um movimento com aquela maldita boca, se eu tivesse beijado um pedaço de madeira não teria sido diferente. Por que ele gostava daquela estranha? Não ache que eu não sou modesta, mas sendo bem realista, eu sou mais bonita que ela, tenho dinheiro, com certeza eu sou mais inteligente e mais provida de cultura que ela. Não é arrogância, a minha profissão não permite isso, são os fatos. Mas que droga!

Joguei a garrafa com a maior força que pude na parede, com o baque o vidro se espatifou e o líquido escorreu pela parede. Quem se importa com aqueles dois? Olhei para a parede molhada de uísque, respirei fundo. Eu não acredito que estou me irritando por um casal que eu nem conheço na verdade. Eu vou ter que limpar essa sujeira, pego um pano e o lixeiro, vou jogando os caquinhos fora. Por que eu fiz isso? Que ataque de histeria foi esse? Eu não sou disso, chega a ser bizarro. Acabando vou até a cozinha caçar algo para comer, dispensa vazia, geladeira tem água, vinho e cerveja. Ótimo simplesmente não a nada mastigável na minha cozinha, são 05:00 am, eu preciso descansar um pouco, mas meu estômago e eu achamos melhor comprar algo para comer primeiro. Tiro a roupa da festa e coloco uma roupa mais casual, lavo o rosto. Compro pães de forma, queijo,manteiga, achocolatado, maçãs, bananas, mamão, cereal e leite. De volta ao apartamento lavo as frutas, pego uma tigela e despejo cereal e leite, corto alguns pedaços de banana e maçã para mergulhar no leite, como um pedaço generoso de mamão, faço dois mistos quentes , ajudo o pão a descer goela abaixo com o achocolatado. Agora eu posso ir dormir. Me jogo na cama, uma tempestade de pensamentos e lembranças de ontem e de outros dias invadem minha cabeça, como sempre. Por isso pego meu , novinho em folha , Ipod coloco uma música no volume máximo e enfio os fones no ouvido, depois de aliviar a enchente de lembranças já me sinto segura para abaixar um pouco o volume e evitar uma possível surdez.

Abri os olhos vagarosamente, a claridade estava me incomodando. Fechei os, era melhor me virar primeiro, deitei de bruços me apoiei nos antebraços, abri os olhos. Alguém quer fazer o mundo parar de rodar? Fiquei naquela posição por alguns minutos pensando se a dor latejante na minha cabeça seria capaz de me fazer ficar na cama o resto do dia (isso porque acordei às 16:30h), eu decidi facilmente por não sair de lá, mas o café da manhã deu uma cambalhota no meu estômago e subiu queimando o esôfago. Levantei com pressa, um erro terrível para quem está de ressaca, comecei a ver as coisas em dobro , tontura, me apoiei no que estava pelo caminho. Senti um gosto amargo e ácido na boca, coloquei a mão para impedir que a “coisa” saísse antes de chegar a pia. Um pé depois o outro, se eu tentar me apressar ainda posso me apoiar nos móveis. Péssima hora para ter um quarto grande. Abri a porta com tanta força que o choque entre ela e a parede fez um barulho enorme, senti como se tivesse levado um tiro na cabeça. Pus o café da manhã e muitos copos de uísque pelo ralo. Olhei para meu reflexo no espelho, olheiras escuras e fundas, um semblante péssimo, definitivamente eu estava com cara de “dia anterior”. Molhei o rosto, o contato da água com a minha pele pareceu arranhar. Certo, primeiro vamos tomar uns comprimidos. Abri o guarda-roupa, havia uma caixinha com remédios, tomei um para dor de cabeça,um para dor muscular, outro para enjôo, e mais ainda um para asía. Rastejei até o banheiro,esfregando as pantufas pelo azulejo sem tirar o pé do chão. Liguei a banheira e fiquei lá até a dor de cabeça amenizar, digo amenizar, porque passar ela não ia tão cedo. Vomitei mais um pouco depois, me deitei na cama e tomei uns comprimido para dormir.

Acordei na segunda-feira, esperei um pouco para conferir se a dor de cabeça estava lá, ainda bem tinha ido embora. Levantei num pulo e fui até o banheiro. Liguei o chuveiro e me deliciei com uma ducha gelada. Vesti a farda do exército, me olhei no espelho, quando essa porcaria acabar eu quero férias de um ano, vou sumir no mundo, Giovanni vai saber que não é nada além do que eu mereço e preciso. Cheguei cedo, a maioria dos calouros ainda não tinha chegado e os que já estavam por lá iam param seus dormitório calmamente. Adentrei no batalhão, ele estava sentado num banco olhando para o chão com os cotovelos apoiados nos joelhos. Caminhei indiferente. Não cheguei a dar 5 passos e ele notou minha presença e veio com passos rápidos ao meu encontro.

– Eu quero falar com você - Ele disse segurando o meu braço. Olhei do meu braço onde os dedos dele estavam fincados, até a cara dele. Isso vai ser divertido, fiz minha melhor cara de indignação.

– Largue...o...meu...braço - Eu disse entre dentes

– Quero falar com você - Ele soltou o meu braço. Ajeitei a manga da camisa - Sobre o que aconteceu na festa

– Festa?

– É

– Não sei do que você está falando - Continuei caminhando

– Ei! - Ele veio até mim e se postou na minha frente - Como assim “não sei do que você está falando”? Você sabe muito bem do que eu estou falando

– Não, não sei. Agora, Daris, se puder tirar sua cara da minha frente - Enfiei o indicador no peito dele - Talvez eu não lhe castigue, porque estou de muito bom humor

– O quê?!

– Você é retardado? - Os calouros que chegavam estavam olhando

– Escuta, você sabe o que fez na festa de sábado, você sabe - Ele estava começando a ficar vermelho de raiva ou vergonha, ou os dos dois juntos

– Ora seu imbecil, com quem pensa que está falando? - Levantei ligeiramente a voz, eu sou uma ótima atriz, mas estava difícil de segurar a risada, a cara dele de desespero estava cômica - Pelo visto você está achando pouco ter que limpar por uma semana o meu banheiro e o do Sargento, não é? Ótimo! Você vai limpar o banheiro de todos os dormitórios - Alguns “uhus” foram ouvidos - Agora!

Sigo caminho e o deixo plantado onde estava , com a boca aberta e simplesmente incrédulo. Tirei o Ipod da mochila e ouvi Who’s laughing now enquanto verificava email e telefonemas de Tomás Daris. Tentou ligar umas duas vezes para Luiza, ela não atendeu. Alonguei o corpo, hora de checar os emails, nada interessante. O treinamento se restringiria a manhã nessa segunda,nada muito cansativo, uma aulinha de tiro, esses calouros teriam que treinar muito para melhorar essa pontaria. Já que a tarde seria livre aproveitei para dar uma nadada na piscina. Pus um maiô preto peguei um robe branco apoiei no braço, vesti um short e uma blusa por cima do maiô. Deixei meu corpo cair na piscina como uma flecha, atravessei de um lado para o outro algumas vezes. Parei na borda para respirar,e quando tiro a água com cloro dos olhos vejo que ele está em pé com as mão na cintura e me olhando com raiva.

– Preciso falar com você

– Ah vai pro inferno!

– Posso até ir, mas antes vou falar com você

Enchi as bochechas de ar e soprei com desânimo.

– Pois bem, fale

Você me beijou na festa, não me importo se estava bêbada ou se não estava bem naquele dia, mas precisa explicar para aquela moça que estava comigo que foi você quem veio até minha mesa, e foi você quem me beijou – Ele disse de uma maneira bem decidida, meneei com a cabeça por alguns segundos

– Certo – Apontei para ele, que pareceu aliviado com a assertiva – Eu fui até a sua mesa , eu beijei você – Apontei para mim- Mas não vou falar com ninguém não – Fiz o melhor sorriso cínico da face da Terra

– O quê?!

– Não estou a fim de falar

– Você tem que falar, ela não quer mais olhar para a minha cara!

– E eu com isso?

– Você? – Ele estava ficando nervoso, balançando as mão freneticamente – Você foi a causa dela não querer mais falar comigo

– É. Exatamente – Fiz uma pausa para fingir que refletia – Mas não vou falar nada para ela nem para ninguém – Dei um sorriso de escárnio e voltei a nadar

– O quê?!

Bem, eu ainda estava nadando quando percebi que Daris simplesmente pulara na piscina (ainda vestido) e estava caminhando até onde eu estava, depois que foi ficando mais fundo ele passou a nadar. Parei e simplesmente não consegui me mover. O que esse idiota está fazendo?

– Ei, que porcaria é essa calouro?

Ele não respondeu.

– Saia agora mesmo!

Continuou vindo em minha direção.

– Daris, se você continuar vai ter o pior castigo da sua vida!

Ele chegou até mim, segurou meus braços com força, os olhos dele exprimiam claramente uma raiva, fiquei surpresa de poder ver a intensidade do sentimento só olhando.

– Você. Vai. Falar. Pra. Ela! – Ele me chacoalhou , confesso que fiquei alguns segundos sem reação, eu não esperava aquilo – ENTENDEU?

Não foi algo pensado, quando dei por mim eu já estava me livrando rapidamente dos braços dele e deferindo um soco bem na têmpora. Ele simplesmente apagou. Droga. Droga. Droga. O sangue ainda estava jorrando perto do olho e se espalhando pela água da piscina. Com um braço dei a volta no braço dele e no pescoço, usei outro braço meu para remar até a borda. Fiz o corpo dele subir a borda. Arrastei Tomás Daris até o vestiário feminino (era raro encontrar mulheres por lá). Peguei o robe e fiz um travesseiro para apoiar a cabeça dele, com a camisa limpei e estanquei o sangue, chequei o pulso. Estava normal. Dei uns tapinhas no rosto dele. Nada. Droga. Peguei um braço dele e coloquei em volta do meu pescoço, tentei levantá-lo. Era muito mais pesado do que parecia. Fiz mais força e consegui arrastá-lo. Olhei para fora da área da piscina para ver se não havia alguém. Vazio. Caminhei arrastando comigo um calouro inconsciente e sangrando, que ótimo. Hora de subir as escadas. Malditas escadas! Troquei de posição, passei a segurá-lo debaixo das axilas, cruzando os dedos em seu peito e apoiando a cabeça dele em mim. Voltei a posição normal para passar a chave e abrir a porta, fechei a com um pontapé, coloquei o com cuidado na cama, fui até a porta trancar com a chave.

Peguei uma toalha limpa e molhei, coloquei no ferimento na cabeça. Pus alguns travesseiros abaixo das pernas dele para que elas ficassem num nível mais alto que a cabeça, desabotoei a calça. Coloquei algumas toalhas com água fria no rosto dele. E esperei. Eu o olhei, o sangue ainda estava na camisa, olhos fechados, a culpa era minha.Ele parecia muito mais calmo inconsciente, a barba estava por fazer, cabelos molhados pendiam pela testa, não parecia um calouro do exército furioso porque a Capitã o beijou o que lhe fez perder a namorada, parecia um menino tirando um cochilo depois de uma tarde inteira na piscina, exceto pelo machucado. Eu já ia fazer com que ele fosse morto, não precisava fazê-lo sofrer mais afinal. Me senti um lixo, o pior dos piores monstros. Após pouco mais de um minuto ele tentou abrir os olhos, segurei a mão dele e tratei de tranqüilizá-lo.

– Vai ficar tudo bem- eu disse num sussurro

Na verdade, não ficaria. Mas o que eu quis dizer é que pelo menos por agora tudo ficaria bem. Pelo menos nas próximas horas, eu não tentaria destruir a vida dele, ou machucá-lo. Eu só ficaria ali esperando que ele retomasse os sentidos, e quando isso acontecesse eu lhe faria um curativo e pediria desculpas, até vou falar para a patetona que o beijo foi culpa minha, se ele ainda quiser. Sei que se eles voltarem eu vou ter um trabalho maior depois, mas eu não quero ser como as pessoas do sistema, que destroem tudo por onde passam sem ao menos olhar para trás. Eu sei, eu sei que vou acabar causando muito mal a ele no fim das contas, mas quero pelo menos dar uma chance de que ele aproveite mais, que ame mais, que seja amado. Eu não sou igual a eles, aqueles monstros....

...ou não quero ser.