A Vida Como Ela É

Capítulo 3 - Renascendo


Depois que o show havia terminado, voltei ao balcão do bar e lá fiquei esperando por Kurt. Cheguei a querer ir embora pela demora, mas quando vi que ele se aproximava de mim, o alívio foi instantâneo.


- Curti muito sua banda... Vocês são demais! - Tentei dar o maior sorriso que pude, e em troca dele também recebi um sorriso, só que bem mais natural e encantador. - Se tivesse um pouco mais de coragem também montaria uma...


- O que você toca?


- Nada, só tenho as minhas letras... Estão guardadas até hoje no meu armário...


Kurt sentou ao meu lado e pediu cerveja pra nós dois. Já havia perdido a conta de quantos cigarros estava fumando aquela noite.


- Uma compositora... Isso também dá dinheiro. - Ri dele.


A partir daí o teor de nossa conversa foi muito mais brando. Reconheço que o efeito do álcool me fez me sentir muito mais relaxada e à vontade, o que só possibilitou que tudo ficasse mais descontraído.

Aliás, pude notar que Kurt era realmente apaixonado por música. Gastamos um bom tempo falando de bandas, músicas, estilos, discos... Até que....


- Não acredito que você tem Remasters... - Disse ele, se referindo a meu disco querido do Led Zeppelin.
- Tenho sim... Se quiser eu te empresto...
- Estava feito um louco atrás desse disco... Vou ter que aceitá-lo emprestado... - Ele sorriu antes de beber mais um gole de cerveja.
- Sem problemas...


Lá pelo fim da noite o baixista do nirvana veio até nós e chamou o loiro. Como estava bem tarde, me levantei, já ajeitando minhas coisas pra voltar pra casa. Minutos depois Kurt voltou um pouco surpreso.


- Já vai?
- Claro, olha a hora... Eu já devia estar no sétimo sono... - Ele riu.
- Você mora aqui perto?
- Sim, a poucos quarteirões.
- Quer que eu te acompanhe até em casa?
- Ah, não precisa... Obrigada. - Rejeitei o pedido apenas por educação mesmo.
- Tem certeza? Não é muito seguro pra você ficar andando sozinha de madrugada... - Ri dele. Até parece que com seu ''porte'' Kurt faria alguma coisa se um tarado quisesse me estuprar, mas tudo bem... Tive que aceitar, né.


- Você tem razão... Eu aceito. Aproveito pra te dar logo o disco. - Ele sorriu satisfeito.


Depois que Kurt insistiu em pagar a conta, saímos do Crocodile. Já era bem tarde, mas a noite ainda estava bem iluminada... Principalmente pela linda lua cheia que nos acompanhava pelo caminho. Como no bar, lá fora não falávamos mais nada em relação a nossos dramas pessoais. Eu até começara a descobrir o lado divertido de Kurt, que incrivelmente me fez soltar muitas risadas.


Lá pelo meio do caminho refleti que estava andando por aquelas mesmas ruas, por aquelas mesmas calçadas molhadas, passando pelos mesmos becos inseguros, sentindo o mesmo ar congelante das madrugadas de Seattle. Mas sabia que tudo estava diferente. Eu estava sendo acompanhada por alguém que me parecia ser o suficiente, ser o que bastava em todo o universo para me fazer dar um único sorriso, coisa que era tão complicada de acontecer antes de o conhecer. Meu desejo era de poder externar mais a minha vontade de intensificar tudo aquilo, tornar tudo logo mais íntimo, mais sólido, mais uno. Mas ao mesmo tempo receava muita aproximação. Só o fato de me imaginar em alguma situação mais íntima já me causava uma leve taquicardia, seguida de um nó na garganta, um breve sufoco.


Era estranho e ao mesmo tempo contagiante o modo como o papo fluía entre nós dois. Me sentia mais aliviada ao perceber que o silêncio constragedor não durava mais que o necessário para um novo papo surgir. E foi sob uma breve entrevista mútua que chegamos até meu apartamento. Abri o ruidoso portão e esperei que ele entrasse, enquanto meu coração explodia de ansiedade. Não estava acostumada com visitas, muito menos masculinas, e por isso fiquei calada por todo o trajeto de subida das escadas. Já na porta de casa, recolhi as chaves um pouco trêmula e as revirei na fechadura, vidrdada no ruído que o giro das chaves geraram.


- Não repare a bagunça. - O alertei assim que entramos. Ele sorriu.
- Se isso é bagunça, não queira ver meu apartamento... - Ele disse enquanto eu trancava a porta. Foi minha vez de rir.
- Pode deixar seu casaco aqui, eu vou pegar o disco. - Apontei para o cabideiro que havia bem na entrada da sala. Ele assentiu.


Fui até meu quarto e, enquanto procurava pelo disco na prateleira, me peguei rindo sozinha. Para mim era estranha a sensação de estar sentindo euforia. Não sabia até onde poderia aguentar devido à minha timidez, mas ao mesmo tempo rezava para que algo de bom acontecesse entre nós para eu ir dormir mais feliz. Assim que encontrei o disco certo, respirei fundo e voltei à sala. Vi que ele estava sentado no sofá e me aproximei dele, sentando ao seu lado.

– Aqui está... - Entreguei a ele, que sorriu instantâneamente.
– Caramba, esse é um clássico... Obrigada. - Seus olhos brilhavam enquanto suas mãos seguravam o disco.
– De nada... Bom proveito.


Quando o silêncio se pronunciou, ofereci cerveja a ele.


- Você mora sozinha nesse apartamento? - Ele perguntou antes de tomar um gole da bebida. - Moro...


- Não se incomoda com a solidão? - Ao ouvir aquela pergunta, senti querer me emocionar. Aquela era uma de minhas maiores dores e ele logo percebeu esse fato.


- Não tem como não sofrer com isso... - Eu falava pausadamente para não desatar a chorar. - É o preço que se paga por fugir de casa.


- Também sei como é isso... É muito foda ter que compartilhar tudo consigo mesmo. - Notei que ele tentava me acalmar com seu tom de voz. - Mas não se preocupe com isso... Se depender de mim não ficará mais sozinha.

Aquela frase aqueceu meu coração de tal forma que consegui apenas sorrir enquanto me perdia no azul daquele olhar. Aliás, nossa troca de olhares estava durando mais que o esperado e, como um reflexo, um ato meramente impensado, aproximei meu rosto e timidamente encostei meus lábios nos dele.


Quando me dei conta, pensei em parar o que tinha feito, mas para o meu alívio, ele não rejeitou o beijo. Aliás, além de não rejeitar, segurou gentilmente a minha nuca, aprofundando mais tudo aquilo. Os segundos passaram depressa, eu me sentia cada vez mais longe, longe... Sentia que estava leve e ao tempo pesada, intensa, em chamas. Sabia que nós dois precisávamos daquilo, daquela troca urgente de afeto, e de carinho. Era preciso. E eu precisava. E muito.


Segundos depois senti que Kurt levantava minha blusa e apenas me deixei levar por tudo aquilo. Logo também o ajudei a se despir, até que o sofá se tornou pequeno demais pra nós dois. Olhei bem em seus olhos, aqueles olhos azuis profundos e sinceros... Apenas sorri e peguei em sua mão, o ajudando a levantar do sofá. Chegando em meu quarto, tudo ocorreu o mais naturalmente possível. Nunca pensei que poderia ficar tão à vontade com alguém numa situação dessas. Ele teve esse incrível poder de me fazer normal, me fazer humana, me fazer me sentir especial. Nos amamos ali mesmo... Sob a lua cheia daquele fim de ano... Fim de 1992. Doce data... Triste data...


Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.